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NUTRIÇÃO CLÍNICA Bianca Duarte Beck Suporte nutricional parenteral Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Conhecer o histórico do suporte nutricional parenteral e como ele é realizado no momento atual, definindo suas indicações e contraindicações. Identificar os tipos de fórmulas para nutrição parenteral, conhecendo sua composição e suas características, e entender como ocorre a administração e a monitoração desse suporte. Descrever os tipos de complicações mais observadas na prática do suporte nutricional parenteral. Introdução O suporte nutricional parenteral consiste na infusão intravenosa de nutrientes diretamente na circulação sistêmica, contornando o trato gastrointestinal. Trata-se de uma terapêutica antiga, que foi aprimorada com o passar dos anos, e hoje é uma alternativa muito eficiente para diversas condições clínicas que exigem a sua utilização. Neste capítulo, você vai conhecer o histórico do suporte nutricional parenteral e como ele é realizado no momento atual, definindo suas indicações e contraindicações. Também vai identificar a composição das dietas e suas características, além de entender como é realizada a sua administração e monitoração. Por fim, vai especificar os tipos mais obser- vados de complicações que ocorrem no suporte nutricional parenteral. A nutrição parenteral Histórico Na história da nutrição parenteral (NP), temos os primeiros relatos de seu surgimento em 1931, quando foram formuladas as primeiras soluções venosas contendo cloreto de sódio, carboidrato e água, para tratamento de doenças como a cólera. Em 1937, Robert Elman desenvolveu um estudo experimental em cães, no qual ele demonstrou a administração bem-sucedida de nutrição parenteral no desenvolvimento e crescimento de beagles, utilizando proteínas sob a forma de hidrolisados de caseína suplementados por triptofano, em as- sociação com metionina ou cistina. Após os resultados positivos apresentados nesse estudo, ocorreu em 1967 a primeira indicação clínica de NP por uma via de administração central em humanos, no Hospital Pediátrico da Filadélfi a (Pensilvânia, EUA). No Brasil, a história da NP iniciou em 1969, no Rio de Janeiro, com Geraldo Chini. A Secretaria de Vigilância Sanitária (BRASIL, 1998) define a nutrição parenteral como: [...] solução ou emulsão, composta basicamente de carboidratos, aminoácidos, lipídios, vitaminas e minerais; estéril e apirogênica, acondicionada em reci- piente de vidro ou plástico, destinada à administração intravenosa em pacientes desnutridos ou não, em regime hospitalar, ambulatorial ou domiciliar, visando à síntese ou manutenção dos tecidos, órgãos ou sistemas. Ela também regula que os insumos farmacêuticos e correlatos industrial- mente preparados, adquiridos para o preparo e a manipulação da NP, devem ser devidamente registrados no Ministério da Saúde e acompanhados do certificado de análise emitido pelo fabricante, e ainda precisam atender às especificações físico-químicas e microbiológicas exigidas. Além disso, deve haver a presença de uma equipe multiprofissional (exigência primária), com- posta por profissionais médicos, farmacêuticos, nutricionistas e enfermeiros, para a promoção de ações direcionadas e especializadas ao paciente. A equipe multidisciplinar de terapia nutricional Nesse sentindo, atualmente o Ministério da Saúde (MS) criou a resolução nº 4.283 que exige que todo hospital tenha uma equipe direcionada à adequada Suporte nutricional parenteral350 terapia nutricional de seus pacientes. O trabalho conjunto de especialistas com formações distintas permite integrar, harmonizar e complementar os conhecimentos e as habilidades dos integrantes da equipe, a fi m de cumprir o objetivo proposto: identifi car, intervir e acompanhar o tratamento dos dis- túrbios nutricionais. Essa equipe é denominada de equipe multidisciplinar de terapia nutricional (EMTN). A equipe multidisciplinar é definida como grupo formal e obrigatoriamente constituído de pelo menos um profissional médico, um farmacêutico, um enfermeiro e um nutricionista, habilitados e com treinamento específico para a prática da terapia nutricional. Ela tem como objetivo identificar pacientes que tenham indicação de terapia nutricional, bem como direcionar a escolha da melhor via de terapia – seja por via oral, enteral ou parenteral. Também são atribuições da equipe: definir metas técnico-administrativas; realizar triagem e vigilância nutricional; avaliar o estado nutricional; assegurar condições ótimas de indicação, prescrição, preparação, armazenamento, transporte, administração e controle da terapia; educar e capacitar a equipe; criar pro- tocolos; analisar o custo e o benefício; traçar metas operacionais da EMTN. As vantagens da EMTN estão descritas em estudos que, desde a década de 1980, mostraram vantagens e melhores resultados relacionados à aplicação da TN, quando realizada por EMTN. Essas vantagens estão relacionadas à norma- tização das condutas, ao surgimento de protocolos, à redução das complicações mecânicas, metabólicas, gastrointestinais, infecciosas e à melhor adequação nutricional. Segundo alguns estudos, a presença de equipe multidisciplinar aumentou a frequência de avaliação nutricional e proporcionou oferta mais adequada de nutrientes, indicação mais apropriada de nutrição parenteral, e diminuição de custos e tempo de internação. Suporte nutricional parenteral O suporte nutricional tem como objetivo fornecer as quantidades necessárias de energia e proteína, em conjunto com uma quantidade adequada de água, minerais, vitaminas e minerais traços, de acordo com as diretrizes para exigên- cias nutricionais. Existem três vias utilizadas para a administração de suporte nutricional: suporte nutricional oral, nutrição via sonda enteral e nutrição parenteral. No suporte nutricional oral, ocorre a modifi cação dos alimentos e líquidos, com maior aporte de alimentos com proteínas, carboidratos e/ou gorduras, minerais, vitaminas e/ou suplementos orais. A nutrição via sonda enteral de alimentação é aquela em que o fornecimento de calorias, proteína, eletrólitos, vitaminas, minerais, elementos traços e líquidos ocorre por meio 351Suporte nutricional parenteral da via intestinal, com utilização de formulação artesanal ou industrializada. Já na nutrição parenteral (NP), o fornecimento de calorias, aminoácidos, eletrólitos, vitaminas, minerais, elementos traços e líquidos ocorre por via intravenosa. A avaliação inicial ocorre com a triagem nutricional, na qual se diagnostica o estado nutricional do paciente, identificando situações de desnutrição e o nível de estresse fisiológico. Após a avaliação do paciente (e se constatada a necessidade do suporte nutricional), ocorre a determinação da via de admi- nistração. Assim, iniciam-se as avaliações de funcionalidade e segurança do trato gastrointestinal (TGI). Resumidamente, o planejamento e a execução do suporte nutricional ocor- rem seguindo as seguintes etapas: 1. Avaliação do estado nutricional: avaliação clínica de sinais de desnutri- ção, da doença base, da ingestão alimentar e de atividades planejadas (cirurgias, tempo de internação hospitalar, prognóstico do paciente). 2. Diagnóstica nutricional e estimativa das necessidades nutricionais. 3. Seleção da via de administração do suporte nutricional. 4. Monitoração da ingestão ou quantidades infundidas. 5. Modificação do volume e/ou da rota de administração (se necessário). 6. Monitoração dos efeitos e das complicações da terapêutica aplicada. Indicações de nutrição parenteral Defi nimos que a NP é a infusão intravenosa de nutrientes diretamente na circulação sistêmica, contornando o TGI. Como regra estabelecida, o suporte nutricional deve priorizar as vias fi siológicas em suas indicações; logo, o suporte nutricional oral e o enteral devem ser priorizados, quando existir possibilidade segura para a sua administração. Entretanto,em situações clínicas em que é inviável a utilização do TGI para suprir as necessidades nutricionais do paciente, a via intravenosa deve ser avaliada como alternativa para garantir o suporte nutricional. O suporte nutricional parenteral estará indicado em situações clínicas nas quais, após a avaliação clínica e nutricional, identifique-se a necessidade de nutrição por via alternativa, sem utilizar o TGI. Além disso, essa forma de suporte nutricional deve ser priorizada em condições clínicas nas quais se identifique a impossibilidade de oferta nutricional utilizando o TGI por mais de sete dias, ou em situações em que o TGI precise ser poupado, com finalidade terapêutica. Suporte nutricional parenteral352 Algumas indicações clínicas específicas para a utilização de suporte nu- tricional parenteral são apresentadas a seguir: Vômito intratável: ocorre em situações de pancreatite aguda, hiperemese gravídica, quimioterapia, entre outros. Diarreia grave: doenças inflamatórias intestinais, síndrome de má absorção, síndrome do intestino curto. Mucosite/esofagite: quimioterapia, doença enxerto versus hospedeiro. Obstrução no TGI: neoplasias, aderências, malformação do TGI. Repouso intestinal: fístulas enteroentéricas, enterocutâneas. Pré-operatório: em caso de desnutrição grave, em que a cirurgia não pode ser adiada. Alterações de íleo: grandes cirurgias abdominais, trauma grave, isque- mia mesentérica, pacientes sem condições para jejunostomia. A indicação de uso de suporte nutricional parenteral deve ser pautada em análise clínica individual do paciente, avaliando os riscos e benefícios que esse suporte poderá gerar no quadro clínico atual e futuro. Contraindicações para o suporte nutricional parenteral A primeira contraindicação para a utilização do suporte nutricional parenteral se dá pela viabilidade do uso do TGI como via de alimentação. Nessas situações, o TGI deve ser elegível como a via de suporte nutricional, promovendo uma oferta nutricional de forma mais fi siológica e segura. Outra contraindicação absoluta para o uso de suporte nutricional é a instabilidade hemodinâmica. Situações de hipovolemia, choque cardiogênico ou séptico, edema pulmo- nar, anúria sem diálise, distúrbios metabólicos e eletrolíticos profundos não garantem a segurança clínica necessária para se estabelecer qualquer tipo de suporte nutricional. Essas situações devem ser estabilizadas previamente, para que se possa iniciar o suporte nutricional. Também há situações de contraindicação relativas ao uso de nutrição via parenteral, em que a equipe multidisciplinar deve avaliar a viabilidade e necessidade do início da terapêutica. Situações de jejuns inferiores a cinco dias, em pacientes que não apresentam desnutrição severa, devem ser discu- tidas pela equipe, a fim de determinar as previsões para o início do suporte nutricional, avaliando o quadro e os prognósticos esperados. Pacientes com prognósticos que não necessitem de suporte nutricional agressivo podem ter contraindicação para o uso de nutrição parenteral. Além disso, é questioná- 353Suporte nutricional parenteral vel o uso de nutrição parenteral em pacientes terminais, que não possuam perspectivas terapêuticas. Entretanto, essas são contraindicações relativas; portanto, necessitam de definição pautada na avaliação global do paciente e dos benefícios que o suporte nutricional poderia agregar ao tratamento e ao prognóstico clínico. O Manual de Terapia Nutricional (BRASIL, 2016) é um guia prático, que reúne dados em um único documento e sugere instrumentos que poderão ser adotados nos serviços de saúde, por seus profissionais habilitados, com o objetivo de ilustrar e facilitar a tomada de decisão na prática clínica diária. https://goo.gl/sXVRGp Características da nutrição parenteral Composição da dieta parenteral A composição da nutrição via parenteral contém diferentes componentes, incluindo água, macronutrientes (carboidratos, lipídeos, aminoácidos), ele- trólitos, micronutrientes (elementos traços e vitaminas) e outros aditivos (como glutamina, insulina, heparina). Eles podem ser administrados usando recipientes separados ou a partir de um sistema de bolsa “pronta para uso”, preparado na farmácia do hospital ou pela indústria. A evolução na tecnologia aplicada ao suporte nutricional proporciona diferentes opções para a oferta do suporte nutricional. As soluções da nutrição parenteral de bolsa “pronta para uso” são frequentemente administradas a partir de um sistema de bolsa fechado, evitando exposição e contaminação. De forma geral, as dietas elaboradas seguem duas linhas: Soluções preparadas localmente, preparadas à mão ou com um dispo- sitivo de manipulação automatizado. Dietas parenterais fabricadas, comercializadas e fornecidas em bolsas de multicâmaras. Há atualmente dois tipos bolsas de multicâmaras Suporte nutricional parenteral354 https://goo.gl/sXVRGp comercializadas pela indústria farmacêutica: as bolsas de câmara dupla e as de câmara tripla. Nas bolsas de câmara dupla, existe um comparti- mento contendo uma solução de aminoácidos e outro contendo glicose (com ou sem eletrólitos). O componente lipídico – se utilizado – deve ser administrado a partir de uma bolsa separada. Já as bolsas de câmara tripla contêm todos os macronutrientes (com ou sem eletrólitos) divididos em três compartimentos separados. Se forem necessários elementos traços e vitaminas, eles podem ser injetados nas bolsas de duas ou três câmaras, ou infundidos por uma via separada. A composição da dieta é influenciada por diversos fatores, que devem ser avaliados ao se escolher a formulação mais apropriada para atender às diversas necessidades nutricionais dos pacientes dependentes desse suporte. Assim, são avaliados: A demanda de energia (glicose) e proteína (nitrogênio) exigida pelo paciente, de acordo com o seu diagnóstico, estado clínico e prognóstico. O suporte proteico vai variar de forma individual, uma vez que diferentes pacientes possuem necessidades de nitrogênio igualmente diferentes, conforme os níveis de estresse metabólico. Dessa forma, a avaliação clínica do estado geral do paciente vai determinar a necessidade da demanda de nitrogênio, podendo ser normal, moderada e alta. As exigências nutricionais adicionais do paciente, fornecidas pelas emul- sões lipídicas. Estas também são responsáveis por atender às exigências nutricionais de ácidos graxos e necessidades estruturais de membrana. O volume da bolsa e as necessidades de fluidos. A influência dessa questão afeta principalmente os pacientes em estado crítico que uti- lizam o suporte nutricional parenteral, levando em consideração que esses pacientes necessitam de um controle de volume ofertado, para o manejo de complicações como edema periférico, edema pulmonar, insuficiência cardíaca, entre outros. Além disso, o paciente crítico muitas vezes precisa utilizar drogas infundidas via intravenosa; logo, o ajuste do volume total ofertado ao paciente é uma necessidade. A osmolaridade da solução infundida. De acordo com as diretrizes da ESPEN, a baixa osmolaridade de infusões administradas periferica- mente pode ajudar a prevenir tromboflebite venosa periférica. Essas diretrizes recomendam que a osmolaridade da solução infundida não deve exceder 850 mOsm/l, quando administrada por uma veia periférica. 355Suporte nutricional parenteral Aminoácidos As soluções de aminoácidos disponíveis para formulação de nutrição pa- renteral contêm produtos de aminoácidos mistos, fornecendo todos os nove aminoácidos essenciais (histidina, isoleucina, leucina, lisina, metionina, fe- nilalanina, treonina, triptofano e valina), em quantidades variáveis entre 38 e 57% dos aminoácidos totais, e uma composição variável de aminoácidos não essenciais (por exemplo, alanina, arginina, glicina, prolina, serina e tirosina. Essas soluções são fornecidas em diferentes concentrações de aminoácidos, com ou semeletrólitos. Carboidratos A fonte de carboidrato mais utilizada na composição de nutrição parenteral é a dextrose. As soluções de dextrose estão disponíveis em uma gama de concentrações e geralmente contribuem com a maior parte da osmolaridade da solução de NP. São comercializadas em concentrações de 5, 10, 25, 50 e 70%. A necessidade mínima de glicose varia de 100 a 150 g/dia, tendo 3,4 kcal/g. Emulsões lipídicas Existem variações entre os tipos de percentual de gordura nas soluções de nutrição parenteral. A utilização do óleo de soja já representou a fonte mais comum das formulações; entretanto, observou-se que as emulsões de soja têm possíveis associações com o aumento do risco de peroxidação lipídica, redução das defesas antioxidantes, efeito supressor de células imunes, complicações hepatobiliares e aumento dos níveis de fi toesterois. Atualmente, as formulações lipídicas comercializadas incluem emulsões lipídicas compotas de: formulações à base de óleo de soja, geralmente referidas como trigli- cerídeos de cadeia longa (LCT); misturas “farmacêuticas” (geralmente 50:50) de LCT do óleo de soja e de triglicerídeos de cadeia média do óleo de coco (MCT); misturas “farmacêuticas” de triglicerídeos com uma molécula de gli- cerol, tendo uma distribuição de ácidos graxos com cadeias de com- primentos diferentes; misturas de óleo de oliva e óleo de soja (80:20); Suporte nutricional parenteral356 misturas de lipídeos incluindo óleo de peixe (por exemplo, misturas de óleo de soja, MCT, óleo de oliva e óleo de peixe); óleo de peixe isolado, para ser usado como um suplemento, em com- binação com outras emulsões. Vitaminas A utilização de vitaminas e elementos traços é avaliada. Eles podem ser injeta- dos nas bolsas de duas ou três câmaras ou infundidos por uma linha separada. Casos agudos e processos infecciosos podem necessitar de maiores quantidades. Deve-se observar a interação entre o uso concomitante de vitaminas e medicações específicas. Multivitamínicos comerciais específicos para NP em geral apresentam níveis suficientes para manter concentrações normais de vitaminas, mas não para corrigir deficiências preexistentes. Eletrólitos A análise do estresse metabólico inclui a avaliação diária dos eletrólitos. O quadro clínico do paciente é diretamente infl uenciado pelas concentrações de eletrólitos, que apontam ajustes necessários ao equilíbrio osmótico e à manutenção das funções celulares. A administração de eletrólitos deve ocorrer com base na evolução diária e no balanço hídrico do paciente. Água As necessidades hídricas devem ser supridas pela nutrição parenteral. No estado crítico, muitas vezes ocorre a necessidade de restrição de fl uídos, uma vez que, na via periférica, são administradas diversas drogas infundidas em soluções. Nesse sentido, é preciso que a oferta hídrica seja programada de forma global, considerando todos os fl uídos administrados. Além disso, muitas vezes ocorrem quadros de retenção hídrica, decorrentes do contexto clínico do paciente. Nessas situações, é preciso observar o balanço hídrico do paciente, programando medidas de correção para o balanço hídrico positivo. 357Suporte nutricional parenteral Via de acesso para a nutrição parenteral O suporte nutricional parenteral administra nutrientes em altas concentrações; portanto, exige um acesso venoso seguro. O acesso venoso utilizado pode ser central ou periférico – a eleição da via de acesso é uma determinação médica, que deve ser avaliada de forma individualizada. É possível a utilização de cateteres percutâneos tunelizáveis por via subcutânea ou de portas de infusão implantadas por via subcutânea; essa em geral é a opção para terapias de longo prazo, em um contexto não hospitalar. Já os cateteres centrais de inserção periférica temporários (PICCs), que avançam na veia cava superior (SVC), são a via de escolha para a distribuição da NP em pacientes hospitalizados. O acesso à SVC pode ser obtido pela veia jugular interna ou pela veia subclávia, com um cateter venoso central (CVC). Nutrição parenteral periférica De forma geral, as vias periféricas são elegidas para o suporte de curto prazo. Nesse caso, não devem ser utilizadas soluções de glicose em concentração acima de 10%, e a osmolaridade máxima deve ser de 850 mOsm/l. Essa opção costuma ser utilizada como suporte nutricional complementar, sem a pretensão de suprir 100% das necessidades nutricionais, e deve ser uti-lizada em condições clínicas que não exijam restrição de volume. Além disso, ela pode ser utilizada na suplementação da nutrição enteral e nos processos de transição para nutrição enteral. Ainda, pode ser aplicada como nutrição parenteral suplementar, em que parte dos nutrientes são ofertados via TGI. Nutrição parenteral central Essa opção utiliza veias profundas (veia cava superior) e é utilizada para o suporte de longo prazo. Além disso, permite a utilização de soluções hiperos- mo lares e oferece diluição por fl uxo sanguíneo e a energia necessária, sem extrapolar a quantidade de fl uído. Ainda, suporta concentrações maiores de glicose, que seriam irritantes para o endotélio, bem como a nutrição parenteral total (NPT), na qual a nutrição parenteral é a única fonte de nutrientes. Suporte nutricional parenteral358 Métodos de administração da nutrição parenteral A administração da nutrição parenteral pode ocorrer de forma contínua ou cíclica. O método contínuo ocorre por meio da infusão contínua de nutrientes em 16 a 24 horas, com fl uxo constante e sem interrupções. Geralmente se inicia com uma infusão de 30 a 40 ml/h, atingindo cerca de 50% das necessidades proteico-calóricas. A progressão ocorre de acordo com a tolerância do paciente, tendo como principais parâmetros os níveis séricos de glicose e o seu quadro clínico, até que se alcancem as necessidades nutricionais estipuladas. Já a administração cíclica ocorre em períodos de 12 a 14 horas. É o método mais utilizado para pacientes em uso de suporte parenteral domiciliar, uma vez que pode ser administrado no período noturno, possibilitando maior liberdade ao paciente durante o dia. Nesse método, a infusão ocorre de forma escalonada, com gotejamento lento, aumentando a velocidade a cada 20 a 30 minutos, até alcançar a velocidade constante de infusão. Término da infusão A interrupção da nutrição parenteral deve ser programada com antecedência. Uma vez que a infusão de glicose estimula a secreção de insulina, a interrupção abrupta pode causar estado de hipoglicemia. Monitoração A utilização de suporte nutricional parenteral exige monitoração para a sua efetividade e segurança. As variações séricas de eletrólitos exigem ajustes, de modo a garantir que o suporte nutricional esteja atuando no manejo ou na recuperação do estado nutricional do paciente. Os parâmetros metabólicos devem ser avaliados diariamente, até que se atinja a estabilidade. Além disso, também é preciso estar atento aos parâmetros infecciosos, uma vez que a via de administração parenteral é porta de entrada para o início de processos infecciosos. 359Suporte nutricional parenteral As complicações do suporte nutricional parenteral As complicações envolvidas no suporte nutricional parenteral podem ser sub- divididas em três grupos: complicações metabólicas, complicações mecânicas e complicações infecciosas. Complicações metabólicas As diversas complicações metabólicas são decorrentes da defi ciência ou do excesso dos componentes da nutrição parenteral, como eletrólitos, minerais, glicose, ácidos graxos essenciais e vitaminas. Existem diversas alterações metabólicas que podem ser infl uenciadas pelo suporte parenteral, as quais são ainda mais prevalentes em pacientes em que o quadro clínico geral esteja crítico. Hiperglicemia Uma das alterações metabólicas mais observadas no suporte nutricional pa- renteral é a hiperglicemia. A monitoração da glicemia é uma das condutas fundamentais noprocesso de suporte parenteral, e a presença de hiperglicemia é uma alteração metabólica observada com frequência, principalmente em pacientes diabéticos, sépticos ou em uso de medicamentos hiperglicemiantes A escolha e o cuidado adequados com a via de acesso venoso são fundamentais para minimizar eventos adversos e garantir o sucesso da terapia de nutrição parenteral (TNP). O tipo e o local de acesso têm relação com o volume, a composição e a concentração da solução utilizada, além do tempo previsto para a terapia. Para saber mais sobre esse assunto, acesse as diretrizes da Associação Brasileira de Nutrologia (SOCIEDADE BRASILEIRA DE NUTRIÇÃO PARENTERAL E ENTERAL; ASSOCIA- ÇÃO BRASILEIRA DE NUTROLOGIA, 2011), sobre os acessos para a terapia de nutrição parenteral e enteral. Esse material aborda as principais recomendações relacionadas à escolha do acesso venoso e sua localização, o ambiente de passagem, as soluções antissépticas empregadas, os tipos de curativos, a manutenção e os controles do posicionamento. https://goo.gl/QmCPZ9 Suporte nutricional parenteral360 https://goo.gl/QmCPZ9 como os corticosteroides. A hiperglicemia causa efeitos deletérios e pró- -infl amatórios, e aumento de suscetibilidade a infecções. A elevação transitória dos níveis glicêmicos é observada após o início do suporte parenteral; entretanto, sua estabilização deve ocorrer de forma pro- gressiva, sendo a secreção endógena de insulina ajustada à taxa de infusão da solução. Dessa forma, o início gradual da nutrição parenteral favorece o ajuste da secreção endógena de insulina. Em situações adversas, nas quais esse ajuste não ocorre de forma fisiológica, é necessária a utilização de insulina exógena de forma intermitente ou contínua, controlando a hiperglicemia. Outra medida que pode ser utilizada é a redução da taxa de infusão de glicose, reduzindo a utilização soluções glicosadas. Além disso, é possível modificar as concen- trações de macronutrientes da nutrição parenteral, utilizando formulações reduzidas em carboidratos e com maior conteúdo de lipídios. Síndrome de realimentação A síndrome de realimentação representa um conjunto de alterações metabó- licas e hemodinâmicas decorrentes da reintrodução rápida e inadequada de nutrientes a pessoas desnutridas. O suporte nutricional repentino para indiví- duos malnutridos pode acarretar um distúrbio eletrolítico severo, alterações no metabolismo da glicose, defi ciência de vitaminas e intoxicação hídrica. Essas alterações metabólicas estão associadas a complicações clínicas como o desenvolvimento de arritmias cardíacas e choque cardiogênico. A incidência dessa síndrome pode chegar a 40%, nos pacientes gravemente desnutridos. Além disso, os maiores riscos para seu desenvolvimento também cursam com histórico de alcoolismo, anorexia nervosa, vômitos incontroláveis e presença de jejum prolongado. As condutas preventivas para a síndrome de realimentação são estabeleci- das pela progressão gradual da NP, atingindo as necessidades nutricionais no período de três a quatro dias. Ademais, a suplementação eletrolítica também deve ser manejada pela equipe médica. Hiperlipidemia Ocorre pelo excesso de infusão de solução de lipídios ou pela redução na taxa de metabolização de lipídios. Situações clínicas de sepse, disfunção hepática e intolerância à glicose podem favorecer a hipertrigliceridemia. O excesso de lipídios promove alterações indesejáveis, como alteração do sistema imunoló- 361Suporte nutricional parenteral gico, formação de radicais livres, inibição da agregação plaquetária, redução na capacidade de difusão de oxigênio e alterações de ventilação/perfusão. Hipercapnia Trata-se da oferta excessiva de calorias e glicose (overfeeding). Pode resultar na produção aumentada de dióxido de carbono (CO2) durante o metabolismo de carboidratos, acarretando o aumento do trabalho respiratório. Complicações renais Alterações renais são multifatoriais, mas é fundamental que o funcionamento renal esteja mantido e garantido durante o suporte nutricional parenteral. O controle adequado da taxa de excreção de ureia e a monitoração da função renal são aconselháveis, bem como o ajuste da taxa de infusão de aminoácidos, quando necessário. Alterações hepatobiliares Alterações das enzimas hepáticas ocorrem em 20 a 90% dos pacientes adultos que utilizam nutrição parenteral. Observa-se a elevação das transaminases nas duas primeiras semanas após o início da NP, e caracteriza-se pela sua normalização, com a interrupção da NP, modifi cação da fórmula ou associação com nutrição enteral (NE). Também ocorre normalização espontânea, com a continuidade do suporte nutricional. A esteatose hepática é caracterizada pela presença de níveis elevados de transaminases e fosfatase alcalina, acompanhada de hepatomegalia. Em geral, é percebida após algumas semanas de utilização de NP. Essa condição pode ser prevenida com a oferta adequada de nutrientes, evitando o overfeeding. Complicações mecânicas As complicações mecânicas estão associadas à incapacidade de infundir nutrientes ou fl uidos ou retirar sangue, a partir de um cateter. São consequên- cias de deslocamento, fratura, trombose e saída acidental do cateter. Além dessas, as possíveis complicações de decorrência mecânica são pneumotórax, embolia pulmonar e trombose venosa. Como medidas de profi laxia, é possível a utilização de anticoagulantes, a fi m de reduzir a formação de trombos. Suporte nutricional parenteral362 Complicações infecciosas relacionadas ao cateter As infecções relacionadas ao cateter venoso central (CVC) podem ocorrer no sítio de inserção, no túnel ou na loja de inserção, podendo ainda ser infecções sanguíneas, relacionadas ao material infundido ou ao cateter. Além disso, a incidência da infecção também está relacionada ao tipo de cateter: a incidência maior é observada em cateteres centrais de inserção periférica. Em relação ao sítio de inserção, a maior incidência de infecção é observada no acesso femoral. O manejo das infecções relacionadas a cateteres depende de vários fatores, como tipo de infecção, microrganismo envolvido, tipo de cateter e severidade da doença. Infecções locais podem ser tratadas com a retirada do cateter, cuidados locais e uso de antibiótico, conforme necessidade. Já em situações de maior severidade infecciosa, é indicada a troca e análise de todos os dis- positivos periféricos e centrais, além do uso de esquema de antibióticos, com base nas culturas encontradas. As medidas preventivas para evitar a infecção de cateter incluem uso de clorexidina para antissepsia, barreira total (gorro, máscara, avental, luvas e campos estéreis amplos) e desinfecção dos conectores durante as trocas de soluções ou o manuseio. No link a seguir, você encontra um artigo (VIANA; BUR- GOS; SILVA, 2012) que avalia as causas e a aplicação das medidas dietéticas profiláticas apropriadas, visando a prevenção e a diminuição da morbimortalidade da síndrome de realimentação. https://goo.gl/2bkvDR 363Suporte nutricional parenteral https://goo.gl/2bkvDR BRASIL. Ministério da Saúde. Manual de terapia nutricional na atenção especializada hospitalar no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS. Brasília, DF, 2016. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_terapia_nutricional_aten- cao_especializada.pdf>. Acesso em: 04 fev. 2018. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância Sanitária. Portaria nº 272, de 8 de abril de 1998. Brasília, DF, 1998. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/ saudelegis/svs1/1998/prt0272_08_04_1998.html>. Acesso em: 04 fev. 2018. SOCIEDADE BRASILEIRA DE NUTRIÇÃO PARENTERAL E ENTERAL; ASSOCIAÇÃO BRASI- LEIRA DE NUTROLOGIA. 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