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INTOXICAÇÕES EXÓGENAS AUTOR: PEDRO V.F. MEDRADO - Apesar da carência de dados, estima-se em 2-3 milhões anuais o número de intoxicações agudas no EUA, representando 5-10% dos atendimentos nos serviços de emergência - O suicídio corresponde à maioria dos casos que chegam ao PS, primordialmente pela via oral - A OMS estima que aproximadamente 15-30% da população é intoxicada por ano - A maior parte das intoxicações ocorrem por ingestão, porém podemos encontrar intoxicação por inalação ou absorção cutânea - 5-7% dos atendimentos em crianças - 0,1-0,4% das intoxicações culminam em óbito - Percentual importante na faixa etária abaixo dos 10 anos (ingestão acidental), e faixa etária dos 11-20 e dos 21-30 anos por tentativa de autoextermínio - Diversas causas de intoxicação · Água sanitária, anticoncepcional, benzodiazepínicos e etc... ENTENDENDO AS SINDROMES CLÍNICAS - Excesso de acetilcolina resulta numa síndrome colinérgica, que depende do tipo do receptor em questão estimulado, como nicotínico, muscarínico ou colinérgico em geral. - Os organofosforados (irreversivelmente) e os carbamatos (reversivelmente) agem inibindo a enzima acetilcolinesterase, assim aumentando os níveis de acetilcolina na fenda sináptica. · O “chumbinho” ou aldicarb é um inibidor da AChE da classe dos carbamatos. · Intoxicação por organofosforados pode durar dias e chegar a meses. · Intoxicação por carbamatos com melhora significativa após as primeiras 36-48h. - O excesso de nicotina age aumentando o estímulo de ação dos receptores nicotínicos - Síndrome colinérgica nicotínica – disfunção neuromuscular, taquicardia, hipertensão, fasciculações e paralisia. · Quando age nos nicotínicos pós-ganglionares e das junções neuromusculares, a acetil colina gera midríase, taquicardia, fraqueza e fasciculações. - Síndrome colinérgica muscarínica – aumento da diurese e evacuações, dor abdominal, vômitos, lacrimejamento, sudorese, hipersecreção brônquica, dispneia, tosse, miose e visão turva. · Síndrome úmida clássica/muscarínica se sobrepõe aos efeitos colinérgicos nicotínicos. - Os medicamentos anticolinérgicos inibem competitivamente a acetilcolina aos receptores muscarínicos (SNC, coração, musculo liso, glândulas secretoras e corpo ciliar do olho) · Manifestações proporcionais DIAGNÓSTICO - Emprega os mesmos processos para o diagnóstico de qualquer condição clínica: história (anamnese), exame físico e exames laboratoriais (se necessário) - Quando suspeitar? · Início agudo · Quadro clínico obscuro – não é possível correlacionar · Disfunção de múltiplos órgãos · Pacientes encontrados desacordados · Situações de estresse ou mudança ambiental · Convulsões, arritmias cardíacas, coma de etiologia desconhecida - Envenenamento deve ser considerado sempre no diagnóstico diferencial - Morte suspeita? · SVO – se não tiver de fazer a descrição e investigar sinais externos · Se sinais externos – IML Importância da história clínica - História do paciente geralmente é confusa e pouco confiável - História breve e dirigida - Intoxicação conhecida · Estimar quantidade ingerida · Intervalo entre ingestão e os primeiros cuidados · Presença de sintomas (correlacionar com o agente) · Medidas previamente tomadas · Doenças prévias significativas (e medicações prévias) - Substância desconhecida ou suspeita · Local onde a vítima foi encontrada · Presença de substâncias junto a ela · Uso crônico de medicações por algum familiar · Tipos de substâncias químicas na residência Exame físico - Importante · Dados vitais · Nível de consciência · Diâmetro das pupilas · Odores · Intoxicação alcóolica · Intoxicação por organofosforados (cheiro de alho) · Cor e integridade da pele e mucosas - Muitas vezes os pacientes chegam desacordados e sem informações importantes que possamos levar a um diagnóstico - O exame físico completo se torna um aliado fundamental - Além de ser completo, devemos procurar alguns sinais e sintomas que juntos podem fechar o diagnóstico - Olhos · Miose – colinérgicos · Narcóticos – opioides (iatrogenia) · Organofosforados – agricultura · Carbamatos · Clonidina – agonista alfa-adrenérgico, maior interação a2 · Fenotiazidas · Midríase – simpaticomiméticos, anticolinérgicos e síndrome de abstinência · Atropínicos · Cocaína – agitação, taquicardia ... · Anfetaminas · LSD - Manifestações cardiocirculatórias · Taquicardia – cocaína · Bradicardia – digitálicos (uso aumenta a dose para 8/8h e chega com um BAV) · Hipertensão – anfetaminas · Hipotensão – imipramina - Manifestações gastrointestinais · Náuseas, Vômitos, Hálito característico, Diarreia, Sialorreia e Dor abdominal - Manifestações respiratórias · Alteração de · Ritmo · Frequência (Bradipneia no caso do opioide) · Profundidade - Manifestações neuropsiquiátricas · Alucinações (percepção renal de objeto não existente) · Delírio (interpretação da alucinação) – cocaína, anfetamina, pesticidas · Agitação – cocaína e álcool · Convulsões (estricnina) - Manifestações dermatológicas · Marcas de agulhas – narcóticos e anfetaminas · Vesículas tensas – barbitúricos · Bolhas nos pés – monóxido de carbono · Pele seca e quente – atropínicos e botulismo Abordagem geral das intoxicações agudas - Em geral: · Reconhecer uma intoxicação · Identificação do tóxico · Avaliar o risco da intoxicação · Avaliar a gravidade do paciente e estabilizá-lo clinicamente (inclui uso de antídotos) · Diminuir a absorção do tóxico · Aumentar a eliminação do tóxico · Prevenir a reexposição – avaliação psiquiátrica - Verificar a presença de distúrbios que representem risco iminente de morte · Condições ventilatórias · Manter vias aéreas pérvias · Oferecer O2 · Suporte ventilatório · Condições cardiocirculatórias · Estabilização hemodinâmica · Condições neurológicas · Paciente em convulsões – manter vias áreas pérvias, proteger o paciente contra lesões e administrar se necessário e possível, diazepínicos por via endovenosa Estabelecimento a partir das síndromes - Os pacientes devem ser classificados em grupos de síndromes tóxicas. - Síndrome simpaticomimética · Excesso de atividade simpaticomimética · Manifestação – agitados, delirantes (ingestão de anfetaminas MDMA), hipertensão, taquicardia, taquipneia e hipertermia. · Midríase e diaforese podem estar presentes · Graves – arritmia e queda do DC c/ diminuição do tempo de enchimento diastólico pela taquicardia. - Síndrome anticolinérgica · Midríase, rubor cutâneo, hipertermia, delírio, taquicardia, mucosas e pele seca e agitação psicomotora · Agentes – atropina e derivados, anti-histamínicos, tricíclicos e beladonas. · Devido ao bloqueio do tônus colinérgico normal ocorre ativação do sistema simpático. - Síndrome colinérgica – estimulação parassimpática do sistema nervoso autônomo · Miose, bradicardia, hipersecreção, vômitos, diarreia e tremores musculares. · Muscarínicos – aumento da secreção glandular com diaforese, aumento do débito urinário, miose, broncorreia, êmese, diarreia, lacrimejamento, letargia e salivação. · Nicotínicos – midríase, taquicardia, fraqueza, tremores, fasciculações, convulsões e sonolência. · Broncorreia grave por evoluir para insuficiência respiratória. · Agentes – organofosforados, carbamatos, nicotina, fisostigmina e cogumelos. - Síndrome sedativo-hipnótica – depressão do SNC · Sonolência, torpor, coma e miose · Agentes – álcool etílico, barbitúricos e benzodiazepínicos. - Reação extrapiramidal · Crise oculogírica, distorção facial, espasmos musculares e parkinsonismo · Agentes – Fenodiazídicos, haloperidol e metoclopramida - Síndrome hepatorrenal tóxica · Disfunção hepática, renal, sintomas gastrointestinais ou neurológicos · Agentes – Paracetamol e cogumelos - Síndrome narcótica · Miose, depressão respiratória e neurológica · Agentes – opio, elixir pregorico, morfina, meperidina, heroína, fentanil, difeoxilato e loperamida. · Síndrome opioide – sedação, perda do tônus muscular e reflexos de proteção das vias aéreas (semelhante à sedativo-hipnótica). · Miose pupilar (quase sempre) · Diagnóstico confirmado com resposta ao naloxona, mas a ausência deresposta não exclui. - Síndrome serotoninérgica – excessiva atividade serotoninérgica · Precipitada pela adição de um novo agente serotoninérgico ou de uma substância que interfere no metabolismo de um agente prévio. · Ocorre dentro de horas ou dias após a introdução do medicamento. · Manifestações – estado mental alterado, hipertermia, agitação, hiperreflexia, clônus e diaforese. · Agentes – ISRS, IMAO, antidepressivos cíclicos e antipsicóticos atípicos. - Síndrome neuroléptica maligna · Hipertermia, alteração da consciência, rigidez muscular e distúrbios autonômicos · Agentes – clorpromazina e haloperidol - Síndrome psicose tóxica · Distúrbios psíquicos, cardiovascular e neurológico · Agentes – cocaína, LSD, maconha e alucinógenos - Síndrome convulsiva · Convulsões tônico-clônicas · Agentes – Estricnina, organofosforados e isoniazida TRATAMENTO Medidas iniciais - Diminuir a exposição do organismo ao tóxico – lavagem: · Se ocular – SF 0,9% l litro no mínimo · Se cutânea – remover roupas e acessórios, lavar com água morna por 30 minutos. Ênfese nos cabelos, retroauricular, axilas e genitais · Se inalatória – retirar o paciente do local contaminado, O2 umidificado a 100%, socorrista deve usar máscaras. - Estabilização – vias aéreas, prioridade para os componentes respiratório e cardiovascular. Lavagem gástrica - Indicada quanto o tempo de ingestão for <60 minutos · No livro da USP fala em até 2 horas - Método – passagem de uma SNG de grosso calibre - Administração por SNG de pequenos volumes de SF 0.9% 100 a 250 mL (máx 6 litros), sonda aberta, em plano inferior ao paciente. Aguarda-se então o retorno do conteúdo gástrico com possíveis resíduos tóxicos. · Usa uma sonda naso ou orogástrica de 18 a 22 de tamanho para adultos e 10 a 14 em crianças · Posiciona o paciente em decúbito lateral esquerdo, com cabeça elevada a 20º · Em crianças usa 10ml/kg até um total de 4 litros ou quando vier um líquido límpido. - Momento de parar? quando houver retorno apenas de soro (líquido límpido), ou quando fizer o volume total (6 litros em adulto) - Contraindicações · Queda do nível de consciência com perda dos reflexos de proteção das vias aéreas sem intubação prévia; · Só passa a sonda depois de intubado, mas não se recomenda realizar IOT apenas para lavagem (livro da USP) · Ingestão de substâncias corrosivas como ácidos ou base; · Ingestão de hidrocarbonetos; · Risco de hemorragia ou perfuração do TGI, incluindo cirurgias recentes ou doenças prévias; · Sangramentos; · Instabilidade hemodinâmica; · Quando há presença de antídoto para o tóxico. - Complicações – broncoaspiração, hipotermia, laringoespasmo, lesão mecânica do trato gastrointestinal. Carvão ativado - Adsorve (se liga) várias substâncias e previne sua absorção sistêmica - Indicação – contaminação oral de substâncias em pacientes que se apresentem ao plantão em até 2h - Dose única de 1g de carvão/kg (25-100g), diluído em água, SF 0,9% ou catárticos (manitol ou sorbitol para evitar constipação) - Múltiplas doses de 0,5g de carvão/kg de 4/4h (administração seriada) · Principais tóxicos – fenobarbital, ácido valproico, carbamazepina, teofilina, substâncias de liberação entérica ou de liberação prolongada. · É feito nessas situações na tentativa de aumentar a adsorção da substância tóxica. - Eficácia – varia de acordo com o tempo de realização do procedimento após a ingestão (após 2 horas – geralmente é ineficaz) - Carvão ativado ou Lavagem gástrica? · A preferência é pelo carvão ativado (melhor), mas geralmente se faz as duas coisas. - Contraindicação? · Intoxicação por substâncias não adsorvidas pelo carvão; · Ingestão de substâncias corrosivas; · Risco de perfuração ou obstrução intestinal; · Recém-nascidos; · Gestantes; · Rebaixamento do nível de consciência sem proteção de via aérea; · Agitação psicomotora. - Complicações – broncoaspiração; constipação ou obstrução intestinal; redução da eficácia de antídotos orais Diurese forçada e alcalinização da urina - Após a droga absorvidas na corrente sanguínea, é possível estimular a diurese para aumentar a eliminação. - Hiper-hidratação · SF 0,9% de 8/8h ou em 6/6h, aumentando-se até atingir um débito urinário de 100 a 400mL/h · Principais usos – álcool, brometo, cálcio, flúor, lítio, potássio e isoniazida - Alcalinização – alvo de um pH>7,5 (sérico) e pH urinário de 8. · Como é feito? · Administra 1-2 mEq/kg Bicarbonato de sódio 8,4% em bolus · Ou infusão contínua de 150mL (150mEq) em SG 5% 850mL. · Monitorizar pH, K+ e bicarbonato de 2/2 horas até 4/4 horas, e corrigir eventuais distúrbios. · Essa solução alcaliniza a urina, com concentração fisiológica de sódio (0,9%) · Dose de 1.000 mL de 8/8h ou 6/6h, monitorizando o pH · Principais usos – fenobarbital, salicilatos, clorpropramida, flúor, metrexato e sulfonamidas Diálise - Quando indicar a diálise? · Intoxicação grave ou potencialmente grave. · Dica: pacientes que pioram apesar de suporte intensivo · Intoxicação grave + disfunção na metabolização do tóxico (insuficiência hepática e/ou renal) · Alta concentração sérica do tóxico, com potencial fatal ou de causar lesões graves, apesar do paciente estável · Alta taxa de retirada do tóxico com a diálise - Hemodiálise x Hemoperfusão (é uma diálise contra um adsorvente, em que há filtros descartáveis que entram em contato direto com tais partículas) Alta hospitalar - Tentativas de suicídio é preciso pesar o risco de alta e encaminhamento para psicologia e psiquiatria · Se o paciente tiver ideação suicida não dá alta O que não fazer? - Induzir vômitos, água morna, salmoura (causa excesso de eletrólitos), detergentes (efeito irritante), estímulos mecânicos com espátula ou cabo de colher, administração rotineira de leite ou substâncias oleosas - Cremes, gelatinas ou clara de ovos (como antiácidos) - Suco de limão e vinagre Antídotos para determinados tóxicos - Fármacos x antídoto (o que foi dito em aula – tem que saber de tudo) · Acetaminofeno – acetilcisteína · Organofosforados – pralidoxima (preferência – ligações irreversíveis), se não tiver pralidoxima, usa a atropina. · Se tiver os dois, usa os dois · Carbamatos – pralidoxima e atropina · Ferro – forma crônica (muitas transfusões · Heparina · Dicumarínicos – vitamina K · Opoide – Naloxone (dilui em 20ml de água destilada) · Aquele paciente que faz uso de opoide para controle da dor, não é contraindicação para suspender a medicação. Se estiver em cuidados paliativos, pode-se deixar o opioide · Diazepínico – flumazenil (usado como teste diagnóstico) AGROTÓXICOS - Regiões agrícolas há um aumento do risco de depressão, taxas de suicídio e outros transtornos psiquiátricos associados à intoxicação por agrotóxicos - Dados de 2010 a 2019 – mais de 14 mil tentativas de suicídio por agrotóxicos e mais de 1.5 mil mortes por agrotóxicos - Recife foi o município com maior registro por intoxicações (2.171 intoxicações) Paraquat - Paraquat é um praguicida muito bom, porém muito mortal, é comercialmente conhecido por Gramoxone® (20%), tem um baixo preço, grande eficiência e ausência de efeito poluente para os solos. · É um bipyridyl, envolvido no processo de formação de radicais superóxido, o que causa danos celulares direto. - Intoxicação por ingestão, inalação ou contato dérmico, sendo mais frequente e a mais estudada a intoxicação oral · Por ingestão oral, nota-se a presença de úlceras orais - Intoxicação fulminante aguda – morte em alguns dias · Conduta paliativa - Forma menos severa – várias semanas e conduzindo a uma fibrose pulmonar letal - Dose letal é baixa – 15-20 mL de solução a 20% ingerida - Indução de stress oxidativo · Radical livre instável – oxidação do NADPH – falência dos sistemas antioxidantes - Edema pulmonar, fibrose pulmonar evolutiva em alguns dias a algumas semanas · É realmente causa a morte, em poucos dias o paciente evolui para dependência de O2. - Ansiedade, convulsões, ataxia e diminuição do estado de vigília - Náuseas, vômitos, dores abdominais altas e diarreia · Ingestões maciças determina lesões hepáticas graves - Insuficiênciarenal aguda e síndrome de Fanconi Medidas - Lavagem gástrica abundante (3-5L) se não se verificar a existência de lesões cáusticas graves do tubo digestivo, seguida de administração de carvão ativado (1g/kg), idealmente até 2h - Hemoperfusão ou hemodiálise – particularmente se puder ser iniciada dentro de 4h após a ingestão (grau 2C – nível de evidência fraca) - Dexametasona 8mg EV a cada 8horas, por várias semanas e acetilcisteína (300mg/kg por dia durante a hospitalização) (grau 2C – nível de evidência fraca)
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