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I ntrodução: 
T ranscendência e Imanência e a H istória T eológica M oderna
V a melhor das hipóteses, a teologia cristã buscou sempre um equilíbrio entre 
as verdades bíblicas da transcendência e da imanência divinas. Por um lado, Deus 
relaciona-se com o mundo como um Ser Transcendente. Ou seja, Deus é auto- 
suficiente e não precisa do mundo. Ele está acima do universo e muito além do 
mundo. Conforme declaram enfaticamente as Escrituras hebraicas, Deus habita 
no céu. “Deus está nos céus, e tu, na terra”, diz o pregador (Ec 5.2). E o profeta 
relata que viu o Senhor “assentado sobre um alto e sublime trono” (Is 6.1).
Por outro lado, Deus também se relaciona com o mundo como um Ser Ima­
nente. Isso significa que Deus está presente em sua criação. O ser divino está 
ativo no universo, envolvido nos acontecimentos do mundo e da história humana. 
Paulo enfatizou essa verdade em seu conhecido discurso aos atenienses durante 
o encontro no Areópago. Deus “não está longe de cada um de nós”, diz ele, “Pois 
nele vivemos, e nos movemos, e existimos” (At 17.27,28). Um tema relacionado 
a este - a presença do Espírito de Deus como sustentador da criação - aparece 
repetidamente no Antigo Testamento, especialmente na literatura de sabedoria 
(como em Jó 27.3, 33.4, 34.14,15; SI 104.29,30). E o próprio Jesus deu crédito a 
seu Pai pelos processos naturais como a chuva e o sol, a alimentação dos pássa­
ros e a beleza das flores (Mt 5.45; 6.25-30; 10.29,30).
Pelo fato da Bíblia apresentar Deus como estando tanto além do mundo quan­
to presente no mundo, os teólogos de todas as eras são confrontados com o desa­
fio de articular o entendimento cristão da natureza de Deus de uma forma que 
equilibre, afirme e sustente numa tensão criativa a realidade da transcendência e 
da imanência divinas. Uma afirmação equilibrada de ambas as verdades facilita 
uma relação adequada entre a teologia, a razão e a cultura. Quando tal equilíbrio 
não está presente, problemas teológicos não tardam em surgir. Assim, uma ênfa­
se excessiva na transcendência pode levar a uma teologia que é irrelevante para 
o contexto cultural que ela deseja alcançar, enquanto uma ênfase exagerada na 
imanência pode produzir uma teologia presa a uma determinada cultura.
Como a teologia do século 20 fluiu da teologia do século 19, ela oferece um 
caso interessante para o estudo da tentativa de se equilibrar esses dois aspectos
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do relacionamento entre Deus e sua criação. Na verdade, a concentração nesse 
movimento de vai e vem entre a transcendência e a imanência nos oferece um 
meio de captar a unidade e a diversidade da corrente central de teologia que fluiu 
ao longo de todo o século. Falando mais especificamente, as maiores propostas 
teológicas dessa era indicam a instabilidade que surge quando a transcendência e 
a imanência não estão em equilíbrio adequado. É como se, ao longo da história da 
teologia, essas duas verdades buscassem seu próprio ponto de equilíbrio e a teolo­
gia do século 20 mostrasse justamente como uma ênfase distorcida a uma ou 
outra pode acabar gerando um movimento oposto de reação que busca corrigir o 
desequilíbrio, e acaba indo para o outro extremo. Assim, a tentativa de restabele­
cer o meio termo diante de ênfases unilaterais é um ponto de vista privilegiado 
para se narrar a história da teologia do século em questão.
A teologia do século 20 não começou com o início do novo século, mas sim 
tanto algum tempo antes como algum tempo depois da mudança de calendário do 
dia 31 de dezembro de 1900 parajaneiro de 1901. É claro que, literalmente falando, 
o século começou à meia noite daquela data. Tecnicamente, portanto, a teologia do 
novo século teve início como uma continuação da mentalidade basicamente oti­
mista e temporal de épocas mais antigas e que enfatizava a imanência - a obra de 
Deus no mundo e nos relacionamentos humanos.
Porém, ao vermos o século 20 do ponto de vista do fluxo dos acontecimentos 
históricos, ele não começou até a segunda década de 1900. O ressoar das “armas 
de agosto” em 1914 trouxe não apenas o início da Ia Guerra Mundial, mas tam­
bém a sentença de morte para o mundo do século 19. O conjunto de valores 
intelectuais característico do século 20 foi introduzido por acontecimentos catas­
tróficos, pois a Ia Guerra destruiu a visão de mundo otimista dos séculos anterio­
res e deu à luz a melancolia intelectual e cultural prevalecentes desde 1914.
Em vários aspectos, as prioridades teológicas do século 20 foram determina­
das pelos resultados desses acontecimentos que mudaram o mundo. A teologia do 
século teve início com uma tentativa de recomeçar a partir das cinzas da guerra 
que devastou não apenas a Europa, mas também a teologia cultural européia. 
Assim, não é de se surpreender que a teologia do novo século surgiu, antes de 
tudo, como protesto contra temas centrais de sua predecessora do século 19, 
incluindo a ênfase à imanência, que era tão importante para a cultura ocidental 
desde a Renascença. Desta forma, a história teológica do século 20 começa com 
o renascimento da ênfase à transcendência, à medida que Karl Barth e outros 
voltaram a perguntar se havia uma palavra de Deus vinda dos céus que podia ser 
ouvida depois da guerra. '
Ao contrário do que a teologia dos séculos anteriores poderia indicar, a Ia Guer­
ra Mundial não foi uma aberração e nem um obstáculo na marcha da História, mas 
sim um presságio do que estava por vir. As décadas após o surgimento da máquina
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de guerra na Europa central têm sido testemunhas de conflitos freqüentes e cada 
vez piores. Os confrontos militares do século não tiraram somente vidas humanas, 
mas também trouxeram a perda da vida cultural. O desespero tem avançado cons­
tantemente sobre o cenário intelectual, permeando a cultura ocidental e deixando 
sua marca também na teologia. O papel das guerras nesse século é tão significativo 
que toda a teologia do século 20 foi eclipsada pela questão de saber se somos 
capazes de lidar com a série de conflitos - militares, políticos e sociológicos - que 
vem assolando o nosso mundo. Tal situação, inevitavelmente, acaba com a esperan­
ça não apenas de se encontrar a Deus dentro do mundo como também com a 
esperança de que a voz de Deus ainda possa chegar até nós vinda lá do alto.
Em meio ao desespero cultural generalizado de nosso mundo pós-moderno, os 
teólogos continuam a realizar seu trabalho ao longo das décadas, por vezes 
recapturando o senso de imanência característico da era moderna e por vezes a 
busca pelo Ser Transcendente. Apesar de seus esforços heróicos, no fim do sécu­
lo, a teologia que havia começado cem anos antes como a “ciência feliz” de Karl 
Barth, tinha caminhado quase sem controle em direção ao grande vazio do 
desconstrucionismo.
Somente o século 21 pode dizer se os acontecimentos do século 20 marcaram 
0 fim da teologia. De qualquer forma, torna-se cada vez mais clara a lição teoló­
gica dessa era. Um edifício inclinado - aquele que é construído sobre fundações 
instáveis, quer seja a ênfase unilateral à transcendência ou à imanência - não 
pode ser “consertado” com uma simples reforma, procurando-se incluir o ele­
mento que estava faltando. Pelo contrário, o engenheiro da construção teológi­
ca deve começar do zero. Isso porque, quando as fundações não são lançadas 
corretamente, não há mudanças cosméticas que sejam capazes de criar uma 
estrutura durável.
A teologia do século 20 começou em 1914. Sua história, entretanto, nos reme­
te de volta a tempos mais antigos, à época que a precedeu e à qual a mentalidade 
emergente dessa era respondeu, Como resultado, a teologia desse século é me­
lhor compreendida quando contrastada com a perspectiva do século19. Afinal, 
depois de ter sido castigada por décadas de lutas da humanidade e conflitos, foi 
contra essa perspectiva que a teologia do século 20 reagiu. A teologia do século 
19, por sua vez, tem seu contexto histórico nas mudanças introduzidas pela grande 
revolução da história intelectual do Ocidente - o chamado Iluminismo. Nossa histó­
ria, portanto, deve começar com a Idade da Razão.
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G a p tíu ío 1
ILUMINISMO: A D estruição do E q u ilíb rio C lássico
nL / modo de pensar dos cristãos sobre Deus, sobre si mesmos e o mundo ao seu 
redor, foi alterado de modo permanente e irreversível por uma era da história 
intelectual do Ocidente conhecida como Iluminismo, que marcou o cumprimento 
da transição entre a era antiga e a moderna. Através de seu desafio às autorida­
des e sua ênfase à fé pessoal, a Reforma contribuiu para o movimento de saída do 
mundo medieval. Mas aquilo que existia apenas em sua forma embrionária no 
século 16, alcançou a plenitude no Iluminismo.
Os pensadores não estavam mais dispostos a aceitar os antigos dogmas, ba­
seando-se apenas no fato de que pertenciam ao sistema recebido através da dou­
trina da igreja. A luz da razão encontrada dentro de cada indivíduo destronou a 
hierarquia eclesiástica e abalou suas fundações de autoridade. Um simples apelo 
às formulações da teologia clássica não era mais suficiente para resolver os deba­
tes intelectuais. Agora, os indivíduos pensantes queriam ser convencidos de que 
era razoável tudo aquilo em que criam. Aqueles que estavam na vanguarda cultu­
ral não se interessavam mais em elaborar argumentos sobre doutrinas aparente­
mente irracionais - como a Trindade e a expiação dos pecados através de Cristo
- sustentadas pelo uso de textos bíblicos e pelas decisões dos concílios eclesiásti­
cos. Pelo fato de esse tempo ter abalado de maneira tão acentuada tanto as 
fundações quanto o rumo da teologia cristã, desde o Iluminismo a fé cristã nunca 
mais foi e jamais poderá ser a mesma. A importância dessa era é tão monumental 
que não há como contornar a Idade da Razão. Os cristãos colocam a teologia em 
risco quando ignoram o Iluminismo. Desconsiderar as mudanças que esse pensa­
mento introduziu acaba sempre levando a uma privatização da fé, confinando-a 
em “guetos” de Cristianismo e causando a perda de impacto da voz do Cristianis­
mo sobre a sociedade moderna.
Uma mudança importante trazida pelo Iluminismo encontra-se no efeito que 
ele teve sobre a procura clássica por uma teologia transcendente-imanente. Essa
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Aufklärung
época criou o cenário para profundas transformações nas antigas tentativas de se 
alcançar o equilíbrio entre as verdades da transcendência e imanência divinas.
A era patrística teve seu auge nas proposições daquele que foi talvez o teólo­
go mais influente de todos os tempos - Agostinho, bispo de Hipona. A teologia de 
Agostinho serviu de padrão e paradigma para todos os teólogos cristãos desde a 
sua época, ao longo da Idade Média e até durante boa parte da Reforma. Apesar 
de haver diferenças gritantes entre os teólogos no que diz respeito aos detalhes, 
todos compartilhavam de uma visão de mundo semelhante e que, em grande par­
te, vinha da herança de Agostinho.
A perspectiva comum dessas eras da história ocidental, que. de outro modo 
foram tão diferentes, enfatizava a ordenação da realidade colocando Deus no 
ápice, seguido das hostes angélicas. Os seres humanos encontravam-se numa 
posição “por um pouco, menor do que Deus” (SI 8.5), acima de todas as coisas no 
mundo, tanto animadas quanto inanimadas.
Mas os teólogos acrescentavam que, a partir dessa posição elevada e trans­
cendente sobre o mundo, Deus tornou-se intimamente envolvido com a Histó­
ria. Ele havia predestinado os eleitos à salvação e havia tomado parte nos as­
suntos humanos repetida e esporadicamente e de forma absoluta através de 
Jesus Cristo. E Deus continuou a operar na vida do homem, guiando o fluxo da 
História, mas principalmente da igreja e através da graça oferecida pelas ativi­
dades da igreja.
O equilíbrio agostiniano foi ajustado e adaptado ao longo da Idade Média e 
acabou sendo reformulado durante a Reforma e pelos protestantes escolásticos 
que vieram depois. Apesar de todas as alterações, mesmo que procurasse não 
desprezar a imanência divina, o pêndulo continuava inclinado para a transcendência 
de Deus. As grandes catedrais góticas, que marcaram o ponto alto da Idade 
Média, são testemunhas silenciosas da natureza da síntese teológica e de que a 
busca medieval pelo equilíbrio entre a superioridade divina e a presença de Deus 
certamente pendia para a transcendência.
A Época do Iluminismo
Nos séculos 17 e 18, o equilíbrio desenvolvido pelos teólogos da Idade Média e 
aprimorado pela Reforma foi alterado de maneira radical e permanente. Uma 
nova cosmologia substituiu a antiga ordenação hierárquica da realidade. E, com 
essa mudança, inverteu-se o equilíbrio entre a transcendência e a imanência.
Esses dois séculos constituem uma era explosiva da história intelectual do 
Ocidente, a qual chamamos normalmente de Iluminismo. O nascimento do 
Iluminismo encontra-se no começo do século 17 e talvez, de modo sócio-político, 
esteja ligado à Paz de Westfalia (1648) que encerrou a Guerra dos Trinta Anos e, 
de modo intelectual, associe-se à obra de Francis Bacon (1561-1626).
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Bacon encontra-se no começo da Idade da Razão - marcando a transição da 
Renascença para o Iluminismo por ser ele um dos primeiros cientistas moder­
nos. Mesmo não tendo colocado a matemática no centro do conhecimento natu­
ral, como fizeram aqueles que o seguiram,1 Bacon enfatizou o método da experi­
mentação. E empregou a novíssima técnica científica não apenas como forma de 
entender o universo mas também como um meio de governar a natureza. Desse 
modo, lançou as fundações para a sociedade tecnológica moderna.
Os historiadores indicam os últimos anos do século 18 como o final da era do 
Iluminismo. Quando Immanuel Kant publicou sua Crítica da Razão Pura (1781), 
a Idade da Razão encerrava-se depois de haver seguido o seu devido curso. A obra 
de Kant marcou tanto o ponto alto quanto o questionamento de muitas das pressu­
posições iluministas. Acima de tudo, Kant avaliou a primazia dada ao racionalismo 
e ao empirismo - a elevação dos poderes da razão humana e a ênfase à experiên­
cia dois elementos característicos daquela era, e encontrou sérias deficiências.
0 Ser Humano do Iluminismo
Apesar da imprecisão no que diz respeito às datas exatas de sua gênese e declínio, 
os historiadores concordam que o Iluminismo teve importância profunda e dura­
doura para o desenvolvimento da cultura ocidental moderna. Desenvolvido a par­
tir da Renascença, ele sinalizou a vitória de uma mudança fundamental de pers­
pectiva que marcou o rompimento definitivo com a mentalidade medieval2 e abriu 
caminho para a era moderna.
Uma transformação central e fundamental de perspectiva refletida no Iluminismo 
foi o desenvolvimento paradoxal e, ao que parece, até mesmo contraditório do 
entendimento acerca do ser humano. Essa era colocou o ser humano em uma po­
sição elevada e valorizou a estima pelas capacidades humanas. O Iluminismo colo­
cou os seres humanos, e não Deus, no centro da História. Ao contrário do pensa­
mento da Idade Média e da Reforma, que via a importância das pessoas relaciona­
da a seu lugar na história do agir de Deus, os pensadores do Iluminismo determina­
vam a importância de Deus em termos de seu valor para a história da vida de cada 
um.3 Deus foi, portanto, tirado de sua posição exaltada nos céus, para os quais 
apontavam as catedrais góticas, e colocado no mundo de assuntos humanos.
A condição elevada de toda a humanidade,acrescentou-se, ainda, uma antro­
pologia otimista. Esta atribuiu à humanidade habilidades intelectuais e morais muito 
maiores do que aquelas reconhecidas pela teologia tradicional, quer católica ou 
protestante. Essa antropologia otimista tornou-se evidente na visão iluminista do 
papel da razão humana no processo de conhecimento.
Antes dessa era, a revelação divina costumava ser consultada como árbitro 
supremo da verdade; a tarefa da razão humana era procurar compreender a ver­
dade oferecida através dessa revelação. A busca pela verdade era governada 
pela frase atribuída a Anselmo: “Creio para que assim possa compreender” . Para
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A ênfase que primeiro vinha a fé (o crer) e depois o entendimento (razão humana).
manter esse princípio, a função das habilidades racionais humanas era demons­
trar a precisão dessas verdades reveladas e reconciliar a experiência com a 
compreensão que a fé cristã oferecia do drama cósmico.4
No Iluminismo, entretanto, a razão humana substituiu a revelação imposta 
externamente na posição de árbitro da verdade, pois a razão passou a determinar 
o que vinha a ser a revelação. A tese de Anselmo foi invertida. A nova mentalida­
de poderia ser resumida como “Creio naquilo que posso compreender” . Empre­
gar a razão para sistematizar o que era oferecido pela experiência e seguir a 
razão aonde quer que ela conduzisse, ao invés de aceitar cegamente as supersti­
ções proclamadas pelas autoridades externas: estes tornaram-se os meios 
iluministas de se obter conhecimento.5
Essa época também foi igualmente otimista quanto à sua visão das capacida­
des morais humanas. O Iluminismo colocou grande ênfase sobre a moralidade e 
não sobre o dogma, e declarou que os poderes do raciocínio humano podiam tanto 
descobrir a lei moral natural escrita dentro de cada pessoa quanto levar à obediên­
cia a essa lei.
Com sua antropologia otimista, o Iluminismo não apenas elevou a humanida­
de, mas também retratou o ser humano de maneira bastante diferente daquela 
ensinada pela teologia medieval. Nessa e em outras dimensões, a Idade da Razão 
desenvolveu-se a partir de avanços da Renascença. Ao invés do ser estático, da 
alma contemplativa do ideal medieval, o ser humano passou a ser visto como um 
ser independente, transformador do seu meio. Nas palavras de Georgio de Santillana, 
o homem era “um ser que estava sempre vagando, envolvido numa aventura sem 
fim”, para o qual o tempo não era mais “o eterno circular dos céus, mas sim uma 
corrente fluindo”.6
Mas essa elevação da humanidade também teve um alto preço. De modo 
paradoxal, ao ser comparada com a teologia tradicional, a mentalidade do 
Iluminismo marcava não apenas a elevação mas também a destituição do ser 
humano. O mundo não era mais visto como um cosmo dentro do qual o ser huma­
no gozava de uma posição especial, como acontecia no pensamento da Idade 
Média e da Reforma. Ao invés disso, a nova ciência do Iluminismo retratava o 
universo como uma grande máquina da qual o ser humano era apenas uma pe­
quena parte, uma peça minúscula na gigantesca engrenagem da realidade. Des­
tronado de sua posição superior no centro da criação, o ser humano também 
perdeu sua condição de criatura especial de Deus, acima de todo o resto dos 
seres criados.
A Fundação do Iluminismo
A mudança monumental de perspectiva que se passou durante o Iluminismo não 
ocorreu dentro de um vácuo. Pelo contrário, foi resultado do desenvolvimento de
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vários fatores sociais, políticos e intelectuais que levaram a essa era traumática 
da história humana. Uma série de conflitos militares, que normalmente são agru­
pados na chamada Guerra dos Trinta Anos, havia devastado a Europa no começo 
do século 17. Por causa de desentendimentos entre confissões cristãs discordes, 
essas guerras levaram a um questionamento generalizado sobre a validade das 
disputas doutrinárias. Mas, além das brigas religiosas daquele século, abriu-se 
caminho para o espírito crítico da época através de duas revoluções relacionadas 
entre si - uma na filosofia e outra na ciência.
Em primeiro lugar, o Iluminismo foi o produto de uma revolução filosófica. 
Apesar de suas raízes encontrarem-se em tempos mais antigos, na discussão dos 
teólogos medievais, essa revolução foi iniciada pelo pensador francês René Des­
cartes (1596-1650), que é muitas vezes chamado de pai da filosofia moderna.7 A 
intenção de Descartes era desenvolver um método de investigação que levasse 
ao descobrimento daquelas verdades que fossem absolutamente certas. Por trás 
do método que ele propôs, surgiam os primeiros lampejos da eminência da mate­
mática que veio a caracterizar o século 17. A ascensão do modelo matemático 
surgiu na Renascença em decorrência da ênfase dada às dimensões quantitativas 
(e não qualitativas) da realidade, ênfase esta que foi essencial para os trabalhos 
de Kepler e Galileu.
Descartes tipificou o início da Idade da Razão no sentido de que, como a maior 
parte dos grandes filósofos desse período, ele procurou introduzir o rigor da demons­
tração matemática em todas as áreas do conhecimento.8 Sua elevação do conheci­
mento matemático, porém, não era arbitrária. Ele argumentava que, na verdade, a 
matemática surge da natureza da própria razão e, portanto, é mais certa do que o 
conhecimento resultante da observação empírica, que está sujeita a erros.
O filósofo francês introduziu a “dúvida” como seu primeiro princípio de racio­
cínio. Mas, para ele, diferente de certos praticantes do empirismo do século se­
guinte, o processo de duvidar não levava à descrença. Pelo contrário, resultava na 
certeza, pois, à medida que a mente duvida de tudo, surge a certeza da existência 
do sujeito que está duvidando. Daí, o conhecido adágio da filosofia cartesiana: 
cogito, ergo sum (“penso; logo, existo”).
O trabalho de Descartes influenciou grandemente o pensamento subseqüen­
te.9 Desse ponto em diante, o sujeito pensante - e não a revelação divina - passou 
a ser o ponto de partida para a filosofia. Os teólogos sentiram a necessidade ou de 
se construir sobre a fundação da filosofia racionalista, aceitando assim a primazia 
da razão (como faziam os pensadores do Iluminismo), ou de negar que a razão, 
por si só, é capaz de gerar conhecimento sobre as realidades eternas.10 A ênfase 
na voz interior da razão, ao invés de na voz de Deus vinda do alto, criou o pano de 
fundo para a valorização da imanência, que é característica da teologia moderna 
a partir de Descartes.
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Além da revolução na filosofia, o Iluminismo também foi o produto de uma 
revolução na ciência que marcou um distanciamento radical da visão de mundo da 
Idade Média. Para esse novo pensamento, foi de grande importância uma mudan­
ça na cosmologia, preconizada pela descoberta de Copérnico de que a Terra não 
constituía o centro do universo. Essa mudança na cosmologia significou a rejeição 
da estrutura medieval de três níveis que, em termos espaciais, colocava o céu 
acima da terra e o inferno abaixo dela.
Porém, talvez mais fundamental ainda para a revolução científica que introdu­
ziu o Iluminismo tenha sido a mudança na forma de compreender o mundo físico em 
si e a maneira correta de encará-lo. Essa mudança foi marcada por uma substitui­
ção da terminologia qualitativa pela quantitativa. Seguindo Aristóteles, as ciências 
medievais haviam se concentrado nos“princípios naturais”, que eram compreen­
didos em termos da tendência “natural” de todo o objeto de cumprir o seu propó­
sito interior. O Iluminismo, entretanto, rejeitou a discussão medieval do “propósito 
interior”, considerando-a especulação metafísica.
Na Idade da Razão, a ênfase inicial dada às causas finais (o telos ou propósito 
do objeto) foi substituída pela visão matemática e quantitativa do empreendimento 
científico, da qual Galileu (1564-1642) foi pioneiro. Os métodos precisos de medi­
ção e a aceitação da matemática como o modo mais puro de pensamento eram as 
ferramentas para a abordagem adequada do estudo dos processos naturais. Os 
observadores descreviam os fenômenos em termos de leis da natureza que gera­
vam resultados quantificáveis. A adoção desse método significava que o Iluminismo 
só aceitava como reais aqueles aspectos do universo que podiam ser medidos.11
Os pensadores do Iluminismo aplicaram essa nova metodologia introduzida 
por pioneiros como Descartes e Galileu a todas as disciplinas do conhecimento. 
Não apenas as ciências naturais, mas também a política, a ética, a metafísica e a 
teologia sujeitaram-se à rubrica dos cânones científicos. Até mesmo a filosofia foi 
afetada. Todas as áreas do conhecimento humano acabaram, de fato, tornando- 
se ramos das ciências naturais.
A marca maior dessa revolução da ciência foi alcançada com a obra de Isaac 
Newton (1642-1727). O universo por ele descrito era uma grandiosa máquina 
cujos movimentos podiam ser conhecidos pois seguiam determinadas leis 
observáveis. Em decorrência disso, Newton voltou sua atenção para a explicação 
do universo. Ele dispôs-se a mostrar que as propriedades e comportamento de 
toda partícula podem ser determinados, pelo menos em princípio, por um grupo 
relativamente pequeno de leis fundamentais. O historiador do século 19 Alexander 
Pope resumiu esse pensamento e seu impacto em dois versos jocosos:
A Natureza e suas Leis escondiam-se na Noite.
Então, disse Deus: “Haja Newton!” e houve Luz.12
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O objetivo do próprio Newton, porém, não era simplesmente científico, mas 
também teológico. Ele acreditava que a ciência aguçava o entendimento humano 
da grandeza de Deus. Ele sabia que os céus proclamavam a glória de Deus. Sua 
tarefa era descobrir como.
Princípios do Iluminismo
Em sua essência, as revoluções na filosofia e na ciência que deram origem ao 
Iluminismo concentraram-se na superioridade da razão sobre a “superstição”. 
Como resultado, essa época passou a ser adequadamente chamada de Idade da 
Razão. Mesmo que a razão certamente estivesse no centro da mentalidade dessa 
era, o Iluminismo caracterizou-se por diversos princípios que, juntamente com a 
“razão”, formavam um todo unificado. Dentre esses princípios, pode-se destacar: 
“autonomia”, “natureza”, “harmonia” e “progresso”.
O primeiro princípio do Iluminismo foi, de fato, a razão. Essa época deu grande 
ênfase à capacidade racional do ser humano. De acordo com o entendimento do 
Iluminismo, a razão era mais do que um dom humano. Lembrando o antigo estoicismo 
grego, o princípio da razão significava que havia uma ordem e estrutura dentro de 
toda realidade, que se tornava evidente no funcionamento da mente humana. Os 
pensadores do Iluminismo concluíram que, como resultado dessa correspondência 
entre a estrutura da realidade e a estrutura da mente humana, a mente era capaz 
de discernir e vir a conhecer a estrutura inerente do mundo exterior.
O princípio da razão, portanto, referia-se à capacidade humana de aprender 
com a ordem fundamental de todo o universo. A racionalidade objetiva do univer­
so fazia com que as leis da natureza fossem compreensíveis e tornava o mundo 
capaz de ser transformado e governado pela atividade humana. A consonância do 
mundo racional com o funcionamento da mente humana também fazia com que o 
exercício do pensamento crítico fosse tão importante.
O segundo princípio - “natureza” - estava intimamente ligado ao princípio da 
razão, enfatizando aquilo que se baseia na “natureza inerente das coisas” ou dela 
surge. A mentalidade do Iluminismo postulava que o universo era um reino orde­
nado, dentro do qual encontravam-se as leis da natureza. A natureza e a lei natu­
ral, portanto, tornaram-se palavras de ordem na busca intelectual.
Os pensadores do Iluminismo afirmavam que a ordem encontrada “dentro da 
natureza inerente das coisas” estava presente por causa do trabalho do “Grande 
Arquiteto” da natureza. Em decorrência dessa crença, a fim de encontrar as leis 
de Deus, a mente iluminista voltava-se para o “livro da natureza”, que estava 
aberto para ser lido por todos. A disponibilidade universal dessas “leis naturais” 
transformava a natureza na corte de julgamento, no árbitro de todos os desenten­
dimentos. Alinhar a vida com as leis da natureza que haviam sido descobertas 
pela razão tornou-se, então, o objetivo do empreendimento intelectual humano.
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“Razão” e “natureza” abriram caminho para o terceiro princípio do pensa­
mento do Iluminismo - “autònomia” . Conforme observamos anteriormente, nessa 
época o ser humano autônomo destronou a autoridade externa como árbitro da 
verdade e da ação. Um apelo ao ensino da igreja, ã Bíblia ou ao dogma cristão já 
não era suficiente para a obediência no âmbito da crença ou da conduta. O indiví­
duo passou a testar todas essas declarações externas de autoridade. Immanuel 
Kant resumiu bem o princípio da autonomia e seu papel no Iluminismo:
O Iluminismo é a libertação do homem da tutela que ele impôs sobre si mesmo. 
A tutela é a incapacidade do homem de usar de seu entendimento sem a orienta­
ção de outro. Essa tutela é auto-imposta quando sua causa não está na falta de 
razão, mas na falta de determinação e coragem de usá-la sem a orientação de 
outro... “Tenha coragem de usar sua própria razão - esse é o lema do Iluminismo”.14
O princípio da autonomia, porém, não permitia a ausência de leis. O Iluminismo 
não foi uma era de desordem. A autonomia pressupunha, sim, a presença de um 
conjunto de leis naturais que podiam ser conhecidas pela razão humana. Assim, 
ao invés de abrir as portas para a completa falta de leis, a autonomia exigia que 
cada pessoa descobrisse e seguisse a lei natural universal. O caminho para a 
descoberta da lei natural estava no uso do dom pessoal da razão e da consciência 
e não na mera confiança em autoridades externas. Deste modo, o emprego pes­
soal da razão era o centro da ênfase iluminista à autonomia.
“Harmonia”, o quarto princípio do Iluminismo, baseava-se na idéia de mode­
ração e ordem dentro do universo, conforme postulado pela Idade da Razão. Os 
pensadores afirmavam que o universo era caracterizado por uma ordem geral que 
garantia que, apesar das atividades aparentemente egoístas e independentes de 
cada pessoa ou coisa no universo, o todo acabaria prevalecendo.
A harmonia inerente do mundo também significava que a verdade é um único 
e harmonioso todo. Conseqüentemente, o pensamento iluminista ressaltava a 
“metodologia adequada” . Acreditava-se que a aplicação do método adequado de 
descobrimento sobre as disciplinas do conhecimento humano, aparentemente tão 
desordenadas e contraditórias, faria com que estas fossem purificadas de seus 
elementos irracionais, juntando-as em uma única e verdadeira filosofia.
Nesse caso, o Iluminismo evitava, mais uma vez, o impulso de desordem que 
a idéia da aplicação de método adequado de investigação a cada disciplina pode­
ria gerar. A harmonia não era simplesmente uma característica do reino natural. 
Ela tornou-se também uma espécie de princípio ético para governar a ação huma­
na. Os seres humanos deveriam agir de acordo com a harmonia geral da realida­
de como um todo.
A antropologia do Iluminismo serviu para facilitar a desejada correspondênciada vida humana com a harmonia do cosmos. Essa antropologia elevou o potencial
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inerente do ser humano e colocou de lado a ênfase cristã sobre a natureza cor­
rompida. Os estudiosos da ética argumentavam que, se a mente humana - que 
começava limpa como uma tábua rasa, conforme John Locke havia demonstra­
do - podia ser moldada pela natureza divinamente criada, então o emprego da 
razão poderia criar a harmonia entre a vida e a ordem natural universal.15
Por fim, o Iluminismo foi uma era de crença otimista no progresso. Baseados 
na obra de Descartes e de outros, os pensadores da Idade da Razão estavam 
convencidos de que, pelo fato de o universo ser ordenado e possível de ser conhe­
cido, o uso da metodologia apropriada podia levar ao verdadeiro conhecimento. 
Assim, filósofos, teólogos e cientistas lançaram-se a construir seus sistemas, na 
crença de que estes os aproximavam da verdade. Essa época foi, nas palavras de 
Isaiah Berlin, “o último período da história da Europa ocidental em que se pensava 
que a onisciência humana era um objetivo alcançável”.16
Mas a obtenção de conhecimento não era simplesmente um fim em si. De 
acordo com o pensamento iluminista, o conhecimento das leis da natureza tinha 
implicações práticas. Seu descobrimento e aplicação pavimentavam o caminho 
para tornar os seres humanos felizes, racionais e livres. Se as leis da natureza 
podiam ser conhecidas, era possível implantar na vida social e pessoal as verda­
des que elas ensinavam. O método científico podia mudar o mundo. Os pensado­
res do Iluminismo acreditavam que tal mudança estava prestes a acontecer.
A crença otimista no progresso também surgiu da leitura que o Iluminismo 
fazia da História. Os historiadores da Idade da Razão retratavam a Idade Média 
como uma era de superstição e barbarismo, da qual a humanidade estava ressur­
gindo. Por causa do progresso que viam ocorrer em seu próprio tempo, os pensa­
dores do Iluminismo eram otimistas quanto ao futuro. Apesar do ir e vir das marés 
da História, estavam convencidos de que estavam num processo que se dirigia 
para o alto e avante. Assim, olhavam para o futuro cheios de esperança “como 
quem vislumbra uma terra prometida”.17 Se os seres humanos conseguissem apren­
der a viver à luz das leis da natureza, a utopia poderia tomar-se realidade. Como 
Isaiah Berlin concluiu corretamente, essa era “foi um dos momentos mais reple­
tos de esperança de toda a história da humanidade”.18
A Religião no Iluminismo
A era do Iluminismo desafiou os pontos de vista tradicionais e reformulou o pen­
samento em todas as áreas da sociedade ocidental. Porém, nenhuma dimensão 
foi mais afetada do que a crença religiosa. A Idade da Razão marcou a emanci­
pação da cultura em relação ao domínio da igreja e do Cristianismo.
O movimento em direção à autonomia veio como resultado inevitável da nova 
mentalidade da época, dando início a uma outra visão da natureza da religião. 
Cada vez mais, os cientistas e teólogos passaram a diferenciar a “religião natural”
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- a existência de Deus e as leis morais racionalmente demonstráveis e conheci­
das por todas as pessoas - e a “religião revelada” - as doutrinas conforme eram 
ensinadas pela Bíblia e pela igreja. Com o passar do tempo, esta segunda forma 
de religião começou a ser cada vez mais atacada e a primeira forma, elevada ã 
condição de verdadeira religião. No final, a “religião natural” do Iluminismo ou 
religião da razão substituiu o enfoque tão característico da Idade Média e da 
Reforma sobre o dogma e a doutrina.
O caminho intelectual para a primazia da religião natural sobre a religião reve­
lada foi aberto pelo empirista britânico John Locke. Ele lançou a tese revolucioná­
ria de que, uma vez destituído de sua bagagem dogmática, o Cristianismo era a 
manifestação religiosa mais racional. Sobre as bases dessa visão de Locke, os 
pensadores do Iluminismo construíram o deísmo - uma alternativa teológica para 
a ortodoxia. Os teólogos do deísmo desejavam reduzir a religião a seus elementos 
mais básicos, universais e, portanto, racionais.19 ■
Os deístas acrescentavam ainda que, pelo fato de a religião natural ser racio­
nal, todas as religiões, inclusive o Cristianismo, deveriam estar em conformidade 
com ela.20 Como resultado, os vários dogmas da igreja considerados revelação já 
não serviam mais de parâmetro. Ao invés disso, as doutrinas deveriam ser avalia­
das através da comparação com a religião da razão. O resultado foi uma religião 
que consistia em um número mínimo de dogmas para se crer:21 a existência de 
Deus, que podia ser provada através do mundo, a imortalidade da alma, e o casti­
go pelo pecado e bênção pela virtude recebidos após a morte.22
Na verdade, os deístas não viam a religião em sua essência como um sistema 
de crenças. O mais importante era o seu significado ético. Eles partiam do pres­
suposto de que o papel principal da religião era oferecer sanção divina para a 
moralidade.23 Ao mesmo tempo, o Iluminismo elevava a capacidade humana de 
obter as verdades religiosas, reduzindo - ou até mesmo eliminando - a necessida­
de de uma religião revelada. Aquilo que era verdadeiramente importante havia 
sido escrito pelo Criador no grande livro da natureza e deixado aberto para que 
todos pudessem lê-lo.
Como conseqüência, algumas vozes do Iluminismo criticaram duramente o 
Cristianismo, afirmando que, pelo menos em sua forma tradicional, ele era uma 
deturpação da religião da razão.24 Os pensadores do Iluminismo também ataca­
ram os pilares centrais da apologética cristã daquela época - a crença nas profe­
cias cumpridas25 e nos milagres26 - e responsabilizaram as autoridades eclesiás­
ticas pela ignorância e superstição do passado.
Outros simplesmente igualaram os dois sistemas de crenças, declarando que 
o Cristianismo, em sua forma mais pura, não passava de outra manifestação da 
religião conhecida pela razão. Aqueles que buscavam um lugar para dar continui­
dade ao Cristianismo criaram para ele um nicho, afirmando que a religião revela­
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da era um complemento necessário da religião da razão27 ou apresentando o Cris­
tianismo como um estágio do contínuo processo histórico cujo clímax seria atingi­
do numa futura religião perfeita e universal.
Por mais paradoxal que possa parecer e independente de como o Cristianismo 
era visto, a elevação iluminista da religião da razão e sua ênfase sobre a natureza 
e a natureza de Deus constituíram uma vitória da nova imanência sobre a 
transcendência que caracterizou a Idade Média. O Deus dos deístas era uma 
divindade distante e radicalmente transcendente. Ainda assim, a perspectiva do 
Iluminismo esforçava-se para ligar Deus à natureza e à razão humana de forma 
tão próxima que a transcendência de Deus acabou fundindo-se com a imanência 
do divino dentro do universo ordenado da criação e da razão. Ao invés de olhar 
além do mundo para encontrar a Deus, o Iluminismo voltou-se para dentro. A 
mudança que havia começado na Renascença estava completa. E o triunfo da 
imanência iria se estender até o século 20.
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G a p iiu fo 2
A RECONSTRUÇÃO DA TRANSCENDÊNCIA:
A Imanência na T eo lo gia do Século 19
/ 7
L ^ o m o fim do século 18, a era do Iluminismo já havia completado seu ciclo, 
especialmente na Inglaterra. A essa altura, muitos pensadores haviam abandona­
do a religião da razão e optado pelo ceticismo1 ou pelo relativismo religioso.2 
Esses pensadores concluíram que, no fim das contas, a razão é uma resposta 
inadequada para as questões básicas sobre Deus, moralidade e sentido da vida.
Apesar do Iluminismo ter chegado ao fim, a teologia nunca mais seria a mes­
ma. Nenhuma tendência teológica subseqüente poderia permanecer isolada dos 
acontecimentos daquela época na história intelectual da Europa ocidental. Da­
quele ponto em diante, os teólogos teriam de começar a falar em termos inteligí­veis para a mentalidade que havia se instalado com as mudanças fenomenais que 
varreram a Europa durante aquelas décadas.
O encerramento da Idade da Razão pareceu deixar a religião numa situação 
complicada. A impressão era de que o século 18 havia apresentado apenas duas 
alternativas. Podia-se optar pela ênfase cristã tradicional sobre o pecado e a sal­
vação divina, sustentada pela Bíblia e pela Igreja. Ou, então, restava seguir o 
racionalismo cético que surgiu como produto final da mente individual esclarecida. 
Conforme McGiffert conclui em seu estudo monumental da era pré-kantiana, “no 
final do século, a crise religiosa era aguda”. 3
No século 19, entretanto, alguns teólogos recusaram-se a aceitar essas op­
ções. É evidente que eles sabiam que não havia como contornar a Idade da Ra­
zão. A teologia jamais seria capaz de ressuscitar o antigo sistema de crenças, pois 
as autoridades tradicionais da Bíblia e da Igreja haviam sido destronadas para 
sempre. Enquanto concordavam que a teologia não podia simplesmente voltar à 
ortodoxia dogmática pré-iluminista, também recusavam-se a aceitar o racionalismo 
cético pós-iluminista como única alternativa. Para essa nova classe de intelectuais, 
a única forma de avançar em meio aos resultados do Iluminismo era incorporar
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sua motivação básica na busca por novas formas de compreender a fé cristã. Os 
teólogos do século 19 afirmaram com ousadia que a tarefa teológica podia conti­
nuar mesmo diante dos desafios do Iluminismo e da rua sem saída na qual ele 
culminou. Assim, eles procuraram ir além do Iluminismo, incorporando ao mesmo 
tempo os avanços dessa era. De modo mais específico, buscaram estabelecer 
uma nova relação entre a transcendência e a imanência em meio aos resultados 
da destruição do equilíbrio medieval.
Nessa tarefa de reconstruir a teologia no mundo pós-iluminista, os teólogos 
puderam contar com as ferramentas criadas por três gigantes intelectuais. A essa 
altura, o legado do pensamento ocidental havia sido transferido para a Alemanha, 
onde a Idade da Razão chegou mais tarde, mas cujos círculos teológicos haviam 
desenvolvido bases mais sólidas do que na Inglaterra. Conseqüentemente, os três 
transformadores da teologia do século 19 foram alemães - Immanuel Kant, G.W.
F. Hegel e Friedrich Schleiermacher.
Esses três pensadores eram parecidos, no sentido de que cada um buscava 
criar um espaço para o elemento religioso da vida. Porém, diferiam acentuada- 
mente, pois cada um propunha uma dimensão distinta como essência da religião - 
a moral (Kant), a intelectual (Hegel) e a intuitiva (Schleiermacher). A influência 
de cada um desses três pensadores estendeu-se por todo o cenário intelectual do 
século 19; primeiro de modo competitivo e, depois, fundindo-se para formar aquilo 
que veio a ser a teologia protestante liberal do século 19 e que encontrou seu 
epítome num quarto pensador alemão - Albrecht Ritschl.
Apesar dos esforços dos talentosos pensadores, à medida que o século ca­
minhou para seu final, a teologia descobriu que não havia superado o Iluminismo. 
A ênfase na imanência, parte tão essencial da perspectiva humana desde a 
Renascença, continuava nas fundações da “casa teológica” mesmo depois de 
sua reconstrução.
IM M A N U E L KANT: A I m a n ê n c ia d e D e u s n a E x p e r iê n c ia M o r a l
Os grandes pensadores do século 19 procuraram ir além do impasse resultan­
te do Iluminismo, ao determinar um lugar especial para a religião na vida humana. 
Uma primeira possibilidade foi proposta pelo filósofo alemão do século 18 Immanuel 
Kant (1724-1804). Kant sugeriu a esfera prática ou moral da vida como o lugar 
apropriado para a religião. Ao construir uma teologia devidamente fundamentada 
na razão prática, ele ofereceu uma nova tentativa de equilíbrio entre a transcen­
dência e a imanência.
Do ponto de vista cronológico e intelectual, Kant está mais próximo do Iluminismo 
do que Hegel e Schleiermacher. A proximidade intelectual fica evidente através de
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sua elevação da dimensão ética da vida ã posição de ponto central da religião, um 
ponto de vista muito próximo ao cerne dos valores da Idade da Razão. Porém, seu 
método de estabelecer uma religião voltada para o aspecto moral diferia imensa­
mente dos métodos do Iluminismo.
Do ponto de vista externo, muito pouco aconteceu na vida de Kant. Ele nas­
ceu, estudou, lecionou e morreu no mesmo lugar - a cidade portuária de Königsberg, 
a leste da Prússia. Trabalhou como palestrante não-pago na universidade (1755­
1770) até ser contratado como professor de lógica e metafísica. Kant não se 
casou e não viajou. Sua rotina era tão rígida que, supostamente, as mulheres na 
cidade ajustavam seus relógios de acordo com as caminhadas diárias que ele 
fazia às três e meia da tarde. Foi só aos cinqüenta e sete anos de idade que Kant 
produziu sua principal obra. Entretanto, o livro que ele publicou naquele ano, Crí­
tica da Razão Pura (1781), fez estremecer o mundo da filosofia e lançou uma 
nova onda intelectual cujos efeitos ainda podem ser sentidos.
A Filosofia de Kant
Immanuel Kant deu início àquilo que, pare ele, foi uma “Revolução Copémica” na 
filosofia. Assim como o grande astrônomo colocou o Sol no lugar da Terra como 
centro do sistema solar, Kant elevou a mente ao centro do conhecimento humano 
(epistemologia). Ele teorizou que a possibilidade de se experimentar a realidade 
dependia da mente.
As origens da revolução de Kant encontram-se num grave problem a 
epistemológico deixado para trás pelo empirismo, o movimento filosófico que ca­
racterizou a Idade da Razão na Grã-Bretanha. A “mente passiva” era o elemen­
to central da visão empirista do que vinha a ser o processo de conhecimento. Em 
seu Essay Concerning Human Understanding [Ensaio sobre o Entendimento 
Humano], John Locke rejeitou a tese essencial da filosofia cartesiana, argumen­
tando que a mente era uma tábua rasa, um recipiente vazio e desprovido de 
qualquer idéia inata. Como resultado disso, ela é passiva no processo de conheci­
mento. Ela simplesmente recebe “impressões” do mundo externo através dos 
sentidos e então formula idéias a partir das impressões recolhidas.
A primeira vista, a teoria empírica parece ser uma verdade óbvia, uma ex­
plicação simples das experiências comuns e quotidianas. Porém, o produto final 
dessa teoria do conhecimento foi o ceticismo de David Hume, que mostrou sua 
inadequação como forma de explicar a cognição humana. Ele argumentava que 
o método empírico não é capaz de nos dar o conhecimento acerca de certos 
aspectos da realidade aos quais normalmente não damos o devido valor, espe­
cialmente a causalidade e a substância. Hume declarou que tudo o que conhe­
cemos são nossas percepções. Essas percepções incluem a coincidência de 
uma seqüência de acontecimentos, a partir da qual induzimos, mas sem de fato
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experimentar, um relacionamento de causalidade. De maneira semelhante, expe­
rimentamos uma série de impressões (tamanho, cor e assim por diante) mas não 
a substância em si. Nossa imaginação atribui essas impressões a objetos. De 
acordo com Hume, não temos verdadeiro conhecimento das substâncias como 
elas existem no mundo. Na verdade, a identidade de tais objetos externos, assim 
como a causalidade, não se encontra “lá fora”, mas é simplesmente o resultado de 
uma disposição mental.
O ceticismo epistemológico de Hume teve conseqüências importantes para a 
crença religiosa, pois levou a um questionamento do deísmo, a religião edificada 
sobre o empirismo. Ele mostrou que os argumentos para a racionalidade da reli­
gião natural não são tão garantidos quanto acreditavam os seus proponentes. O 
argumento cosmológico, por exemplo, não podia provar a existência de Deus se a 
causa não era um fenômeno experimentado. Assim também, a doutrina da imor­
talidadeda alma não podia sobreviver ao fim do conceito de substância. E a 
injustiça e o pecado do presente inviabilizaram a possibilidade de uma futura esfe­
ra de justiça eqüitativa, baseada na bondade do Criador.4
Kant sentiu-se desafiado pelo ceticismo radical de Hume. Aliás, ele relatou 
que foi Hume quem o despertou do seu “sono dogmático”. A investigação que 
Kant fez do problema o levou a uma explicação do caráter limitado do processo 
epistemológico humano descoberto por Hume. Mas, ao contrário de seu prede­
cessor britânico, Kant acreditava que essa limitação não exigia uma rejeição cé­
tica de todos os conceitos metafísicos.
Em sua Crítica da Razão Pura (1781), Kant procurou colocar a metafísica 
sobre bases sólidas. Para isso, propôs uma hipótese ousada. A mente tem um 
papel “ativo” no processo de conhecimento. Ele argumentou que o processo de 
conhecimento do mundo externo não pode ser derivado apenas de experiências 
sensoriais. Os sentidos só oferecem os dados brutos que a mente sistematiza 
quando acontece o verdadeiro conhecimento. Acrescentou ainda que essa orga­
nização das sensações (conhecimento) é possível através de certos conceitos 
formais presentes na mente, que agem como um tipo de grade ou filtro oferecen­
do parâmetros que viabilizam o conhecimento.5
Dentre os vários conceitos formais, dois são fundamentais: espaço e tempo. 
De acordo com Kant, espaço e tempo não são propriedades inerentes às coisas. 
Assim como outras estruturas, esses dois elementos são, na verdade, parte da 
ordem que a mente impõe sobre o mundo com o qual ela se depara. Ele afirmou 
que, apesar de alguns objetos talvez não existirem de fato no tempo e no espaço, 
não podemos conhecer o mundo externo de experiências sensoriais de qualquer 
outra maneira que não inclua esses dois elementos.
A hipótese de que a mente é ativa no processo epistemológico exige uma 
distinção entre os objetos presentes na experiência do conhecedor humano
(phenomena - fenômenos) e os objetos que estão além dessa experiência 
(,noumena). De acordo com Kant, um noumenon poderia tanto ser um objeto 
que existe independente de qualquer relação com um sujeito conhecedor (o “obje­
to em si”) como também poderia ser um objeto que simplesmente não estamos 
equipados para detectar. Conforme veremos mais tarde, a categoria dos noumena 
abriu para Kant um universo além da causa e efeito, dentro do qual ele podia 
atribuir ao ser humano a liberdade de ação como agente moral.
Assim como a teoria de Hume, a teoria do conhecimento de Kant impunha 
sérios limites sobre a habilidade dos pensadores de discutir realidades transcen­
dentes como Deus, a alma imortal e a liberdade, tomando como ponto de partida 
experiências sensoriais. O ponto de vista que Kant desenvolveu em Crítica da 
Razão Pura significava que qualquer realidade que está além do espaço e do 
tempo não pode ser conhecida através do empreendimento científico, pois a ciên­
cia baseia-se nas experiências sensoriais. A razão “pura” ou especulativa (ciên­
cia) pode, no máximo, indicar que esses conceitos metafísicos são plausíveis, no 
sentido de que nada daquilo que conhecemos no mundo empírico os contradiz.
Ao mostrar os limites do conhecimento empírico, a Crítica da Razão Pura 
colocou realidades que transcendem o tempo e o espaço (como é o caso de Deus) 
além da esfera científica e da experiência sensorial. Apesar de, à primeira vista, 
essa colocação parecer transformar tais realidades em algo incompreensível, a 
intenção de Kant não era provar o ceticismo religioso. O que ele, de fato, deseja­
va era abordar os postulados metafísicos de modo mais seguro. Conforme expli­
cou mais tarde em Crítica do Juízo, ele acreditava que, se a realidade de Deus 
fosse demonstrada através de experiências sensoriais, seria difícil visualizar Deus 
em termos de elementos morais.6 Na segunda edição de Crítica da Razão Pura, 
ele explicou: “Descobri, portanto, que é necessário negar o conhecimento, a fim 
de criar espaço para a fé".1 Para o filósofo alemão, a “fé” pertencia a um outro 
domínio da razão humana - razão em seu aspecto “prático” - que ele relacionava 
com a dimensão moral da existência humana.
Razão Prática
Ao mostrar a falácia de todas as provas teóricas dos postulados metafísicos, a 
primeira Crítica cortou as asas da razão “pura” ou especulativa. Mas ainda res­
tava a tarefa de estabelecer esses postulados através de algum outro meio. A 
garantia dos conceitos de Deus, imortalidade e liberdade tomou-se possível com 
os escritos morais de Kant, especialm ente: Princípios Fundam entais da 
Metafísica dos Costumes (1785), Crítica da Razão Prática (1788) e Metafísica 
dos Costumes (1797). Seu objetivo com essas obras era investigar os conceitos 
necessários para se raciocinar em termos práticos, da mesma forma como havia 
explorado os aspectos teóricos do raciocínio em Crítica da Razão Pura.
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O argumento de Kant está fundamentado na tese que de o homem não é 
apenas um ser de experiências sensoriais, mas é também um ser moral. Ele obser­
vou que nossa relação com o mundo não é limitada pelo conhecimento científico. 
O mundo é, na verdade, um palco no qual os seres humanos desempenham seus 
papéis; é uma esfera de valor moral. Kant estabeleceu a natureza moral da exis­
tência ao lançar mão daquilo que ele considerava a experiência moral universal 
dos seres humanos, um senso de condicionamento moral, de “dever”. Ele afirmou 
que os seres humanos sabem da “pressão” que existe sobre eles para que façam 
escolhas que só podem ser descritas em termos de moralidade.
Kant argumentou que, assim como a dimensão teórica, essa dimensão prá­
tica ou moral da existência humana é, fundamentalmente, racional. Em decor­
rência disso, estava convencido de que certos princípios racionais controlam 
todos os julgamentos morais válidos, assim como outros princípios racionais são 
o fundamento de todo o conhecimento teórico ou sensorial. Conseqüentemente, 
o objetivo da dimensão moral da vida humana era tornar-se o mais racional 
possível. Kant referiu-se a esse modo de vida racionalmente moral em termos 
de “dever”.
Para Kant, esse modo de vida tem seu auge no princípio supremo de moralidade, 
seu famoso imperativo categórico. Esse princípio requer, basicamente, que cada 
ser humano procure agir de acordo com qualquer consideração motivadora que 
ele ou ela gostaria que se transformasse numa lei universal a ser seguida por 
todos. Em suas palavras: “Aja somente segundo um motivo tal que você possa 
desejar ver transformado em uma Lei Universal da Natureza”. 8 Conforme essa 
definição indica, o imperativo categórico concentra-se menos nas ações específi­
cas e mais nas considerações motivadoras por detrás dessas ações.9
Os Postulados Práticos
A natureza moral da existência humana comprovada pela experiência universal 
do condicionamento moral foi fundamental para que Kant restabelecesse a 
metafísica. Com base nessa dimensão da vida, ele argumentou em favor da cer­
teza dos três postulados transcendentais que o raciocínio teórico não havia sido 
capaz de determinar. Ele afirmou que esses “postulados práticos” devem ser le­
vados em consideração, pois são exigidos pela natureza moral do mundo.
Os dois primeiros postulados, Deus e a imortalidade, surgiram da visão de 
Kant acerca do summum bonum. Ele defendia que o mais elevado bem possível 
para a humanidade é viver numa esfera em que a virtude e a felicidade estão 
juntas. Todos nós sabemos, entretanto, que, nesta vida, a virtude nem sempre é 
recompensada. Assim, Kant concluiu que deve haver uma vida futura em que o 
viver virtuoso é adequadamente recompensado e Deus deve existir como aquele 
que garante que a justiça total irá prevalecer nessa esfera.
Professor Eduardo 
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O argumento de Kant para o postulado da liberdade tem implicações exten­
sas. Ele afirmava que a liberdade humana é necessária para explicar a experiên­
cia universal humana de ser umsujeito moral ativo. Na dimensão “fenomenal”, os 
homens são seres físicos, sujeitos às leis da natureza e, portanto, aparentemente 
não são livres. Mas na dimensão “nomenal”, cada pessoa pode ser livre, pois a 
obrigação moral pressupõe a existência da liberdade. Esse argumento serviu para 
colocar o ser humano simultaneamente em duas esferas. Cada indivíduo deve ser 
compreendido tanto moralmente (como sujeito com liberdade de ação) como cien­
tificamente (vivendo sob as leis da causação física).
A Religião Racional
Em  Religião Dentro dos Limites da Razão (1793), Kant procurou levar sua 
proposta um passo adiante, movendo-se da moralidade para a religião (isto é, 
Cristianismo). Para ele, esse passo era necessário, pois a religião oferece o obje­
tivo maior da moralidade, tendo em vista que fala de um “poderoso Criador de leis 
morais” cuja vontade “deve ser o motivo maior de todos os homens”.10
Como todo trabalho de Kant, esse livro marcou tanto a continuação do 
Iluminismo quanto o rompimento com ele. O autor começou com uma discussão 
sobre o “mal radical”, a presença universal dentro de nós de uma tendência para 
o mal, que não pode ser extirpada por nossas próprias forças. Do ponto de vista 
da Idade da Razão, nessa discussão, o filósofo alemão havia cometido uma trans­
gressão imperdoável.11 Ele havia reintroduzido justamente a doutrina - o pecado 
original - que tinha sido alvo das críticas mais mordazes do Iluminismo em relação 
ao Cristianismo.
Mesmo assim, Kant não havia rompido por completo com o Iluminismo, pois 
ainda mantinha o otimismo básico daquela era. Ele acrescentou que, tendo em 
vista que o mal radical encontra-se no ser humano, “cujos atos são livres, então 
deve ser possível superá-lo”. 12
A fim de sustentar essas duas teses ao mesmo tempo, o filósofo alemão 
diferenciou o princípio do mal, que ele via presente em nossa vontade real, do 
imperativo categórico, que, conforme ele declarava, coincide com nossa vonta­
de essencial. Desse modo, Kant construiu o que G. E. Michaelson Jr. chamou de 
“uma fusão instável da ênfase Reformada sobre a queda e da ênfase Iluminista 
sobre a liberdade”.13
A cristologia de Kant foi moldada por sua visão da religião como sendo es­
sencialmente ética. Ele descreveu o objetivo da criação como a concretização de 
uma humanidade moralmente perfeita. Esse objetivo está eternamente presente 
na mente divina na forma do Filho Único de Deus, que é o objeto de nossa fé.14 
Fiel ao pensamento do Iluminismo, Kant argumentou que essa idéia também está 
presente em nossa razão e, por isso, não precisamos de um “exemplo empírico”
para servir de arquétipo do que é “uma pessoa moralmente agradável a Deus”. 
Ainda assim, em sua tentativa de levar em consideração a tradição cristã, ele 
acrescentou que existe um exemplo histórico desse ideal - Jesus - ou, mais espe­
cificamente, a disposição de Jesus de enfrentar o sofrimento “em favor do bem 
maior de todo o mundo”.15
A essência ética da religião também moldou a visão de Kant acerca da impor­
tância do Cristianismo. Ainda mantendo-se dentro do Iluminismo, ele subordinou 
o Cristianismo à religião universal da razão. Para ele, o Cristianismo não passava 
de um meio para o estabelecimento do bem comum ético, um estágio dentro da 
introdução gradual da “fé religiosa pura”.
As mudanças trazidas pelo Iluminismo também marcaram sua compreensão 
do que vinha a ser autoridade religiosa. Ao mesmo tempo em que considerava as 
Escrituras como norma única na igreja, Kant declarou que a “religião pura da 
razão” - a única autêntica e universalmente válida - é o princípio interpretativo 
das Escrituras.16 Ele concluiu que a dimensão moral (ou seja, “a virtude buscando 
a santidade”) é o verdadeiro significado por trás das histórias bíblicas.17 E ele 
procurou essas verdades eternas da fé presentes de maneira subliminar na histó­
ria cristã, a saber:
que não existe salvação para o homem fora da adoção sincera de princípios genui­
namente morais em sua disposição; que aquilo que trabalha contra a adoção desses 
princípios não é tanto a natureza sensual, que é acusada com tanta freqüência, 
quanto uma perversidade própria... que a raça humana trouxe sobre si.18
Por fim, Kant reinterpretou o elemento da graça. Apesar de admitir a impor­
tância da narrativa bíblica, o filósofo alemão enfatizou que “a verdadeira religião 
não consiste no conhecimento daquilo que Deus fez ou continua fazendo por nos­
sa salvação, mas naquilo que nós devemos fazer para sermos dignos dessa salva­
ção” .19 E o que podemos fazer é simplesmente viver de maneira moral.20 Kant, 
portanto, inverteu a ordem da graça e das obras que era tão central à Reforma. 
“O certo não é ir da graça para a virtude”, ele concluiu, “mas progredir a partir da 
virtude em direção à graça perdoadora”.21
A Teologia baseada na Moralidade
A abordagem de Kant lançou uma fundação inovadora para a teologia. De fato, 
ele inferiu certas doutrinas religiosas centrais: a realidade de Deus, a imortalidade 
e a liberdade do ser humano. Porém, ao contrário dos teólogos clássicos, cuja 
argumentação partia da revelação em direção aos atributos do ser de Deus, 
Kant, semelhante a Descartes, construiu seu sistema baseado exclusivamente 
no indivíduo como ser racional. Assim, esse método não partia da revelação
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movendo-se em direção ã razão, mas saía da razão e movia-se para a revelação. 
Desse modo, Kant deu continuidade à proposta iluminista de se delinear uma fé 
puramente racional.
Uma inovação, entretanto, separava Kant da Idade da Razão. Ao contrário de 
seus antecessores, não era a razão na forma abstrata que orientava sua proposta. 
Ele argumentava que para a religião era fundamental uma certa dimensão parti­
cular da existência humana - a experiência do condicionamento moral que, de 
acordo com ele, estava ligado ao aspecto prático da razão. Como resultado disso, 
Kant afirmou apenas aqueles postulados metafísicos que considerava necessários 
para explicar essa dimensão da existência humana (tais como Deus, a imortalida­
de e a liberdade). Fazendo uso dessa mesma metodologia, ele deu à natureza 
divina apenas os atributos necessários para retratar a Deus como aquele que 
garante a moral.22 Portanto, Kant não podia declarar ter qualquer conhecimento 
da natureza divina além da dimensão moral. Ele não baseou a moralidade na 
teologia, como fazia o pensamento cristão clássico, mas sim a teologia na moralidade.
Quando vista dentro do contexto da história teológica, a obra de Kant mar­
cou o golpe de misericórdia sobre o deísmo da Idade da Razão. Ao contrário 
dos dogmas instáveis da religião da revelação, o Iluminismo considerava as 
doutrinas da religião natural completamente firmes, pois haviam sido edificadas 
sobre os sólidos fundamentos da razão, empregando os métodos de investiga­
ção empírica (que Kant chamou de “razão pura”). Kant, todavia, mostrou que 
os princípios metafísicos centrais do deísmo - a existência de Deus, a imortali­
dade da alma e a liberdade humana - não podiam ser determinados através do 
raciocínio especulativo. Ele confirmou, dessa forma, aquilo que os céticos já ha­
viam inferido. Essa porta para a religião fechava-se para sempre. O filósofo havia 
oferecido uma visão extensa e cheia de implicações acerca da natureza finita do 
ser humano; uma visão que precisaria ser levada seriamente em consideração 
pela teologia subseqüente.
Mas a rua sem saída em que foi dar a religião do Iluminismo não marcou o fim 
da teologia. Era possível ancorar a teologia em alguma outra coisa além da facul­
dade mental, em alguma outra dimensão da realidade humana. Foi com esse pro­
pósito que Kant empregou a ênfase iluminista da moralidade, colocando-a sobre 
fundações mais sólidas. Ele argumentou que a religião podia ser estabelecida com 
base na razão prática - a dimensão ética da existência e a faculdade mental 
correspondente. Para ele, a esfera moral é o âmbito apropriado para a religião. 
Nessadimensão, ela reina suprema, protegida das descobertas da ciência.
Conclusão
Em muitos sentidos, o trabalho de Kant preparou o caminho para discussões sub­
seqüentes tanto na filosofia quanto na teologia. Foi uma resposta articulada ao
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Iluminismo, ao mesmo tempo em que incorporou os principais avanços da época. 
No fim das contas, porém, Kant não foi capaz de superar certas tendências 
destrutivas de seu tempo. Ele procurou definir religião como a devoção a um 
Legislador transcendente cuja vontade deve ser o objetivo da humanidade.
Ainda assim, a teologia resultante do método de Kant continuou sendo 
antropocêntrica e conduz inevitavelmente a uma ênfase da imanência divina que ele 
próprio tanto rejeitava. Em última análise, a “voz divina” ouvida universalmente 
pela razão humana - seja ela pura (Iluminismo) ou prática (Kant) - é a voz que vem 
de dentro do indivíduo. Ela não traz uma palavra do “além”, transcendente. No caso 
da proposta de Kant, a transcendência de Deus perde-se facilmente na voz do impe­
rativo categórico encontrado nas profundezas da “razão prática” do ser humano.
G. W. F. HEGEL: A I m a n ê n c ia d e D e u s n o R a c io c ín io E s p e c u l a t iv o
Immanuel Kant procurou superar o Iluminismo e estabelecer uma nova rela­
ção entre a transcendência e a imanência, mudando o enfoque religioso da esfera 
da “razão pura” (a esfera do conhecimento baseado nos sentidos) para a da “ra­
zão prática” (a esfera do conhecimento baseado na experiência do indivíduo como 
um ser moralmente condicionado). Uma segunda alternativa ao Iluminismo foi 
oferecida por G.W .E Hegel. Enquanto Kant encontrou uma pista para a 
transcendência na dimensão ética da vida humana, Hegel procurou o mesmo sen­
so de transcendência na dimensão intelectual. Ele ligou a verdade absoluta ao 
processo da história humana e à capacidade da mente humana de compreender o 
significado desse processo. Ele afirmou com ousadia que, à medida que a huma­
nidade entende a História, Deus passa a conhecer a si mesmo.
A Carreira de Hegel
A vida de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) coincide com um período 
turbulento da história da Europa. Por um lado, aquela foi a era de Napoleão e, 
por outro, do Romantismo. Nascido em Stuttgart, Hegel cresceu numa parte do 
país que, de acordo com as palavras de Cari J. Friedrich, “foi o berço de mais 
pensadores e poetas do que qualquer outra região da Alemanha”.1 Não é de se 
admirar, portanto, que o pensamento de Hegel mesclasse interesses tanto nas 
dimensões políticas quanto estéticas da existência humana.
Ao contrário de Kant, que passou toda a vida em sua cidade natal, no leste da 
Prússia, a educação e a carreira profissional de Hegel o levaram a diversas cida­
des da Europa central.2 Depois de completar seus estudos na Universidade de 
Tübingen (onde sua filosofia teria, mais tarde, forte impacto sobre os estudos 
teológicos), trabalhou como tutor, primeiro em Berne, na Suíça (1791-1796), e
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depois em Frankfurt (1796-1800). A essa altura de sua vida, Hegel estava preo­
cupado principalmente com seus antecessores teológicos e com o legado de Kant.3 
Um estágio formativo no desenvolvimento de seu pensamento ocorreu durante 
sua carreira como professor na Universidade de Jena (1801-1806), pois foi lá que 
explorou mais de perto o conceito de Geist (espírito), tão central à sua filosofia. 
No auge de sua carreira, Hegel mudou-se para Heidelberg e depois para Berlim 
(1818), onde trabalhou até vir a falecer.
A Filosofia de Hegel
Hegel propôs superar os obstáculos impostos pelo Iluminismo sobre o empreendi­
mento teológico, através da construção de uma grande fusão da teologia com a 
filosofia. Assim, para que possamos entender a solução que ele ofereceu para 
resolver o impasse criado pelo século 18 e sua importância para a teologia do 
século 19, devemos olhar para sua proposta inovadora para a filosofia.
A filosofia de Hegel marcou um importante rompimento com a Idade da Ra­
zão. Ele concordava com o Iluminismo em que a filosofia está relacionada à obten­
ção da verdade, mas redefiniu o foco do trabalho filosófico. Sendo uma época 
muito pouco voltada para a História, a Idade da Razão havia remodelado a filoso­
fia à imagem da ciência natural, esperando, assim, encontrar a verdade - e Deus
- no universo natural. A natureza era vista como uma realidade estática, um 
produto acabado. Como tal, era o objeto do conhecimento humano. E sua máqui­
na delicadamente regulada implicava na existência de um Arquiteto.
O filósofo alemão concordava com a ênfase no conhecimento científico e 
objetivo defendido pelos empiristas da Idade da Razão. Mas negava que a expe­
riência sensorial era a única base para o conhecimento ou que a formação de 
idéias a partir das experiências sensoriais era o principal método de se obter o 
conhecimento. Também não concordava com a afirmação de seus antecessores 
de que a realidade é estática e completa - um objeto externo que podia ser capta­
do pela razão. Ao invés disso, Hegel ensinava que a realidade é ativa e está em 
constante desenvolvimento. Ela é um processo contínuo, que consiste no desdo­
bramento dos princípios da racionalidade. Ele afirmava que a realidade não é 
apenas lógica (como acreditavam os pensadores do Iluminismo), mas que a lógi­
ca, num certo sentido, também é uma realidade, pois aquilo que é racional existe.4
Foi sobre esse fundamento que Hegel propôs uma visão mais complexa da 
realidade e do conhecimento humano, uma visão concentrada na estrutura do 
pensamento racional. Para ele, a estrutura do pensamento e a estrutura da reali­
dade são, no final das contas, uma coisa só: um processo dinâmico.5
Ao contrário dos pensadores do Iluminismo, o estudioso alemão colocava a 
filosofia acima das ciências. Ele encarava a filosofia como um meio não apenas 
de descobrir a verdade, mas também de concretizar a verdade absoluta.
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De acordo com isso, Hegel criou uma ligação mais próxima entre a filosofia 
e a História. Aliás, conforme Henry D. Aiken, sua proposta foi a primeira “tenta­
tiva mais minuciosa de se visualizar todos os problemas e conceitos filosóficos, 
incluindo o próprio conceito de razão, em termos essencialmente históricos”. 6 
Ao buscar a resposta para o problema do destino humano e do significado da 
existência,7 ele esperava encontrar Deus não dentro da natureza, como um Ar­
quiteto distante, mas na “Idéia”, no significado por trás do processo da história 
humana como um todo.
Três conceitos relacionados entre si resumem a tentativa de Hegel de 
visualizar a realidade de maneira inédita: o espírito, a verdade como um proces­
so e a dialética.
Espírito
A primeira idéia central do pensamento de Hegel é Geist, que normalmente é 
traduzido para a nossa língua como “espírito”. Na verdade, não há nenhuma pala­
vra em nosso vocabulário que seja um equivalente adequado a esse termo. Ele 
combina os conceitos de racionalidade refletida na palavra mente com a dimen­
são sobrenatural ligada a espírito.
Para Hegel, o Espírito não é simplesmente uma substância (algo que existe), 
mas um sujeito ativo, uma atividade, um processo. Apesar de estar presente nos 
seres humanos, ele não deve ser igualado ao espírito humano, pois é o ser inte­
rior do mundo, o Absoluto, chega a ser a única Realidade.8 Os acontecimentos 
do mundo, por sua vez, são a atividade do Espírito. E através desses aconteci­
mentos que o Espírito toma uma forma objetiva e adquire a plena consciência de 
si mesmo. Portanto, Hegel via todos os processos da natureza e da História 
como formadores de um todo unificado e manifestação desse princípio espiri­
tual fundamental.
A Verdade como um Processo
A segunda idéia importante da filosofia de Hegel é sua compreensão da verdade 
como um processo. O filósofoalemão não encarava a verdade como se fosse a, 
conclusão racional alcançada ao se empregar o raciocínio apropriado (como era d 
caso da filosofia, pelo menos a partir de Descartes). Ao invés disso, para ele, a 
verdade era o processo em si. Era o todo, o vai e vem, as voltas e caminhos 
tomados pelo processo de raciocínio que acabavam levando a uma resolução.
Hegel também notou que o processo de raciocínio não vê seu objeto como 
algo externo em relação a si, mas contém esse objeto dentro de si mesmo. Ele 
chamou essa atividade racional de apropriação do objeto de “concepção”. À con­
cepção maior, ao ajuntamento de todas as concepções em um todo interligado, 
Hegel chamou de “Idéia” ou concepção do Absoluto. “Concepção”, portanto,
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envolve a confluência de pensamento e realidade,9 o que é possível pois a realida-. 
de reflete uma estrutura racional.
Hegel ligou a verdade da realidade ao processo da História, que ele via como 
a consciência que o Espírito adquiria de si mesmo. Aliás, esse “todo” não é sim­
plesmente uma característica da realidade; para Hegel ele é a realidade.10 As 
diferentes épocas da história humana são estágios, através dos quais o Espírito 
passa no processo de auto-descobrimento.11 Assim, a verdade é a História - 
vista não como fatos isolados, mas como a grande unidade por trás do contínuo 
processo histórico e, ao mesmo tempo, nele revelada. O conhecimento, por sua 
vez, encontra-se na domínio filosófico dos padrões produzidos pelo processo his­
tórico, na apropriação do significado do todo.
Por causa de sua ênfase no vai e vem da História, Hegel valorizava profunda­
mente o passado. Argumentava que devemos compreender nossas origens a fim 
de obter o verdadeiro conhecimento. Mas, acima de tudo, estava interessado na­
quelas dimensões que conferiam expressão ao espírito humano: sociedade, reli­
gião, ética, arte, literatura e música. Ele teorizava que é na história da cultura 
humana (expressada através dessas atividades) que o espírito humano encontra 
sua própria vida consciente.12 E através do processo histórico que surge o conhe­
cimento absoluto. Mas esse conhecimento é o Espírito conhecendo a si mesmo.
Dialética
Dentre os vários aspectos da filosofia de Hegel, o mais conhecido é sua dialética. 
Essa dimensão está relacionada à sua tese sobre a dinâmica da natureza da filo­
sofia. A seu ver, a filosofia trata da realidade que se apresenta ou vem a se 
conhecer através do processo contínuo da vida. Como o mover do Espírito em si, 
a filosofia cria os vários estágios de sua própria história ao passar por eles e essa 
atividade é a sua verdade. A cada estágio, o estágio anterior é usado como funda­
ção, mas também é, ao mesmo tempo, negado. Assim, o estágio anterior é tanto 
preservado quanto suspenso. Ao ser compreendida dessa forma, a verdade inclui 
aquilo que nega ao passar para o próximo estágio da História.
Hegel, portanto, substituiu a idéia tradicional de existência estática pelo con­
ceito dinâmico de processo. Esse processo ativo da verdade contém dentro de si 
o “vir a ser” e o “deixar de ser”. E pelo fato de tudo estar fluindo, a busca pela 
verdade é o estudo do processo dentro do qual a verdade surge.
Essa afirmação trazia uma implicação importante à visão de Hegel sobre a 
lógica. A lógica tradicional baseia-se na lei da não-contradição (X não é “não-X”). 
Desse modo, ela pressupõe uma perspectiva estática da realidade.
O filósofo alemão rejeitou essa perspectiva estática, transformando-a numa 
visão dinâmica semelhante à do antigo filósofo grego Heráclito. De acordo com 
Hegel, a realidade está em movimento e o curso desse desenvolvimento, que
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parte do potencial e vai até a realização final, acontece em estágios. Como resul­
tado, o pensamento também deve mover-se através de um processo governado 
pela lei da dialética. Para Hegel, a dialética não consiste em uma idéia humana, 
mas sim na descrição da realidade como ela é de fato. Mais especificamente, ela 
é uma descrição da história do Espírito em si ou da razão eterna tornando-se 
realidade no pensamento humano. Aqui fica evidente, mais uma vez, a ligação 
próxima que Hegel fazia entre o pensamento e a realidade. Ele afirmava que, 
saber o que a razão precisa necessariamente pensar, é saber o que precisa neces­
sariamente acontecer.13
A dialética de Hegel é normalmente descrita em termos lógicos como sendo a 
tríade composta de tese-antítese-síntese. Mesmo que Hegel talvez nem tenha 
usado esse esquema,14 ainda assim ele nos ajuda a entender sua proposta. Em 
primeiro lugar, surge uma tese. Ela imediatamente gera uma antítese. As duas 
juntam-se em uma síntese. A síntese constitui uma nova tese e o processo continua.
O contraste entre a tese e a antítese que formava uma parte da dialética de 
Hegel não é exclusividade sua. Em sua Crítica da Razão Pura, por exemplo, 
Kant concluiu que a razão pura pode levar a mente a ver apenas a validade 
possível de afirmações opostas sobre as realidades transcendentais como a exis­
tência de Deus, a imortalidade da alma e a liberdade humana. De maneira seme­
lhante, os pensadores do Romantismo falavam de uma “coincidência de opostos” 
atuando na natureza e na história humana.
Mas enquanto Kant extraiu desse fenômeno os limites da razão “pura”, Hegel 
ousou declarar que tanto a tese quanto a antítese podem ser afirmadas quando 
são compreendidas à luz de uma proposição mais inclusiva que abranja o signifi­
cado de cada uma. Esse é o terceiro aspecto da tríade, a resolução da tese e da 
antítese dentro de uma síntese, em que ambas são canceladas, porém mantêm-se 
preservadas (aufgehoben) dentro de uma terceira proposição.
Porém, Hegel não limitou a dialética à atividade da mente humana. Ele a viu 
também como uma lei de pensamento e metafísica. A dialética relaciona-se ao proces­
so da própria realidade, que revela o Absoluto adquirindo consciência de si mesma.
A dialética também pode ser usada para descrever o movimento de tríade do 
Absoluto de maneiras variadas e um tanto complicadas. Uma delas concentra-se 
no movimento do ser indeterminado (Sein) passando a um não-ser (Nichts) e 
vindo a ser (Werden).15 Esse vir a ser, por sua vez, apóia-se no vir a ser de algo 
que já existe (Dasein).
Uma tríade relacionada descreve as incorporações da concepção de Abso­
luto.16 O primeiro elemento, o “em si” (an sich), vê a concepção em sua mais 
simples universalidade. Ele descreve o Absoluto em termos de sua essência 
unificada, que forma a unidade constituinte da essência de toda a realidade e, 
portanto, é o substrato para a realidade. Sob essa luz, ele é apenas implícito ou
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potencial e ainda não encontrou uma expressão externa.17 O segundo aspecto, 
“por si” (fuer sich), vê a concepção em sua total dispersão ou diferenciação. 
Ele descreve o Absoluto em termos de sua presença na esfera dos detalhes ca­
racterísticos do mundo no tempo e no espaço. A resolução desses dois aspectos é 
o terceiro elemento, o “em si e por si” (das Anundfuersichseiri), que é caracte­
rizado pela unidade consciente das várias diferenças presentes dentro do todo.
Filosofia, Teologia e História
Estes conceitos - espírito, verdade como um processo e dialética - constituem a 
fundação da visão de Hegel sobre a relação entre Filosofia, Teologia e História. 
Ele afirmava que a História revela o desdobramento gradativo da verdade, pois 
ela é o campo no qual o Espírito encontra-se ativo. As atividades do espírito 
humano, especialmente aquelas relacionadas às expressões culturais e intelectu­
ais, são essenciais para esse agir do Espírito na História. É sobretudo na Filosofia 
que o espírito adquire consciência de si mesmo.

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