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HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO AULA 2 Profª Ana Carolina Contin Kosiak 2 CONVERSA INICIAL Neste momento, objetivamos o estudo das raízes e da formação da educação Ocidental, buscando uma apropriação da realidade educacional brasileira do Período Colonial. Assim, devemos considerar que a educação brasileira não se separa daquela cunhada no Ocidente e, por isso, é necessário abordar o contexto histórico da transição do feudalismo ao capitalismo (período que compreende desde a Idade Média – de 476 d.C. até os dias atuais). Assim, para além de uma trajetória apenas histórica ou historiográfica, buscamos compreender os sentidos da educação nos períodos estudados e como os ideais europeus influenciam na elaboração da educação brasileira – nesse momento, em se tratando do Brasil Colonial. TEMA 1 – EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA A Igreja Católica Romana representou uma força política, religiosa, social e educacional durante a Idade Média europeia. Santo Agostinho (354-430) foi um filósofo que pensou a educação do período e, baseado na fé e na ética cristãs, acreditava que seu resultado final deveria ser a “conquista da paz da alma”. Em sua obra, ele apresenta conhecimentos que deveriam ser transmitidos às crianças e aos jovens: leitura, escrita, cálculo, gramática, retórica, dialética, geometria, filosofia e teologia. Em contrapartida, o filósofo indicava que eram quatro as causas do fracasso no ensino: pouca capacidade do mestre; repetição cansativa de conhecimentos; reduzida inteligência do educando; e desatenção do aluno (Terra, 2014). Também a partir de uma visão de mundo cristã, o padre dominicano Tomás de Aquino (1225-1274) colocava a figura de Deus na posição de verdadeiro e único mestre que ensina dentro de nossa alma (Terra, 2014). Para ele, o professor ocuparia o lugar de colaborador do ensino, preparando o campo e os interesses para a ciência, uma vez que a aprendizagem dependeria da atuação do próprio aluno, no sentido de se interessar e buscar esse conhecimento. Em termos gerais, é possível analisar a educação da Idade Média ocidental a partir do eixo principal que era a formação de cavaleiros medievais. Meninos a partir dos 5 (cinco) anos já estavam aptos a receberem os ensinamentos da formação do cavaleiro, que eram transmitidos por meio da 3 prática, e não pelo discurso da razão. A vida naquelas sociedades envolvia lutas, competições, caçadas e torneios violentos, o que também contribuía para a ênfase na formação física para a defesa pessoal e a função militar (Terra, 2014). Tendo o Império Árabe se expandido pelo Oriente e pela Europa Ocidental até a Península Ibérica, é notório que o islamismo também permitiu muitas contribuições para o pensamento e o conhecimento da época, como: a criação da álgebra e da trigonometria (Matemática); o desenvolvimento da óptica (Física); a descoberta de novas substâncias e compostos, além de doenças cuja forma de contágio se dava por meio da água e da alimentação (Química e Medicina); difundiram as técnicas de irrigação e o cultivo de novos produtos (agricultura); e desenvolveram a metalurgia, a tecelagem, a vidraçaria e a cerâmica (indústria). Tratando especificamente da educação islâmica, pode-se dizer que ela era baseada no livro sagrado desta religião: o Alcorão. Nele, o sistema de ensino era divido entre a escola elementar e a superior, contendo ensinamentos não somente no aspecto religioso, mas também relacionados à política, ao direito, à organização social e a noções de ciência. As universidades árabes interessavam a estudantes de várias regiões, uma vez que eram independentes e possibilitavam o ensino de professores muçulmanos, cristãos e judeus. Os árabes foram responsáveis pela reintrodução da sabedoria clássica no ocidente, a partir de disciplinas como a Filosofia e a ciência natural dos gregos (Terra, 2014). Maria Guadalupe Pedrero-Sánchez realizou uma seleção de documentos para aproximar os leitores das reflexões e das perspectivas sobre a Idade Média. “Os documentos são a expressão viva do passado, fonte para o historiador e instrumento didaticamente útil” (Pedrero-Sánchez, 2000, p. 9). A seguir, separamos um excerto sobre a escola no século XII, em que se descreve o contexto do ensino, como os estudos eram produzidos e as várias formas de colocá-los em prática: UMA ESCOLA NO SÉCULO XII Volta-te agora para o outro lado e vê. Eu estou voltado e vejo. Que vês tu? Eu vejo uma reunião de estudantes; seu número é grande, há de todas as idades; há crianças, adolescentes, moços e velhos. Seus estudos são diferentes; uns exercitam sua língua inculta a pronunciar novas palavras e a produzir sons que lhes são insólitos. Outros aprendem, em seguida, ouvindo, as inflexões dos termos, sua composição e sua derivação; depois eles os pronunciam entre si e, repetindo-os, gravam-nos em sua memória. Outros trabalham com um estilete em tábuas revestidas com cera. Outros trabalham com mão 4 sábia, sobre membranas, diversas figuras de cores diferentes. Outros, inflamados por um zelo mais ardente, parecem ocupados com assuntos mais sérios; discutem entre si, e se esforçam para com suas razões e artifícios colocarem em xeque uns aos outros. Vejo alguns que estão mergulhados nos cálculos. Outros, a tanger uma corda esticada sobre um pedaço de madeira, tirando dela melodias variadas. Outros, explicando certas figuras de geometria. Outros, com o auxílio de certos instrumentos, o curso e a posição dos astros e a revolução dos céus. Outros, tratando da natureza das plantas, da constituição dos homens, das propriedades e virtudes de todas as coisas. (Hugo de São Victor citado por Guadalupe, 2000, p. 178) Os movimentos de reforma religiosa do século XI fizeram com que os conventos se afastassem dos objetivos de educação, o que resultou na substituição das escolas monásticas para as escolas das catedrais. Algumas delas se transformaram em instituições equivalentes aos colégios atuais, e que proporcionavam ensino nas chamadas “artes liberais” (Burns, 1967, p. 377). Entretanto, o aparecimento das universidades representa “a realização educacional mais importante da Idade Média” (Burns, 1967, p. 377). O termo “universidade” significava, originalmente, uma “associação ou corporação”. A palavra, aos poucos, veio a “significar uma instituição educacional que continha uma escola de artes liberais e uma ou mais faculdades de finalidade profissional (Direito, Medicina ou Teologia) (Burns, 1967, p. 377). Ao longo da Idade Média até o final do século XV, prevaleceu no ensino chamado modus italicus, em referência especialmente à região italiana, no qual o método era utilizado. Ele caracterizava-se por “não seguir um programa estruturado e nem vincular a assistência dos discípulos a determinada disciplina” (Saviani, 2013, p. 50), fazendo com que pudessem transitar de uma disciplina a outra sem nenhum pré-requisito. Esse método implicava a presença de um professor/educador que ministrava a aula, e um conjunto de discípulos que eram reunidos, independentemente de serem classificados em níveis de formação diferentes, e sem considerar a idade de cada um (Saviani, 2013, p. 50-52). A partir do início do século XVI, o modus italicus foi sendo progressivamente substituído pelo modus parisiensis, adotado em Paris. Diferentemente do modus italicus, o método francês introduzia a divisão dos alunos em classes e os fazia realizar exercícios escolares e mecanismos de incentivo ao trabalho escolar (Saviani, 2013, p. 52). As classes eram organizadas pela reunião de alunos com aproximadamente a mesma idade, com o mesmo nível de instrução, a partir de um programa composto por conhecimentos 5 proporcionais a esse nível, e eram conduzidas por um professor (Saviani, 2013, p. 52). Pode-se considerar que o modus parisiensis contémo germe da organização do ensino que veio a constituir a escola moderna, que supõe edifícios específicos, classes homogêneas, a progressão dos níveis de escolarização constituindo as séries e os programas sequenciais ordenando conhecimentos ministrados por determinado professor. (Saviani, 2013, p. 52) Dessa forma, é possível dizer que na Itália, na Espanha e no sul da França, o padrão em geral era o da universidade de Bolonha, na qual os próprios estudantes formavam uma associação. “Contratavam professores, pagavam- lhes salários e os multavam e destituíam quando descuravam o cumprimento do dever ou ministravam instrução deficiente” (Burns, 1967, p. 378). Essas instituições priorizavam o ensino de caráter secular, especialmente os cursos de Direito e Medicina. Já as universidades do norte da Europa modelavam-se pela de Paris, “que não era uma corporação de estudantes, mas de professores” (Burns, 1967, p. 378). Essas, por sua vez, eram mais indicadas para os cursos de Artes e Teologia, além de Medicina e Direito. Por fim, devemos levar em consideração que os avanços da Filosofia e da Ciência no último período da Idade Média “teriam sido em grande parte impossíveis sem o progresso educacional ocorrido entre os séculos IX e XIV (Burns, 1967, 377). TEMA 2 – TRANSIÇÃO DO MUNDO MEDIEVAL AO MODERNO O estudo da transição do mundo medieval ao mundo moderno torna necessário contextualizar a discussão sobre o que, de fato, entendemos por “medievo”, e por que a ênfase nessa suposta oposição entre o que representa a medievalidade e o que representa a modernidade. Vale ressaltar que, e isso nos ajuda a pensar muitos desses contrastes, foi durante a Renascença, inclusive, que surgiu o costume de dividir a história do mundo em três grandes épocas: antiga, medieval e moderna (Burns, 1967, p. 255). [...] Entre esses dois períodos localiza-se a Idade Média, considerada como um interregno de profunda ignorância e superstição, no qual o homem viveu com os olhos vendados, esquecido das maravilhas do conhecimento e interessado somente em fugir às misérias deste mundo e aos tormentos do inferno. A própria palavra “medieval” tem um significado odioso na mentalidade comum contemporânea. Tornou- se sinônimo de reacionário e contrário ao progresso. Desse modo, quando um reformador moderno deseja exprobar as ideias de um 6 adversário conservador, tudo o que tem a fazer é estigmatizá-las como “medievais”. Sem dúvida ele ficaria muito surpreendido se soubesse que as doutrinas sociais e econômicas de alguns pensadores medievais eram, na realidade, bastante semelhantes às nossas (Burns, 1967, p. 255). Para tratarmos sobre esse período de transição do que chamamos de “medievo” para o que se denomina de “modernidade”, três aspectos são essenciais: a Reforma Protestante, a formação dos Estados nacionais e o Renascimento. Estudaremos o Renascimento na próxima seção. Nesse momento, trabalharemos com os outros dois momentos. A Reforma Protestante (1517), que possui como figura principal Martinho Lutero, iniciou-se como um movimento de rebelião contra os abusos da Igreja Católica, especialmente aqueles relacionados com a veneração de relíquias sagradas (venda de indulgências). Além disso, defendiam um ideal de maior liberdade, autonomia, em relação à religião, à política e à economia, e que abrangia as novas classes sociais que surgiram na época, em especial a burguesia. A reforma resultou em um rompimento com a Igreja Católica, com a criação de novas religiões que aplicavam e reproduziam as ideias debatidas nesse momento de crise. Dentre elas podem ser citados o luteranismo (com fundação na Alemanha, a partir de Lutero) e o calvinismo (influente na Inglaterra, com forte atuação de João Calvino). Por outro lado, o aparecimento das monarquias nacionais e o enfraquecimento da estrutura feudal podem ser explicados a partir de alguns fatores que auxiliaram os reis a estabelecerem sua posição de domínio. Em primeiro lugar, os monarcas puderam contar com a sorte de ter filhos que lhes sucedessem e, muitas vezes, filhos únicos – o que permitiu que não houvesse lutas mortais por causa do direito de sucessão, nem qualquer necessidade de dividir o domínio real. Em segundo lugar, na maioria dos casos, não houve regências que retalhassem o poder real durante a menoridade de um príncipe (Burns, 1967). Soma-se a isso, e como caráter principal, a expansão do comércio, que ofereceu aos reis novas fontes de rendimentos, capacitando-os a encontrar aliados na burguesia para sua luta contra os nobres (Burns, 1967, p. 333). TEMA 3 – RENASCIMENTO E O HUMANISMO Denominamos “Renascimento” o movimento intelectual, artístico e cultural que promoveu uma renovação no pensamento ocidental nos séculos XII e XIII. Como causas para seu acontecimento, podemos citar: as influências das civilizações sarracena e bizantina; o crescimento do comércio no Mediterrâneo; a expansão e desenvolvimento das cidades; a renovação do interesse pelos estudos clássicos nas escolas religiosas; o desenvolvimento de uma atitude crítica e cética; e a fuga progressiva da atmosfera de misticismo da primeira fase da Idade Média (Burns, 1967). Ademais, a essas premissas ainda podem ser acrescentadas: a retomada dos estudos de Direito romano; o aparecimento das universidades; o aristotelismo da filosofia escolástica; os avanços do naturalismo na literatura e na arte; e o desenvolvimento de um espírito de pesquisa científica (Burns, 1967). A Renascença abrangeu, em primeiro lugar, “um notável acervo de novas realizações no campo da arte, da literatura, da ciência, da filosofia, da política, da educação e da religião” (Burns, 1967, p. 392). Embora muito se fale sobre a influência clássica (grega e romana), a maioria dos progressos renascentistas expandiu-se para além dessas demarcações (Burns, 1967). Em segundo lugar, “a Renascença incorporou certo número de ideias e atitudes dominantes que passam comumente por ter marcado a norma do mundo moderno” (Burns, 1967, p. 392), destacando-se, entre elas: o otimismo, os interesses seculares, o hedonismo, o naturalismo, o individualismo e, especialmente, o humanismo. No seu sentido mais amplo, o humanismo pode ser definido como a glorificação do humano e do natural, em oposição ao divino e ao extraterreno. Assim concebido, foi ele o coração e a alma da Renascença, uma vez que incluía praticamente todos os ideais já mencionados. O humanismo também tem o sentido mais restrito de entusiasmo pelas obras clássicas, devido ao seu interesse humano. É este o sentido em que foi frequentemente empregado pelos homens da Renascença (Burns, 1967, 392). O surgimento do humanismo reposiciona o ser humano como centro dos interesses e da experimentação intelectual e se utiliza da razão e da experimentação empírica para se chegar a uma conclusão. Com isso, há um abandono da excessiva espiritualidade imposta pela religião, enfatizando o raciocínio lógico, a ciência e o espírito de pesquisa. Para o humanismo, o conceito de educação estava relacionado à valorização das capacidades e habilidades individuais e a busca pela transformação do indivíduo como um ser 8 completo e integrado, com o pleno domínio de suas faculdades espirituais, morais e físicas (Terra, 2014). O espírito do humanismo estava presente na reforma religiosa ocorrida na Europa, por ter sido produto da corrente individualista que buscou romper com a ordem já estabelecida. Também tiveram causas em comum relacionadas com o desenvolvimento do capitalismo e no aparecimento de uma sociedade burguesa. Além disso, os humanistas muito escreveram e debateram sobre a relevância do orgulho nacional, tendo sido, inclusive, o nacionalismo uma das causas principais da Reforma Protestante. Assim, podemos compreender o quanto esses fatos históricos estavam interligados entre si e comocontribuíram, em conjunto, para que pudessem, de fato, acontecer. TEMA 4 – ILUMINISMO A Europa passava por um processo de secularização, que significava uma ruptura com a institucionalização da religião, que ocupava uma posição central na reprodução do elo social e na atribuição de sentido ao mundo. Face às mudanças que se operavam, a secularização avançava nas visões de mundo, do homem e da ciência. No lugar da provação temporária de preparação para a vida eterna, agora a aspiração humana estava cada vez mais centrada na realização secular. Assim, a razão e a observação empírica substituíam a doutrina teológica. Por sua vez, o mundo físico tornava-se o foco predominante da atividade humana. A religião vai perdendo espaço gradativamente e, com isso, surgem intenções reformistas da sociedade, inclusive da educação. Nesse contexto, o Iluminismo, como corrente de pensamento, promovia o intercâmbio cultural em oposição à intolerância e aos abusos de poder da Igreja e do Estado. A Ilustração foi, apesar de tudo, a proposta mais generosa de emancipação jamais oferecida ao gênero humano. Ela acenou ao homem com a possibilidade de construir racionalmente o seu destino, livre da tirania e da superstição. Propôs ideais de paz e tolerância, que até hoje não se realizaram. Mostrou o caminho para que nos libertássemos do reino da necessidade, através do desenvolvimento das forças produtivas. Seu ideal de ciência era o de um saber posto a serviço do homem, e não o de um saber cego, seguindo uma lógica desvinculada de fins humanos. Sua moral era livre e visava uma liberdade concreta, valorizando como nenhum outro período a vida das paixões e pregando uma ordem em que o cidadão não fosse oprimido pelo Estado, o fiel não fosse oprimido pela religião, e a mulher não fosse oprimida pelo homem. Sua doutrina dos direitos humanos era abstrata, mas por isso mesmo universal, transcendendo os limites do tempo e do espaço, suscetível de apropriações sempre novas, e 9 gerando continuamente novos objetivos políticos (Rouanet, 1987, P. 27). As principais e fundamentais concepções filosóficas do Iluminismo são: “a razão é o único guia infalível da sabedoria”; “o universo é uma máquina governada por leis inflexíveis que o homem não pode desprezar”; “a melhor estrutura da sociedade é a mais simples e a mais natural”; e “não existe pecado original” (Burns, 1967, p. 549-550). A influência do Iluminismo alcançou níveis jamais pensados, que auxiliaram no rompimento com a tirania política e religiosa, estabelecendo uma ordem social que separava Estado e Igreja, que há muito tempo era a concepção estabelecida na Europa. Como precursores, fundadores e propagadores do pensamento iluminista, podemos citar: René Descartes, Sir Isaac Newton, John Locke, Benedito Espinosa, Thomas Hobbes, Voltaire, David Hume e Jean-Jacques Rousseau. TEMA 5 – EDUCAÇÃO POMBALINA (1759-1777) Estudamos anteriormente sobre os sentidos e os ideais da pedagogia jesuítica, especialmente em relação ao Plano da Ratio Studiorum. Para relembrar, trazemos os comentários de Saviani em relação a esse plano pedagógico: O Plano contido no Ratio era de caráter universalista e elitista. Universalista porque se tratava de um plano adotado indistintamente por todos os jesuítas, qualquer que fosse o lugar onde estivessem. Elitista porque acabou destinando-se aos filhos dos colonos e excluindo os indígenas, com o que os colégios jesuítas se converteram no instrumento de formação da elite colonial. Por isso, os estágios iniciais previstos no Plano de Nóbrega (aprendizado de português e escola de ler e escrever) foram suprimidos (SAVIANI, 2013, 56). Contudo, as recém-chegadas ideias iluministas em Portugal, no século XVIII, marcaram diversos contrastes “entre a atmosfera religiosa, ainda dominante, e a visão racionalista pautada pela lógica; entre o anseio por mudanças e o peso das tradições; entre a fé e a ciência” (Saviani, 2013, p. 77). É importante ressaltar, entretanto, que a ideia da secularização do ensino não eliminou, por completo, a ação pedagógica da Igreja, que permaneceu com suas atividades através de suas ordens religiosas (Carvalho; Soares, 2019, p. 11). Ou seja, não se pode confundir a Igreja com a Companhia de Jesus (ou a atuação dos jesuítas). 10 Sebastião José de Carvalho e Melo, que posteriormente se tornou o Marquês de Pombal, foi um dos responsáveis por difundir a influência iluminista no país português. Esses intelectuais defendiam a presença dos ideais iluministas em diversos âmbitos da sociedade, mas, especialmente, na educação. Defendiam o desenvolvimento cultural do Império português pela difusão das novas ideias de base empirista e utilitarista; pelo “derramamento das luzes da razão” nos mais variados setores da vida portuguesa; mas voltaram-se especialmente para a educação que precisaria ser libertada do monopólio jesuítico, cujo ensino se mantinha, conforme entendiam, preso a Aristóteles e avesso aos métodos modernos de fazer ciência (Saviani, 2013, p. 80). Essa nova tendência começou a ser utilizada como argumentos para a realização de reformas no campo político já ao final do reinado de Dom João V (1706-1750), mas foi imposta com maior força com o advento do rei Dom José I, a partir de 1750. Foi a partir deste momento que o Marquês de Pombal (título recebido em 1769) passa a fazer parte de cargos e setores do governo que lhe permitiam maior influência nos modelos econômicos e políticos aplicados. Como ministro, teve uma importante participação na reconstrução de Lisboa, após o terremoto que destruiu a cidade em 1755; idealizou e implantou o regime do “despotismo esclarecido” a partir da reforma urbana de Lisboa; e possuía um projeto mercantilista que buscava a exploração do ouro brasileiro, a instalação de indústrias e a dinamização do comércio (Saviani, 2013, p. 81). Essas reformas objetivavam, principalmente, transformar o reinado português em condições econômicas tais que lhe permitissem competir com as nações estrangeiras. É importante lembrar que a nação que mais se destacava nesse período era a Inglaterra, que muito se beneficiava dos lucros coloniais de Portugal, a partir do tratado de Methwen (1703). Para Pombal, eram nove os princípios básicos do novo Estado por ele instituído: “o desenvolvimento da cultura geral, o incremento das indústrias, o progresso das artes, o progresso das letras, o progresso científico, a vitalidade do comércio interno, a riqueza do comércio externo, a paz política, a elevação do nível de riqueza e bem-estar” (Schwarcz, 2002, p. 113). Em sua essência, esse regime foi pensado para submeter os organismos políticos e sociais ao poder central; enquadrar a nobreza eliminando os privilégios de nascimento; exaltar os agentes da indústria e do comércio; e neutralizar os conflitos de classe (Saviani, 2013, p. 81). Além de diversas instituições e extinções de modelos 11 alinhados ao antigo regime, no campo da Educação, foi responsável pela expulsão dos jesuítas (1759), a criação do Colégio dos Nobres (1761), a tornar a Inquisição um instrumento do Estado (1769), e a reformulação dos estudos menores (1759) – que correspondem ao ensino primário e secundário – e maiores (1772) – ensino de nível superior. 5.1 A Reforma dos Estudos Menores Por meio do Alvará de 28 de junho de 1759, determinou-se o fechamento dos colégios jesuítas de Portugal e de todas as colônias e, ao mesmo tempo, criava as aulas régias de latim, grego, filosofia e retórica (estudos de humanidades). No mesmo ano, foi fechada a Universidade de Évora – que era mantida e dirigida pelos jesuítas. O novo sistema pedagógico, além de disperso e fragmentado, significou também um retrocesso, ao menos no contexto de sua aplicação na colônia. Segundo Zotti (2004, 32), o Brasil não foi contemplado com as “novas propostas queobjetivavam a modernização do ensino pela introdução da filosofia moderna e das ciências da natureza, com a finalidade de acompanhar os progressos do século”. As aulas régias instituídas por pombal podem ser reconhecidas como a primeira experiência de ensino promovido pelo Estado na história brasileira (Seco; Amaral, 2006). A educação, a partir de então, passou a ser uma questão de Estado. Ressalta-se que, em continuidade com a lógica colonial, o sistema estatal de educação não era para todos, servindo, especialmente, aos filhos das elites coloniais que iriam para a Europa realizar seus estudos. Antonio Andrade apresenta o documento do Alvará em seu livro, adotando-o como fonte para seus estudos. A seguir, separamos um trecho dos dizeres do Rei Dom José I: [...] Tendo consideração outrosim a que, sendo o estudo das Letras Humanas a base de todas as Sciencias, se vê nestes Reinos extraordinariamente decahido daquelle auge, em que se achavam quando as Aulas se confiarão aos Religiosos Jesuitas; em razão de que estes com o escuro, e fastidioso Methodo, que introduzirão nas Escolas destes Reinos, e seus Domínios: [...] Sou servido privar inteira, e absolutamente os mesmos Religiosos em todos os meus Reinos, e Domínios dos Estudos de que os tinha mandado suspender: Para que do dia da publicação desde em diante se hajão, como effectivamente Hey, por extinctas todas as Classes, e Escolas, que com tão perniciosos, e funestos effeitos lhes foram confiadas aos oppostos fins da instrucção, e da edificação dos meus fiéis Vassallos: Abolindo até a memória das mesmas Classes, e Escolas, como se nunca houvessem existido nos meus Reinos, e 12 Domínios, onde tem causado tão enormes lesoens, e tão graves escândalos. E para que os mesmos Vassallos pelo proporcionado meio de um bem regulado Methodo possam com a mesma facilidade, que hoje tem as outras Naçoens civilizadas, colhêr das suas applicaçoens aquelles uteis, e abundantes frutos, que a falta de direcção lhes fazia até-agora ou impossíveis, ou tão difficultozos, que vinha a ser quais o mesmo: Sou servido da mesma sorte ordenar, como por este ordeno, que no ensino das Classes, e no estudo das Letras Humanas haja uma geral reforma, mediante a qual se restitua o Methodo antigo, reduzido aos termos simplices, claros, e de maior facilidade, que se pratica actualmente pelas Naçoens polidas da Europa; conformandome, para assim o determinar, com o parecer dos Homens que doutos, e instruídos neste genero de erudiçoens. A qual refórma se praticará não só nestes Reinos, mas também em todos os seus Dominios, a mesma imitação do que tenho mandado estabelecer na minha Corte, e Cidade de Lisboa; em tudo o que for applicavel aos lugares, em que os novos estabelecimentos se fizerem; debaixo das Providencias, e Determinaçoens seguintes. [...] (citado por Andrade, 1978) Da análise desta valiosíssima fonte histórica, é possível perceber que o preâmbulo é iniciado com o Rei ressaltando a importância da cultura das ciências e destacando o cuidado a elas dispensado pelos responsáveis pela educação. Em seguida, é feita uma crítica incisiva ao estado lastimável em que se encontra o “estudo das letras humanas” por obra dos jesuítas (Saviani, 2013, p. 83). Assim, ordena que “no ensino das classes e no estudo das letras humanas haja uma real reforma” (citado por Andrade, 1978), em Portugal e em todos os seus domínios. Foi apenas no momento posterior ao fechamento e à reestruturação das escolas que houve, de fato, a expulsão dos jesuítas, a partir da Lei de 3 de setembro de 1759. 5.2 Universidade de Coimbra A segunda fase da reforma pombalina iniciou-se em agosto de 1772, tendo como algo principal o ensino de nível superior. O principal elemento dessa nova fase foi a reforma da Universidade de Coimbra (Saviani, 2013, p. 90). O processo da reforma, antes de ser colocada em prática, começou em 23 de dezembro de 1770, com a criação da “Junta de Providência Literária”, que possuía a função principal de redigir os novos estatutos da Universidade. Antes da reforma, a Universidade de Coimbra era constituída por quatro faculdades tradicionais: Teologia, Cânones, Direito e Medicina. Com a reforma, foram acrescentadas as de Filosofia e Matemática. Além disso, dentre as mudanças realizadas na estrutura e na pedagogia universitárias, estavam: a redução do tempo dos cursos; a substituição das cadeiras (disciplinas); a 13 exigência de requisitos para o ingresso na Universidade; a reorganização dos objetivos do estudo e do ensino. A reforma dos estudos efetivada por meio dos nossos Estatutos da Universidade de Coimbra teve o sentido de orientar a vida cultural portuguesa pela ideologia iluminista. Partindo de uma crítica incisiva ao espírito escolástico predominante no período em que a universidade esteve sob controle jesuítico; desenvolvendo uma longa, minuciosa e contundente análise crítica da ética de Aristóteles, os reformadores decidiram-se a transformar radicalmente a tradicional universidade portuguesa. (Saviani, 2013, p. 93) Em síntese, a Reforma da Universidade de Coimbra procurou incorporar o progresso das investigações e dos métodos, de forma a acompanhar as mudanças no campo do pensamento que aconteciam na Europa (com o Iluminismo que estudamos anteriormente, por exemplo). Por consequência disso, também foi uma oportunidade de ressaltar os propósitos políticos de Dom José I, que pretendia a “subordinação dos assuntos da fé e da própria religião institucional ao poder secular” (Saviani, 2013, p. 95). 5.3. Reforma dos estudos primários Também está inserida nesse contexto reformista a Lei de 6 de novembro de 1772, que tem grande importância por “consagrar um sistema de ensino nacional e estatal, sistematizado e organizado” (Carvalho; Soares, 2019, p. 10), em que pese o fato de não abranger a totalidade da população, nem todos os níveis de ensino. A Lei instituiu o ensino público, criou escolas e lugares de professores e também definia métodos e matérias que deveriam ser praticados e ensinados. A partir deste momento, o Estado passa a Controlar a educação, através de uma administração fortemente centralizada que, ao contrário de muitas escolas criadas pelo Marquês de Pombal, extintas poucos anos depois, permaneceria como um dos traços mais característicos da Administração Pública e da administração da educação em Portugal (Lima, 1998, p. 42). Assim, a reforma dos estudos primários, baseada em oito itens, significou a criação de procedimentos para convocação e seleção dos mestres; a obrigação de encaminhar, no final de cada ano, a relação dos discípulos e seu aproveitamento; a inclusão das aulas régias de filosofia racional e moral; a inclusão das regras de ortografia da Língua Portuguesa no currículo escolar, assim como as quatro operações de aritmética, o catecismo e as regras de civilidade (Saviani, 2013, p. 96). Além disso, havia a determinação de inspeção 14 das escolas; a permissão para a realização do ensino particular ministrado nas próprias residências, com a realização de exames de aprovação desses professores; e, por fim, a elaboração de “mapa dos professores”, com as aulas régias “distribuídas pelo reino e Portugal e seus domínios” (Saviani, 2013, p. 97). NA PRÁTICA A série Os Bórgias (2011), por exemplo, retrata a família espanhola, no período renascentista, a partir de Rodrigo Bórgia (Papa Alexandre VI), figura bastante controversa em razão de seus crimes, corrupção e atos libidinosos, e de sua tentativa de obter poder político sobre os principados e repúblicas italianas da época. Além de retratar uma dinastia real e um período verídico da história europeia, a série problematiza a tensão entre religião católica e política no final do século XV, um período de transformações e turbulências na região. Já em relação ao contexto brasileiro, indicamos o filme“Carlota Joaquina, Princesa do Brasil” (1995), que, de uma forma satírica e irônica, ilustra o contexto da Corte Portuguesa recém-chegada ao Brasil. A produção é interessante pois retrata o contexto de fuga dos portugueses ao Brasil, suas dificuldades de adaptação, seus desejos de mudança e, principalmente, o fato de transformarem o status de colônia para o de local onde está estabelecido o poder real. É uma interessante análise sobre o processo de formação do Brasil, o que inclui as questões políticas, econômicas e intelectuais. A mudança da corte e governo para o Brasil, em 1808, não alterou a formação escolar oferecida no Brasil, mantendo a máxima de “formar o homem para servir o Estado”. FINALIZANDO Compreender a construção do pensamento ocidental, a partir das motivações que levaram às mudanças, transições e formulações das teorias medievais, modernas e contemporâneas, é de suma importância para poder situar não apenas suas influências na educação brasileira, mas em todas as áreas do conhecimento. Por termos recebido a influência europeia durante muitos séculos, é natural que sua influência no Brasil tenha sido predominante em muitos momentos da História. No entanto, não podemos esquecer de que os interesses também são contextuais e a estrutura educacional responde a ela. Afinal, mesmo com todo o 15 desenvolvimento intelectual e, de certa forma, revolucionário, na Europa, ele servia a interesses muito específicos de classes dominantes, e em ascensão, inclusive como uma forma de justificar sua predominância e seu maior acesso aos recursos políticos, econômicos e sociais. 16 REFERÊNCIAS ANDRADE, Antonio Alberto Banha de. Apêndice Documental. 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