Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
APG 15 - Fim da picada Objetivos • Compreender a epidemiologia, etiologia, fisiopatologia, manifestações clínicas, diagnóstico e complicações da lesão renal aguda. (Pré, intra e pós renal) • Entender as características do acidente ofídico. Lesão Renal O termo “lesão renal aguda” descreve um declínio rápido da função renal, que ocorre dentro de poucas horas ou 1 dia. Causa acúmulo de escórias nitrogenadas e distúrbios hidreletrolíticos. Ao contrário da doença renal crônica (DRC) e da insuficiência renal crônica (IRC), a LRA é potencialmente reversível quando os fatores desencadeantes podem ser revertidos ou eliminados antes que tenha ocorrido lesão irreversível do rim. A LRA é um risco frequente aos pacientes em estado crítico internados nas unidades de tratamento intensivo e sua taxa de mortalidade varia de 15 a 60%. Embora as técnicas de tratamento como diálise e terapias renais substitutivas sejam eficazes para corrigir distúrbios hidreletrolíticos potencialmente fatais, a taxa de mortalidade atribuída à LRA não diminuiu expressivamente ao longo das últimas décadas. Isso provavelmente se deve ao fato de a LRA hoje ser mais comum nos idosos do que no passado e, de modo geral, apresentar mais sobreposição a condições como sepse, hipovolemia, problemas relacionados com medicamentos e choque cardiogênico. O indicador mais comum de LRA é azotemia, ou seja, acúmulo de escórias nitrogenadas (ureia, ácido úrico e creatinina) no sangue e redução da taxa de filtração glomerular (TFG). Por essa razão, a excreção das escórias nitrogenadas diminui e o equilíbrio hidreletrolítico não pode ser mantido. LRA é causada por condições que provocam perda aguda da função renal. Isso pode ser causado por redução do fluxo sanguíneo renal (LRA pré- renal), distúrbios que afetam as estruturas renais (LRA intrarrenal), ou problemas que interferem na eliminação da urina pelos rins (LRA pós-renal). Embora cause acúmulo de produtos que normalmente são eliminados pelos rins, a LRA é um processo potencialmente reversível, quando os fatores que a causaram podem ser revertidos. LRA pré-renal Tipo mais comum de LRA, caracteriza-se por redução acentuada do fluxo sanguíneo renal. O processo é reversível quando a causa da redução do fluxo sanguíneo renal pode ser detectada e corrigida antes que ocorra lesão dos rins. As causas de LRA pré-renal incluem depleção grave do volume vascular (p. ex., hemorragia, perdas de volume do líquido extracelular); redução da perfusão renal em consequência de insuficiência cardíaca e choque cardiogênico; e redução do enchimento vascular por ampliação da capacitância vascular (p. ex., anafilaxia ou sepse). Os idosos têm risco especialmente alto em razão de sua predisposição à hipovolemia e à prevalência alta de doenças vasculares renais nesta faixa etária. Alguns mediadores vasoativos, fármacos e compostos utilizados com finalidade diagnóstica causam vasoconstrição intrarrenal grave e podem induzir hipoperfusão glomerular e LRA pré-renal. Exemplos são endotoxinas, contrastes radiológicos (p. ex., usados em cateterização cardíaca), ciclosporina (agente imunossupressor usado para evitar rejeição dos transplantes) e anti- inflamatórios não esteroides (AINE). Algumas dessas substâncias também causam necrose tubular aguda (NTA). Além disso, várias classes de fármacos usados comumente podem interferir nos mecanismos de adaptação renal e converter um quadro de hipoperfusão renal compensada em insuficiência pré-renal. Os inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA) e os bloqueadores do receptor da angiotensina (BRA) atenuam os efeitos da renina no fluxo sanguíneo renal; quando são combinados com diuréticos, esses fármacos podem causar LRA pré-renal nos pacientes com fluxo sanguíneo reduzido em consequência de doença renal dos vasos de pequeno ou grande calibre. As prostaglandinas têm efeito vasodilatador nos vasos sanguíneos renais. Os AINE podem reduzir a irrigação sanguínea dos rins por inibição da síntese das prostaglandinas. Em alguns indivíduos com perfusão renal reduzida, os AINE podem desencadear LRA pré-renal. Quando o fluxo sanguíneo diminui abaixo de cerca de 20 a 25% do normal, começam a ocorrer alterações isquêmicas. Em razão de sua taxa metabólica alta, as células do epitélio tubular são mais suscetíveis à lesão isquêmica. Quando não é tratada adequadamente, a hipoperfusão renal prolongada pode causar necrose tubular isquêmica com morbidade e mortalidade significativas. Contudo, a maioria dos pacientes que desenvolve hipoperfusão renal prolongada não tem necrose do epitélio tubular, razão pela qual o termo NTA é usado com menos frequência e o termo LRA se refere a essa patologia intrarrenal. A LRA pré-renal evidencia-se por redução aguda do débito urinário e por elevação desproporcional do nível de ureia sanguínea em comparação com a concentração sérica de creatinina. Normalmente, o rim responde à redução da TFG com diminuição do débito urinário. Desse modo, um dos primeiros sinais de LRA pré-renal é redução aguda do débito urinário. Excreção percentual baixa de sódio (< 1%) sugere que a oligúria seja devida à redução da perfusão renal e que os néfrons estejam reagindo adequadamente à redução progressiva da excreção de sódio filtrado na tentativa de preservar o volume vascular. Os níveis da ureia também dependem da TFG. A TFG baixa oferece mais tempo para que partículas pequenas (como a ureia) sejam reabsorvidas para o sangue. Por ser uma molécula não difusível maior, a creatinina permanece no líquido tubular e a quantidade total de creatinina filtrada, embora seja pequena, é excretada na urina. Consequentemente, também há elevação desproporcional da razão entre ureia e creatinina sérica (faixa normal de 10:1; valores anormais acima de 15:1 a 20:1). A azotemia pré-renal também é dividida funcionalmente em azotemia responsiva ao volume e azotemia não responsiva, com base na resposta à hidratação. Por exemplo, na insuficiência cardíaca grave, o volume intravascular adicional pode não melhorar a perfusão renal, enquanto a redução da pós-carga pode melhorar a perfusão, aumentando o débito cardíaco. No início da evolução da LRA pré-renal, o parênquima renal permanece intacto e funcional. Durante essa fase inicial, a TFG permanece amplamente intacta porque a hipoperfusão renal inicia uma cascata neuro-hormonal que resulta em dilatação arteriolar aferente e constrição arteriolar eferente, mantendo, assim, a pressão de perfusão glomerular. Como a azotemia pré-renal costuma ser facilmente reversível e as taxas de mortalidade são baixas, o diagnóstico precoce e a correção da fisiopatologia subjacente são de importância crítica. No entanto, sem intervenção médica corretiva precoce, a azotemia pré-renal evolui, a isquemia piora e a lesão resultante nas células epiteliais tubulares diminui ainda mais a TFG. Esta progressão de azotemia pré-renal para LRA isquêmica é um processo contínuo que depende da gravidade e da duração do insulto fisiopatológico. LRA intrarrenal Resulta dos distúrbios que causam lesão das estruturas existentes dentro do rim. A causa mais comum de LRA intrarrenal envolve o parênquima renal em seus glomérulos, vasos sanguíneos, túbulos ou interstício. As causas principais de insuficiência intrarrenal são isquemia associada à LRA pré-renal; lesão tóxica das estruturas tubulares dos néfrons; e obstrução intratubular. Glomerulonefrite aguda e pielonefrite aguda também são causas intrarrenais de insuficiência renal aguda. A redução da filtração glomerular e a lesão epitelial têm várias causas, inclusive vasoconstrição intrarrenal, redução da pressão hidrostática dos glomérulos, alterações do tônus arterial por feedback tubuloglomerular,diminuição da permeabilidade capilar dos glomérulos, aumento da pressão hidrostática tubular secundário à obstrução e fluxo retrógrado do filtrado glomerular para dentro do interstício. As lesões das estruturas tubulares do néfron são as causas mais comuns e, em geral, têm origem isquêmica ou tóxica. Lesão ou necrose tubular aguda. A lesão ou necrose tubular aguda caracteriza-se pela destruição das células do epitélio tubular com supressão súbita da função renal (Figura 34.2). Essa lesão aguda pode ser causada por isquemia, sepse, efeitos nefrotóxicos dos fármacos, obstrução tubular e toxinas liberadas a partir de uma infecção maciça.2 As células epiteliais tubulares são especialmente sensíveis à isquemia e também são suscetíveis às toxinas. A lesão tubular subsequente geralmente é reversível. A NTA (ou lesão tubular aguda) isquêmica ocorre mais comumente nos pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos de grande porte, hipovolemia grave ou sepse, traumatismo ou queimaduras extensivas. A sepse causa isquemia porque desencadeia uma combinação de vasodilatação sistêmica e hipoperfusão intrarrenal. Além disso, a sepse acarreta a formação de toxinas que sensibilizam as células tubulares renais aos efeitos deletérios da isquemia. A NTA, que complica os casos de traumatismo e queimadura, comumente é multifatorial, resultando dos efeitos combinados de hipovolemia, mioglobinúria e outras toxinas liberadas dos tecidos lesados. A lesão tubular aguda é uma complicação da hemólise intravascular associada a muitas enfermidades hemolíticas, como anemia falciforme e traumatismo mecânico de próteses valvares cardíacas. Ao contrário da LRA pré-renal, a TFG não aumenta com a recuperação do fluxo sanguíneo renal dos pacientes com LRA causada por NTA isquêmica (ou lesão tubular aguda). A NTA (ou lesão tubular aguda) nefrotóxica complica a administração ou a exposição a alguns fármacos estruturalmente diversos e outros agentes nefrotóxicos. Esses compostos causam lesão tubular porque induzem diferentes combinações de vasoconstrição renal, lesão direta dos túbulos renais ou obstrução intratubular. O rim é especialmente suscetível à lesão nefrotóxica, em razão de sua irrigação sanguínea profusa e de sua capacidade de concentrar toxinas em níveis altos na região medular do rim. Os efeitos tóxicos, que causam necrose mais branda, geralmente se limitam ao túbulo proximal. Além disso, o rim é uma estrutura importante para os processos metabólicos que transformam substâncias relativamente inofensivas em metabólitos tóxicos. Entre os compostos farmacêuticos diretamente tóxicos aos túbulos renais estão antimicrobianos como aminoglicosídios (p. ex., vancomicina, gentamicina), quimioterápicos antineoplásicos (p. ex., cisplatina) e contrastes radiológicos. A nefrotoxicidade induzida pelos contrastes radiológicos parece ser causada por efeitos tóxicos diretos nos túbulos e por isquemia renal. O risco de lesão renal causada pelos contrastes radiológicos é maior nos adultos e nos pacientes com doença renal, depleção de volume e diabetes melito preexistentes ou exposição recente a outros agentes nefrotóxicos. A causa mais comum de NTA secundária à obstrução intratubular é mioglobina, hemoglobina, ácido úrico, cadeias leves do mieloma ou excesso de uratos na urina. A hemoglobinúria é causada por reações às transfusões de sangue e outros distúrbios hemolíticos agudos. Os músculos cardíaco e esquelético contêm mioglobina, que corresponde à hemoglobina em sua função de servir como reservatório de oxigênio das fibras musculares. Normalmente, não há mioglobina no soro nem na urina. Na maioria dos casos, a mioglobinúria é causada por traumatismo muscular, mas também pode ser devida a esforços extremos, hipertermia, sepse, convulsões prolongadas, déficit de fosfato ou potássio e alcoolismo ou uso abusivo de drogas ilícitas. A mioglobina e a hemoglobina conferem tonalidade anormal à urina, a qual pode variar da cor de chá ao vermelho, marrom ou preto. Cilindros granulares de coloração marrom e células epiteliais na urina estão relacionados com lesão tubular aguda; cilindros hemáticos e proteínas na urina indicam glomerulonefrite; e cilindros leucocitários e piúria sugerem nefrite tubulointersticial aguda. Patogênese da lesão renal aguda causada por necrose tubular aguda. Descamação e necrose das células do epitélio tubular causam obstrução e aumento da pressão intraluminal, que reduzem a filtração glomerular. A vasoconstrição das arteríolas aferentes, causada em parte pelos mecanismos de feedback tubuloglomerulares, diminui a pressão de filtração dos capilares glomerulares. A lesão tubular e o aumento da pressão intraluminal são responsáveis pela transferência dos líquidos do lúmen tubular para o interstício (extravasamento retrógrado). LRA pós-renal A LRA pós-renal é causada por obstrução da drenagem da urina produzida nos rins. A obstrução pode ocorrer no ureter (i. e., cálculos e estenoses), na bexiga (i. e., tumor ou bexiga neurogênica) ou na uretra (i. e., hiperplasia da próstata). Como o volume maior de urina não pode ser excretado em consequência da obstrução, a pressão é transmitida em sentido inverso aos túbulos e aos néfrons, que por fim são lesados. Hiperplasia prostática é a causa primária mais comum. Como os dois ureteres devem estar obstruídos para causar insuficiência renal, a obstrução da via de saída da bexiga raramente causa insuficiência renal aguda, a menos que um dos rins já esteja lesado ou que o paciente tenha apenas um rim. O tratamento da LRA pós- renal aguda consiste em reverter a causa básica da obstrução para que o fluxo de urina possa ser restabelecido antes que ocorra lesão irreversível dos néfrons. A evolução da LRA pode ser dividida em quatro fases: 1.Fase inicial 2.Fase oligárica (anúrica) 3.Fase diurética 4.Fase de recuperação A fase inicial, que se estende por horas a dias, é o intervalo decorrido entre a instalação do evento desencadeante (p. ex., fase isquêmica da insuficiência pré-renal ou exposição à toxina) e o desenvolvimento da lesão tubular. A fase oligárica (anúrica) dura 8 a 14 dias ou mais, dependendo da natureza da LRA, causando retenção súbita de metabólitos endógenos como ureia, potássio, sulfato e creatinina, que normalmente são eliminados pelos rins. Em geral, o débito urinário alcança níveis mais baixos nesse ponto. A retenção de líquidos causa edema, intoxicação hídrica e congestão pulmonar. Quando o período de oligúria é longo, o paciente frequentemente desenvolve hipertensão e também sinais de uremia. Se não forem revertidas, as manifestações neurológicas da uremia progridem de irritabilidade neuromuscular até convulsões, sonolência, coma e morte. Em geral, a hiperpotassemia é assintomática até que o nível sérico de potássio aumente acima de 6,0 a 6,5 mEq/ℓ, quando então surgem alterações eletrocardiográficas típicas e sintomas de fraqueza muscular. A fase diurética acontece quando os rins tentam se curar e a produção de urina aumenta, mas ocorrem cicatrizes e danos nos túbulos. Em geral, há diurese antes que a função renal seja normalizada por completo. Por essa razão, os níveis de ureia sanguínea, as concentrações séricas de creatinina, potássio e fosfato podem continuar elevados ou até mesmo aumentar ainda mais, embora o débito urinário tenha aumentado. Durante essa fase, a TFG se eleva, o débito urinário aumenta para 400 mℓ/dia, e, possivelmente, há depleção de eletrólitos em função do aumento da excreção de água e dos efeitos osmóticos dos níveis sanguíneos elevados de ureia. A fase de recuperação é o período durante o qual o edema tubular desaparece e a função renal melhora. Duranteessa fase, existe normalização do equilíbrio hidreletrolítico. Por fim, a função dos túbulos renais é recuperada e a capacidade de concentrar urina aumenta. De modo quase simultâneo, os níveis séricos de creatinina e de ureia começam a normalizar e a TFG retorna a 70 a 80% do normal. Em alguns casos, há lesão renal branda a moderada persistente. Manifestações clínicas A LRA, mesmo quando avançada, é frequentemente diagnosticada primeiro por anormalidades observadas em exames laboratoriais de um paciente e não por qualquer sintoma ou sinal específico. As manifestações clínicas associadas à LRA frequentemente são multiformes, ocorrem nas fases avançadas do processo e, em geral, não são evidentes até que a disfunção renal se torne grave. Os achados clínicos da LRA também dependem da fase na qual é diagnosticada. Pacientes com LRA podem queixar-se de anorexia, fadiga, náuseas e vômitos e prurido, bem como diminuição do débito urinário ou urina de coloração escura. Além disso, se o paciente apresentar sobrecarga de volume, pode-se observar dispneia em repouso e aos esforços. Um exame físico completo com ênfase especial na determinação da volemia e do volume arterial efetivo é essencial. Se houver sobrecarga de volume, podem ocorrer distensão da veia jugular, estertores pulmonares e edema periférico. Asterixe, mioclonia ou atrito pericárdico podem ocorrer na LRA grave. Diagnóstico Por causa das taxas elevadas de morbidade e mortalidade associadas à LRA, deve-se dar atenção especial às medidas preventivas e ao diagnóstico precoce. Isso inclui procedimentos de avaliação para detectar pacientes com risco de desenvolver LRA, inclusive os que têm disfunção renal e diabetes melito preexistentes. Esses grupos são especialmente suscetíveis a desenvolver LRA causada por fármacos nefrotóxicos (p. ex., aminoglicosídios e contrastes radiológicos) ou fármacos que alteram a hemodinâmica intrarrenal (p. ex., AINE). Os idosos são suscetíveis a todos os tipos de insuficiência renal aguda, em consequência dos efeitos do envelhecimento nas reservas renais. A análise laboratorial de amostras de sangue e urina de pacientes com LRA revela o nível de disfunção, frequentemente sugere uma causa e também pode direcionar o tratamento. Todos os pacientes com achados clínicos de LRA devem ser avaliados com dosagens séricas de eletrólitos, Cr, cálcio e fósforo; nível sanguíneo de ureia e hemograma completo com contagem diferencial. Além disso, estudos de urina, incluindo as determinações de sódio, potássio, cloreto e Cr para o cálculo da excreção fracionada de sódio (EFNa), são importantes. A EFNa pode ajudar a diferenciar a doença pré-renal de outras causas de LRA, determinando a porcentagem de Na filtrado que é excretado na urina. Os exames de urina que medem a osmolalidade urinária, a concentração de sódio na urina e a excreção percentual de sódio ajudam a diferenciar entre azotemia pré-renal (na qual a capacidade de reabsorção das células tubulares está mantida) e necrose tubular (na qual esta função é perdida). Uma das primeiras manifestações de lesão tubular é incapacidade de concentrar a urina. Outros dados diagnósticos que podem ser fornecidos pelo exame simples de urina (EAS) incluem proteinúria, hemoglobinúria e cilindros ou cristais na urina. A determinação dos níveis séricos de ureia e creatinina fornece informações sobre a capacidade de remover escórias nitrogenadas do sangue. Também é importante descartar a possibilidade de obstrução urinária. Entretanto esses marcadores só irão se elevar cerca de 1 ou 2 dias depois do início da insuficiência renal aguda. Ou seja, o aumento do nível de creatinina ocorre algum tempo depois da lesão renal. Ureia é formada pelo metabolismo hepático de aminoácidos e excretada basicamente por filtração glomerular. As concentrações séricas de ureia podem variar em decorrência de alterações na sua produção. Existem pesquisas em andamento sobre o uso de biomarcadores novos para avaliar a LRA em uma fase mais precoce que os parâmetros convencionais. A interleucina 18 (IL-18) é produzida pelo túbulo proximal depois da LRA e é uma citocina inflamatória. Esse marcador aumenta nos casos de LRA isquêmica e pode ser dosado facilmente na urina. A lipocalina associada à gelatinase do neutrófilo (LAGN) é, normalmente, encontrada em vários órgãos, inclusive nos rins. A LAGN pode ser dosada no sangue e na urina, e níveis altos foram considerados preditivos de disfunção dos transplantes renais. A concentração da molécula 1 de lesão renal aumenta nos casos de LRA de células tubulares proximais. Tratamento Os pilares da terapia para LRA constituem o reconhecimento e a correção rápidos de causas reversíveis, como hipoperfusão, prevenção de lesão renal adicional e correção e manutenção da volemia e do equilíbrio eletrolítico. A terapia preventiva ou intervenções médicas realizadas durante as fases de iniciação e extensão da LRA fornecem a maior chance de minimizar a magnitude da lesão e acelerar a recuperação renal. Os líquidos administrados devem ser cuidadosamente regulados na tentativa de manter o volume de líquidos e as concentrações dos eletrólitos nas faixas normais. Como infecções secundárias são causas importantes dos óbitos dos pacientes com insuficiência renal aguda, devem ser envidados esforços constantes para evitar e tratar processos infecciosos. Hemodiálise ou terapia renal substitutiva contínua (TRSC) pode ser indicada quando as escórias nitrogenadas e a hemostasia hidreletrolítica não podem ser mantidas sob controle por outras medidas.2 A TRSC foi introduzida como método para tratar insuficiência renal aguda dos pacientes hemodinamicamente muito instáveis para tolerar hemodiálise. Uma das vantagens associadas à TRSC é a possibilidade de administrar suporte nutricional. As desvantagens incluem a necessidade de tratamento anticoagulante prolongado e monitoramento sofisticado contínuo. Conhecer as características do acidente ofídico com Crotalus sp. As serpentes do gênero Crotalus (cascavéis) distribuem-se de maneira irregular pelo país, determinando as variações com que a frequência de acidentes é registrada. Responsáveis por cerca de 7,7 % dos acidentes ofídicos registrados no Brasil, podendo representar até 30% dos acidentes em algumas regiões. Apresentam o maior coeficiente de letalidade dentre todos os acidentes ofídicos (1,87%), pela frequência com que evoluem para lesão renal aguda (LRA). Ações do Veneno: Ação neurotóxica: Fundamentalmente produzida pela crotoxina, uma neurotoxina de ação pré-sináptica, que atua nas terminações nervosas, inibindo a liberação de acetilcolina. Esta inibição é o principal responsável pelo bloqueio neuromuscular, do qual decorrem as paralisias motoras apresentadas pelos pacientes. Ação miotóxica: Produz lesões de fibras musculares esqueléticas (rabdomiólise), com liberação de enzimas e mioglobina para o sangue, que são posteriormente excretadas pela urina. Não está perfeitamente identificada a fração do veneno que produz esse efeito miotóxico sistêmico, mas há referências experimentais de ação miotóxica local da crotoxina e da crotamina. A mioglobina excretada na urina foi erroneamente identificada como hemoglobina, atribuindo-se ao veneno uma atividade hemolítica in vivo. Estudos mais recentes não demonstraram a ocorrência de hemólise nos acidentes humanos. Ação Coagulante: Decorre de atividade do tipo trombina que converte o fibrinogênio diretamente em fibrina. O consumo do fibrinogênio pode levar à incoagulabilidade sanguínea. Geralmente não há redução do número de plaquetas. As manifestações hemorrágicas, quando presentes, são discretas. Quadro Clínico Manifestações Locais:Podem ser encontradas as marcas das presas, edema e eritema discretos. Não há dor, ou se existe, é de pequena intensidade. Há parestesia local ou regional, que pode persistir por tempo variável, podendo ser acompanhada de edema discreto ou eritema no ponto da picada. Procedimentos desaconselhados como garroteamento, sucção ou escarificação locais com finalidade de extrair o veneno, podem provocar edema acentuado e lesões cutâneas variáveis. Manifestações Sistêmicas Gerais: Mal-estar, sudorese, náuseas, vômitos, cefaleia, secura da boca, prostração e sonolência ou inquietação, são de aparecimento precoce e podem estar relacionados a estímulos de origem diversas, nas quais devem atuar o medo e a tensão emocional desencadeada pelo acidente. Neurológicas, decorrentes da ação neurotóxica do veneno: Apresentam-se nas primeiras horas e caracterizam o “fáscies miastênica” (fáscies neurotóxica de Rosenfeld) evidenciadas por ptose palpebral uni ou bilateral, flacidez da musculatura da face, há oftalmoplegia e dificuldade de acomodação (visão turva) ou visão dupla (diplopia) e alteração do diâmetro pupilar (midríase). Com menor frequência pode aparecer paralisia velopalatina, com dificuldade à deglutição, diminuição do reflexo do vômito, modificações no olfato e no paladar. As alterações descritas são sintomas e sinais que regridem após 3 a 5 dias. Musculares, decorrentes da Atividade Miotóxica: Caracterizam-se por dores musculares generalizadas (mialgias), de aparecimento precoce. A urina pode estar clara nas primeiras horas e assim permanecer, ou tornar-se avermelhada (mioglobinúria) e progressivamente marrom nas horas subsequentes, traduzindo a eliminação de quantidades variáveis de mioglobina, pigmento liberado pela necrose do tecido muscular esquelético (rabdomiólise). Não havendo dano renal, a urina readquire a sua coloração habitual em 1 ou 2 dias. Distúrbios da Coagulação: Pode haver aumento do Tempo de Coagulação (TC) ou incoagulabilidade sanguínea, com queda do fibrinogênio plasmático, em aproximadamente 40% dos pacientes. Raramente há pequenos sangramentos, geralmente restritos às gengivas (gengivorragia). Manifestações Clínicas pouco frequentes: Insuficiência respiratória aguda, fasciculações e paralisia de grupos musculares têm sido relatadas e interpretadas como decorrentes das atividades neurotóxicas e miotóxicas do veneno. Com base nas manifestações clínicas, os acidentes crotálicos são classificados em leves, moderados e graves. a. Leves: Sinais e sintomas neurotóxicos discretos, de aparecimento tardio, fáscies miastênica discreta, mialgia discreta ou ausente, sem alteração da cor da urina. b. Moderado: Sinais e sintomas neurotóxicos: fáscies miastênica evidente, mialgia discreta ou provocada ao exame. A urina pode apresentar coloração alterada. c. Grave: Sinais e sintoma neurotóxicos evidentes: fáscies miastênica, fraqueza muscular, mialgia intensa e urina escura, podendo haver oligúria ou anúria, insuficiência respiratória. Complicações: Locais: Raramente parestesias locais duradouras, porém reversíveis após algumas semanas. Sistêmicas: Lesão renal aguda (LRA) com necrose tubular, geralmente de instalação nas primeiras 48 horas.
Compartilhar