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789 INTRODUÇÃO A infecção pelo papilomavírus humano (HPV) se desta- ca como uma das doenças sexualmente transmissíveis (DST) mais comuns no mundo. Estudos epidemiológicos sugerem que aproximadamente 80% dos indivíduos no mundo entrem em contato com algum tipo de HPV em algum momento de suas vidas. Nos últimos anos, o conhecimento sobre a infec- ção pelo HPV avançou de modo impressionante, impactando fortemente políticas de saúde, entre elas o rastreamento e o tratamento das doenças relacionadas ao HPV, bem como a prevenção da infecção primária. Hoje, sabe-se que o HPV é o segundo agente mais onco- gênico, superado apenas pelo tabaco. O HPV é responsável por 100% dos casos de câncer do colo do útero, 88% dos casos de câncer anal, 70% dos casos de câncer vaginal, 50% dos ca- sos de câncer do pênis, 43% dos casos de câncer de vulva e 26 a 50% dos casos de câncer de orofaringe no mundo. O HPV também é responsável por outras doenças importantes, entre elas as verrugas genitais, papilomatose respiratória recorren- te e tumor de Buschke-Lowestein. EPIDEMIOLOGIA A Organização Mundial de Saúde estima que 630 mi- lhões de pessoas apresentem infecção genital pelo HPV, re- sultando em uma prevalência mundial de 9 a 13%. O risco de adquirir a infecção ao longo da vida é de pelo menos 50% e ocorre geralmente entre 2 e 10 anos do início da atividade sexual. Estima-se que o risco cumulativo de adultos sexual- mente ativos apresentarem manifestação clínica do HPV (condiloma acuminado) durante suas vidas é de 10%. Papilomaviroses humanas (HPV) Cíntia Irene Parellada Elsa Aida Gay de Pereyra 24 Em 2008, aproximadamente 610 mil dos 12,7 milhões de novos casos de câncer foram atribuídos ao HPV (cerca de 5%), 570 mil mulheres (quase 10% em relação à fração total de câncer) e 39 mil em homens (apenas 0,6% do montante de cânceres). O impacto do câncer permanece mais alto em mu- lheres, devido à frequência do câncer do colo do útero. No ano de 2014, no Brasil, foram esperados 15.590 casos novos de câncer do colo do útero, com um risco estimado de 15,33 ca- sos a cada 100 mil, representando cerca de 5,7% dos novos casos de cânceres em mulheres. Este número só não é maior, porque atualmente 44% dos casos ocorrem na forma precursora, contrastando com a forma invasiva, que, na década de 1990, constituía 70% dos casos diagnosticados. Em relação à mortalidade no Brasil, no ano de 2010, o câncer do colo do útero foi a quarta causa de morte por câncer entre as mulheres, com um risco de 4 por 100 mil. A situação epidemiológica dos demais cânceres relacio- nados ao HPV no Brasil ainda é pouco explorada. Sabe-se que cerca de 15 mil novos casos de câncer de orofaringe são diag- nosticados anualmente. Observa-se aumento da incidência dos cânceres relacionados ao HPV no homem. Nos Estados Unidos, estima-se que, em 2020, o câncer de orofaringe em homens ultrapassará o número anual de cânceres do colo do útero. Estudo que avaliou os registros de mortalidade no Bra- sil decorrentes de cânceres de colo, vagina, vulva, pênis, ânus e orofaringe, no período de 1996 a 2010, por meio da página virtual do Ministério da Saúde, mostrou que houve 99.870 mortes por cânceres relacionados ao HPV. Em homens, os cânceres de pênis e ânus apresentaram um aumento no perí- odo, com incremento anual de 4% para o câncer de ânus e 1,4% para o de pênis. 790 Parte II | Vírus BIOLOGIA E CLASSIFICAÇÃO DO HPV Os papilomavírus pertencem à família Papilomaviridae e são estritamente espécie-específicos, denominados de acor- do com o seu hospedeiro. O HPV é um vírus pequeno, que mede 55 nm e possui uma dupla fita de DNA circular com aproximadamente 8.000 pares de base que codificam 9 genes. O genoma viral pode ser dividido em três regiões: região ear- ly (precoce), que contém estruturas proteicas necessárias à replicação viral e com propriedades de transformação onco- gênica; região late (tardia), com genes que codificam proteí- nas do capsídeo viral; e, por último, a região regulatória, que controla os elementos de transcrição e replicação. O HPV tem a capacidade de codificar oito proteínas maiores, das quais as oncoproteínas E6 e E7, presentes nos ti- pos de HPV de alto risco merecem maior destaque, pois estão associadas às funções de transformação e imortalização. A proteína carcinogênica E6 liga-se e inativa a proteína supresso- ra tumoral do hospedeiro (p53), evitando, dessa maneira, o reparo do defeito genético e a morte celular programada (apop- tose). E7 liga-se e inativa a proteína supressora tumoral pRB, liberando, assim, os fatores de transcrição E2F, que participam do estímulo à síntese de DNA na célula do hospedeiro. E7 tam- bém liga-se e ativa complexos de ciclina como a p33cdk2, que controla progressão, por meio do ciclo celular. Assim, E7 ativa células quiescentes para o ciclo celular, e E6 remove o mecanismo de segurança da apoptose, que normal- mente é ativado quando existe grande defeito de DNA ou pro- gressão de ciclo celular não programado. O efeito combinado resulta em fenótipo com mutação em que a célula perpetua-se ciclando e incorpora qualquer mutação espontânea que ocorra. Existem mais de 150 tipos diferentes de HPV; enquanto alguns são inofensivos, outros estão associados a doenças im- portantes. Destes, cerca de 40 tipos infectam os genitais, o ânus e a orofaringe. Eles são divididos de acordo com sua associação epidemiológica com o câncer do colo do útero. Os tipos de alto risco oncogênico têm o potencial de atuar como carcinógeno, são representados por 18 tipos (tipos 16, 18, 26, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 53, 56, 58, 59, 66, 68, 73 e 82) e podem causar anormali- dades de baixo grau do colo do útero, alto grau que são consi- deradas precursoras do câncer do colo do útero e de outros cânceres. O outro grupo é chamado de baixo risco oncogênico (tipos 6, 11, 40, 42, 43, 44, 53, 54, 61, 72, 73 e 81) e está associado ao desenvolvimento de doenças de caráter mais benigno como verrugas genitais e lesões de baixo grau. TRANSMISSÃO O HPV é um vírus onipresente e resistente que pode so- breviver no meio ambiente sem um hospedeiro. Ao contrário de outras viroses, tais como HIV e Hepatite B, o HPV não é transmitido pelo sangue, mas, sim, pelo contato direto de pele com pele. É um vírus que infecta apenas o revestimento epitelial (pele ou mucosas), altamente infectante, transmitido pelo contato direto com a pele e mucosas via microabrasão ou microtraumatismo. O contato sexual íntimo, não obrigatoriamente a rela- ção sexual com penetração, representa a via clássica de conta- minação do HPV, com a infecção considerada doença sexual- mente transmissível, ainda que documentados contágios mão-genital e oral-genital. Por ser a infecção por HPV, mui- tas vezes assintomática, é transmitida imperceptivelmente, e a maior parte das pessoas não sabe que foi infectada. A teoria de que a transmissão do HPV pode ocorrer por meio de fômites é apoiada por pesquisas. Estudos mostram que ele pode ser detectado em assentos de banheiros limpos e se manter infeccioso por até sete dias após a deposição, suge- rindo que é um vírus relativamente estável em superfícies am- bientais e que pode sobreviver a algumas soluções de limpeza. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A infecção do trato genital inferior pelo HPV é dividida em: ■ Clínica: é a forma que se pode evidenciar a olho nu; são as verrugas genitais, também denominadas de condilo- mas acuminados. ■ Subclínica: seu diagnóstico só é possível por meio de recursos de magnificação (lente de aumento, colposcopia e microscopia). ■ Latente: é a identificação de sequências de DNA- -HPV com técnicas de biologia molecular em indivíduos com tecidos clínica e colposcopicamente normais. HISTÓRIA NATURAL DA INFECÇÃO PELO HPV Sabe-se que, para que ocorra a infecção pelo HPV, ele necessita atingir as células da membrana basal, por meio de microtraumas que ocorrem comumente durante o contato íntimo, antes de entrar nas célulasepiteliais (queratinócitos). Ele entra nas células da membrana basal por meio de altera- ção conformacional de sua proteína L2, que permite à proteí- na L1 ligar-se a receptor específico nos queratinócitos, per- mitindo a infecção à medida que os queratinócitos migram da membrana basal para cicatrizar a ferida ou microtrauma. Estudos publicados recentemente reforçam o papel dos anticorpos L1 nos mecanismos existentes na reparação de fe- ridas e microabrasão epitelial. Essas microlesões resultam imediatamente em resposta imunológica, por meio da exsu- dação serosa, que permite rápido acesso das imunoglobulinas G (IgG) séricas às partículas virais e rápido encontro com as células B de memória circulantes. Os locais mais frequentes de infecção são aqueles suscetíveis ao microtrauma durante a relação sexual, ou seja, o introito vaginal, as mucosas peria- nal e anal e a glande do pênis. Como as células epiteliais não são boas apresentadoras de antígenos, o HPV permanece no interior das células epiteliais sem causar maiores danos. Ele possui um ciclo de replicação dependente exclusivamente da diferenciação epitelial, nos quais os genes são expressos diferentemente (Tabela 24.1). Respostas humoral e celular foram bem documentadas, entretanto não foi estabelecido correlato de imunidade. Anti- corpos séricos contra diferentes produtos virais foram de- monstrados, e os anticorpos mais bem diferenciados são aqueles gerados contra a proteína maior (L1). Nem todas as pessoas geram anticorpos detectáveis após a infecção natural, e eles não se mostraram duradouros e capazes de proteger integralmente contra novas infecções pelo mesmo tipo viral. Quando o vírus infecta a célula, pode ocorrer infecção produtiva (infecção subclínica/clínica) ou não (infecção latente). 1. Infecção clínica ou subclínica (também denomi- nada infecção produtiva): nesta fase, os vírus reproduzem- -se rapidamente, liberando grande número de novas partí- culas virais, para infectar outras células. A multiplicação do vírus produzirá alterações celulares; além do espessamento 791 Capítulo 24 | Papilomaviroses humanas (HPV) epitelial que acompanha a maior velocidade mitótica, parece interferir com a citocinética, especialmente nas lesões de bai- xo grau, ocorrendo multinucleação e atipias celulares atribu- ídas à poliploidização. As células desenvolvem halos perinucleares (coilocito- se), acantose, atipia citológica, multinucleação e vacuolização citoplasmática. A maioria dos indivíduos é capaz de eliminar espontaneamente a infecção por meio do sistema imune em período médio de oito meses para os vírus de baixo risco on- cogênico e 13 meses para os HPV de alto risco. Em uma pe- quena minoria, a infecção pelo HPV torna-se persistente le- vando à neoplasia e câncer genital. 2. Infecção latente: o DNA viral reside no núcleo em forma epissomal (o DNA do vírus permanece livre no núcleo da célula do hospedeiro sem se ligar ao DNA do hospedeiro), porém não produz nenhuma alteração no tecido. Não se sabe por quanto tempo a infecção latente pode persistir – alguns investigadores acreditam que por toda a vida. A infecção la- tente pode se tornar ativa por mecanismos ainda desconhe- cidos; sabe-se que a imunodepressão fisiológica ou patológica (baixa da resistência) são fatores desencadeantes. A infecção latente só pode ser detectada por métodos de biologia mole- cular, pois não existe alteração citológica/histológica. HISTÓRIA NATURAL DA INFECÇÃO POR GÊNERO HISTÓRIA NATURAL DA INFECÇÃO NA MULHER Ao contrário da infecção pelo herpes-vírus, a infecção pelo HPV é na maioria das vezes transitória e pode ocorrer várias infecções por diferentes tipos no decorrer da vida da mulher ou mesmo reinfecções pelo mesmo tipo. A maioria das mulheres infecta-se por HPV no início da atividade sexual, em média por três diferentes tipos, algumas se tornam positivas antes mesmo da primeira atividade sexual com penetração. Metade das infecções por HPV tornam-se indetectáveis em um ano e cerca de 90% estão negativas após dois anos de sua detecção. O tempo médio de negativação para cada tipo de HPV é, em média, de 9,4 meses. Após negativação do teste de HPV, cerca de 20% torna-se novamente redetectável (mes- mo tipo viral), e isso ocorre tanto com HPV de baixo como de alto risco. Essa redetecção do mesmo tipo viral após períodos intermitentes de negatividade pode refletir flutuações nos ní- veis virais (baixo nível de replicação viral), amostra inconsis- tente, resultados falso-negativos ou nova infecção. Dados revelam que o maior risco para desenvolvimento de lesão precursora pré-câncer (NIC – neoplasia intraepite- lial cervical – de alto grau) é a infecção persistente por deter- minados tipos de HPV de alto risco oncogênico. O risco ab- soluto para nic-3 ou câncer após 12 anos de seguimento entre as mulheres que tiveram o primeiro e segundo exames positi- vos para HPV-16 foi de 47,4%. O risco absoluto de nic-3 ou pior por outros tipos de HPV diferentes de HPV-16, 18, 31, ou 33 foi de apenas 6%. O risco de nic-3 ou câncer após teste de captura híbrida negativo foi de 3%. Alguns tipos de HPV de alto risco estiveram relaciona- dos a alto risco de desenvolvimento de lesão nic-3 ou lesão mais grave (HPV-16, 18, 31, 33 e 58) e outros tipos de HPV, como 39, 59 e 68, não estiveram associados ao desenvolvi- mento de nic-3 ou lesão mais grave. HISTÓRIA NATURAL DA INFECÇÃO NO HOMEM As doenças relacionadas ao HPV que afetam o homem são as verrugas anogenitais e cânceres de pênis, ânus e orofa- ringe. A curva de prevalência no homem é muito maior do que na mulher e não há tendência de redução com a idade. De fato, a prevalência no homem permanece elevada (50 a 70%) em toda a sua vida, sem qualquer declínio substancial com a idade. A prevalência média de positividade para HPV nos par- ceiros de mulheres com neoplasia intraepitelial cervical é de 50 a 70%, enquanto, em homens atendidos em clínicas de doenças sexualmente transmissíveis, a prevalência é de cerca de 45% (consenso de Roma). Um dos estudos mais recentes e significa- tivos, em termos de população amostrada, que incluiu 1.160 homens em três países, relatou prevalência total de positivida- de para HPV de 65,2% (Giuliano e colaboradores, 2011). A mulher parece ter maior probabilidade de adquirir genótipos de HPV associados a alto risco oncogênico, en- quanto, para homem, a probabilidade de adquirir tanto genó- tipos de baixo como de alto risco é semelhante. Estudo recente traz novos dados sobre a incidência e o tempo de duração da infecção genital externa pelo HPV em homens heterossexuais. Foram avaliados 1.732 homens com idades entre 16 e 24 anos de idade, residentes de 18 países da África, região da Ásia-Pacífico, Europa, América Latina e América do Norte. Após 30 meses de detecção de nova infecção pelos tipos de HPV-6 e 11, cerca de 30% tiveram diagnóstico de verrugas genitais. A taxa de incidência de verrugas genitais em indiví- duos soronegativos e DNA-negativos no dia 1 foi de 0,94 ca- sos por 100 pessoas por ano sob risco. O padrão de incidência foi típico; a nova detecção de HPV-16 foi a mais comum e a nova detecção do HPV-11 a menos comum. A incidência cumulativa das infecções pelos tipos de HPV-6, 11, 16 e 18 em indivíduos heterossexuais não expostos a esses tipos no dia 1 foi de cerca de 50% em 48 meses. Como esperado, a maior proporção desse aumento foi atribuída ao HPV-16, sua incidência foi > 35% em 48 meses de seguimento. O tempo mediano para eliminação dos tipos de HPV-6, 11, 16 e 18 foi de 6,1, 6,1, 7,7 e 6,2 meses, respectivamente. CARCINOGÊNESE DO HPV Nos últimos 20 anos, o conhecimento sobre o ciclo de vida do HPV e seu papel no desenvolvimento dos cânceres genitais e anais ampliou-se drasticamente. TABELA 24.1 Diferenciação epitelial e as atividades virais do HPV durante sua infecção Diferenciação epitelial Atividades virais Camada córnea Liberação de vírions maduros Proteínas tardias do capsídeo(L1 e L2) Camada granulosa Amplificação vegetativa do DNA Altos níveis de proteínas precoces dependentes de diferenciação Camada espinhosa Diferenciação dependente de proteínas precoces E6, E1, E2, E4 e E5 Camada basal Infecção primária Estabelecimento da replicação Proteínas precoces imediatas (E1, E2 e E5) 792 Parte II | Vírus A presença de HPV não é suficiente para induzir carci- nogênese genital, entretanto representa fator indispensável. Outros cofatores são importantes para a progressão para cân- cer invasor, como infecção persistente por HPV de alto risco, imunossupressão, tabagismo, outras DST e fatores genéticos que impedem a supressão ou eliminação da infecção por HPV pelo sistema imune. A interação entre a resposta imune do hospedeiro e o tipo de HPV determinará o aparecimento e evolução das le- sões. Os aspectos morfológicos da infecção pelo HPV depen- dem principalmente do status biológico do tecido infectado e da sua localização anatômica. A progressão maligna resultante da expressão do gene do HPV mostra-se como um continuum que se estende do epitélio normal ao epitélio francamente neoplásico. O epitélio passa por alguns estágios (pré-câncer) antes de se tornar um câncer invasor. Para classificá-los, foram criados vários siste- mas de classificação (Tabela 24.2). Quando ocorre progressão de lesão de baixo (infecção por HPV e displasia leve) para alto grau (displasia moderada, severa e carcinoma in situ) também ocorre alteração na rela- ção infecção-hospedeiro, e o vírus, anteriormente na forma epissomal (circular), passa para linear e se incorpora ao DNA da célula epitelial. MÉTODOS DIAGNÓSTICOS Lesões precursoras induzidas pelo HPV se desenvolvem aproximadamente uma década após a infecção inicial, permi- tindo seu reconhecimento por meio de recursos diagnósticos e tratamento conservador previamente à transformação neo- plásica. Os métodos diagnósticos das lesões induzidas pelo HPV se baseiam na identificação de alterações celulares; ca- racterísticas associadas à replicação viral incluem a citologia oncológica, exame clínico, exame de imagem de alta resolu- ção do trato anogenital (colposcopia) e histologia. Já a identi- ficação do DNA do HPV bem como de seu tipo e carga viral é realizada por métodos de biologia molecular. COLPOCITOLOGIA ONCOLÓGICA O método se baseia na realização de esfregaço em lâmi- na de vidro com material oriundo da raspagem da superfície da mucosa cervical, fixação imediata e coloração pela técnica descrita por Papanicolaou. Os efeitos citopáticos são caracte- rísticos nas formas puras de infecção por HPV e nas lesões de baixo grau, diminuindo gradativamente de maneira inversa à gravidade da lesão histológica. Entre as modificações citopáticas, a principal alteração celular observada é a coilocitose. Trata-se de modificação que se manifesta, sobretudo, em células superficiais e intermedi- árias, caracterizada por evidente halo claro que circunda o núcleo hipercromático de contornos irregulares. Em 1988, o Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos convocou um grupo de citologistas para desenvolver sistema padronizado de nomenclatura. Criou-se, então, o Sis- tema de Bethesda, que substituiu a classificação de Papanico- laou, e tem por objetivo estabelecer critérios de qualidade e padronizar categorias de anormalidades mais compatíveis com a prática clínica. Nesta classificação, as anormalidades intraepiteliais escamosas foram descritas como alterações ce- lulares sugestivas de lesão intraepitelial escamosa de baixo grau (correspondente, à NIC-1 e/ou infecção por HPV) e le- são intraepitelial escamosa de alto grau (correspondente à NIC-2, NIC-3 e carcinoma in situ). EXAME CLÍNICO O diagnóstico da forma clínica da infecção pelo HPV (condiloma acuminado) é clínico, podendo ser confirmado por biópsia. EXAME DE MAGNIFICAÇÃO DE IMAGEM (COLPOSCOPIA) Constitui método de imagem empregado para estudar as variações fisiológicas ou patológicas da mucosa e tecido conjuntivo do trato anogenital, por meio de lentes de aumen- to de 10 a 60 vezes (colposcópio) e aplicação de corantes espe- cíficos. É instrumento essencial no estudo topográfico, diag- nóstico e tratamento das lesões pré-malignas e malignas do trato anogenital. O exame é denominado de acordo com a área avaliada, peniscopia, vulvoscopia e anuscopia. No caso da anuscopia, é a denominação utilizada pelos proctologistas para o exame a olho nu, assim deve-se utilizar o termo anus- copia de alta resolução ou de alta magnificação, ou ainda col- poscopia anal para o exame com lentes de aumento. HISTOLOGIA O padrão-ouro para a determinação da necessidade de tratamento das lesões do trato anogenital é a histologia. BIOLOGIA MOLECULAR Existem três testes de detecção do HPV, que têm aplica- bilidade clínica: captura híbrida (CH), reação em cadeia da polimerase (PCR) e hibridização in situ (ISH). A detecção do DNA-HPV de alto risco pode ser considerada potencialmente útil em algumas aplicações clínicas (Quadro 24.1). DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO VERRUGAS GENITAIS EXTERNAS A infecção clínica pelo HPV caracteriza-se por lesões aparentes, vegetativas, vascularizadas, sésseis e com múlti- plas projeções papilares, denominadas condilomas acumina- dos ou verrugas genitais (Figuras 24.1 a 24.5). Vulgarmente são conhecidas como “crista de galo”; a maioria dessas lesões se relaciona com o HPV-6 (65%) e 11 (20%), porém 1/3 das lesões coexiste com HPV de alto risco. Ocorrem, mais comu- mente, em pacientes jovens entre 16 e 25 anos e estão locali- zadas em regiões úmidas, como o vestíbulo e a pele vulvar na TABELA 24.2 Equivalências entre as diferentes classificações do pré-câncer ginecológico Displasia leve Neoplasia intraepitelial grau 1 Neoplasia de baixo grau Displasia moderada Neoplasia intraepitelial grau 2 Neoplasia de alto grau Displasia severa Neoplasia intraepitelial grau 3 e/ou carcinoma in situ Neoplasia de alto grau 793 Capítulo 24 | Papilomaviroses humanas (HPV) QUADRO 24.1 Papel do diagnóstico molecular 1. Teste de DNA-HPV isolado ou em conjunto com a citologia oncológica em rastreamento populacional primário de mulheres acima de 30 anos. 2. Triagem de mulheres com ASC-US que necessitam de colposcopia. 3. Seguimento de mulheres com NIC-1 confirmada por biópsia. 4. Controle de qualidade em anatomia patológica. 5. Teste e cura em indivíduos que se submeteram a tratamento. FIGURA 24.1 Infecção clínica pelo HPV – lesão verrucosa séssil em região perineal. FIGURA 24.2 Infecção clínica pelo HPV – lesão verrucosa acu- minada em fúrcula vulvar e presença de duas lesões de menor tamanho com superfície micropapilar. FIGURA 24.3 Condilomas acuminados próximos ao freio do pênis. FIGURA 24.4 Pápulas verrucosas hiperpigmentadas em corpo do pênis; a biópsia confirmou condiloma acuminado. FIGURA 24.5 Condilomatose gigante em mulher imunossupri- mida fazendo uso de corticosteroide sistêmico, em virtude de lúpus eritematoso sistêmico. mulher. A distribuição das lesões acuminadas no homem se dão principalmente no corpo do pênis e na região balanopre- pucial. Lesões no escroto, face interna da coxa e base do pênis também podem ocorrer. As verrugas anogenitais são na maioria das vezes assin- tomáticas, podendo ser acompanhadas por prurido, ardência e umidade. São frequentemente múltiplas e coalescentes, po- dendo ter aspecto queratinizado, pigmentado ou não. Têm disseminação rápida, podendo se estender ao clitóris e ao monte de Vênus, assim como para as regiões perineal, peria- nal e canal anal. Em homens, pode se traduzir por quadros de balano- postite arrastados ou de repetição. A multiplicidade sempre foi uma característica do condiloma acuminado, embora não sejam infrequentes as lesões solitárias de longa data. Outro local a ser examinado é a fossa navicular, que pode ser entre- aberta com digitopressão ou com uso de espéculos nasais in- fantis. O exame da área perianal sempre deve ser parteda rotina, mesmo em homens heterossexuais. O diagnóstico do condiloma é basicamente clínico, podendo ser confirmado por biópsia (Quadro 24.2). 794 Parte II | Vírus QUADRO 24.2 Indicação de biópsia em condilomas ■ dúvida diagnóstica ou suspeita de neoplasia (lesões pigmentadas, endurecidas, atípicas, ulceradas). ■ falta de resposta ao tratamento convencional. ■ aumento de tamanho das lesões durante ou após o tratamento. ■ paciente imunossuprimido. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DO CONDILOMA Doença de Buschke-Loewenstein ou condiloma gigante É raro. Este carcinoma geralmente não dá metástase para outros locais, mas se dissemina regionalmente. Molusco contagioso Causado por um poxvírus, transmitido pelo contato “pele a pele”. É caracterizado por pequenas pápulas firmes, com aproximadamente 1 a 10 mm, com umbilicação central. O vírus infecta o epitélio escamoso e pode estar presente em qualquer localização corpórea. A infecção é autolimitada por um período de alguns anos, entretanto a doença é problema maior em pacientes imunocomprometidos (Figura 24.6). Condiloma plano da sífilis secundária É um grande imitador. Se a sorologia não foi solicitada durante tratamento inicial e as lesões são resistentes ao trata- mento, a exclusão deste diagnóstico é obrigatória. Papilomatose labial e peniana Variante anatômica do revestimento do vestíbulo, cons- tituída por projeções papilares simétricas localizadas em qualquer parte do vestíbulo, principalmente na face interna dos pequenos lábios, podendo se estender até 1/3 da região inferior da vagina. Diferentemente dos condilomas em que múltiplas papilas convergem de única base, cada projeção pa- pilomatosa na micropapilomatose labial tem sua própria base. A maioria dos pacientes com micropapilomatose labial não tem sintomas, mas tem recorrência de infecções, como candidose, tricomoníase e clamídia. O DNA de HPV detecta- do por métodos de biologia molecular não é mais prevalente no epitélio da papilomatose labial do que no epitélio labial normal (Figura 24.7). No homem, papilas fisiológicas (corona hirsuta) podem estar presentes no sulco balanoprepucial e representam glândulas (Figura 24.8). Cicatrizes da postectomia São áreas irregulares, mas, no entanto, não apresentam acetorreatividade ao exame colposcópio. TRATAMENTO Como não existe cura para o HPV, o primeiro objetivo do tratamento da infecção clínica é a remoção dos condilo- mas visíveis. Sabe-se que a regressão espontânea dos condilo- mas pode ocorrer em até 20% dos casos, porém o atraso no tratamento pode levar à disseminação local, tornando as le- sões mais extensas e potencialmente mais graves, além do potencial de transmissão. FIGURA 24.6 Pápulas com umbilicação central caratcterística (molusco contagioso). FIGURA 24.7 Papilomatose fisiológica da região vestibular. observa-se papilas simétricas em toda a extensão da face interna dos pequenos lábios. FIGURA 24.8 Papilas fisiológicas da glande. Uma variedade de métodos citodestrutivos tem sido uti- lizada para remover as verrugas, incluindo excisão, vaporiza- ção a laser, eletrocauterização, crioterapia, podofilina, ácido tricloroacético, 5-fluouracila e podofilotoxina. Apesar de existirem várias opções terapêuticas para o tratamento das verrugas genitais, quase todos os tipos de tratamento possuem 795 Capítulo 24 | Papilomaviroses humanas (HPV) região afetada duas vezes por três dias consecutivos, seguidos de quatro dias sem tratamento. Esse ciclo de tratamento pode ser repetido até o desaparecimento das verrugas ou no máxi- mo por quatro semanas. Ao final de quatro semanas de trata- mento, 37% dos pacientes tiveram regressão completa das verrugas genitais, não existindo diferenças nas respostas clí- nicas entre mulheres e homens. Dos indivíduos que apresen- taram regressão completa das verrugas e que foram avaliados após 12 semanas, 31% tiveram recorrência. 5-fluouracila (5-FU) É antimetabólito que inibe a produção de ácido ribonu- cleico e DNA. Reação de hipersensibilidade variável ocorre após o tratamento que leva à descamação severa de pele em alguns pacientes, enquanto em outros o efeito é mínimo. O uso de creme de 5-FU na vulva e no pênis não tem bom resul- tado, devido às lesões serem mais queratinizadas e também pela inflamação associada, que faz com que o paciente inter- rompa o tratamento. Seu uso tem sido descontinuado pela alta taxa de complicações, incluindo ulcerações crônicas, va- ginite química, adenose, vestibulite vulvar e balanopostite. Destruição física focal Podem ser empregados o eletrocautério, a criocirurgia ou a ablação a laser. Indicada nos casos de lesões cutâneas renitentes em que a queratina espessa impede a penetração da medicação tópica. Laser a CO2 É perfeitamente adaptado para o tratamento das lesões virais, sejam planas ou exofíticas. Sua vantagem é a precisão; adaptado ao colposcópio, permite a destruição perfeita de acordo com a periferia e a profundidade da lesão. Deve-se lembrar de que existe o fenômeno de Koebner (existência do HPV latente ao lado das lesões tratadas). A energia do laser a CO2 é absorvida pela água intracelular que é instantanea- mente vaporizada. Proteínas intracelulares e DNA são livres de água e são carbonizados. Imiquimode É indicado no tratamento de condilomas acuminados da genitália externa e perianal. Difere das terapias destruti- vas, por atuar diretamente nas células infectadas pelo HPV, não causando danos ao tecido subjacente não doente. É mo- dificador da resposta biológica, mimetiza o que ocorre na resposta imune normal quando o HPV é reconhecido pelo sistema imune. Imiquimode potencializa a produção de IFN, que pos- sui efeito antiviral, antiproliferativo e antiangiogênico. Esti- mula também as células de Langerhans, principais células apresentadoras de antígenos da epiderme a migrarem até os linfonodos e ativarem a produção de células T HPV-específi- cas. Produção de citocinas (entre elas, IFN, TNF, IL-1, IL-6 e IL-8) é vista dentro de duas horas após aplicação de imiqui- mode. A concentração máxima é alcançada em 8 horas e per- manece elevada no mínimo por 24 horas. Recomenda-se aplicação de fina camada do creme na área afetada ao deitar, três vezes por semana até desapareci- mento das verrugas ou por até 16 semanas. Lava-se a área ao taxas de resposta em torno de 50 a 75%, com as taxas de recor- rências em torno de 30%. Aproximadamente 80% dos pacien- tes obtêm cura dentro do primeiro ano de tratamento, o res- tante (20%) necessitará de terapias múltiplas a longo prazo. As opções de tratamento devem ser discutidas com o paciente levando em conta a relação custo-benefício que abrange eficácia, conveniência, volume e distribuição da le- são e possíveis efeitos adversos. A escolha de método ambula- torial ou autoaplicável deve ter concordância do paciente. Os pacientes devem ser advertidos da possibilidade de cicatrizes hipo ou hipercrômicas, áreas deprimidas ou hipertróficas, síndromes dolorosas incapacitantes e hiperestesia do local tratado quando são utilizados métodos destrutivos. Nos casos em que não se observam melhora após quatro semanas ou resposta parcial após oito semanas, é importante considerar troca do método de terapia. Exceção a esta regra é a terapia com imiquimode tópico que está associada a subs- tancial taxa de regressão, até 16 semanas. Os pacientes devem ser orientados quanto à possibilidade de recorrência, que fre- quentemente ocorre nos três primeiros meses. É de boa nor- ma reexaminar os pacientes três a seis meses após o final do tratamento. Ácido tricloroacético (ATA) (80 a 90%) São ácidos dessecantes que são neutralizados pelo con- teúdo aquoso dos tecidos tratados, especialmente efetivos em lesões úmidas de membranas mucosas, porque o conteúdo aquoso desses tecidos é alto. Esses ácidos devem ser aplicados diretamente sobre as verrugas, preferencialmente com mag- nificação da pele, para permitir localização precisa de peque- nas lesões.A profundidade da destruição pode ser limitada pela observação da intensidade do branqueamento da área trata- da. Sensação de queimação ocorre de 5 a 15 minutos e pode ser evitada com o uso de anestésicos tópicos. A aplicação in- correta ou excessiva pode causar ardência e ulceração. Os áci- dos dessecantes não são tóxicos e podem ser utilizados com segurança durante a gravidez e dentro da vagina. Apesar de largamente utilizados são escassos os estudos documentando sua eficácia clínica. Podofilina (10 a 25%) É uma mistura complexa de resinas de plantas e seu efeito biológico deve-se ao efeito antimitótico. O efeito máxi- mo aparece alguns dias após a aplicação. Devido a seus efeitos tóxicos sistêmicos (neurológico, hepatorrenal e supressão da medula óssea) e a sua eficácia limitada, não é mais considera- da droga de escolha, inclusive formalmente contraindicada na gravidez. A aplicação deve ser restrita à área de pele quera- tinizada, e o local deve ser lavado após 4 a 6 horas. O contato com membranas mucosas provoca intensa reação inflamató- ria e também pode acarretar alto risco de absorção sistêmica. A taxa de sucesso em seis meses é, em média, de 20 a 40%. Podofilotoxina Representa avanço na terapêutica tópica para pacientes com verrugas penianas ou vulvares. A droga é efetiva e prati- camente sem toxicidade sistêmica. Reações locais são co- muns, porém de pequena duração e não sérias. Aplica-se na 796 Parte II | Vírus acordar, após 6 a 8 horas. Apesar das reações locais, como eritema, prurido, descamação e edema serem frequentes (50%), a queixa de dor local e incidência de reações sistêmicas é muito baixa (< 3%) e nos estudos controlados foi similar ao grupo placebo. Acredita-se que essas reações, na maioria de intensida- de leve a moderada e bem toleradas pelos pacientes, estejam ligadas à liberação de citocinas pró-inflamatórias que fazem parte do mecanismo de ação do imiquimode. Assim, o grau de intensidade do eritema e a reação local da pele relacionam- -se com a resposta clínica, geralmente desaparecendo dentro de duas semanas após suspensão do medicamento. Na nossa experiência, as reações iniciam-se na maioria dos casos após duas semanas de tratamento e atingem um pico em quatro semanas, quando se inicia a regressão das ver- rugas. Geralmente as lesões localizadas na região vestibular respondem mais precocemente em quatro a seis semanas. Em caso de reações locais mais intensas, pode-se sus- pender o tratamento por uma a duas semanas e reiniciá-lo logo em seguida. A regressão completa das lesões ocorre, em média, no período de oito semanas. A praticidade da autoa- plicação, boa tolerabilidade, mecanismo único de ação e alta taxa de resolução mantida fazem de imiquimode uma terapia de primeira linha para verrugas genitais externas e terapia de segunda linha na falha do tratamento tradicional e grande número de recidivas. NEOPLASIA INTRAEPITELIAL DA VULVA E DO PÊNIS EPIDEMIOLOGIA A incidência, particularmente em mulheres jovens, tem aumentado significativamente, com a média etária caindo dos 55 para os 35 anos. Estudo comparativo entre duas coor- tes de mulheres com neoplasia intraepitelial vulvar (NIV) observou apenas 2% de mulheres com menos de 50 anos na coorte mais velha (1965 a 1974) em comparação com 21% na coorte mais nova (1990 a 1994). Muitos fatores, incluindo a mudança de hábitos sexuais, aumento do consumo do tabaco em gerações mais jovens e o diagnóstico precoce, parecem ser os responsáveis por esta maior frequência em mulheres na idade reprodutiva. Dados mais recentes mostram incidência cumulativa de NIV (de qualquer grau), após oito anos de observação, de 7% em mulheres HIV-negativas e 23% em mulheres HIV-positi- vas. A NIV de alto grau atingiu 2% das mulheres HIV-negati- vas e 8% das HIV-positivas, e não houve relato de nenhum caso de câncer invasor de vulva em mulheres HIV-negativas, enquanto nas HIV-positivas houve três casos. CLASSIFICAÇÃO De acordo com a natureza biológica da lesão, a NIV pode ser dividida em dois grupos principais, cada um pos- suindo características bem próprias: a NIV indiferenciada e a NIV diferenciada. ■ NIV indiferenciada (clássica/papulose bowenoi- de) – HPV-positiva: representa a maioria dos casos de NIV, geralmente acomete mulheres jovens (terceira e quarta dé- cadas). Está altamente associada ao HPV de alto risco, pre- dominantemente o HPV-16 (78 a 92% das NIV 3). A NIV indiferenciada faz parte de uma síndrome de alterações epi- teliais multifocais do trato anogenital, frequentemente mul- tifocal e multicêntrica. Em cerca de 50%, há coexistência de neoplasia intraepitelial ou invasora, em outras localizações do trato genital inferior (vagina, vulva e ânus). A NIV indife- renciada pode ser dividida histologicamente em bowenoide, verrucosa e basaloide. ■ NIV diferenciada (doença de Bowen, carcinoma simplex) – HPV-negativa: é rara e possui forte associação com carcinoma queratinizante. Representa menos de 10% dos casos de NIV, infecção típica da idade avançada e não associada ao HPV. Pode se originar de uma desordem não neoplásica da vulva, como o líquen escleroso e/ou hiperplasia escamosa. A localização preferencial é nas áreas com pelos. A lesão é unilateral e focal, geralmente não excedendo 1,5 cm. Possui forma histológica sutil e limitada ao epitélio basal, e o sistema de graduação de NIV grau 1, 2 e 3 parece não ser aplicável. A NIV diferenciada parece ter fase intraepitelial relati- vamente breve antes de progredir para invasão. O quadro vulvoscópico é de área branco-acinzentada ou de área macu- lar vermelha com aspecto de pontilhado e superfície aveluda- da e limites bem demarcados. Nas últimas duas décadas, tem havido evidências crescentes implicando a infecção pelo HPV também como fator etiológico na NIV diferenciada. Apesar da positividade para HPV ser considerada mais rele- vante em mulheres jovens com NIV, estudos têm reportado positividade para HPV em mulheres idosas com NIV-3. No pênis, a neoplasia intraepitelial peniana pode assu- mir várias formas morfológicas, incluindo placas eritemato- sas largas (Doença de Bowen), máculas eritematosas brilhan- tes limitadas à glande peniana e ao sulco coronal (eritroplasia de Queyrat) e pápulas pigmentadas (papulose bowenoide). É mais comum encontrá-la em homens jovens sexualmente ati- vos que tenham múltiplas parceiras. A faixa etária mais atin- gida pela doença situa-se entre os 20 e 40 anos de idade. PROGRESSÃO DE NIV PARA CARCINOMA DE VULVA/PÊNIS Nos homens, apesar da semelhança histológica com a doença de Bowen e a eritroplasia de Queyrat, a progressão da papulose bowenoide para carcinoma de células escamosas é inferior àquelas duas outras afecções, principalmente em pa- cientes jovens. DIAGNÓSTICO DA NEOPLASIA INTRAEPITELIAL DA VULVA E PÊNIS Um número substancial de indivíduos é assintomático, com a neoplasia intraepitelial de vulva e pênis detectada du- rante exame de rotina, rastreamento de DST ou durante in- vestigação de citologia anormal na mulher. O sintoma mais frequente é o prurido vulvar, que ocorre em cerca de 40% das pacientes, podendo ter caráter severo e intratável. Outros sin- tomas incluem queimação vulvar, dispareunia superficial, verrugas, leucorreia, sensação de inchaço vulvar e descolora- ção da pele. A duração dos sintomas pode variar de poucas semanas a muitos anos. Ao exame, a aparência da NIV pode ser variada, com lesões esbranquiçadas, avermelhadas ou pigmentadas, maculares ou papulares, em relevo ou plana (Figuras 24.9, 24.10 e 24.11). 797 Capítulo 24 | Papilomaviroses humanas (HPV) Tipicamente, as estruturas centrais e posteriores da vul- va são mais comumente afetadas. Alterações da NIV podem ocorrer em áreas com e sem pelos, com suave predileção pela última. É frequente a associação de NIV com outras neopla- sias do trato genital. Cerca de 32,8 a 70% das pacientes com NIV-3 apresentam neoplasias sincrônicas ou metacrônicas em outraslocalizações genitais. Na maioria das mulheres, esta associação é sincrônica (70%). Diagnóstico diferencial é necessário com lesões esbran- quiçadas (líquen escleroso e hiperplasia de células escamo- sas); lesões pigmentadas (lentigo, melanose, nevus, verrugas e angiomas) e lesões avermelhadas (líquen plano, psoríase, ba- lanites inespecíficas, balanite de Zoon, vulvite de células plasmocitárias e doença de Paget). O diagnóstico final requer confirmação histológica, existindo obrigatoriedade de biópsia nas áreas colposcopica- mente suspeitas. Biópsias vulvares e penianas são realizadas facilmente sob anestesia local, usando pinça de Gaylor-Medi- na modificada com diâmetro de 2 a 3 mm. Dependendo da distribuição das lesões e de sua aparência clínica podem ser necessárias múltiplas biópsias. Em vista de a NIV ser um marcador potencial de doença concomitante simultânea ou de ocorrência futura em outras áreas do trato genital inferior, é muito importante a investigação e controle colposcópico da cérvice, vagina e canal anal. TRATAMENTO A tendência é que o tratamento seja individualizado. Sempre que possível, deve-se adotar conduta mais conserva- dora (Quadro 24.3). Os tratamentos a serem considerados incluem: 1. Métodos citodestrutivos (cauterização química ou física, vaporização a laser CO2). 2. Métodos excisionais (remoção local simples ou res- secções amplas com ou sem rotação de retalho). 3. Combinação de excisão e técnicas citodestrutivas. 4. Imunoterapia isolada ou associada a terapias excisio- nais/citodestrutivas. Pode ocorrer recorrência da doença, independente da modalidade terapêutica, em 15 a 57% dos casos e está ligada ao reservatório do HPV na pele. Se as margens não estão li- vres, a taxa de recorrência é sempre maior. Portanto, o aspec- to mais importante do tratamento é o seguimento. FIGURA 24.9 Lesão acizentada de grande extensão em mulher HIV-positiva (NIV indiferenciada grau 3). FIGURA 24.10 Lesões verrucosas hiperpigmentadas localizadas em introito vaginal (NIV indiferenciada grau 3). FIGURA 24.11 NIV 3 diferenciada: mulher de 65 anos, com história de prurido vulvar de longa data, lesão única acinzentada. QUADRO 24.3 Considerações que devem ser levadas em conta na decisão terapêutica Terapêutica – considerações ■ Idade ■ Sintomas ■ Topografia das lesões ■ Extensão para anexos ■ Potencial maligno ■ Preservação funcional ■ Fatores psicológicos ■ Recorrência Métodos citodestrutivos (cauterização química ou física, vaporização a laser CO2) ■ Fluouracila: o uso tópico deste quimioterápi- co resul ta em irritação local, não se alcançando resultado terapêu tico consistente devido à baixa adesão ao tratamento. São necessá rias 6 a 10 semanas de tratamento, e os pacien- tes começam a ter resposta inflamatória severa a partir de duas semanas. As vantagens desse método seriam cicatrizes 798 Parte II | Vírus mínimas, entretanto epitélio neoplásico de áreas pilosas não é adequadamente tratado pela esfoliação superficial do 5-FU, que pode poupar ductos sebáceos e folículos pilosos. A ine- ficácia potencial combinada à descontinuação prematura da terapia tornam esta terapia de valor limitado. ■ Eletrocauterização e ata em alta concentração (70 a 90%): podem ser utilizados em áreas pequenas e não pilosas. ■ Vaporização a laser: é uma opção efetiva, possuin- do cicatrização esteticamente aceitável. A vaporização a laser pode ser realizada em ambiente ambulatorial e a extensão do tecido pode ser controlada precisamente em mãos experien- tes com a guia acoplada ao colposcópio. As desvantagens da terapia a laser são: dor pós-operatória e o tempo de cicatriza- ção prolongado (cerca de 3 semanas). Aproximadamente 75 a 85% das neoplasias intraepiteliais de vulva e pênis estão loca- lizadas em áreas sem pelos, nestas áreas sem pelos a vapori- zação deve atingir profundidade de 1 mm. Para erradicação de lesões em áreas com pelos, a profundidade da destruição deveria atingir profundidade de 3 mm. ■ Excisão local ampla: esta terapia pode ser realizada normalmente em ambiente ambulatorial e tem a vantagem de fornecer material para análise anatomopatológica. Apesar de nenhum estudo ter avaliado o tamanho das margens, a maio- ria dos médicos experientes acredita que margem de 5 mm de epitélio normal é apropriada. Bons resultados têm sido relata- dos, utilizando excisão cirúrgica e vaporização a laser. ■ Imunoterapia: tratamentos não cirúrgicos pode- riam preservar a anatomia e função da vulva e pênis. Um modificador da resposta imune com propriedades antivirais e antitumorais, como o imiquimode creme a 5%, tem sido in- vestigado e vários estudos pilotos mostraram a efetividade e a segurança no tratamento das neoplasias intraepiteliais de vulva e pênis. O creme de imiquimode tópico a 5% pode ser usado como terapia de primeira opção (pacientes que não desejam métodos citodestrutivos/excisionais), terapia de segunda op- ção (pacientes com múltiplas recidivas após outras terapias) e como terapia combinada (associação de método citodestruti- vo/excisional à imunoterapia). Lesões muito extensas podem requerer tratamento de até 16 semanas, e, se houver lesão re- sidual, deve-se optar por complementação com método cito- destrutivo e/ou excisional. Como o mecanismo de ação deste medicamento envol- ve o sistema imunológico, não existe resposta padrão para todos os indivíduos. Assim, o segredo do manejo do creme de imiquimode é iniciar com a dose recomendada pelo laborató- rio (3 vezes por semana) e conforme resposta clínica ir tate- ando a dose correta para cada indivíduo conforme resposta clínica e presença de reações adversas. Reações adversas lo- cais, como eritema, prurido, descamação e edema, são fre- quentes (50%), porém a queixa de dor local e incidência de reações sistêmicas (sintomas flu-like, cefaleia, coriza e mial- gia) é muito baixa (< 3%). Lesões na glande peniana pode ter resposta erosiva significativa. Durante processo de cicatriza- ção, as lesões tendem a ter eritema residual róseo e podem mostram hipopigmentação da área tratada. Acredita-se que estas reações, na maioria de intensidade leve a moderada e bem toleradas pelos pacientes, estejam liga- das à liberação de citocinas pró-inflamatórias que fazem par- te do mecanismo de ação do imiquimode. Essas reações não devem ser encaradas negativamente, mas como um sinal in- direto de que o sistema imunológico foi ativado. Muitas vezes, medidas locais fáceis abrandam o incô- modo desses sintomas, como alternar o creme de imiquimo- de (segunda, quarta e sexta-feira) com um emoliente (vaseli- na) ou creme reepitelizador (clostebol) (terça e quinta-feira); diminuir a frequência da aplicação (duas vezes por semana); diminuir a dose de aplicação (meio sachê); diminuir o tempo da aplicação (4 a 6 horas). Em caso de reações locais mais intensas, pode-se sus- pender o tratamento por uma a duas semanas até melhora dos sintomas locais e reiniciá-lo logo em seguida. Durante esse período de pausa, não existe prejuízo no tratamento nem em seu prolongamento do tempo, pois o sistema imunológico está ativo, e o motivo da parada é apenas frear um pouco esta resposta exacerbada. A terapia com imiquimode pode ser utilizada para con- verter uma vulvectomia simples em simples excisão local das lesões residuais, porém o risco inerente de atraso no trata- mento em 3 a 4 meses versus procedimento de menor morbi- dade operatória deve ser considerado. Carcinoma invasivo deve ser excluído antes do tratamento com imiquimode e também áreas residuais após três meses de tratamento devem ser excisadas. VAGINA VERRUGAS GENITAIS Condilomas acuminados da vagina, geralmente, podem ser observados à inspeção especular como lesões sésseis ou como projeções em dedos de luva (Figura 24.12). A lesão acu- minada vaginal ocorre em pelo menos 30% das mulheres com condiloma vulvar. É geralmente assintomática e sua detecção depende da inspeção cuidadosa da superfície da vagina,que é dificultada pelas rugas e dobras. Raramente, a doença vaginal é extensa e multifocal ocupando o comprimento da vagina. Nesses casos, deve-se investigar imunossupressão inata ou adquirida. Enquanto o terço superior da vagina é o local mais comumente envolvido por neoplasia intraepitelial vaginal (NIVA) e carcinoma invasor, o terço inferior é acometido por lesões por HPV. FIGURA 24.12 Epitélio acetobranco micropapilar em parede vaginal. A histologia revelou condiloma acuminado. 799 Capítulo 24 | Papilomaviroses humanas (HPV) NEOPLASIA INTRAEPITELIAL VAGINAL (NIVA) Aproximadamente 2,5% das mulheres com NIC pos- suem anormalidades epiteliais vaginais coexistentes, na maioria dos casos confluentes à lesão cervical ou localizada no 1/3 superior. A NIVA ocorre na cúpula vaginal entre 1 e 8% das mulheres que têm histerectomia por neoplasia cervi- cal, de difícil localização e acesso, ocorrendo nas “orelhas de cachorro”, que são os ângulos vaginais às 3 e 9 horas forma- dos após a cirurgia. TRATAMENTO Deve se optar por tratamento conservador com agentes tópicos locais, como o ácido tricloroacético nos quadros de condilomatose ou NIVA-1. As NIVA-2 e 3 (ou de alto grau) são provavelmente precursoras do câncer vaginal, mas com longo tempo de transição e menor potencial de progressão, quando comparadas com a NIC. Uma boa opção de tratamento é o laser, pela alta preci- são e superficialidade da vaporização. Na impossibilidade de seu uso, recomenda-se a aplicação de ATA regional, ou então setorial, para as lesões mais extensas. O uso do 5-FU a 5%, sob rigoroso controle, é restrito aos casos de extensas áreas de comprometimento por NIVA-3, devendo ser recomendado 1/2 aplicador semanal, durante 10 semanas. Ao primeiro si- nal de sangramento ou hiperemia intensa da mucosa vaginal as aplicações do quimioterápico devem ser interrompidas, e o caso reavaliado duas a quatro semanas após. As taxas de cura com laser CO2 e 5-FU chegam a 85 a 90%. CÉRVICE As lesões por HPV ocorrem em qualquer área da cérvi- ce. As formas colposcópicas pertencentes a esses vírus são múltiplas, multifocais, variáveis no tempo e seu diagnóstico é indissociável de possível neoplasia. VERRUGAS GENITAIS Condilomas clássicos São incomuns e localizam-se frequentemente na JEC (5 a 10%). Eles se apresentam como pérolas brancas ou papilas coloridas como framboesa à inspeção. Deve-se sempre reali- zar biópsia para excluir neoplasia associada. LESÕES SUBCLÍNICAS PURAS DA CÉRVICE Mulheres com NIC são assintomáticas. A suspeita diag- nóstica é feita por detecção de células anormais no esfregaço oncológico e confirmada pela biópsia dirigida pela colposco- pia. A divisão da NIC em baixo e alto grau é compatível com a hipótese de que o HPV pode agir como agente infeccioso (NIC de baixo grau) ou neoplásico (NIC de alto grau), produ- zindo lesões patológicas distintas. NIC de baixo grau As lesões com coilocitose simples, infecção por HPV e NIC-1 podem ser agrupadas em NIC de baixo grau (Figura 24.13). A grande maioria dessas lesões ocorre em mulheres jovens após o início da atividade sexual e regride espontanea- mente em dois a três anos. Apesar da alta taxa de regressão, sabe-se que até 14% das NIC de baixo grau podem progredir, porém as que estão “destinadas à progressão” o fazem rapida- mente, quase invariavelmente durante os dois primeiros anos do diagnóstico. As modalidades terapêuticas variam desde apenas ob- servação até terapia destrutiva local (eletrocoagulação diatér- mica, crioterapia ou vaporização a laser) ou excisional. A con- duta expectante considera a história natural das NIC-BG, nas quais há alta porcentagem de regressão espontânea. O trata- mento ativo de todas as neoplasias tem o propósito de evitar o aparecimento do câncer e a possível perda de seguimento. A maioria das NIC-BG regride dentro de um ano de se- guimento; na infecção pelos tipos oncogênicos de baixo risco, a duração média é de quatro meses, e na infecção pelos de alto risco, de oito meses. A recomendação da maioria dos autores é realizar se- guimento cuidadoso com visitas semestrais, incluindo coleta de nova citologia e colposcopia. Esta conduta, entretanto, pode ser considerada somente quando a citologia apresentar lesão intraepitelial de baixo grau, a colposcopia inicial for sa- tisfatória e a biópsia confirmar NIC-1. Espera-se regressão espontânea das lesões em mais de dois terços das mulheres. Após 24 meses, o índice de regressão diminui e lesões persistentes devem ser tratadas. Qualquer tratamento destruti- vo, como cauterização elétrica, a laser ou por crioterapia, ou tratamento excisional, como exérese da zona de transformação ou conização com alça diatérmica ou com bisturi a frio, é acei- tável diante de uma NIC-1 persistente. Quando a lesão penetra no canal endocervical e não é totalmente visível, os tratamen- tos destrutivos são inaceitáveis e a conização com retirada de toda a lesão é a opção preferencial. Condutas expectantes de- vem ser evitadas para as pacientes de difícil controle. NIC de alto grau Se algumas lesões de baixo grau podem ser seguramen- te seguidas, desde que a confiança e a aderência da paciente sejam asseguradas, é essencial observar que a NIC-3 repre- senta o precursor imediato do câncer, advogando pronto tra- tamento com confirmação histológica. A NIC de alto grau e aquela com envolvimento do canal são mais bem tratadas por meio de métodos excisionais, como a exérese da zona de transformação ou cirurgia de alta frequência. Entretanto, em pequenas lesões ectocervicais ou em pacientes jovens com NIC-2, métodos destrutivos químicos e físicos podem ser uti- lizados (Figuras 24.14). Exérese da zona de transformação ou cirurgia de alta frequência (CAF), também denominada de LLETZ (Large loop excision of transformation zone), LEEP (loop electrosur- gical excision procedure) ou eletrocirurgia, pode ser utilizada tanto para pequenas exéreses como para conização. Utilizan- do-se orientação colposcópica, a conização pode ser ajustada individualmente, e a morbidade reduzida. A exérese da zona de transformação pode ser realizada ambulatorialmente ou de hospital-dia sob anestesia local. A conização clássica fica reservada para as colposcopias insatisfatórias (a JEC ou a le- são não podem ser vistas em sua totalidade), alteração glan- dular, suspeita de câncer invasivo e cérvice atrófica ou plana. SEGUIMENTO Avaliação citológica e colposcópica deve ser realizada semestralmente. Se a citologia for realizada mais cedo, o pro- 800 Parte II | Vírus cesso reparador e reativo pode ser interpretado como anor- mal e levar a testes diagnósticos desnecessários e apreensão. A segunda avaliação deve ser obtida após 12 meses; se ambos forem negativos, a paciente pode retornar para acompanha- mento semestral até completar dois anos. Na presença de al- teração colposcópica, a biopsia é obrigatória. A taxa de recor- rência da NIC pós-ablação ou excisão encontra-se ao redor de 10 a 15%. As falhas no tratamento da NIC podem acontecer quando existe envolvimento glandular profundo, padrão mais provavelmente associado à NIC-3 ou lesões anatomica- mente extensas. LESÃO LATENTE Não se trata infecção latente. O uso mais rotineiro de métodos de biologia molecular para diagnóstico do HPV tem aumentado o número de pacientes positivas para o DNA viral que se apresentam sem lesões. O ideal é repetir o teste em 12 meses, pois 90% dos indivíduos levam até 18 meses para eli- minar o vírus, ou seja, para negativar o teste. ORIENTAÇÕES PARA PARCEIROS SEXUAIS Todos os parceiros(as) de homens e mulheres com diag- nóstico efetivo de infecção/doença por HPV se beneficiarão de encaminhamento para avaliação pela possibilidade de diagnóstico e tratamento de lesões incipientes. Entretanto, o tratamento de um parceiro não parece influenciar a progres- são da doença e/ou recorrência. No momento, o teste de HPV em homens assintomáticos com exame clínico negativo do pênis (peniscopia)não é recomendado, mesmo quando a par- ceira tenha exame alterado. Estudos de transmissão em casais heterossexuais mo- nogâmicos mostram que a deposição de células dos parcei- ros/parceiras pode explicar até 25% dos testes de HPV-positi- vos. Isso ressalta a importância da abstinência sexual antes de realizar a coleta com teste de HPV no rastreamento de lesões. O uso de preservativos diminui a transmissão do HPV em ao menos 50%, porém não fornece proteção completa, pois não cobre todas as áreas de pele expostas durante a rela- ção sexual. O uso rotineiro de preservativos deve ser incenti- vado pelos médicos a todos os pacientes, como “sexo mais seguro”, em vez de “sexo seguro”, pois é o método de proteção mais eficaz contra todas as doenças de transmissão sexual, entre as quais se inclui a infecção pelo HPV. Perguntas frequentes no consultório são a necessidade de uso de preservativo e por quanto tempo em casais mono- gâmicos. Nesse caso, sabe-se que existe concordância de tipos específicos de HPV em cerca de 75% das vezes, e alguns auto- res sugerem o uso de preservativo até que todas as lesões clí- nicas pelo HPV tenham desaparecido por três meses e ba- seiam a orientação no bom senso. O assunto é muito controverso e carece de dados cientí- ficos. Os dados na literatura apoiam o uso de preservativos na presença de lesões histológicas em ao menos um dos parcei- ros, pois seu uso poderia impactar na maior velocidade de desaparecimento do HPV. Os estudos não suportam o cha- mado efeito de pingue-pongue (em inglês back and forth, reinfecção entre os casais), mas fatores que poderiam interfe- rir na resposta do sistema imune têm sido cogitados, como trauma do ato sexual, aumento da carga do mesmo tipo viral e elementos do sêmen. Em relação à circuncisão, estudos populacionais mostram resultados controversos em relação ao impacto positivo sobre o risco de infecções sexualmente transmissíveis individuais. Deve-se sempre esclarecer que, apesar de tratar-se de doença sexualmente transmissível, outras formas de trans- missão não foram definitivamente descartadas, como fômi- tes, assentos sanitários, etc. Além disso, o aparecimento de lesões atuais pode representar a reativação de uma infecção latente de longa duração, não implicando necessariamente promiscuidade da paciente ou do parceiro. Tal cuidado é es- sencial para manter a confiabilidade e vida sexual adequada entre o casal. O uso do preservativo é recomendado princi- FIGURA 24.13 Colpite micropapilar de parede vaginal. A B FIGURA 24.14 Colpite mosaiciforme. (A) após aplicação de ácido acético a 5%; (B) após aplicação de solução de lugol forte (teste de Schiller). 801 Capítulo 24 | Papilomaviroses humanas (HPV) palmente na presença de lesões clínicas, consideradas alta- mente infectantes. Lesões subclínicas são consideradas pouco infectantes, e o uso do preservativo é questionável se o parceiro sexual for único, uma vez que já houve exposição ao vírus anteriormen- te ao diagnóstico. Atualmente, acredita-se que a infecção la- tente não seja transmissível. ÂNUS O modelo de infecção e história natural do câncer anal associado ao HPV assemelha-se muito ao que ocorre no cân- cer cervical. O ânus também possui área de união de diferen- tes epitélios, como na cérvice – a junção anorretal e a zona de transformação – local de maior fragilidade cromossômica. A junção anorretal ocorre 2 a 4 centímetros da borda anal. Deve-se diferenciar a displasia anal em duas categorias: área perianal e do canal anal (Figura 24.15 e 24.16). Na área perianal, deve-se dar importância às verrugas, áreas de des- pigmentação, prurido e sangramento. Já na lesão dentro do canal anal, geralmente não existem queixas, a não ser nos ca- sos invasivos (presença de sangue no papel higiênico, toalha ou movimento intestinal e dor). As fases do exame incluem: inspeção, exame digital, esfregaço anal e anuscopia. Quem deveria ser rastreado para neoplasia intraepitelial anal (NIA): ■ Mulheres e homens com histórico de displasia geni- tal ou câncer invasivo (pênis, vulva, vagina e colo do útero). ■ Indivíduos HIV-positivos: ■ coito anal; ■ indivíduos com histórico de verrugas genitais, principalmente na área perianal. Para realização do esfregaço anal, deve-se utilizar escovi- nha citológica, inserir 5 cm da borda anal, pressionar e rotacio- nar contra as paredes do reto distal e ânus, enquanto remove a amostra. A leitura é realizada como o esfregaço de Papanicola- ou e o laudo pode ser fornecido pelo Sistema de Bethesda. Os componentes normais da zona de transformação anal são células colunares retais e metaplasia escamosa. Na anuscopia, é utilizado ácido acético (2 a 5%), e a aparência das lesões anais são similares às cervicais. É necessário realizar anestesia para biópsias perto da borda anal. Quanto ao trata- mento das lesões de localização intra-anal, as neoplasias de baixo grau devem ser seguidas, e as de alto grau requerem tra- tamento (ATA, crioterapia, vaporização a laser e/ou excisão). Na terapia das lesões perianais, pode-se optar por tera- pias aplicadas pelo próprio paciente como imiquimode (três vezes por semana por até 16 semanas) ou procedimentos rea- lizados pelo médico (crioterapia, ATA e eletrocirurgia). SITUAÇÕES ESPECIAIS Na gestação, as lesões condilomatosas poderão atingir grandes proporções, devido ao aumento da vascularização e às alterações hormonais e imunológicas que ocorrem neste perí- odo. Como as lesões durante a gestação podem proliferar e tornar-se friáveis, muitos especialistas indicam a sua remoção nesta fase. Durante a gestação, o tratamento, quando instituí- do, deverá ser o mais conservador possível. Alguns agentes terapêuticos, como a 5-FU e a podofilina, são formalmente contraindicados. FIGURA 24.15 Mulher de 32 anos com queixa de prurido intenso em região perianal e anal. Pode-se observar escoriações pelo ato de coçadura. Histologia: papulose bowenoide de ânus (NIA grau 3). FIGURA 24.16 Epitélio acetorreagente em canal anal às 9 horas, a biópsia dirigida mostrou se tratar de neoplasia intraepitelial anal grau 2. A existência de infecção por HPV na gravidez expõe ao risco de transmissão fetal e ao recém-nato. Este parece estar aumentado em condilomas exofíticos extensos durante a fase de expressão ativa, quando as lesões são altamente infeccio- sas, mas a infecção assintomática pelo HPV também é consi- derada fator de risco para a transmissão vertical. A inoculação viral parece ocorrer durante o parto, por meio do contato entre o feto e o trato genital materno. Ao mesmo tempo, a infecção intrauterina por transmissão trans- placentária não pode ser excluída. Finalmente, transmissão pós-natal é também possível. O epitélio respiratório é o local normal de infecção no feto e no neonato, mas lesões anogeni- tais podem ocorrer. A frequência de transmissão vertical perinatal do HPV é baixa (< 10%); estudos sugerem que nem a cesárea nem o tra- tamento das lesões do HPV antes do parto protegerão contra a aquisição do HPV pelo recém-nascido. Como não está esta- belecido o valor preventivo da operação cesariana, esta não deve ser realizada baseando-se, apenas, na prevenção da transmissão do HPV para o recém-nascido. Apenas em raros casos, quando as lesões estão causando obstrução do canal de parto, ou quando o parto vaginal possa ocasionar sangramen- to excessivo, a operação cesariana poderá ser indicada. 802 Parte II | Vírus INDIVÍDUOS IMUNOSSUPRIMIDOS E INFECTADOS PELO HIV As verrugas genitais, as neoplasias intraepiteliais e o carcinoma tendem a ser mais extensos, agressivos, recorren- tes e persistentes nos indivíduos imunossuprimidos infecta- dos pelo HIV. Este modifica a história natural da infecção pelo HPV, com diminuição das taxas de regressão e progres- são mais rápida para lesões de alto grau e invasoras, que são refratárias ao tratamento, exigindo uma intervenção mais rigorosa e monitoramento acirrado. O comportamento maisagressivo é decorrente de um ca- minho molecular diferente, por interação de proteínas virais: as proteínas do HIV aumentam a expressão das oncoproteínas do HPV e, assim, contribuem para a modificação do ciclo celu- lar. A ineficácia do sistema imunológico celular e humoral ga- rantem a progressão e recidiva da doença. Na síndrome de imunodeficiência adquirida, o risco de carcinoma in situ rela- cionado ao HPV é de 8,9 para câncer do colo do útero e 68,6 para câncer anal (homens que fazem sexo com homens) e de carcinoma invasivo é de 1,6 para câncer de orofaringe e 34,6 para câncer anal em homens. O tratamento deve se basear nos mesmos princípios referidos para os HIV-negativos. PREVENÇÃO VACINAS CONTRA O HPV As vacinas HPV são produzidas por meio de tecnologia de DNA recombinante e contêm partículas proteicas imuno- gênicas, não infecciosas, que se assemelham ao vírus (virus- -like particles – VLP). Suas características podem ser vistas na Tabela 24.3. A infecção natural pelo HPV caracteriza-se pelo pouco acesso do vírus aos nódulos linfáticos, uma vez que se trata de infecção de ciclo eminentemente intraepitelial e sem viremia, e, portanto, induz resposta imune fraca. Ao contrário, as vacinas HPV são administradas por via intramuscular, o que propicia rápido acesso das VLP aos vasos sanguíneos e aos nódulos linfáticos locais. Por esse motivo , as vacinas são muito imunogênicas (resposta de anticorpos com pico de 10 a 10.000 vezes maior que aquela oca sio nada pela infecção natural), ativando fortemente a imunidade inata e adaptativa e gerando resposta consistente e integrada, resultando em memória imunológica robusta (Tabela 24.4). Estudos com as vacinas HPV mostraram soroconversão específica aos tipos de HPV incluídos em sua formulação em quase 100% dos indivíduos vacinados. Os estudos de fase 3 TABELA 24.3 Características das vacinas HPV Denominação Vacina papilomavírus humano 6, 11, 16 e 18 (recombinante) Vacina papilomavírus humano 16 e 18 (recombinante) Marca/nome comum GARDASIL® ou vacina quadrivalente CERVARIX® ou vacina bivalente Produtor MSD GSK Composição da vacina (Proteína L1) 20 μg HPV-6 40 μg HPV-11 40 μg HPV-16 20 μg HPV-18 20 μg HPV-16 20 μg HPV-18 Adjuvante 225 μg de sulfato Hidroxifosfato de alumínio amorfo 500 μg de hidróxido de alumínio e 50 μg de 3-O-desacil-4’ monofosforil lipídio A (AS04) Produção das VLP (síntese das L1 recombinates) Síntese da proteína L1 em sistema de expressão em Saccharomyces cerevisiae (fungo do pão) Síntese da proteína L1 em sistema de expressão de baculovírus em células de Trichoplusia ni (inseto) Administração Intramuscular no deltoide ou vasto lateral da coxa Intramuscular no deltoide Esquema vacinal 3 doses (0, 2 e 6 meses) 3 doses (0, 1 e 6 meses) Dose de reforço Até o momento, não é necessária Até o momento, não é necessária TABELA 24.4 Diferenças da infecção natural pelo HPV e da imunização ativa pela vacina HPV Infecção natural Imunização profilática Tipo de infecção Ciclo reprodutivo e transmissibilidade alta Artificial, apenas imunogênica, não existe reprodução nem replicação do vírus. Sem transmissibilidade Local Intraepitelial e sem viremia Intramuscular e estímulo sistêmico Quantidade de inóculo Pequena e pode não ativar eficazmente, ou mesmo passar despercebida pelo sistema imune Grande e com adjuvante para ativar o sistema imune Níveis de anticorpos Baixos Altos Tempo para ativar resposta imune/duração da proteção Lento (6 a 24 meses a depender do tipo de HPV) e proteção fugaz Rápido (após segunda dose já existe proteção) e proteção duradoura 803 Capítulo 24 | Papilomaviroses humanas (HPV) mostraram indução máxima de títulos no sétimo mês, ou seja, um mês após completar o esquema vacinal com três do- ses. Após atingir esse pico, os níveis de anticorpos neutrali- zantes contra HPV decaem durante período de 18 a 24 meses, e a partir daí se mantêm estáveis por pelo menos dez anos, que é o tempo máximo de seguimento dos estudos da vacina até o momento. Quando ocorre nova exposição ao vírus, gera-se eleva- ção imediata e expressiva do nível de anticorpos em 24 a 72 horas, que chega inclusive a níveis superiores aos da resposta primária. Não existe um nível de anticorpos séricos que se correlaciona à proteção da vacina (correlato de proteção). Há consenso que a melhor medida mensurável de proteção da vacina é a eficácia comprovada em estudos clínicos contra doença clínica. Atualmente, os estudos clínicos mostram ele- vado nível de eficácia na prevenção de doenças em ambas as vacinas (Tabela 24.5). Esta análise inclui o grupo de acordo com o protocolo (ATP) do estudo PATRICIA da vacina HPV-16 e 18 e o grupo população por protocolo (PPP) do estudo FUTURE e do estu- do em homens da vacina 6, 11, 16 e 18 (recombinante). As mulheres e homens que pertenciam aos grupos ATP e PPP eram soronegativos e PCR-negativos no dia da inclusão e também no mês 6/7 pós-vacinação; todas tinham recebido as três doses da vacina. IC 96,1% [vacina HPV-16 e 18 (recombi- nante)] e 95% [vacina HPV-6, 11, 16 e 18 (recombinante)]. As indicações das vacinas HPV aprovadas no Brasil (Anvisa) podem ser vistas na Tabela 24.6. Quanto mais pre- coce a aplicação das vacinas HPV, a partir dos nove anos de idade, melhor será o nível de anticorpos neutralizantes espe- cíficos atingidos. A vacinação continua válida após o início da vida sexual ou mesmo após infecção por esse vírus com desenvolvimento ou não de lesões. A probabilidade de infecção simultânea por todos os tipos de HPV contidos na vacina é muito baixa. Wiley e colaboradores avaliaram 2.255 adolescentes de 16 a 23 anos de idade que relata- ram ter tido menos de cinco parceiros na vida e sem histórico de anormalidades citológicas prévias. Observou-se que a maioria das jovens teria se beneficiado com a vacinação contra HPV – especificamente 98% não apresentavam evidência (sorologia e/ ou PCR positivos) de exposição prévia aos HPV-16 ou 18, e 99,6% a pelo menos um dos tipos de HPV-6, 11, 16 ou 18. TABELA 24.5 Eficácia das vacinas HPV Vacina Desfecho/tipo de HPV Eficácia da vacina % IC* Vacina HPV-16 e 18 (recombinante) NIC-2/3 ou AIS HPV-16 e/ou 18 92,9 (79,9-98,3) HPV-16 95,7 (82,9-99,6) HPV-18 86,7 (39,7-98,7) Vacina HPV-6, 11, 16 e 18 (recombinante) NIC-2/3 ou AIS HPV-6, 11, 16 e 18 98,2 (93,3-99,8) HPV-16 97,6 (91,1-99,7) HPV-18 100 (86,6-100) NIV-2/3 ou NIVA-2/3 HPV-6, 11, 16 e 18 100 (82,6-100) HPV-16 100 (76,5-100) HPV-18 100 (< 0-100) Verrugas genitais HPV-6 e 11 (mulheres) 99 (96,2-99,9) HPV-6 e 11(homens) 89,4 (65,5-97,9) NIA-2/3 (homens) 74,9 (8,8-95,4) NIC: neoplasia intraepitelial cervical; AIS: adenocarcinoma in situ; NIV: neoplasia intraepitelial vulvar; NIVA: neoplasia intraepitelial vaginal; IC: intervalo de confiança. TABELA 24.6 Indicações das vacinas HPV aprovadas pela Anvisa Vacina HPV-6, 11, 16 e 18 (recombinante) Vacina HPV-16 e 18 (recombinante) Mulheres Homens Mulheres Faixa etária: 9 a 26 anos Prevenção de infecção, cânceres do colo do útero, vagina, vulva e ânus e lesões precursoras causadas pelos HPV-6, 11, 16 e 18 Prevenção de verrugas genitais Faixa etária: 9 a 26 anos Prevenção de infecção, câncer anal e lesões precursoras causadas pelos HPV-6, 11, 16 e 18 Prevenção de verrugas genitais Faixa etária: a partir de 9 anos Prevenção de infecção, câncer do colo do útero e lesões precursoras causadas pelos HPV-16 e 18 804 Parte II | Vírus Gestantes devem ser orientadas a interromper e a adiar o seu esquema de vacinação, reiniciando-o logo após o parto. A vacina HPV, quando administrada a mulheres que engravi- daram durante os estudos clínicos, não pareceu afetar adver- samente o resultado da gestação – a taxa de aborto e de mal- formações ficou dentro do esperado para a população. As mulheres em lactação podem receber a vacina HPV. Ambas as vacinas de HPV são “não vivas” e podem ser administradas em indivíduos com imunodeficiência primáriaou secundária a doença e/ou medicações, parecendo não ha- ver diferenças na produção de anticorpos em relação a indiví- duos saudáveis da mesma faixa etária. Já existem dados de imunogenicidade e segurança das vacinas HPV em indivídu- os infectados pelo HIV. Houve resposta imune robusta e a va- cina foi bem tolerada nessa população. A única contraindica- ção ao uso das vacinas HPV é a hipersensibilidade aos princípios ativos ou a qualquer dos excipientes da vacina. As pessoas que desenvolvem sintomas indicativos de hipersensi- bilidade após receber uma dose da vacina HPV não devem receber outras doses. As vacinas HPV parecem exibir proteção cruzada parcial contra outros tipos filogeneticamente relacionados aos HPV-16 (espécie alfapapilomavírus A9: 31, 33, 35, 52 e 58) e 18 (espécie alfapapilomavírus A7: 39, 45, 59 e 68). Sabe-se que a proteção cruzada é um fator real, mas deve ser vista como um benefício plausível que talvez possa ocorrer em alguns indivíduos. Como os estudos das vacinas HPV não foram delinea- dos para analisar a proteção contra outros tipos, não havendo ajuste para múltipla infecção, todos os dados de proteção cru- zada devem ser interpretados com cautela e como possível ganho adicional. Importante metanálise permitiu a comparação dos re- sultados com menor desvio da realidade em relação à prote- ção cruzada das vacinas HPV. Observou-se que os dados dos estudos pivotais (FUTURE I e II) da vacina HPV-6, 11, 16 e 18 (recombinante) eram bastante homogêneos, enquanto as in- formações dos estudos (PATRICIA, HPV-007 e HPV-023) da vacina HPV-16 e 18 (recombinante) eram heterogêneos e não puderam ser analisados em conjunto. Os autores chegaram à conclusão de que os níveis de anticorpos, para ambas as vaci- nas, mantiveram-se elevados para os HPV-16 e 18, contudo os níveis de anticorpos para os HPV-31, 33 e 45 decaíram signi- ficativamente em dois anos, aproximando-se daqueles níveis obtidos com a imunidade natural, sugerindo perda da prote- ção cruzada. A vacina HPV deve ser administrada por via intramus- cular em três doses de 0,5 mL, de acordo com o seguinte es- quema: 0, 1-2 e 6 meses. Para garantir a imunogenicidade da vacina, deve ser respeitado intervalo mínimo entre as doses. Apenas as doses realizadas com intervalos menores do que os recomendados devem ser refeitas. Se o esquema vacinal for interrompido ou espaçado, as doses já recebidas não precisam ser refeitas, e o esquema vacinal deve ser retomado de onde foi interrompido. Quando possível, a mesma vacina HPV deve ser utiliza- da para completar o esquema vacinal. Nenhum estudo ava- liou a intercambialidade entre as vacinas HPV. Entretanto, se a clínica de imunização não conhece ou não tem disponível a vacina HPV previamente administrada, qualquer vacina HPV pode ser utilizada para completar o esquema vacinal contra o HPV-16 e 18. Para prevenção de verrugas genitais por HPV-6 e 11, a série vacinal com menos de 3 doses da va- cina quadrivalente poderia fornecer menor proteção contra verrugas genitais do que o esquema vacinal completo. Em 2014, o Brasil introduziu a vacina HPV-6, 11, 16 e 18 (recombinante) no calendário do SUS para a população-alvo de meninas de 9 a 13 anos com esquema vacinal estendido, composto por três doses em 0, 6 e 60 meses (Tabela 24.7). A decisão teve como base a recomendação do Grupo Técnico Assessor de Imunizações da Organização Pan-Americana de Saúde (TAG/OPAS) e teve aprovação do Comitê Técnico de Imunizações do Programa Nacional de Imunizações. Dos 57 países que introduziram a vacina HPV em seus programas públicos de imunizações, o Brasil passou a ser o sexto a oferecer esse esquema, além de algumas províncias do Canadá, México, Colômbia, Suíça e África do Sul. O esquema alternativo adotado possibilitou a ampliação da população-alvo, composta inicialmente de meninas de 10 a 11 anos, para meninas de 9 a 13 anos de idade nos dois primeiros anos da vacinação, utilizando os mesmos recursos financeiros e logísticos. São conduzidos estudos clínicos randomizados avalian- do a resposta imune à vacina HPV com esquemas vacinais alternativos, tanto com ampliação do intervalo entre as do- ses, quanto com redução do número de doses. O esquema estendido baseia-se em estudo ainda em andamento, realiza- do pela Universidade de Columbia (Canadá) com 310 meni- nas de 9 a 13 anos que já receberam as duas primeiras doses do esquema alternativo (0 e 6 meses). Os resultados do seguimento de 36 meses mostram que a resposta imunológica, avaliada pela formação de anticor- pos, no grupo de 9 a 13 anos foi comparável à obtida em mu- lheres de 16 a 26 anos que receberam o esquema habitual (0, 2 e 6 meses). Estas meninas canadenses realizarão acompanha- mento por 10 anos. É importante ressaltar que esse estudo avaliou apenas a resposta imunológica para esta faixa etária específica, e que não é possível inferir que esse novo esquema é igualmente eficaz ao esquema habitual, nem que esses resultados possam ser extrapolados para outras faixas etárias. Apesar de a imu- nogenicidade ser um dos parâmetros utilizados em estudos das vacinas HPV, apenas o acompanhamento dessas meninas em longo prazo poderá confirmar se o esquema alternativo confere a mesma manutenção da resposta imune e a eficácia clínica que o esquema padrão. Independentemente da idade, não é recomendado ne- nhum exame subsidiário pré ou pós-vacinação contra HPV. Não existem testes sorológicos comercialmente disponíveis para dosar os anticorpos contra HPV. A vacina HPV pode ser administrada com outras vacinas apropriadas para a idade. Cada vacina deve ser administrada utilizando seringa pró- pria em um local anatômico diferente. Princípios gerais de imunização enfatizam que não existe evidência que vacinas inativadas interfiram com a resposta imune de outras vacinas vivas ou inativadas. Uma vacina inativada pode ser adminis- trada simultaneamente ou em qualquer data antes ou depois de outra vacina (viva ou inativada). As vacinas HPV são eficazes e seguras, não induzem infecção porque não contêm o HPV, nem material biológico vivo ou atenuado. O perfil de segurança das vacinas HPV foi confirmado por seu amplo uso, com mais de 175 milhões de doses distribuídas no mundo, estando incluída no calendário vacinal de mais de 57 países. 805 Capítulo 24 | Papilomaviroses humanas (HPV) A Organização Mundial da Saúde (OMS) ressalta em seus relatórios que a vacinação contra o HPV é muito segura. Os principais órgãos nacionais e internacionais de saúde, in- cluindo a Australia Therapeutic Goods Administration (TGA)/ Atagi, os Centros para Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC), a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e também a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) monitoram continuamente todas as informações de segurança sobre a vacina HPV e recomendam o seu uso. A maioria dos eventos adversos se restringe ao local da injeção. Nos estudos clínicos, reações locais leves e temporá- rias no local da injeção (eritema, dor e inchaço) foram 10 a 20% mais frequentes entre os indivíduos vacinados em com- paração aos grupos controle. Os raros eventos adversos sistê- micos e graves não tiveram incidência maior que a esperada para a população geral nos grupos considerados para a vaci- nação, não havendo relação de causalidade. Pode ocorrer sín- cope (desmaio) após a administração de qualquer vacina, es- pecialmente em adolescentes, causada por resposta psicogênica à injeção por agulhas. E pode ser acompanhada por outros sinais neurológicos, como distúrbios visuais tran- sitórios, parestesia, movimentos tonicoclônicos dos membros durante a recuperação. É importante deixar o adolescente sentado por 15 minutos após receber qualquer vacina. É preciso entender que não se trata de uma vacina ligada ao exercício da sexualidade. A vacina HPV nada mais é que uma forma de prevenção da infecção pelo HPV e doenças re- lacionadas como as verrugas genitais e os