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Semântica do Português108 Você sabia que a pragmática surgiu preparada para estudar os pontos em que a semântica considerava problemático concedendo um tratamento complementar à semântica quanto aos fenômenos linguísticos afetados pelo contexto? E que dentre as teorias pragmáticas da linguagem, a que mais alcançou êxito foi a Teoria dos Atos de Fala? E na abordagem mentalista a linguagem estabelece a relação entre o mundo e os conceitos mental. Nesta unidade você conhecerá as representações semânticas sob a abordagem mentalista, a polissemia e um processo que merece atenção especial que é a metáfora. Compreenderá as representações da abordagem pragmática e a importância da Teoria dos Atos da fala como uma teoria pragmática da linguagem. Entendeu? Ao longo desta unidade letiva você vai mergulhar neste universo! Semântica do Português 109 Olá. Seja muito bem-vindo à Unidade 3. Nosso objetivo é auxiliar você no desenvolvimento das seguintes competências Conceituar a Abordagem Mentalista nas representações semânticas dos estudos de Língua Portuguesa; Contextualizar a Abordagem Mentalista em Metáforas e Polissemia; Conceituar a Abordagem Pragmática nas representações semânticas dos estudos da Língua Portuguesa; Situar a Abordagem Pragmática nas Teorias dos Atos de Fala. Então? Está preparado para uma viagem sem volta rumo ao conhecimento? Ao trabalho! Semântica do Português110 Abordagem Mentalista nas representações semânticas da Língua Portuguesa Ao término deste capítulo você será capaz de entender o conceito da Abordagem Mentalista nas representações semânticas dos estudos da Língua Portuguesa. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então vamos lá. Avante! OBJETIVO Conceitos e representações da Abordagem Mentalista De acordo com Cançado (2012), as teorias que abordam estar associado com a referência do mundo, são conhecidas como teorias mentalistas, representacionais ou ainda cognitivas. Embora a noção de referência tenha sua importância na ambiente não apenas em um nível existente entre o mundo e as palavras, mas também no nível da representação mental, destaca Cançado (2008). Pinto et. al. (2016) explica que nós representamos por ser individual; a representação que um indivíduo possui de alguma coisa é diferente das representações que outras pessoas possuem do mesmo objeto. Por isso, nem sempre há uma Semântica do Português 111 A representação de uma casa de pessoa para pessoa, o que pode ser entendido quando se pede a alguém para que desenhe uma casa, podem surgir vários tipos 2016). Para Cançado (2008), o estudo da representação abrange a junção entre linguagem e construtos mentais que, de alguma falante. A ideia comum é que possuímos maneiras de representar outros, quando falamos. Figura 1 - Representar mentalmente Fonte: Pixabay Segundo Pinto (2016 p. 12), Saussure entende que “sentido, ou ideia, ou seja, a representação comum de um objeto ou da realidade social em que estamos, representação essa dependente da formação sociocultural que nos rodeia desde que nascemos. Semântica do Português112 mente dos falantes de uma determinada língua, sendo, portanto, entidades mentais. Nós usamos os signos para falar sobre as coisas mais variadas do mundo, McCleary e Viotti (2009) citam como exemplo o fato de falarmos a palavra (signo) ‘mesa’ para designarmos o móvel a qual sentamos para escrever. Contudo, os autores (McCleary e si, mas a representação mental que temos do objeto, assim como que os falantes de português fazem desses sons e que os ajuda a reconhecer o signo ‘mesa’ quando ele é pronunciado. Na abordagem mentalista a linguagem estabelece a relação entre o mundo e os conceitos mentais (CANÇADO, 2008). Conforme Cançado (2008) existe uma grande variação de imagens entre os falantes para nomes como casa, carro, que dependem da experiência individual de cada pessoa. Cita de um triângulo (Figura 2), pois quando falamos triângulo pode produzir em uma determinada pessoa a imagem mental de um triângulo equilátero, para outro pode vir a mente a imagem de um triângulo isósceles, como outros tipos de triângulos. Ficando assim muito difícil imaginar uma única imagem para todas as casas ou carros existentes. Semântica do Português 113 Figura 2 - Triângulos Fonte: Pixabay Dessa forma, para se explicar a teoria das imagens foi mas sim, um elemento mais abstrato, um conceito. Esse método tem a vantagem de nos fazer aceitar que um conceito é capaz de abranger traços não visuais que faz com que um cachorro seja um cachorro, uma democracia seja uma democracia, etc., demonstra Cançado (2008). EXEMPLO: Podemos aceitar que o conceito de triângulo seja algo que corresponda a um polígono de três lados, (2008). Conforme McCleary e Viotti (2009), muitas pessoas pensam que um conceito corresponde a uma imagem pictórica mental, contudo, esse pensamento está errado, primeiramente, porque Semântica do Português114 um grande número de signos de uma língua denomina coisas que não são fáceis ou diretamente imaginadas pictoricamente. Por exemplo quando falamos ‘ar’, ou ‘amizade’. Quais seriam as imagens pictóricas desses signos? Ou até mesmo de conceitos associados a adjetivos como ‘honesto’, ou ‘seguro’; ou a verbos como ‘precisar’ e preposições como ‘por’, questiona McCleary e Viotti (2009). Alguns teóricos entendem que um conceito é um princípio de categorização, pois quando temos um conceito do tipo ‘pássaro’, esse conceito é que faz com que reconheçamos um pássaro quando estamos diante de um, assim, a partir desse momento, nós sabemos que podemos usar o ‘signo’ pássaro para fazer referência aos pássaros que encontramos, informa McCleary e Viotti (2009). Dessa forma, sabemos as características dos pássaros, que eles são animais, que tem penas e asas, que emitem certos tipos de sons, etc., e são esses aspectos que fazem parte do conceito ‘pássaro’, complementa o autor. McCleary e Viotti (2009) relatam que se tomarmos entendimento dos conceitos de entidades abstratas como ‘amor’, ‘bondade’, ou ‘infância’ ,por exemplo, nem conceitos expressos por verbos ou preposições, pois por menos concretos que esses conceitos possam ser, todo falante de português sabe bem a diferença existente entre eles. IMPORTANTE Uma vantagem de aceitar a ideia de conceitos é que podemos dividir o trabalho dos linguistas com outras áreas como psicólogos ou sociólogos, por exemplo, pois alguns conceitos estão associados a estímulos perceptuais como sol, água, etc., assim como outros conceitos ainda estão ligados a teorias culturais como casamento, aposentadoria, explana Cançado (2008). Semântica do Português 115 Os signos linguísticos são associações convencionais entre uma forma e um conceito. Mas, se pensarmos em toda a construção de interpretamos um enunciado, vamos ver que os conceitos que formam os signos são muito limitados. Esses conceitos são apenas instruções rudimentares para darmos início a um processo de criação de ideias ricas e elaboradas, que vão além da contribuição dada pelos conceitos. Esse conceitualização (MCCLEARY; VIOTTI 2009, p. 10). Cançado (2008) descreve a situação dos conceitos lexicalizados, aqueles que são relacionados a uma única palavra. provavelmente esse conceito nunca será lexicalizado. Contudo, quando nos referimos constantemente a algum elemento, antes de este ser associado a um único item lexical, possivelmente, com o passar do tempo, esse conceito será lexicalizado. EXEMPLO: Este é o aparelho que cozinha comida através de micro-ondas. Você percebe que com a utilização contínua desse aparelho ele passou a ser chamado apenas de micro-ondas, pois inicialmente ele era chamado de forno micro-ondas. Devemos observar também os conceitos adquiridos pelas crianças, pois provavelmente eles diferem dos conceitos sentido em que cachorro (Figura 3) se refere a apenas ao seu animalzinho e não a nenhum outro.Mas pode existir também a criança usa ‘papai’ para qualquer adulto do sexo masculino, lembra Cançado (2008). Semântica do Português116 Figura 3 - Cachorro Fonte: Pixabay Importante destacar que para Cançado (2008) uma Por exemplo, quando possuímos o conceito de ‘menina’ este Dessa forma, pode-se imaginar que essas informações estariam organizadas em um grupo de propriedades, como: X é uma menina se e somente se: X é humano; X é criança; X é fêmea, etc. Assim, podemos entender as propriedades como condições, pois se alguma coisa no mundo possui as propriedades descritas acima para ser uma menina, então essas propriedades serão chamadas de condições necessárias. Como também se pudermos determinar o grupo preciso de propriedades para determinar o Semântica do Português 117 para o conceito de menina. O maior problema para a abordagem desse tipo segundo Cançado (2008) é que devemos assumir que os falantes possuem os mesmos conceitos, necessariamente eles deverão concordar estabelecer esses conceitos. Observe a situação para o nome como girafa. É um animal; Tem quatro patas; Tem manchas; Deveremos pensar: quais dessas propriedades são necessárias? Você concorda que a primeira é necessária não é mesmo? O problema está nas demais, pois se acharmos uma girafa que por um defeito de nascença não possua as quatro patas, ou não possua manchas ou não tenha um pescoço tão longo, deixaria de ser uma girafa (Figura 4)? Figura 4: Girafa Fonte: Pixabay Semântica do Português118 Cançado (2008) explica que exemplos como esses nos levam a seguinte questão: como podemos nos fundamentar nessas condições se não conseguimos determinar quais são as condições aceitas por todos os falantes? Certamente, problemas de conceito que utilize a noção de condições necessárias e Quer se aprofundar neste tema? Recomendamos o acesso à seguinte fonte de consulta e aprofundamento: Artigo: “Condições link https://bit.ly/2EnyT03 (Acesso em: 29/06/2020). SAIBA MAIS Cançado (2008) ainda menciona outro argumento como a base para os conceitos linguísticos, que se refere à ignorância do falante. A autora cita a observação que Putman faz com relação aos falantes que constantemente usam palavras sem saber muita coisa ou quase nada sobre suas propriedades conceituais. Possivelmente, poucos falantes do português sabem que a minhoca é um animal hermafrodita, contudo, saberão interpretar excelentemente a seguinte sentença: A minhoca é uma ótima isca para peixe. Diante disso, Cançado (2008) conclui que parece improvável que uma palavra possua como representação mental por isso, várias outras propostas mais aprimoradas surgiram em oposição a essas primeiras teorias conceituais, como a prototipicidade na qual existe um membro central das categorias e outros periféricos, por exemplo. Semântica do Português 119 RESUMINDO Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido que A abordagem mentalista entende o é que possuímos maneiras de representar mentalmente o que mental que temos do objeto. Viu também que para se explicar a palavras não é visual, mas sim, um elemento mais abstrato sendo através de uma abordagem tradicional seria usando um grupo de que uma palavra possua como representação mental composto por essas condições. Semântica do Português120 Metáforas e Polissemia na Abordagem Mentalista OBJETIVO Neste capítulo iremos contextualizar a abordagem mentalista em metáforas e polissemia, comentando as principais características desses dois processos. Vamos juntos? Metáforas na Abordagem Mentalista de estruturas conceituais de forma convencionais e as categorias mentais das pessoas são constituídas a partir de sua experiência de estruturas conceituais e processos são reconhecidos na literatura, contudo, existe um processo que merece atenção especial: a metáfora. É sobre ela que iremos abordar neste momento. A metáfora tem sido observada, tipicamente, como a maior uso na linguagem literária e poética. Porém, é muito comum mesmo na nossa linguagem do dia a dia, exemplos em que se utiliza a metáfora, destaca Cançado (2008). para explicar que a metáfora é tratada como um tema de linguagem ordinária, estando introduzida no nosso cotidiano, na linguagem, no pensamento e na ação. Os estudos sobre Semântica do Português 121 de um enorme sistema conceptual metafórico que dirige o pensamento e as ações humanas, concluindo assim, que a maior parte da linguagem do dia a dia é metafórica, e apenas uma pequena parte é literal. Dessa forma, os conceitos que conduzem nosso pensamento conduzem nosso cotidiano, das mais simples ações às mais complexas. Esses conceitos estruturam aquilo que percebemos, a maneira como nos comportamos e ou nos relacionamos socialmente, explica Pinto et. al. (2016). “Nosso sistema conceptual ordinário é metafórico por Figura 5 -Discussão Fonte: Pixabay Consoante Abrahão (2018) pelas metáforas demonstramos relações incomuns com a realidade. Um olhar metafórico é aquele que ultrapassa a realidade imediata, envolvendo mesmo outras realidades experimentadas pelos sentidos. Essas metáforas podem ser excelentes pistas para conhecer o modo como o aprendiz dá sentido aos próprios processos mentais e como raciocina sobre a aprendizagem em si. Várias metáforas Semântica do Português122 podem guiar o modo como pensamos sobre nossos processos mentais, como conduzimos nossos processos inferenciais, como facilitamos ou criamos obstáculos para o autoconhecimento e o conhecimento de outros; portanto, afetam nossas operações metacognitivas e o conhecimento metacognitivo que possam gerar. São espécies de ‘teorias sobre a mente’ (PELOSI; FELTES; FARIAS, 2014 p. 90) EXEMPlO: O advogado atacou todos os pontos fracos do processo. Já Abrahão (2018) considera equivocada a perspectiva de a metáfora ser considerada uma comparação, pois uma relação associativa nem sempre possui relação comparativa. não estamos falando que o tempo é igual ao dinheiro, mas sim que o tempo é valioso igual ao dinheiro, existindo assim, uma associação. Figura 6 - Tempo é dinheiro Fonte: Pixabay Semântica do Português 123 As metáforas representam uma maneira de observar a realidade. Assim, acabam sendo difíceis de serem traduzidas pois elas dependem de quem falou, como falou e em quais nos discursos e traduzem formas de percepção que não poderiam ser demonstrados por uma linguagem objetiva, ilustra Abrahão (2018). ele não está determinando uma relação de comparação entre a estrada e casa. Ele está falando que se sente tão bem na estrada como se sente em casa, como também que ele não vive sem a estrada porque ali ele se sente sossegado e ambientado, por exemplo. IMPORTANTE O indivíduo que enfrenta distúrbio da similaridade possui é, realizar ou compreender as metáforas Abrahão (2018). comuns, na tentativa de mostrar a relevância desse fenômeno na linguagem cotidiana. A autora (Cançado) adaptou para o (1980). Vejamos: Feliz é para cima, triste é para baixo. Exemplos: Eu Virtude é para cima, depravação é para baixo. Exemplos: Ela é uma pessoa de alto valor. Ele é um cidadão de baixa categoria. Semântica do Português124 Consciência é para cima, inconsciência é para baixo. Exemplos: Ela voltou à tona. Ele caiu em coma. Saúde é para cima, doença e morte são para baixo. Exemplos: Ele está com a saúde em alta. Sua saúde está declinando. Ter controle é para cima, ser paciente do controle é para baixo. Exemplos: Ele tem controle sobre ela. Sua posição social é inferior. Bom é cima, ruim é para baixo. Exemplos: O trabalho As metáforas são consideradas estruturas conceituais que fazem parte da nossa linguagem ordinária (CANÇADO, 2008). Segundo Pelosi, Feltes e Farias (2014), uma metáfora conceitual é uma construção cognitiva, fundamentada nas experiências socioculturaisvividas, uma maneira de construção de conhecimento no formato de um mapeamento entre domínios de conhecimentos, comumente orientado por relações de semelhança motivadas por propósitos e interesses, por certas situações e suas demandas. O falante pode exprimir suas ideias e sentimentos (Figura 7) através de metáforas conceituais, ou seja, mapeia dois domínios: o domínio-alvo, uma categoria ou conceito mais abstrato que ele procura entender; e o domínio-fonte, as categorias ou conceitos que ele compreende a partir de alguma experiência mais direta, em geral de base sensorial, a qual organiza tal domínio-fonte. Desse modo, o falante relaciona um domínio ao outro através do estabelecimento de alguma relação semelhante possível e a seu alcance, explana Pelosi, Feltes e Farias (2014). Semântica do Português 125 Figura 7 - Expressar ideias e pensamentos Fonte: Pixabay Cançado (2008) descreve que as metáforas tem características e propriedades sistemáticas que podem ser divididas em: convencionalidade, sistematicidade, assimetria e abstração: Vejamos como são cada uma delas segundo a autora: A convencionalidade, de acordo com Cançado (2008) está associada à questão de novidade da metáfora, ou seja, ao quão mais nova é a metáfora; EXEMPLO: O computador usa suas garras para nos prender. A sistematicidade, para Cançado (2008), trata-se do estabelecimento de uma associação não somente entre um conceito e outro, mas entre vários dos conceitos participantes do mesmo campo semântico do alvo e da fonte; EXEMPLO: Esse livro me custou meses de trabalho. A assimetria se refere a natureza direcional de uma metáfora, informa Cançado (2008); Semântica do Português126 EXEMPLO: Nosso voo nasceu. (chegou) Já na abstração existe uma relação com a assimetria em que há uma tendência na língua de uma metáfora típica usar uma fonte mais concreta para descrever um alvo mais abstrato, esclarece Cançado (2008). Polissemia na Abordagem Mentalista Para Cançado (2008) a polissemia acontece quando os possíveis sentidos de uma palavra ambígua possuem alguma relação entre si. Pinto et. al. (2016) descreve a polissemia como um fenômeno que está naturalmente presente em uma língua natural, possua, o contexto pode fazer com que se evite qualquer confusão entre eles. Para este autor a frequência de uso de uma palavra está relacionada com a sua polissemia. Pinto et. al. (2016) cita os estudos de Ullmann (1987) na polissemia, possuindo nesse sentido cinco formas de surgimento, que são: Mudança de aplicação – acontece quando algum tom de sentido de uma palavra se distancia das demais de modo permanente, sendo considerado aquele tom como um sentido diferente dessa mesma palavra; Especialização em um meio social – acontece quando uma palavra recebe um sentido limitado; adquire um sentido metafórico ou metonímico; situação rara de polissemia e acontece quando duas palavras Semântica do Português 127 possuem sons idênticos, mas não possuem uma grande diferença muda de sentido por ação e outra língua. Cançado (2008) descreve que uma maneira de tratar a polissemia sob uma perspectiva da mente é através da polissemia das preposições. A autora cita que para investigar a semântica das preposições espaciais em grande número de línguas tem sido usado o esquema de recipiente. Dessa forma, esses estudos utilizam os esquemas para investigar a típica polissemia das preposições. Cançado (2008) menciona exemplos adaptados para o as relações demonstradas entre a entidade e o recipiente. E é sobre esses pontos que iremos abordar. EXEMPLO: A água no vaso. O rachado no vaso. O rachado na superfície. Você observou na primeira sentença que a água está contida no vaso (Figura 8), contudo na segunda sentença o rachado está no próprio vaso e na terceira o rachado está apenas na superfície, Figura 8 - Vaso Fonte: Pixabay Semântica do Português128 Cançado ainda explica que há dois pontos que devem ser observados relacionados a essa proposta mental para explicar a polissemia das preposições. O primeiro trata-se das várias situações de mundo real que possuem uma descrição de natureza metafórica e estão relacionadas ao esquema subentendido do recipiente. O segundo ponto é que a relação entre os vários sentidos polissêmicos não é aleatória, mas sistemática e natural. Cançado (2008) ilustra ainda outros casos que podem ser observados com a preposição sobre, como por exemplo: EXEMPLO: O avião está voando sobre a cidade. Sam andou sobre a montanha. As nuvens estão sobre a cidade. Para esclarecer a relação da preposição ‘sobre’, Cançado pois ela tem vários sentidos relacionados, podendo ser destacado três: O primeiro está associado a estar em cima e através de algo; O segundo está associado a estar em cima de algo; O terceiro está associado a estar cobrindo algo. Cançado (2008) informa que os autores utilizam o termo ‘categoria radial’ para as estruturas produzidas pela expansão desses sentidos estruturados como uma categoria radial com expansões de um protótipo central. Semântica do Português 129 Aprendeu mesmo tudo? Neste capítulo você deve ter entendido que a metáfora merece uma atenção especial e ela tem sido observada como a maneira mais importante de linguagem olhar metafórico é aquele que ultrapassa a realidade imediata, envolvendo mesmo outras realidades experimentadas pelos sentidos. A ideia trivial é a de que a metáfora é uma comparação para outro, contudo uma relação associativa nem sempre possui relação comparativa. Você conheceu também algumas metáforas comuns relevantes na linguagem cotidiana e as características e que a polissemia é quando os possíveis sentidos de uma palavra ambígua possuem alguma relação entre si, como podem surgir e a polissemia das preposições. RESUMINDO Semântica do Português130 Conceitos e representações da Abordagem Pragmática OBJETIVO Neste capítulo iremos conceituar a Abordagem Pragmática apresentando pontos essenciais para a compreensão e demonstrando algumas das suas representações. Abordagem Pragmática Conforme Ibaños e Silveira (2002) a pragmática aparece como um campo preparado para estudar o que a semântica considera problemático: a utilização da linguagem natural e suas imperfeições lógicas. A pragmática visa estudar os princípios que conduzem o uso comunicativo da língua principalmente como encontrado nas conversas e a conceder um tratamento complementar à semântica quanto aos fenômenos linguísticos afetados pelo contexto, que essa não consegue explicar de forma clara. Para Cançado (2008), a pragmática estuda a maneira pela qual a gramática, de forma integral, pode ser utilizada em situações comunicativas concretas, sendo a área da linguística que descreve a linguagem. Uma abordagem pragmática deve nos deixar associar as classes de pronunciamentos com os contextos nos quais eles se dão e estabelecer, em primeiro lugar, as generalizações baseadas na experiência que podem explicar o comportamento verbal dos falantes de uma língua, destaca Dutra (2008). Semântica do Português 131 IMPORTANTE Sem o conhecimento da pragmática não entenderíamos o que o falante queria dizer se não compreendêssemos também qual era a intenção dele ao falar aquela expressão para determinada pessoa em determinado contexto, explica Cançado (2008). Para Lopes (2018), conquanto a vinculação da linguagem ao uso seja um denominador comum a todos os que se assentam na esfera de investigação da Pragmática Linguística, não existe, de fato, uma conformidade plena ao nível da delimitação teórica anglo-americano no qual o domínio da pragmática limita-se ao perspectiva, a pragmática é um elemento ou um módulo de uma teoria da linguagem, a par de outros como a fonologia, a morfologia, a sintaxe e a semântica. Trata-se de uma concepção que limita de forma relativamente coerente e sistemática o âmbito de pesquisa. Estamos, assim, diante de uma delimitação de áreasde pesquisa no âmbito de interpretação de enunciados linguísticos que impulsiona elementos extralinguísticos, nomeadamente o contexto situacional, os conhecimentos e intenções dos participantes, bem como a sua capacidade de realizar inferências, informa Lopes (2018). Cançado (2008) descreve que a pragmática estuda os usos situados na língua e trata de determinados tipos de efeitos Semântica do Português132 intencionais, sendo seu objeto de estudo (Figura 9) o uso das palavras e das sentenças inseridas em determinado contexto. Figura 9 - Objeto de estudo Fonte: Adaptado de Cançado (2008). Um ponto importante a ser destacado é o conceito de falante ou usuário de uma língua, esclarece Ibaños e Silveira (2002). De acordo com Ferrari (2011, p. 16), “as relações do pragmática, o qual, na visão formalista, é externo ao domínio da mais amplo é determinado pela gramática no estudo da semântica e no estudo da pragmática é determinado pelo seu uso. Semântica do Português 133 Para compreendermos melhor a relação que existe entre a semântica e a pragmática e suas diferenças, Oliveira et. al. (2012), analisa a seguinte situação: A Maria é a empregada de Joana e as duas sabem que a roupa está estendida no varal. De repente, Joana fala: Tá chovendo. A Maria depressa sai correndo para tirar a roupa do varal e fala: Já tô indo tirar a roupa do varal (Figura 10). Figura 10 - Roupas do varal Fonte: Pixabay Observe que as atitudes de Maria, inclusive o ato linguístico (sua fala), não respondem ou não possuem relacionamento direto à expressão que Joana falou, mas decorrem dela. Se notarmos está chovendo e nada mais. Ela não solicita de forma explícita para que Maria recolha a roupa do varal, mas é possível que se deduza que foi isso que Joana quis falar se contextualizarmos a fala de Joana. Ou seja, se notarmos para outros elementos oferecidos e que integram o ato linguístico: Joana e Maria sabem que a roupa está no varal, que Marai é a empregada (sendo ela quem deve cuidar dos afazeres da casa), que chuva molha, que o Semântica do Português134 que a Joana disse é verdade (pois Joana não está brincando), etc. Para Oliveira et. al. (2012) todas as informações que podem ser retiradas estabelecem o fundo conversacional no qual a fala de Maria é realizada, e esse fundo permite um raciocínio inferencial, como: dada a situação, se Joana falou que está chovendo é porque ela quer que a roupa seja recolhida do varal. Assim, tanto a resposta quanto as atitudes de Maria demonstram que ela entendeu o pedido indireto de Joana. do que foi falado na situação, mas ele não é propriamente semântico, porque ele depende de um cálculo inferencial o qual faz parte da esfera da pragmática, elucida Oliveira et. al. (2012). informações sobre a situação em que a sentença é pronunciada Figura 11- Separação entre semântica e pragmátic Fonte: Adaptado de Pinto et. al. (2012). Semântica do Português 135 É importante compreender que se trata de intenção comunicativa, isto é, o falante quer que o ouvinte entenda sua intenção ao pronunciar uma dada sentença, menciona Oliveira et. al. (2012). Consoante Cançado (2008) as inferências conversacionais são realizadas a partir do contexto. O ouvinte participa de forma ativa na construção do sentido daquilo que escuta, preenchendo lacunas que o falante deixa em seu discurso. Vejamos o seguinte exemplo: EXEMPLO: Eu vi sua prima esta tarde. A bonita nem falou comigo. A primeira expressão faz referência a sua prima e a segunda a bonita, assim podemos entender que a bonita tem o mesmo referente que a sua prima. Neste tipo de inferência, o anteriormente citado na sentença. Cançado (2008) cita outros exemplos, como no caso de interpretação anafórica entre várias sentenças, na qual isso só pode estar se referindo a todos os acontecimentos falados anteriormente. Observe: EXEMPLO: O trem chegou tarde, o hotel estava lotado, os restaurantes não tinham lugar vazio. Acho que isso verdadeiramente decepcionou Alice em sua viagem. Ibaños e Silveira (2002) entendem que as implicaturas são proposições que integram o enunciado de uma sentença em um determinado contexto, ainda que tal proposição não pertença àquilo propriamente dito. Implicaturas são inferências pragmáticas as quais são baseadas no conteúdo daquilo que é falado em suposições e cálculos sendo um recurso teórico para um tratamento complementar da semântica. Semântica do Português136 Observe outra situação citada por Cançado (2008): EXEMPLO: Você deu o dinheiro para Maria? Eu estou esperando-a chegar. Informação não dada na segunda expressão que pode ser inferida pela primeira: A segunda não deu o dinheiro. Neste tipo de inferência, por saber que o ouvinte vai preencher as lacunas deixadas pela sua informação, o falante se sente livre para simplesmente sugerir a ideia, em vez de dizê-la Trata-se da implicatura conversacional, informa Cançado (2008). Podemos perceber na prática quando nos deparamos com situações cotidianas em que contribuímos, mesmo que inconscientemente com o uso da língua, na direção na conversa em que estamos inseridos. Segundo Cançado (2008), a implicatura conversacional é um conhecimento precisamente pragmático que depende somente do conhecimento extralinguístico que o falante e o ouvinte possuem sobre um determinado contexto. Cançado (2008) cita os estudos de Grice que trata extensamente sobre as implicaturas conversacionais propondo a existência de um princípio cooperativo dominando as implicaturas conversacionais, um tipo de entendimento tácito entre os falantes que estabelece uma cooperação na comunicação entre as pessoas. Esse princípio é aplicado em situações de conversação sempre serão cooperativos no sentido de que a sua contribuição para aquela conversação seja adequada aos objetivos da mesma. Este princípio pode ser entendido como um princípio de economia ou de menor esforço do ato comunicativo, sendo Cançado (2008) como: Semântica do Português 137 Máxima de qualidade – tente fazer da sua contribuição uma verdade, isto é, não diga o que você acredita que seja falso, ou não diga nada de que você não tenha evidências adequadas. Máxima de quantidade – faça a sua contribuição tão informativa quanto necessário para o objetivo da comunicação, nem mais nem menos informativa. Máxima de relevância – faça que suas contribuições sejam relevantes. ambiguidades, evite obscuridades, seja breve e ordenado. Cançado (2008) esclarece que essas máximas podem ser compreendidas como: o falante falará a verdade, tentará fazer uma estimativa do que o ouvinte sabe e tentará falar algo de acordo com o conhecimento do ouvinte; o falante possui alguma ideia do assunto abordado e entende que o seu ouvinte possui capacidade de entendê-lo. Alguns desses parâmetros poderão não ser respeitados às vezes, e o falante poderá ter consciência disso ou não, contudo, eles são um tipo de guia de orientação que servirá como base para a comunicação, menciona Cançado (2008). Vejamos através de um exemplo como essas máximas estão presentes: EXEMPLO: Você vai viajar? De fato, eu gosto de abacaxi. Nesta situação se não respeitassem a máxima da relevância os diálogos seriam uma sucessão de falas desconexas, relata Cançado (2008). Semântica do Português138 Vejamos a seguinte sentença citada por Cançado (2008) 1. Você vai à festa hoje à noite? 2. Puxa! Estou com uma gripe de matar. Implicatura: 2 Não vai à festa. Observando as sentenças podemos notar que 1 acredita que que a informação de 2 é relevante para a resposta de sua pergunta e pode inferir que a resposta é não irá para a festa (Figura 12). Se o falante não acreditar que na relevância de II, ele não terá como associar as duas sentenças em um diálogo coerente, destaca Cançado (2008). Figura 12- Não irá para a festa Fonte: Pixabay Cançado (2008) ainda lista algumas características típicas das implicaturas conversacionais que sefazem necessárias conhecer, são elas: Dependem de assumirmos que existe um princípio cooperativo e suas máximas; Semântica do Português 139 convencional da sentença; Um proferimento pode ter mais de uma implicatura; EXEMPLO: Esqueci minha caneta lá em cima! Eu pego para você. Puxa! Que pena! Observe que o segundo falante pode ter interpretado que o primeiro fez um pedido e o terceiro pode ter interpretado que o primeiro fez apenas uma constatação. A compreensão de uma implicatura dependerá das suposições sobre o mundo que o falante e o ouvinte têm em comum; As implicaturas sempre têm uma natureza cancelável, isto é, se adicionarmos outras informações, poderemos cancelar a implicatura, sem que sejamos contraditórios. EXEMPLO: Você vai a festa hoje á noite? Puxa! Estou com uma gripe de matar. Então você não vai? Não! Eu vou assim mesmo. Assim, com a informação adicional, cancelamos a implicatura inicial de que o falante não iria à festa. Semântica do Português140 RESUMINDO Neste capítulo você deve ter compreendido que a pragmática concede um tratamento complementar à semântica quanto aos fenômenos linguísticos afetados pelo contexto pois estuda os usos situados na língua e trata de determinados tipos de efeitos intencionais assim como tem como seu objeto de estudo o uso das palavras e das sentenças inseridas em determinados contextos. Viu Entendeu que implicaturas são inferências pragmáticas baseadas no conteúdo daquilo que é falado em suposições e cálculos e que a implicatura conversacional é um conhecimento pragmático que depende somente do conhecimento extralinguístico que o falante e o ouvinte possuem sobre um determinado contexto as implicaturas conversacionais, as suas máximas e algumas características típicas das implicaturas conversacionais. Semântica do Português 141 Teorias dos atos da fala no estudo da semântica de Língua Portuguesa OBJETIVO Neste capítulo iremos situar a Teoria dos atos de fala no estudo da semântica da Língua Portuguesa demonstrando sua importância e os pontos fundamentais para o seu entendimento. Teorias dos atos de fala Dentre as teorias pragmáticas da linguagem, a que mais alcançou sucesso de acordo com Carvalho (2018) foi a Teoria posteriormente, continuada e desenvolvida por John R. Searle. Costa (2012) descreve que Austin (1970), em seu trabalho, aponta para os limites de uma abordagem que considere que as frases constituídas em uma língua qualquer sejam formas de representação da realidade e que possam ser analisadas simplesmente como verdadeiras ou falsas. Ele revela que um grande número de frases constituídas habitualmente pelos falantes não faz representações do mundo, mas são formas pelas quais os falantes desempenham determinadas ações. Searle (1984) num momento posterior aperfeiçoou o tratamento dos atos de fala, principalmente pela discussão das consequências que a produção de certos tipos de sentença provoca. Para Carvalho (2018) a diferença fundamental da Teoria dos Atos da Fala para outras ciências da linguagem é que para aquela o ato de fala é considerado o núcleo da linguagem. Toda comunicação linguística abrange atos linguísticos. Deste modo, a unidade da comunicação linguística não é, como se pressupõe, Semântica do Português142 o símbolo, palavra ou frase, ou mesmo o pronunciamento do símbolo, da palavra ou da sentença, mas, sim, a produção ou enunciação do símbolo, palavra ou frase por meio do desempenho do ato de fala. IMPORTANTE das expressões linguísticas, precisamos observar para o quê elas estão servindo, em um determinado contexto, destaca McCleary e Viotti (2009). A Teoria dos Atos de Fala avalia como a linguagem é empregada pelos falantes em seus atos comunicativos. Nem toda decisão, por certo, precisa de atos de fala, mas todo ato de fala (Figura 13) decorre de uma decisão. Se desejarmos pedir, descrever, expressar, declarar ou prometer alguma coisa, precisaremos nos comunicar com outros indivíduos para isso, esclarece Carvalho (2018). Figura 13- Fala Fonte: Adaptado de Carvalho (2018). Semântica do Português 143 Silva, Martins e Alencar (2014) explicam que a Teoria dos Atos da Fala presume que a linguagem não seja compreendida na sua dimensão puramente representacional, devendo ela ter seu foco sob o aspecto (inter)acional. Diante disso, surge a divisão entre enunciado constativo e enunciado performativo. O enunciado constativo é entendido por Austin como os enunciados cuja função é simplesmente manifestar uma constatação ou descrever um estado de coisas; EXEMPLO: O cachorro está sobre a cama. O enunciado performativo é compreendido pelo autor como os enunciados que, ao serem ditos, executam uma ação. EXEMPLO: Prometo amar-te por toda a minha vida. A diferença mais considerável entre os dois é, segundo a explicação austiniana, que os constativos podem ser verdadeiros ou falsos, ou seja, como no exemplo o cachorro pode ou não estar sobre a cama (Figura 14); já os performativos (usados na indicativo da voz ativa) podem ser felizes ou infelizes, isto é, ter ou não sucesso na sua execução, pois como no exemplo Figura 14- Cachorro sobre a cama Figura 14- Cachorro sobre a cama Semântica do Português144 Para Cançado (2008), apesar de a maioria das sentenças performativas acontecerem na 1ª pessoa do presente simples, singular ou plural, existem algumas exceções, com verbos acontecendo na 3ª pessoa do presente simples. EXEMPLO: As crianças estão autorizadas a brincar no jardim hoje. Cançado (2008) lembra que ainda que os proferimentos performativos não possam ser analisados pelo seu valor de verdade, isto é, se são verdadeiros ou falsos eles podem ser analisados pela sua adequação ao contexto. As condições de felicidade de um pronunciamento performativo são as condições que o contexto deve satisfazer para que a utilização de uma determinada sentença possa ser feliz, ou seja, possa ser adequado. determinada sentença possa ser feliz, ou seja, possa ser adequado. Trask (2004, p. 42) descreve da seguinte forma as condições de felicidade: Na maior parte dos casos, não faz sentido perguntar se um enunciado que constitui um ato de fala é verdadeiro ou falso. Enunciados como Arrume seu quarto; Você me emprestaria uma caneta; Prometo comprar um ursinho de pelúcia para você; e eu vos nomeio cavaleiro, dom Eurico não têm valor de verdade, mas podem ser mais ou menos adequados às circunstâncias ou, como também se diz, podem ser mais ou menos felizes. Um enunciado como arrume seu quarto! É um enunciado infeliz se a pessoa não tiver autoridade sobre a outra, e um enunciado como Eu vos declaro marido mulher não surte efeito a menos que tenham sido preenchidas uma série de Semântica do Português 145 condições. Assim como se diz que os enunciados podem ser mais ou menos felizes, as condições exigidas para que um ato de fala tenha sucesso são frequentemente chamadas condições de verdade. É o atendimento das condições de felicidade que faz com que o falante seja ou não bem-sucedido ao efetuar ações com a linguagem, expõe Costa (2012). Dessa forma, podemos perceber que a análise dos atos de fala deve levar em consideração tanto as formas linguísticas utilizadas quanto um conjunto de condições adicionais, isto é, a realização dos atos de fala leva em consideração, por um lado, a escolha de determinadas formas linguísticas e, por outro, as condições pragmáticas do seu uso, explana Costa (2012). SAIBA MAIS Aprofunde-se nesse tema lendo o artigo “A teoria dos atos de https:// bit.ly/2Eo9mE2 (Aceso em 25/06/2020). Cançado (2008) explica que Austin propõe que o ato comunicativo pode se apresentar em vários níveis (Figura 15), sendo os mais relevantes: o ato locutivo, o ato ilocutivo e o ato perlocutivo (às vezes também chamados de locutório, ilocutório e perlocutório). Semântica do Português146 Figura 15 - Níveis Fonte: Adaptado de Cançado (2008). De acordo com esseexemplo, o ato locutivo é o pronunciamento da sentença ‘vou desligar o videogame’. Contudo, posso ter pronunciado a sentença com a intenção de ameaçar: esse é o ato ilocutivo. Diferentemente dos dois atos é o ato perlocutivo: o comportamento seguinte que pretendo que dever, demonstra Cançado (2008). Vejamos cada um desses níveis separadamente. Ato locutivo Segundo Costa (2012), a constatação de que o falante produz um ato locucionário é o primeiro estágio da observação dos atos de fala, pois trata-se do reconhecimento de que ele Semântica do Português 147 emprega uma sequência de palavras que compõem frases bem- estruturadas na língua usada. “O ato locutivo resume-se no ato de proferir uma sentença (CANÇADO, 2008, p. 127). No ato locutório, o falar está sustentado simplesmente em um sentido e em um referente estruturado de acordo com a gramática da língua, informa Silva, Martins e Alencar (2014). Com o reconhecimento desse primeiro nível para a observação dos atos de fala, Austin e Searle colocam em destaque que a primeira condição para que um enunciado possa ser constatado como um ato de fala é o fato de ser constituído de acordo com as convenções de uma língua natural em todos os seus níveis: fonologia, sintaxe, semântica. Antes de se conceder ao enunciado produzido por um falante uma intenção e de analisar suas consequências, é necessário reconhecer que ele é formado por frases que podem ser compreendidas na língua utilizada pelos interlocutores, explicita Costa (2012). Ato ilocutivo No contexto social e institucional, para que as decisões provoquem efeito prático, é condição necessária que sejam expressadas através de atos ilocucionários. O ato ilocucionário é a unidade mínima da comunicação humana, descreve Carvalho (2018) Para Cançado (2008) o ato ilocutivo é a intenção do pronunciamento do falante, isto é, as ações que fazemos quando falamos (Figura 16): ordenamos, perguntamos, avisamos, etc. Semântica do Português148 Figura 16 - Falamos Figura 16 - Falamos Fonte: Pixabay Conforme Costa (2012), esses atos correspondem às ações que os falantes procuram realizar quando estabelecem os enunciados realizando ações como pedir, cumprimentar, prometer, exigir, desculpar-se, censurar, etc. EXEMPLO: Por favor, traga-me meu casaco. – Pedido Não coma agora, espere a hora do jantar. – Ordem Boa noite! – Cumprimento Se você se comportar vai ganhar um bombom. – Promessa Cuidado, você pode se cortar com essa faca. – Advertência Costa (2012) explica que para que ato ilocucionário seja bem-sucedido é fundamental que cumpra às condições de felicidade. Assim, Costa (2012) sintetizou alguns exemplos de condições de felicidades a partir de esquemas apresentados por Semântica do Português 149 Searle que estão associadas aos atos ilocucionário. Vejamos alguns deles: Ato de pedir – trata-se de uma tentativa do falante para conseguir que o ouvinte efetue a ação solicitada. É um tipo de ação a ser efetuada no futuro pelo ouvinte e possui duas condições: a primeira condição é a sinceridade do pedido pois o falante quer que o ouvinte realize a ação solicitada e a segunda é que o falante acredite que o ouvinte esteja em condição de realizar a ação solicitada e que este verdadeiramente possa fazê- lo, informa Costa (2012). EXEMPLO: Dê-me um pedaço de bolo, por favor. Ato de perguntar – versa sobre a tentativa de alcançar a informação. Existem dois tipos de perguntas, as reais na qual o falante que saber a resposta; e as de exame em que o falante quer saber se o ouvinte sabe. Uma primeira condição para que o ato de perguntar seja bem-sucedido (no caso da pergunta real) é que o falante seja sincero, que queira realmente conseguir a informação. Outra condição é que o falante não saiba a resposta, esclarece Costa (2012). EXEMPLO: Você poderia me informar quantos funcionários trabalham no setor de compras? Ato de aconselhar – aconselhar não é um tipo de pedido como se supõe, como também não é tentar conseguir que a pessoa faça algo de forma semelhante ao pedido, mas sim dizer a alguém o que é melhor para ele. Uma condição para que o conselho seja bem-sucedido é que o falante possua alguma condição é que o falante admite que o ato sobre o qual se dá o aconselhamento é de grande interesse para o ouvinte, relata Costa (2012). Semântica do Português150 EXEMPLO: Para ter um sono melhor, você pode fazer uma oração antes de dormir. Ato de agradecer – trata-se de uma expressão de gratidão ou apreciação e diz respeito a um ato passado realizado pelo ouvinte. Esse ato traz benefícios para o falante e este sabe disso. Uma condição para que o agradecimento seja bem-sucedido é a sinceridade do falante, que este seja efetivamente grato ao ouvinte pelo ato, descreve Costa (2012). EXEMPLO: Obrigado por ter me ajudado com as compras hoje. Ato de avisar – não é essencialmente uma tentativa de fazer com que alguém atue de maneira a evitar o evento ou estado, mas sim que esteja preparado para as consequências que virão. É como aconselhar e remete a um evento ou estado futuro. Uma condição para que o aviso seja bem-sucedido é que interesse. Outra condição é a sinceridade do falante, que acredita que o evento sobre o qual incide o aviso não é do interesse do ouvinte, menciona Costa (2012). Esses são alguns dos atos ilocucionários que Searle (1984) dos componentes essenciais das condições de felicidade é a sinceridade do falante, pois toda a análise dos atos ilocucionários possui a sinceridade como um dos seus pilares. Porém faz-se necessário lembrar que as diferenças culturais podem levar à formulação de categorias bem diferentes associadas aos atos ilocucionários, lembra Costa (2012). Ato perlocutivo Segundo Cançado (2008) o ato perlocutivo são os efeitos adquiridos pelo ato ilocutivo, ou seja, o resultado que alcançamos com nosso ato de fala: assustamos, convencemos, desagradamos, etc. Semântica do Português 151 No ato perlocutório o falar produz um determinado efeito para quem se conduz esse ato de linguagem (a persuasão, por exemplo) de acordo com Silva, Martins e Alencar (2014). Austin (1970) e Searle (1984) não deram muito destaque aos estudos dos atos perlocutivo como nos outros níveis dos atos. Austin distinguiu inicialmente três aspectos de um ato de fala: o ato locucionário (ou ato de dizer alguma coisa), o ato ilocucionário (aquilo que você está tentando fazer, com sua fala) e o ato perlocucionário (o efeito daquilo que você diz). ilocucionário e um efeito de um ato de fala é sua força ilocucionária (TRASK, 2004, p. 42). Esta conclusão feita por Trask demonstra como os estudos recentes de pragmática integram o fundamental da teoria dos atos de fala, sem oferecer a mesma importância a algumas distinções RESUMINDO Neste capítulo você deve ter compreendido que a Teoria dos atos de fala teve como seu criador Austin, sendo posteriormente aprimorada por Searle e que essa teoria revela que um grande número de frases constituídas são formas pelas quais os falantes desempenham determinadas ações e a unidade da comunicação linguística abrange a enunciação do símbolo, palavra ou frase por meio do desempenho do ato de fala. Viu também que existe o enunciado constativo cuja função é apenas manifestar uma constatação e o performativo que são enunciados, que ao comunicativo pode ser apresentar nos níveis locutivo, ilocutivo e perlocutório e as principais características de cada um desses níveis.
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