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SOLUÇÃO DE CONFLITOS JURÍDICOS Eduardo Zaffari U N I D A D E 4 Mediação: princípios, tipos e áreas de atuação Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Analisar os princípios aplicáveis à mediação, bem como as suas áreas de atuação. Explicar os diversos tipos de mediação. Esquematizar as atitudes do mediador. Introdução Os princípios norteadores da mediação estão prescritos no Código de Processo Civil (CPC) de 2015 e na Lei de Mediação (Lei nº. 13.140, de 26 de junho de 2015), além de estarem implícitos em outros princípios do ordenamento jurídico, como boa-fé e paridade. Como elementos estruturantes, os princípios da mediação devem ser observados e aplicados na mediação judicial e extrajudicial, independentemente da área mediada. A mediação é única, consistindo em importante meio de resolução de conflitos. Entretanto, ante a variedade e a complexidade de assuntos que podem ser mediados, desenvolveram-se diferentes tipos de mediação, que poderão ser adotados conforme o assunto tratado ou a prática e a experiência do mediador. O mediador deverá se aperfeiçoar nas diferentes técnicas de me- diação, habilitando-se para se tornar um facilitador, para que as partes construam a melhor solução para o conflito mediado. Com sensibilidade lalves Retângulo lalves Retângulo e flexibilidade, deverá adotar atitudes que restabeleçam a comunicação, o que permitirá a criação de um ambiente propício à composição. Neste capítulo, você vai aprender os princípios, as áreas de atuação e os diferentes tipos de mediação. Você vai também verificar as atitudes necessárias do mediador. Princípios aplicáveis na mediação e as suas áreas de atuação Os princípios norteadores da mediação, mais do que apenas diretrizes orientadoras do instituto, importam no reconhecimento da dignidade da pessoa humana, conforme cláusula constante no art. 1º, III, da Constituição Federal de 1988. Trata-se de exteriorização da participação democrática do cidadão nas decisões que afetarão a sua vida. Nesse sentido, buscam-se princípios nos dispositivos legais de forma ex- pressa, tanto aqueles que tratam do processo quanto os que tratam dos meios de resolução de conflito. Observe que princípios expressos não excluem ou- tros decorrentes da Constituição Federal e do processo civil que possam ser implicitamente deduzidos. No plano normativo, encontram-se os princípios da mediação no CPC de 2015, no art. 166: independência; imparcialidade; autonomia da vontade; confidencialidade; oralidade; informalidade; decisão informada. Igualmente consta, no art. 2º da Lei nº. 13.140/2015, a qual trata especifi- camente da mediação, que esse meio de resolução deverá observar, obrigato- riamente, os seguintes princípios: imparcialidade do mediador; isonomia entre as partes; oralidade; informalidade; Mediação: princípios, tipos e áreas de atuação2 autonomia da vontade das partes; busca do consenso; confidencialidade; boa-fé. Com poucas distinções entre ambos, examinemos os principais no plano normativo (BRASIL, 2015a). Ao dispor a autonomia de vontade como princípio, está-se valorizando a liberdade como valor da dignidade da pessoa humana. Torna-se a parte envolvida no conflito protagonista e responsável pelas consequências do conflito e sua resolução. Confia-se na capacidade do indivíduo de escolher e valoriza-se seu senso de justiça, que deverá levar as partes a optar, de forma voluntariosa, pelo caminho de resolução consensual ao momento de crise. Sendo os envolvidos os protagonistas, deverão estes optar livremente pela mediação, mantendo-se livre a sua vontade para participar, escolher o caminho e manter-se na mediação desde o início do procedimento até seu fim. Em qualquer momento durante o procedimento, poderão as partes interromper o procedimento caso sintam-se constrangidas. Ligado à autonomia de vontade, o princípio da decisão informada, segundo Tartuce (2018, p. 206), é o princípio que “[...] impõe o esclarecimento, por parte dos mediadores, sobre os direitos de aceitar participar da via consensual e de seguir participando das sessões”. Embora refira que esse princípio consiste em um esclarecimento quanto ao direito de participar da mediação, o autor reconhece a necessidade de que os participantes tenham dados suficientes para a construção da solução do litígio. Apenas se pode reconhecer uma vontade livre e autônoma de qualquer participante se houver a compreensão pelas partes sobre os direitos e deveres da mediação, sobre os direitos e deveres da discussão na mediação e as conse- quências de eventual solução que as partes se comprometam em composição. O mediador não deve agir como advogado ou consultor das partes, sob pena de comprometer a necessária imparcialidade, mas deverá se certificar de que as partes estão devidamente informadas, sob pena de comprometimento da liberdade consensual necessária. 3Mediação: princípios, tipos e áreas de atuação A Lei nº. 13.130, de 2 de março de 2015, prescreve expressamente o direito de a parte desistir da mediação a qualquer momento: Art. 2º A mediação será orientada pelos seguintes princípios: [...] § 2º Ninguém será obrigado a permanecer em procedimento de me- diação (BRASIL, 2015b, documento on-line). Os meios usuais de resolução de conflitos pelo Poder Judiciário podem ser, em alguns momentos, opressivos e confrontadores. Isso porque o processo judicial tem uma série de ritos, expressões e usos que podem ser, para o leigo, intimidadores. Os meios alternativos de solução de conflitos devem ser acolhedores, razão pela qual há expressa previsão legal do princípio da informalidade. Isso significa que a mediação deverá permitir a tranquilidade, a descontração e que as partes se sintam participantes do procedimento e da construção da solução. A informalidade não exime, entretanto, o mediador de esclarecer as partes sobre algumas regras a serem observadas no procedimento. Sem impedir que as partes imponham o clima que desejam ao procedimento, regras mínimas como respeito mútuo, ouvir o outro, confidencialidade, dentre outras, permitirão o procedimento. A flexibilidade do procedimento, fruto da informalidade, auxiliará para que os litigantes consigam estabelecer a comuni- cação e construir a melhor solução para sua controvérsia. Para Spengler (2017, p. 149), “[...] nesse sentido, nada obsta que os envolvidos busquem soluções alternativas, desde que suas escolhas não firam a moral e os bons costumes”. Os mediadores deverão atuar com imparcialidade e independência, ou seja, sem qualquer espécie de pressão, influência ou subordinação, seja em relação às partes, seja em relação ao Poder Judiciário. O princípio da inde- pendência determina que, sempre que um mediador se sentir constrangido, verificar que não há condições de desenvolvimento do procedimento, ou constatar que o acordo que as partes pretendem é ilegal ou impossível de ser cumprido por qualquer dos participantes, deverá recusar-se de participar, conforme estabelece o Código de Ética de Mediadores e Conciliadores, da Resolução CNJ nº. 125, de 29 de novembro de 2010. Mediação: princípios, tipos e áreas de atuação4 O princípio da imparcialidade prescreve que o mediador não deverá posi- cionar-se em favor de qualquer dos envolvidos, velando os mesmos motivos de suspeição e impedimento que valem para os juízes de direito, além de qualquer outro motivo que possa, mesmo não revelado, influenciar que o mediador prestigie qualquer das partes da mediação. Quanto maior o reconhecimento da imparcialidade do mediador pelas partes, maior credibilidade este gozará para conduzir as partes à construção de uma solução para o litígio. Por esse motivo, o mediador deverá revelar, antes do início do procedimento, qualquer situação que embarace sua participação. Trata-se de um dever de revelação. Observe, contudo, que as adoções de técnicas de negociaçãonão importam em comprometimento da imparcialidade do mediador. Para o reestabelecimento da comunicação, o princípio da oralidade é essencial. Nas sessões, as partes terão a oportunidade de verbalizar, passar suas impressões, construir reflexões, escutar outras perspectivas e responder e formular questionamentos. É o momento de participação que permitirá a construção da solução mais adequada à crise discutida. Recordando que o processo oral não exclui a utilização da escrita para a formalização do acordo. Spengler (2017) afirma que a oralidade advém dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, Lei nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995. O processo do trabalho, já há muito tempo, valoriza a oralidade na colheita da prova e nos demais atos processuais, embora a Lei nº. 9.099/1995 a tenha expressamente prescrito no art. 62. Dois pontos que suscitam algumas dúvidas quanto à oralidade são: 1. se o mediador deverá ler para as partes o processo ou peças escritas do litígio, ou deverá permitir que as partes construam oralmente a controvérsia de que vão tratar; 2. se deverá o mediador transcrever o que as partes disserem durante a sessão de mediação. 5Mediação: princípios, tipos e áreas de atuação Responder a esses questionamentos positivamente depende das ca- racterísticas de negociação de cada mediador, ou seja, da maneira que se sinta o mediador mais à vontade na sessão e, por fundamental, que tais transcrições e leituras não tornem o procedimento formal e engessado. É importante que a solução a ser adotada para o conflito seja transcrita na medida em que os envolvidos permitam, de forma clara e objetiva. Embora não haja exigência legal de que o acordo seja escrito, essa forma permite um senso de responsabilidade maior e uma melhor organização psíquica dos termos do acordo. O princípio da busca de consenso se relaciona com a necessidade de cooperação entre as partes e a não competitividade. Segundo Tartuce (2018, p. 219): [...] verifica-se uma situação cooperativa quando um participante do processo, ligado de forma positiva a outro, comporta-se de maneira a aumentar suas chances de alcançar o objetivo, aumentando com isso também a chance de que o outro o faça. O mediador e todos os envolvidos no procedimento deverão atuar de forma contributiva para que se possa reestabelecer a comunicação e o diálogo, com um ambiente propício ao consenso. Observe que, mesmo que não cheguem ao consenso quanto à solução, poderão as partes criar um ambiente de comunicação que lhes oportunize, em outro momento, uma composição. Nesse sentido, ganha enfoque a boa-fé, que deverá pautar os sentimentos das partes, que deverão atuar com honestidade, lealdade e justiça em relação a todos os envolvidos, sejam estes a parte adversa, os advogados, os mediadores ou terceiros. Os envolvidos poderão ter diferenças quanto a aspectos sobre o bem da vida discutido, mas isso não lhes permite que possam agir de forma desleal ou desonesta em relação ao outro. O ordenamento jurídico brasileiro ressalta, a todo o momento, a necessidade de que as partes guardem a boa-fé tanto na formação quanto na execução dos negócios jurídicos, conforme prescreve o art. 422 do Código Civil (BRASIL, 2002, documento on-line): “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. Observe que, pela natureza jurídica contratual da mediação, o art. 840 do Código Civil prescreve ainda que “É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas”, o que deverá observar sempre a boa-fé contratual. Mediação: princípios, tipos e áreas de atuação6 O Código Civil traz inúmeros exemplos em que a boa-fé vem prescrita como um pressuposto das relações civis, como nos arts. 128, 164, 167, 187, 242, 286, 307 e 309, entre inúmeros outros. A confidencialidade vem determinada no §1º do art. 166 do CPC, para que as partes possam se sentir à vontade para agir com transparência, com- partilhando informações e dados que possam auxiliar na solução do problema. Absolutamente tudo o que for tratado na sessão de mediação será confidencial, mesmo que qualquer das partes admita fato controverso do litígio. Por esse motivo, apenas serão transcritos os fatos, as propostas e os encaminhamentos que todos os envolvidos concordem que sejam escritos. Igualmente, não poderá ser revelado oralmente o que for tratado entre as partes durante a mediação. Assim, a Lei determina que “[...] a confidencialidade se estende a todas as informações produzidas no curso do procedimento, cujo teor não poderá ser utilizado para fim diverso daquele previsto por expressa deliberação das partes” (BRASIL, 2015b, documento on-line). As informações obtidas no processo de mediação não poderão ser usadas em qualquer processo judicial ou arbitral, e o mediador, assim como os membros de suas equipes, não poderão divulgar ou depor acerca de fatos ou elementos oriundos da conciliação ou da mediação. Por fim, as partes deverão ter igual oportunidade durante o procedimento, resguardando-se a isonomia. O mediador deverá observar que as partes te- nham igual tempo para exposição de suas razões, mesmo número de sessões individuais, mesmas oportunidades de exposição e mesmos instrumentos negociais. A inobservância dessa igualdade, mesmo que não proposital, poderá dar a impressão ao supostamente prejudicado de que estaria sendo preterido, quebrando a necessária confiança e cooperação. Os princípios orientadores serão aplicados na mediação judicial e na mediação extrajudicial, independentemente do tema que versará a mediação. Isso porque eles auxiliarão no reestabelecimento da comunicação, no respeito mútuo e na preservação das partes, facilitando na construção de uma solução aceita por todos e que pacifique o litígio. Evidentemente, um mediador extrajudicial, de confiança das partes, poderá desconhecer alguns desses princípios, o que não o exime de os observar. O importante é, na medida do possível ao mediador extrajudicial, que tenha ciência e treinamento adequados, aplicando-os no processo de mediação. 7Mediação: princípios, tipos e áreas de atuação A mediação poderia se aplicar, se bem conduzida, a qualquer espécie de conflito. Porém, considerando-se que se torna mais eficaz e adequada quando existem laços anteriores, cuja compreensão de reestabelecimento acaba por conduzir as partes à responsabilização pelo conflito e sua resolução, algumas áreas têm tido preferência como meio de resolução. Os conflitos familiares, os conflitos decorrentes de litígios sobre bens e direitos (Direito das Coisas) — como os direitos de vizinhos e sobre bens —, as divergências contratuais, as divergências associativas (de clubes e escolares) e as decorrentes de direitos sucessórios (heranças), têm sido as áreas em que há o melhor aproveitamento desse meio de solução de conflitos. Isso porque as partes se sentem responsáveis pelos outros e, em razão da ruptura momen- tânea da comunicação, surge o litígio. Nesse sentido, a mediação surge como o meio mais adequado de aproximação e comunicação entre os conflitantes. Os diversos tipos de mediação A mediação surge na necessidade de tratar um confl ito decorrente da busca pelo indivíduo de suprir uma necessidade, seja esta uma necessidade social, de segurança, de autoestima, de autorrealização ou até mesmo uma necessi- dade fi siológica básica. Da contraposição de sentimentos e interesses entre os indivíduos para a satisfação dessas necessidades, surge a necessidade de tratamento adequado do confl ito. As diferentes concepções sobre o conflito e as suas complexidades obrigam que o seu tratamento seja realizado de forma interdisciplinar, utilizando-se da psicologia, da filosofia, da matemática, da sociologia, da antropologia e de diversas outras ciências que possam, cada uma à sua maneira, reestabelecer a comunicação e permitir que os conflitantes busquem o consenso. Não há dúvidade que a mediação é única, consistindo em um meio de resolução adequado do conflito que, pela complexidade e variedade dos problemas envolvidos, se desdobrará em diversas formas de enfoque e escolas de abordagem. Ressalta-se que as formas de abordagem do conflito não são excludentes, tampouco significam serem umas melhores do que as outras. Dada a trans- Mediação: princípios, tipos e áreas de atuação8 disciplinaridade da mediação, os diferentes tipos serão aplicáveis conforme a sua adequação ao caso e a capacidade técnica e emocional dos envolvidos (partes, mediadores, auxiliares). Bacellar (2016, p. 108) classifica quatro diferentes tipos de mediação, embora não considere a última propriamente mediação, como adiante se explanará: Mediação da Escola de Harvard. Essa modalidade de mediação é considerada a mediação clássica e desenvolve-se em fases bem defi nidas e estruturadas, ba- seadas em princípios que buscam desvelar interesses acobertados por posições. Usa as técnicas negociais desenvolvidas pela Escola de Harvard, buscando a solução por meio de ganhos mútuos. Mediação circular-narrativa. Conhecida também como modelo Sara Cobb. Deve-se buscar uma visão sistêmica, com foco não apenas nas pessoas en- volvidas, mas também em suas historicidades e relações sociais pertinentes, pois o confl ito não se dá de forma isolada, relacionando-se com outros fatores nem sempre identifi cáveis de imediato. Mediação transformativa. Conhecida como modelo de Bush e Folger, essa forma de mediação busca transformar a atitude adversarial dos envolvidos em uma postura colaborativa, confi ando na capacidade das partes de identifi car os interesses envolvidos e de decidir pelo reestabelecimento do vínculo para, a partir de então, encontrar uma solução que atenda aos interesses de todos os envolvidos. Mediação avaliadora. Essa modalidade se diferencia das demais porque o mediador, depois de cumpridas todas as etapas da mediação e recolhidas todas as propostas de solução criadas pelos envolvidos, emite a sua opinião de solução de confl ito como forma de viabilizar o acordo. Como se antecipou, Bacellar não considera a última dessas formas como uma efetiva mediação, pois o mediador e a mediação são facilitadores para que as partes construam as soluções que considerem mais adequadas e optem por solucionar o conflito numa dessas formas encontradas (BACELLAR, 2016). Nas três primeiras formas de mediação, o mediador não intervém no mérito do conflito e não participa escolhendo ou sugerindo um caminho. Na mediação avaliadora, o mediador, além de facilitar o processo de mediação durante o procedimento, recolhe as propostas de solução sugeridas pelas partes e emite a sua opinião, interferindo no mérito. 9Mediação: princípios, tipos e áreas de atuação A Escola de Harvard desenvolveu as mais conhecidas técnicas negociais utilizadas mundialmente, fundamentando-se na negociação distributiva, em que há a criação de valor a partir do conflito, com a possibilidade de ganhos mútuos. Trata-se da busca por uma negociação ganha-ganha. A mediação poderá ser ainda judicial ou extrajudicial. Indicada aos con- flitantes que tenham um vínculo anterior, cuja identificação dos interesses facilitará a criação de soluções para a resolução do conflito, a mediação é prescrita no CPC, entre suas normas fundamentais e em seção própria. Sua previsão no art. 3º, § 3º, permite que esse meio de solução se irradie para todo o sistema processual. Embora o marco da mediação se encontre na Lei 13.140/2015, a introdução desse meio de solução de conflito no CPC reforça a sua importância e explicita que um dos meios disponíveis aos operadores do Direito para a solução do litígio está dentro do processo. Na mediação judicial, o encaminhamento para um dos Centros de Concilia- ção e Mediação criados pelo Poder Judiciário, no âmbito dos diversos Estados da Federação, se dará durante o processo judicial, a qualquer tempo, ou antes mesmo do início da instrução processual, em sua fase inicial. Ao receber as manifestações iniciais das partes (inicial, contestação), o juiz poderá mandá-las imediatamente à mediação, considerando ser esta a melhor alternativa para o reestabelecimento da comunicação. Note-se que as partes poderão mediar todo o conflito ou apenas parcialmente. Mesmo quando não solucionado o conflito na mediação, a mera submissão ao procedimento poderá servir para o reestabelecimento do vínculo, para que as partes possam solucionar o processo judicial mais adiante. A Resolução CNJ nº. 125/2010 introduziu no Brasil a Política Judiciária de Tratamento Adequado de Conflitos, aplicando-se seus preceitos indistintamente à mediação judicial ou extrajudicial Mediação: princípios, tipos e áreas de atuação10 Mas o conflito poderá ser tratado extrajudicialmente também, usando-se os mesmos princípios, métodos, etapas (fases) ou modelos usados no Poder Judiciário. Em alguns países da África inclusive, a mediação extrajudicial com líderes comunitários é a prática, como em Angola. Os conflitantes poderão consensualmente optar por tratar o conflito pela intermediação de um terceiro imparcial na mediação quando surgido o litígio, ou poderão estabelecer contratualmente que eventual conflito decorrente em um contrato seja tratado na mediação, como possibilita o art. 22 da Lei da Mediação. Existindo interesse em prever contratualmente a mediação extrajudicial, as partes contratantes deverão estabelecer os seguintes requisitos: prazo mínimo e máximo para a realização da primeira reunião de mediação, contado a partir da data de recebimento do convite; local da primeira reunião de mediação; critérios de escolha do mediador ou equipe de mediação; penalidade em caso de não comparecimento da parte convidada à pri- meira reunião de mediação. Caso não queiram os contratantes estabelecer esses requisitos considerados mínimos, poderão indicar o regulamento publicado por instituição idônea prestadora de serviços de mediação, no qual constem critérios claros para a escolha do mediador e a realização da primeira reunião de mediação. Atitudes do mediador Inicialmente, é importante lembrar que o mediador deverá ser qualifi cado, como prescrevem os arts. 9º e 11 da Lei de Mediação, de acordo com o fato de atuarem ou não em juízo. A Resolução CNJ nº. 125/2010 aponta as prescrições éticas a serem observadas pelo mediador. Para atuar como mediador judicial, a pessoa deverá ser capaz, ser gra- duada há pelo menos dois anos em curso de ensino superior de instituição reconhecida pelo Ministério da Educação e ter obtido capacitação em escola ou instituição de formação de mediadores, reconhecida pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) ou pelos tribu- nais. Por outro lado, o mediador extrajudicial deverá ser qualquer pessoa capaz, que tenha a confiança das partes e seja capacitada para fazer mediação, independentemente de integrar qualquer tipo de conselho, entidade de classe ou associação, ou nele inscrever-se. 11Mediação: princípios, tipos e áreas de atuação Embora parte da doutrina tenha criticado a menor exigência de requisitos para o mediador extrajudicial, tal fato se justifica como forma de habilitar qualquer pessoa que goze da confiança dos mediandos a servir de elo entre os litigantes. O legislador, nesse aspecto, teve a sensibilidade de compreender que alguém de confiança, mesmo sem a qualificação do mediador judicial, é muito mais eficaz para a aproximação das partes, justamente por ser de confiança destas. Segundo Didier Junior. (2015, p. 276): O mediador exerce um papel um tanto diverso. Cabe a ele servir como veículo de comunicação entre os interessados, um facilitador do diálogo entre eles, auxiliando-os a compreender as questões e interesses em conflito, de modo que eles possam identificar, por si mesmos, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos. Na técnica da mediação, o mediador não propõe soluções aos interessados.Ela é por isso mais indicada nos casos em que exista uma relação anterior é permanente entre os interessados, como nos casos de con- flitos societários e familiares. A mediação será exitosa quando os envolvidos conseguirem construir a solução negociada do conflito. Por essa razão, o mediador deverá observar uma flexibilização procedi- mental, ou seja, embora a mediação tenha uma série de atos que podem ser seguidos pelo mediador, este não está obrigado a segui-los e, com o tempo, desenvolverá as suas próprias técnicas. Igualmente tem a prerrogativa de efetuar sessões individuais com as partes, ou parte, caso ache conveniente. O mediador também deverá adotar um tom informal, o que não dispensa uma técnica e, eventualmente, um roteiro a ser seguido. Segundo Spengler (2017, p. 31), o mediador deverá exercer as seguintes funções e atitudes: Ajudar as partes conflitantes a identificar e a confrontar as questões do conflito — a presença desse terceiro, que será neutro e equidistante, permitirá que as partes se acalmem e ponham de lado as ansiedades para que possam confrontar-se com questões que não conseguiriam num ambiente não controlado. A presença do mediador também reduz eventuais assimetrias entre as partes, permitindo uma equivalência suficiente para a busca por uma solução. Ajudar a promover circunstâncias e condições favoráveis para se con- frontarem as questões — o mediador possibilitará a criação de um espaço e uma atmosfera propícios para que as partes possam encontrar um espaço neutro, sem que as rupturas imediatas forcem qualquer das partes a pactuar, ou que estas se sintam tensas em razão do encontro com o outro conflitante. As partes serão recebidas em um ambiente Mediação: princípios, tipos e áreas de atuação12 acolhedor e equivalente, com espaços de tempo simétricos e sem qual- quer espécie de pressão. Ajudar a remover os bloqueios e as distorções no processo comunicativo para que possa se desenvolver uma comunicação mútua — o mediador deverá estimular que os conflitantes, tanto o mais articulado quanto o menos articulado, consigam expressar completamente suas opiniões, viabilizando que a comunicação seja compreendida por ambos de igual forma. O mediador poderá, inclusive, treinar os conflitantes a se comu- nicarem de forma mais clara e efetiva, para que possam se expressar melhor e viabilizar a comunicação rompida. Ajudar a estabelecer normas para a interação racional, como o respeito mútuo, a comunicação aberta, o uso de persuasão em vez de coerção e o desejo de atingir um acordo mutuamente satisfatório — em ambientes de conflito, é comum que algumas partes tentem atingir a outra com agressões verbais ou em seus pontos sensíveis, impedindo a formação da comunicação. Nesse sentido, o mediador poderá viabilizar que as partes observem regras justas no procedimento e que atentem ao respeito mútuo e à justa argumentação, para que uma parte não se sobressaia à outra. Ajudar a determinar que tipos de soluções são viáveis — o mediador deverá auxiliar na identificação de soluções pelas partes, tendo abso- luto cuidado para jamais sugerir as possibilidades de solução para o conflito. Um mediador cuidadoso criará um ambiente e auxiliará na criação e identificação de alternativas de solução, sem que essa criação e identificação parta de si. Colaborar para que um acordo viável seja aceito pelas partes em con- flito — o mediador deverá ser um facilitador para que apenas acordos viáveis sejam celebrados, pois as partes não se sentirão responsáveis e comprometidas caso realizem acordos inexequíveis ou prejudiciais aos interesses de um dos conflitantes. Ajudar a tornar as negociações e o acordo celebrado prestigiosos e atraentes para os públicos interessados — sendo o mediador um terceiro, neutro em relação às partes, deverá ter uma atitude que espelhe e esti- mule os envolvidos a negociar e a celebrar um acordo de ganhos mútuos. A mediação poderá ser estruturada em estágios pelo mediador. O primeiro estágio consiste na orientação das partes e organização do espaço de reuniões. Neste, deve o mediador ouvir o problema e fazer perguntas para que se possa organizar o conflito a ser solvido. A sala e o mobiliário devem ser propícios, e as partes têm que sentir que o que disserem não sairá da sala. O segundo 13Mediação: princípios, tipos e áreas de atuação estágio consiste na reunião aberta, na qual as partes são esclarecidas sobre a mediação, em que há as primeiras declarações e a finalização da reunião, partindo-se para reuniões particulares, se for o caso. Segundo a Lei de Mediação, art. 19, “No desempenho de sua função, o mediador poderá reunir-se com as partes, em conjunto ou separadamente, bem como solicitar das partes as informações que entender necessárias para facilitar o entendimento entre aquelas” (BRASIL, 2015a, documento on-line). No terceiro estágio, o mediador fará reuniões particulares com as partes, nas quais conhecerá os interesses de cada um, a visão sobre os fatos importantes, suas expectativas, etc. No quarto estágio, efetuam-se as reuniões conjuntas e particulares, nas quais as partes discutirão as formas de solucionar o con- flito e as soluções para os impasses que surgem. No quinto estágio, ocorre o encerramento da mediação com a redação do termo de acordo, caso tenha sido positiva a mediação. 1. O princípio da confidencialidade deve ser observado pelo mediador judicial e extrajudicial e significa que: a) não se deve escrever o acordo realizado, para que ninguém tenha conhecimento. b) uma parte não poderá ouvir o que a outra afirma na sessão de mediação. c) as partes, os mediadores e os auxiliares deverão guardar sigilo sobre tudo o que se tratar na mediação. d) não se deve conversar sobre o mérito da controvérsia, mas apenas sobre o ponto que levou ao desentendimento. e) serão escritos os termos do que for tratado, queiram as partes ou não, pois a confidencialidade não se aplica às partes. 2. O mediador deverá ser um terceiro imparcial. Isso importa que: a) o mediador não deverá, em momento algum, se manifestar na mediação, deixando que apenas as partes falem. Mediação: princípios, tipos e áreas de atuação14 b) o ato de o mediador sentar-se entre as partes já é suficiente para que seja imparcial. c) o mediador poderá se manifestar, mas cuidando para que não beneficie qualquer dos conflitantes. d) o mediador não poderá ser tendencioso para o autor do conflito, pois este está em vantagem. e) o mediador não poderá ser tendencioso para a vítima do conflito, pois esta está em vantagem. 3. A mediação é única, mas há diferentes abordagens. Então, é correto afirmar que: a) os diferentes tipos de mediação são excludentes entre si. b) as diferentes abordagens de mediação poderão ser usadas simultaneamente. c) tais abordagens significam que o mediador dará uma sugestão de solução ao conflito. d) tais abordagens não dependem do conflito a ser mediado, tampouco da experiência do mediador. e) são abordagens erradas, pois apenas a mediação clássica deve ser utilizada. 4. Os requisitos entre os mediadores judiciais e extrajudiciais diferem porque: a) o mediador judicial é mais importante que o mediador extrajudicial. b) não há estrutura para treinar todos os mediadores. c) se quer desestimular a mediação extrajudicial. d) não há diferenças de requisitos. e) sendo o mediador extrajudicial alguém escolhido pelas partes, ele não precisa ter a formação formal de mediador. 5. O mediador deverá facilitar a identificação da questão do conflito porque: a) tal ação permite descobrir quem teve a culpa. b) permite que as partes processem a outra quando cientes do real problema. c) possibilita que as partes compreendam que apenas interessam seus próprios interesses. d) permite ao mediador comunicar ao juiz o que realmente está em jogo, para que o Judiciário possa decidir o processo. e) a identificação da questãopermite que os conflitantes compreendam que o litígio tem causas subjacentes não identificadas, procurando-se superar essas causas por meio de um acordo. 15Mediação: princípios, tipos e áreas de atuação BACELLAR, R. P. Mediação e arbitragem. São Paulo: Saraiva, 2016. BRASIL. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 2 jul. 2018. BRASIL. Lei nº. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17 mar. 2015b. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 2 jul. 2018. BRASIL. Lei nº. 13.140, de 26 de junho de 2015. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 29 jun. 2015a. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13140.htm>. Acesso em: 2 jul. 2018. DIDIER JUNIOR., F. Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento 17. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 1. SPENGLER, F. M. Mediação de conflitos: da teoria à prática. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2017. TARTUCE, F. Mediação nos conflitos civis. Rio de Janeiro: Forense, 2018. Leituras recomendadas BRASIL. Lei nº. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Diário Oficial [da] República Federa- tiva do Brasil, Brasília, DF, 27 set. 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Leis/L9099.htm>. Acesso em: 2 jul. 2018. BRASIL. Resolução CNJ nº. 125, de 29 de novembro de 2010. Dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências. Disponível em: <http://www.cnj.jus. br/busca-atos-adm?documento=2579>. Acesso em: 2 jul. 2018. MARASCHIN, M. U. (Coord.). Manual de negociação baseado na teoria de Harvard. Brasília: EAGU, 2017. http://planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm http://planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm http://www.planalto.gov.br/ http://www.planalto.gov.br/ http://www.cnj.jus/ Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
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