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- -1 PROCESSOS MOLECULARES E GENÉTICOS UNIDADE 4 - GENÉTICA DE POPULAÇÕES Autoria: Symara Rodrigues Antunes - Revisão técnica: Carlos Jorge Rocha Oliveira - -2 Introdução Na qualidade de população humana, somos desafiados diariamente: um microrganismo novo que surge ou até mesmo um novo desafio imposto pelo envelhecimento de nossas células e tecidos. Com isso, há características que necessitam de uma ação em conjunto entre o genótipo e o meio ambiente. Vamos pensar, por exemplo, no câncer. Há pessoas que possuem alta probabilidade de desenvolvimento de câncer, mas não poderemos garantir que a pessoa irá, de fato, desenvolver, pois há mais fatores que influenciam nesse processo. Esse é o ponto inicial que precisamos entender para estudarmos as chamadas heranças complexas. Mas, de alguma maneira, todas as heranças são seriam complexas de certa forma? Ou como podemos dosar, e se podemos dosar, a influência de cada um (genótipo e meio ambiente) no desenvolvimento da característica? Essas respostas são o que buscaremos nesta unidade. Avançando, ainda, temos os estudos da genética de população, que nos mostram como avaliar corretamente uma população. Entenderemos o conceito de endogamia e coancestralidade, além de conhecermos o equilíbrio de Hardy-Weinberg. Bons estudos! 4.1 Herança multifatorial Quando Mendel estudou os padrões de heranças de caracteres das ervilhas, ele determinou que somente os genes teriam influência sobre a sua expressão pela célula. Com o avançar dos estudos, descobrimos que o fenótipo (conjunto de características apresentadas ao meio ambiente pelo indivíduo) pode ser influenciado pelo ambiente. De fato, podemos conceituar que o fenótipo é exatamente o resultado da interação do genótipo (conjunto de genes do indivíduo) com o meio ambiente. Mendel utilizou esses conceitos, mesmo que ainda não tivessem sido cunhados e entendidos na sua época, e formulou as chamadas Leis de Mendel, as quais, resumidamente, dizem que um caractere é designado por um gene e os alelos desses genes possuem segregação independente nos gametas. Contudo, existem algumas doenças ou características que fogem desse conceito mendeliano de herança. São as chamadas heranças multifatoriais ou heranças complexas. O conceito seria de que, nesses casos, existiriam vários fatores (genéticos ou ambientais) que interagem para formar um fenótipo. Se nos concentrarmos em pensar nesse conceito, podemos afirmar que praticamente todas as condições médicas possuem esse tipo de herança, uma vez que chega a ser impossível não conseguir identificar uma influência genética e um fator ambiental que não se combinem para gerar um padrão multifatorial (SCHAEFER, 2015). Figura 1 - Representação de como ocorre a influência de vários genes e processos para a formação de uma determinada condição multifatorial Fonte: Adaptada de Schaefer e Thompson (2015, p. 222). - -3 Fonte: Adaptada de Schaefer e Thompson (2015, p. 222). #PraCegoVer: a figura apresenta um diagrama com três linhas que remetem todas a uma condição X. Cada linha apresenta quatro etapas que interagem entre si e que resultam em uma condição X de herança multifatorial. Encontramos, ainda, uma outra característica: doenças de herança multifatorial se apresentam mais complexas, com dificuldade de definição de sua etiologia, isto é, de se saber qual a sua origem. Portanto, podemos entender que, de forma simplista, uma doença de herança multifatorial é aquela impossível de se indicar um único agente causador. Sob essa análise, podemos citar a diabetes, os vários tipos de cânceres, a longevidade e o envelhecimento. Tabela 1 - Exemplos de algumas malformações congênitas comuns com herança multifatorial Fonte: Elaborada pela autora, baseada em GRIFFITHS, 2013, p. 141. #PraCegoVer: tabela com alguns exemplos de doenças congênitas multifatoriais e suas incidências aproximadas na população, não organizada por taxa de incidência. Essas características podem ser quantificadas. Por exemplo, se você tiver uma turma de estudantes de uma determinada série, poderá executar uma medição da altura de cada indivíduo e plotar em um gráfico. Cada indivíduo, com seu fenótipo, vai se tornar um número. Você também observará que o gráfico organizado - -4 indivíduo, com seu fenótipo, vai se tornar um número. Você também observará que o gráfico organizado apresenta uma grande variação. Apesar de todos serem da mesma espécie, há uma grande variação nas alturas apresentadas. Não há, portanto, classes bem distintas, e sim uma variação contínua do fenótipo, indicando que há uma gradação na expressão dos genes que regulam o fenótipo altura. Podemos chamar essas características de , que são influenciadas pelo envolvimento de uma ampla gama de fatorescaracterísticas quantitativas genéticos e ambientais. Contudo, nem toda herança se apresenta dessa maneira, podendo se manifestar em categorias distintas. Quando Mendel estudou o padrão de rugosidade das ervilhas, por exemplo, não havia um padrão intermediário entre o liso e o enrugado. Nesse tipo de padrão de herança, há uma mudança abrupta entre as distintas categorias, tal qual ocorre nos tipos sanguíneos ABO em humanos. Por muitos anos, houve uma discussão de qual dos dois padrões de herança seria o correto a ser aplicado aos seres humanos. Hoje, sabemos que ambas as teorias descrevem corretamente os padrões de herança para diferentes características, incluindo várias doenças humanas. Existem características que seguem o padrão de característica quantitativa e existem outras que se apresentam com o padrão de herança de classes distintas (ou padrão mendeliano) (ALBERTS, 2017). 4.1.1 Padrões complexos de herança Então, como estabelecer que uma determinada característica (ou doença) apresenta um padrão de herança multifatorial? Os estudos de diferentes características e doenças de herança complexa permitiram estabelecer alguns padrões que são aceitáveis para se considerar uma característica ou doença como multifatorial. Confira! 1 Pode haver ocorrência da doença em crianças filhas de pais não afetados. É possível ainda, encontrar vários casos em uma mesma família (agregação familiar), mas não observamos um padrão de distribuição mendeliana de herança clara. 2 O risco de ocorrência da doença pode aumentar ou diminuir dependendo das influências ambientais. 3 Pode haver diferenças de frequência entre os gêneros, mas sem características de limitação ao sexo. Além disso, parentes de primeiro grau de indivíduos pertencentes ao gênero mais raramente afetado têm maior risco de sofrer a doença. 4 As taxas de concordância em gêmeos monozigóticos e dizigóticos contradizem as proporções mendelianas. Uma VOCÊ O CONHECE? Wilhelm Ludvig Johannsen (1857-1927) foi um botânico dinamarquês que demonstrou, pela primeira vez, que a variação de uma característica quantitativa se apresenta influenciada por diversos fatores ambientais e genotípicos. Trabalhou com sementes de feijão, analisando especificamente o peso delas. Criou, a partir de suas análises, linhagens puras, permitindo a criação de linhagens de feijão que mantinham certa similaridade do peso de suas sementes. Johanssen observou, ainda, que, mesmo nessas linhagens puras, havia variações influenciadas por diversos fatores. - -5 As taxas de concordância em gêmeos monozigóticos e dizigóticos contradizem as proporções mendelianas. Uma taxa de concordância é uma medida da taxa em que os dois gêmeos têm uma doença específica. 5 Há ocorrência da doença com mais frequência em um grupo étnico específico (ou seja, caucasianos, africanos, asiáticos, hispânicos etc.). A partir dos conceitos expostos até aqui, podemos questionar: as heranças multifatoriais possuem padrão de herança contínua ou descontínua? Essa resposta não é única. Existem aquelas que, apesar de sofrerem influências de inúmeros fatores, ainda assim apresentam um padrão de herança descontínua, com classes bem definidas; e existem aquelas que apresentam a variabilidade de apresentação de fenótipos ou padrão descontínuo (SNUSTAD,2017). Vamos considerar um exemplo de padrão de herança complexa (ou multifatorial) de padrão de herança descontínua: doença cardíaca. Muitos indivíduos irão apresentar problemas cardíacos em torno da sexta década de vida. Entretanto, fatores como peso, nível de sedentarismo, tipo de alimentação, taxas de colesterol e tabagismo exercem grande influência. O padrão é entre duas classes distintas: ter ou não ter a doença cardíaca. Os cientistas, ao analisarem esse tipo de doença, constataram, então, que é preciso o indivíduo chegar a uma espécie de limiar de suscetibilidade, sendo, portanto, tal característica chamada de .características de limiar 4.1.2 Endogamia e coancestralidade Quando Mendel trabalhou com as ervilhas, ele ora permitia que ocorresse fecundação cruzada, ora permitia que houvesse a autofecundação. Essa autofecundação pode, ainda, ser denominada . Para espécies nãoendogamia hermafroditas, podemos definir endogamia como a capacidade dos indivíduos de se reproduzir dentro de um mesmo grupo, ou seja, não estão se reproduzindo aleatoriamente. Tais restrições de possibilidades de casamentos (ou acasalamentos quando entre animais não humanos) faz com que haja, cada vez menos, variabilidade genética entre essa comunidade. CASO Durante muitos anos, acreditou-se que a diabetes era uma simples questão de conta metabólica desfavorável: comia-se muito, exercitava-se pouco. Entretanto, os avanços das pesquisas dessa condição de saúde que acomete milhões de pessoas no mundo demonstraram que a diabetes é algo bem mais complexa. Desde 2013, a obesidade é tratada como doença pela American Medical Association e, posteriormente, a própria Organização Mundial de Saúde reconheceu como agravo de saúde crônico, que necessita de acompanhamento e de tratamento do paciente durante muitos anos, além de tratamentos e manejos específicos. A obesidade é classificada, atualmente, como uma doença multifatorial (ou complexa), em que temos fatores genéticos, metabólicos, sociais, ambientais e psicológicos que interagem entre si. Dessa forma, não podemos limitar a etiologia da doença a somente aquela máxima de “comeu demais”. VOCÊ QUER LER? Os distúrbios e as características de herança multifatorial complexa são sempre um assunto - -6 As regras sociais humanas de endogamia exigem que os casamentos sejam restritos a grupos sociais, faixas ou relacionamentos específicos. As práticas endogâmicas ajudam a destacar a identidade e a singularidade da comunidade em oposição aos grupos vizinhos com os quais o casamento é desencorajado. Elas são frequentemente aplicadas em todo o nível da sociedade e ajudam a determinar os limites do grupo. Às vezes, são aplicadas a subcomponentes em uma sociedade maior, em geral para reforçar sua capacidade de manter acesso restrito à propriedade, poder e status. Três tipos de divisões intrassociedade foram amplamente observadas: endogamia de castas, endogamia de aldeias e endogamia de linhagem. Veja a seguir: • Endogamia de castas Castas são classes sociais hereditárias que se distinguem entre si por atividade econômica e ocupacional, posição política e status ritual. Homens e mulheres uniformemente são obrigados a se casar dentro de suas castas de nascimento para manter a “pureza” das linhas hereditárias e incluir alianças e trocas afins dentro dos limites do grupo. O modelo padrão de casta é retirado da sociedade tradicional das Índias Orientais, onde a participação em grupos de hereditariedade determina estritamente a ocupação e a pureza ritual. Outros exemplos incluem a Europa medieval e o apartheid na África do Sul. • Endogamia da aldeia A distância física tem um efeito óbvio do leque de possíveis parceiros no casamento e podemos esperar que as pessoas se casem com a “garota da porta ao lado” devido à facilidade e à frequência do contato pessoal. No entanto, algumas sociedades reforçam essa tendência e ajudam a transformar fronteiras geográficas em sociais menos permeáveis, exigindo ou incentivando o casamento em uma aldeia ou outra unidade territorial. Os Yanomami da Amazônia praticam um sistema endógamo marcado, formando assentamentos compostos por linhagens localizadas emparelhadas, que são obrigadas a trocar mulheres de acordo com uma regra bilateral de casamento entre primos cruzados. Um padrão menos rígido de endogamia é evidente nas aldeias turcas, que se aproximam da “comunidade corporativa fechada”; um tipo social aplicado às sociedades camponesas. • Endogamia de linhagem Embora estruturas de descendência unilinear muitas vezes envolvam a especificação de linhagens como unidades exogâmicas, existem alguns casos marcados de casamentos preferenciais entre companheiros da mesma linhagem. Normalmente, isso é organizado por meio da prática do casamento entre primos paralelos, em geral entre os filhos de dois irmãos, que são membros conjuntos da linhagem patronal de seus pais. Essa prática, quase sempre, está associada à necessidade de manter a propriedade dentro de uma linhagem e evitar a dissipação com trocas afins ou herança feminina. A endogamia de linhagem acontece, com mais frequência, em comunidades pastorais, nas quais a continuidade dos rebanhos domésticos representa uma preocupação primária. Também é encontrada como um padrão de cultura comum nas sociedades do Oriente Médio. As altas taxas de endogamia são comuns nas sociedades humanas, não apenas entre as raças em um território Os distúrbios e as características de herança multifatorial complexa são sempre um assunto que merece um pouco mais de leitura. Como são muitas variáveis que precisam ser associadas, que tal expandir um pouco mais o conhecimento? Leia o texto Herança multifatorial (complexa) , disponível em: https://www.msdmanuals.com/pt/profissional/t%C3%B3picos-especiais /princ%C3%ADpios-gerais-da-gen%C3%A9tica-m%C3%A9dica/heran%C3%A7a- .multifatorial-complexa • • • https://www.msdmanuals.com/pt/profissional/t%C3%B3picos-especiais/princ%C3%ADpios-gerais-da-gen%C3%A9tica-m%C3%A9dica/heran%C3%A7a-multifatorial-complexa https://www.msdmanuals.com/pt/profissional/t%C3%B3picos-especiais/princ%C3%ADpios-gerais-da-gen%C3%A9tica-m%C3%A9dica/heran%C3%A7a-multifatorial-complexa https://www.msdmanuals.com/pt/profissional/t%C3%B3picos-especiais/princ%C3%ADpios-gerais-da-gen%C3%A9tica-m%C3%A9dica/heran%C3%A7a-multifatorial-complexa - -7 As altas taxas de endogamia são comuns nas sociedades humanas, não apenas entre as raças em um território geográfico, mas também quando olhamos entre grupos étnicos-raciais; populações geograficamente unidas que acabam por ter frequências genotípicas similares entre si. Populações pequenas possuem frequências alélicas sujeitas a mudanças de erros de amostragem. Tal variação é conhecida como deriva genética aleatória, ou seja, os efeitos da reprodução aleatória são cumulativos e podem interferir nessas populações, podendo gerar mutações na prole (WATSON, 2015). Vamos analisar comunidades humanas cuja cultura sejam os casamentos consanguíneos. Um exemplo bem claro são as comunidades de castas na Índia. Indivíduos de uma determinada casta só poderão se casar com indivíduos da mesma casta. Para os estratos mais elevados da pirâmide, isso traz problemas sérios, pois acaba que as possibilidades de casamentos se restringem somente a indivíduos que possuem algum parentesco. E o grande problema disso é o surgimento, dentro dessa população, de altas taxas de fenótipos recessivos que podem ser deletérios. Além disso, pode-se selecionar e fortalecer a presença de graves doenças nessas comunidades. O casamento entre parentes próximos é praticado globalmente desde o início da sociedade humana. O papel da consanguinidade que afeta a saúde humana é um tópico de grande interesse na genética médica. 4.2 Genética de populações Vamos fazer uma viagem no tempo e imaginar nossos ancestrais há vários milhares de anos. Essas populações humanas primitivas caçavam animais selvagens e colhiam vegetais comestíveis selvagens. Algum tempo depois, houve o desenvolvimento da agricultura e pecuária.Os fazendeiros ancestrais obtinham as sementes selvagens para cultivá-las e, com isso, retiravam uma amostra do conjunto gênico selvagem. Nessa amostragem, havia apenas um subconjunto de variação genética encontrada na planta selvagem. Assim, as plantas cultivadas e os animais domesticados tinham menos variações genéticas do que seus progenitores selvagens. Dessa forma, selecionou-se um novo conjunto gênico isolado. - -8 Figura 2 - Conjunto gênico Fonte: GRIFFITHS, 2013, p. 557. #PraCegoVer: a figura mostra um conjunto de rãs com seus variados alelos espalhados na população, demonstrando que o conjunto gênico é o somatório de alelos de uma população. Prosseguindo em nossos estudos, precisamos entender o que vem a ser uma população. Uma população é composta por membros da mesma espécie que vivem e interagem simultaneamente na mesma área. Quando indivíduos em uma população se reproduzem, eles transmitem seus genes para seus filhos. Muitos desses genes são polimórficos, o que significa que ocorrem em múltiplas variantes. Tais variações de um gene são conhecidas como alelos. O conjunto coletivo de todos os alelos dentro de uma população é conhecido como pool genético. E, quando isolamos, lá atrás, ao selecionarmos animais e plantas para domesticá-los e fazer parte de nossas plantações, retiramos alelos de um pool genético e criamos um novo, mais restrito e com regras de evolução próprias (GRIFFITHS, 2013). - -9 Embora alguns alelos de um determinado gene possam ser observados com frequência, outras variantes podem ser encontradas com uma frequência muito menor. Os pools de genes não são estáticos. A frequência e a ocorrência de alelos em um pool genético podem mudar com o tempo. Por exemplo, as frequências dos alelos mudam devido a mutações aleatórias, seleção natural e migração. A genética populacional examina a variação genética dentro e entre populações, e as mudanças nas frequências alélicas através das gerações. Os geneticistas da população usam modelos matemáticos para investigar e prever frequências de alelos nas populações. Os conjuntos de genes das populações naturais podem variar significativamente. Um objetivo da genética populacional é determinar a variação genética entre diferentes populações da mesma espécie. O estudo de tais variações tem implicações na saúde, na domesticação, no manejo e na conservação das espécies. Por exemplo, o aumento da urbanização fragmenta gradualmente as paisagens naturais e leva à perda de habitat, à divisão e ao isolamento das populações naturais. Comparar a composição genética de diferentes populações pode fornecer informações sobre o fluxo gênico e é importante para manter as populações da vida selvagem. Compreender o pool genético de espécies ameaçadas de extinção é crucial para conservar a biodiversidade no ecossistema global. A genética populacional também pode ser usada para investigar a variação genética dentro de e entre populações humanas. As diferenças nas frequências alélicas estão subjacentes à variação na ocorrência de certas doenças hereditárias, como a doença de Tay-Sachs, na população judaica ashkenazi, ou a beta-talassemia, nas populações mediterrâneas. A genética populacional também é usada para entender a base genética de outras características humanas. Por exemplo, a genética populacional tem sido usada para estudar como a seleção natural moldou a imunidade inata, a altura do corpo e a longevidade. 4.2.1 Teorias das frequências alélicas Vamos relembrar um pouco da Lei de Segregação de Mendel. Utilizando termos modernos, podemos afirmar que um indivíduo diploide carrega duas cópias individuais de cada gene autossômico (ou seja, uma cópia em cada membro de um par de cromossomos homólogos). Cada gameta produzido por um indivíduo diploide recebe apenas uma cópia de cada gene, que é escolhido aleatoriamente entre as duas cópias encontradas nesse indivíduo. Segundo a Lei de Segregação de Mendel, cada uma das duas cópias em um indivíduo tem a mesma chance de ser incluída em um gameta, de modo que esperamos que 50% dos gametas de um indivíduo contenham uma cópia e 50% contenham a outra cópia (SNUSTAD, 2017). Um indivíduo tem, então, a composição de seu genótipo feita da combinação de alelos em um determinado lócus genético. Se houver dois alelos em uma população no lócus A (A e a), os possíveis genótipos nessa população serão AA, Aa e aa. Indivíduos com os genótipos AA e aa são homozigotos (isto é, possuem duas cópias do mesmo alelo). Indivíduos com o genótipo Aa são heterozigotos (isto é, possuem dois alelos diferentes no lócus A). Se o O aconselhamento genético é recomendado para todos que desejem ter filhos e/ou avaliar riscos de desenvolvimento de doenças que já acometem outros membros da família. Em um aconselhamento genético, é calculada a probabilidade de o casal produzir um indivíduo com determinada doença genética ou, até mesmo, de prever se determinado indivíduo pode ter traços de doenças multifatoriais e quais as chances de desenvolvimento. A atriz Angelina Jolie realizou um aconselhamento genético, que avaliou sua herança genética e demais fatores associados, de desenvolvimento de câncer de mama e útero, que acometeu outras mulheres em sua família, inclusive sua mãe. Dessa forma, com acompanhamento clínico especializado, realizaram-se intervenções profiláticas. No caso de heranças multifatoriais, como o câncer de mama na família de Jolie, é importante ressaltar que só podemos avaliar e manejar alguns poucos fatores de uma grande possibilidade de influentes na etiologia da doença. VOCÊ SABIA? - -10 alelo). Indivíduos com o genótipo Aa são heterozigotos (isto é, possuem dois alelos diferentes no lócus A). Se o heterozigoto é fenotipicamente idêntico a um dos homozigotos, o alelo encontrado nesse homozigoto é considerado dominante e o alelo encontrado no outro homozigoto é recessivo. A população deve ser grande o bastante para que as frequências alélicas não estejam sujeitas a mudanças de erros de amostragem. Essa variação na frequência alélica devido a erros de amostragem em pequenas populações é conhecida como deriva genética aleatória, ou seja, os efeitos da reprodução aleatória são cumulativos e podem interferir nessas pequenas populações. Frequência alélica é um termo aplicado à frequência relativa de um alelo em um lócus genético em uma população. A abordagem de genotipagem continua sendo o padrão ouro na determinação da frequência de alelos; no entanto, métodos analíticos de DNA menos dispendiosos e muito mais fáceis de executar para investigar amostras de DNA agrupadas foram introduzidos recentemente ou estão atualmente sob investigação. A determinação da frequência alélica de variantes de genes candidatos a polimorfismos de nucleotídeo único pode ter aplicações práticas para, mas não se limitando a, design de pesquisa e interpretação de dados, identificando associações genéticas com doenças específicas ou características relacionadas à saúde, estimando o número de indivíduos com suscetibilidade a doenças ou resistência a drogas em uma população e realizando estudos evolutivos e antropológicos. Vamos entender melhor esse tema com um exemplo. Imagine que indivíduos dentro de um mesmo grupo passem a se acasalar e se reproduzir entre si, ou seja, prática de endogamia. Dessa forma, então, a reprodução não é aleatória com relação à espécie no geral, e há uma grande similaridade entre as frequências gênicas. Grupos étnicos, raciais e populações separadas geograficamente diferem uma das outras em frequências gênicas. Mesmo após a comunidade científica ter aceitado as Leis de Mendel, ainda permanecia certa discussão em relação à manutenção da variação genética em populações naturais. Alguns oponentes da visão mendeliana sustentavam que os traços dominantes deveriam aumentar e os traços recessivos deveriam diminuir em frequência, o que não é o observado em populações reais. Hardy refutou esses argumentos em um artigo que, junto com um artigo publicado independentemente por Weinberg, lançou as bases para o campo da genéticapopulacional. Dentro de uma mesma população, cada gene irá se apresentar em diferentes estados alélicos. Porém, se focarmos em somente um gene, cada indivíduo irá ter uma apresentação heterozigota ou homozigota. A genética populacional baseia-se fortemente na teoria das frequências alélicas e é capaz de prever a frequência de cada alelo do gene estudado. Vamos tomar como exemplo a análise de uma população acerca do sistema sanguíneo MN. Foram analisados cerca de 7345 indivíduos. Veja na tabela seguinte a distribuição de indivíduos. Tabela 2 - Distribuição de indivíduos entre os diferentes tipos sanguíneos do sistema MN Fonte: Elaborada pela autora, baseada em SNUSTAD, 2017, p. 773. #PraCegoVer: a tabela contém quatro linhas e três colunas, apresentando a distribuição do tipo sanguíneo MN e o genótipo em determinada população. Para calcularmos as frequências de alelos dos genes, devemos seguir o passo a passo: Calcular o Se cada genótipo é constituído de dois alelos; logo, o total da população deve ser duplicado. - -11 Calcular o total de alelos Se cada genótipo é constituído de dois alelos; logo, o total da população deve ser duplicado. No nosso exemplo: 2 x 7345 = 14.690. Calculara frequência do alelo L M O alelo L aparece duas vezes em L L e uma vez em L L , portanto: é o dobro doM M M M N número de homozigotos para L e igual o número de indivíduos heterozigotos para osM alelos. O número resultante deve ser dividido pelo total de alelos. Dessa forma: [(2 x 2130) + 3673]/14.690 = 0,54. Calculara frequência do alelo LN O alelo L aparece duas vezes em L L e uma vez em L L , portanto: é o dobro doN N N M N número de homozigotos para L e igual o número de indivíduos heterozigotos para osN alelos. O número resultante deve ser dividido pelo total de alelos. Assim: [(2 x 1542) + 3673]/14.690 = 0,46. Para facilitar, vamos chamar L de p e L de q. Olhando novamente a tabela anterior, podemos entender que aM N soma dos alelos de L e L correspondem a 100% da população. Então, podemos entender que a soma dasM N frequências p e q também corresponderá ao total. Portanto: p+q=1. No início do século XX, Hardy e Weinberg publicaram trabalhos independentes acerca da temática de influência dessas frequências alélicas supracitadas. Vamos tomar outro exemplo. Observe a figura a seguir, em que temos um gene B que apresenta os alelos B e b, que designam as cores das flores de uma determinada planta. São apresentadas três possibilidades de apresentação de genótipo: homozigoto recessivo (bb), homozigoto dominante (BB) e heterozigoto (Bb). Perceba a formação de gametas: os homozigotos formam somente um tipo de gameta, já o heterozigoto forma dois tipos de gametas. Iremos dizer que a probabilidade de um gameta possuir B é igual a p, e de possuir b é igual a q. O quadro, ao final da figura, traz a combinação de alelos resultantes de um cruzamento entre dois heterozigotos. Dessa combinação, teremos: p2, 2pq e q2. VOCÊ O CONHECE? Quando se fala em genética de populações, para que aqueles que já estudaram um pouco sobre, chegamos ao famoso teorema de Hardy-Weinberg. Mas você sabe quem é Hardy-Weinberg? Pois bem, na verdade esse teorema é baseado nos estudos de dois pesquisadores, e não somente nos de um. Godfrey H. Hardy (1877- 1947) era um matemático inglês e Wilhelm Weinberg (1862-1937) um médico alemão. Os dois pesquisadores, curiosamente, não trabalhavam juntos, mas fundamentaram seus estudos nas observações de Mendel e expandiram as conclusões do monge pesquisador. - -12 Figura 3 - Representação esquemática do equilíbrio de Hardy e Weinberg Fonte: Emre Terim, Shuttestock, 2020. #PraCegoVer: representação esquemática do equilíbrio de Hardy e Weinberg. Na primeira parte, são apresentados os genótipos e os fenótipos da cor da flor designada por um gene B e sua distribuição de alelos (B e b). Em seguida, é feito o cruzamento das possíveis combinações de alelos, tal qual teríamos em um cruzamento mendeliano. E, por último, as conclusões a que se pode chegar deduzindo o teorema de Hardy e Weinberg. Essa previsão de frequências alélicas pode ser resumida em (p + q)2 = p2 + 2pq + q2, equação proposta por Hardy e Weinberg. Para que ela seja verdadeira, é preciso que haja uma distribuição aleatória dos alelos entre os gametas, que, por sua vez, vão se combinar ao acaso na fertilização e na formação do zigoto. Não poderá haver diferenças de sobrevida entre os diferentes tipos de indivíduos formados a partir dos gametas, levando a uma perpetuação desses alelos, geração após geração, fenômeno conhecido como equilíbrio de Hardy-Weinberg. Voltando ao exemplo dos tipos sanguíneos MN, anteriormente citado, tínhamos obtido as frequências alélicas até - -13 Voltando ao exemplo dos tipos sanguíneos MN, anteriormente citado, tínhamos obtido as frequências alélicas até então. Porém, com a equação do equilíbrio de Hardy-Weinberg, poderemos descobrir as frequências genotípicas, lembrando que p=0,54 e q=0,46. Veja: L L equivale a pM M 2 Logo p = (0,54) = 0,29162 2 L L equivale a 2pqM N Logo 2pq = 2 × 0,54 × 0,46 = 0,4968 L L equivale a qN N 2 Logo q = (0,46) = 0,21162 2 Podemos assumir que esses resultados são válidos para determinada população se ela tiver as seguintes características: Não há atuação da seleção natural no gene em questão, isto é, não temos diferenças de sobrevivência ou reprodução entre os genótipos. Não há introdução de novos alelos na população por meio de mutação e/ou migração. A população tem um tamanho infinito, o que nos permite entender que a deriva genética não causa mudanças aleatórias na frequência alélica em consequência de erros de amostragem entre duas gerações. Os efeitos da deriva são mais evidentes dentro de pequenas populações do que de grandes. Há acasalamento aleatório dentro da população. Embora o acasalamento não aleatório não altere as frequências alélicas de uma geração para a seguinte, se as outras premissas se mantiverem, ele pode gerar desvios das frequências esperadas de genótipo e pode preparar o cenário para a seleção natural causar mudanças evolutivas. Caso ocorra de as frequências genotípicas em uma determinada população se desviarem das expectativas de Hardy-Weinberg, será preciso aguardar somente uma geração de acasalamentos aleatórios para o restabelecimento da situação de equilíbrio. Porém, isso só será possível se as condições mencionadas forem atendidas e válidas, que haja distribuição aleatória entre os alelos entre os gametas masculino e feminino, e que, ainda, estejamos falando de um gene autossômico. Se as frequências dos alelos diferem entre os sexos, são necessárias duas gerações de acasalamento aleatório para atingir o equilíbrio de Hardy-Weinberg. Os lócus ligados ao sexo exigem várias gerações para alcançar o equilíbrio, porque um sexo tem duas cópias do gene e o outro sexo apenas uma. O equilíbrio de Hardy-Weinberg pode ser considerado um equilíbrio neutro e, caso haja perturbação das frequências genotípicas do equilíbrio, bastará uma única geração para ser retomada as condições iniciais. Essa propriedade distingue um equilíbrio neutro de um equilíbrio estável, no qual um sistema perturbado retorna ao mesmo estado de equilíbrio. Faz sentido que o equilíbrio de Hardy-Weinberg não seja estável, pois uma mudança nas frequências do genótipo de equilíbrio costuma estar associada a uma alteração nas frequências alélicas (p e q), que, por sua vez, levará a novos valores de p2, 2pq e q2. Posteriormente, uma população que atenda às premissas de Hardy-Weinberg permanecerá no novo equilíbrio até ser perturbada novamente. 4.2.2 Seleção natural e artificial A população humana tem crescido mais e mais ao longo de sua existência. Já ultrapassamos a marca de 7 bilhões de pessoas no mundo e a necessidade de termos produção de alimentos adequados a toda essa população é urgente. Em associação a essa crescente demanda, temos de entender que nosso espaço de plantio e de pecuária é finito e precisa ser compartilhado com a própria necessidade doshumanos de terem onde viver. Portanto, é incessante, ao longo de toda a história humana, a busca de animais e plantas mais resistentes a pragas e/ou mais - -14 é finito e precisa ser compartilhado com a própria necessidade dos humanos de terem onde viver. Portanto, é incessante, ao longo de toda a história humana, a busca de animais e plantas mais resistentes a pragas e/ou mais produtivos. A criação seletiva é o método tradicional para melhorar as culturas e os animais, como aumentar a resistência a doenças ou a produção de leite. A seleção natural e a criação seletiva podem causar mudanças em animais e em plantas. A diferença entre os dois é que a seleção natural acontece naturalmente, mas a criação seletiva ocorre apenas quando os seres humanos intervêm. Por esse motivo, a criação seletiva, às vezes, é chamada seleção artificial. A seleção natural simplesmente requer certas condições. Quando atendidas tais condições, ocorrerá a seleção natural. Confira algumas dessas condições: Existência de variação dentro da população de organismos. Variações herdáveis geneticamente. Estabelecimento de diferenças no sucesso reprodutivo de acordo com essas diferenças herdáveis. Podemos, então, chegar, mais uma vez, à conclusão de que a única diferença entre seleção natural e seleção artificial é se a diferença no sucesso reprodutivo é motivada por processos naturais ou se a seleção é imposta pelos seres humanos. O processo de domesticação de animais e plantas, relatado anteriormente, pode ser considerado um tipo de seleção artificial. No entanto, diferentemente das características selecionadas naturalmente, as características selecionadas artificialmente não transmitem necessariamente maior aptidão. Em vez disso, os traços selecionados artificialmente são baseados no que a pessoa que cria as plantas e os animais deseja. Essas características, que podem variar de espigas mais longas em plantas de milho a uma cor específica da pelagem em cães, são selecionadas por permitir que apenas indivíduos que possuam a característica se reproduzam, enquanto aqueles que não possuem a característica são impedidos de se reproduzir. Por não ter o controle necessário para aumentar a aptidão, a seleção artificial pode fazer com que algumas características que geram problemas à espécie predominem. Por exemplo, os dobermanns são uma raça de cachorro criada para uma determinada aparência. No processo de seleção para essa aparência, um defeito genético aumentou em frequência na população. Esse defeito causa narcolepsia, uma condição que faz com que esses cães caiam incontrolavelmente em sono profundo. Claramente, essa condição não aumenta a aptidão do animal e seria fortemente selecionada pela seleção natural. No entanto, uma vez que esses animais foram submetidos à seleção artificial, em vez de natural por gerações, o defeito se espalhou na população. Dessa forma, temos que há, pela seleção artificial, uma alteração do equilíbrio de Hardy-Weinberg dessa população, interferindo nas frequências genotípicas e alélicas. VOCÊ QUER VER? Quando falamos de seleção natural e de seleção artificial, é impossível não nos lembrarmos do processo de evolução. Darwin é erroneamente associado à ideia de que os humanos vieram dos macacos. Neste vídeo, Alex Gendler nos traz mitos e concepções equivocados sobre a evolução: . Lembre-se de ativar ashttps://www.youtube.com/watch?v=mZt1Gn0R22Q legendas em português! https://www.youtube.com/watch?v=mZt1Gn0R22Q - -15 Conclusão Os mecanismos de heranças de fenótipos e de doenças, em seres humanos, animais e plantas, ainda são alvo de necessários estudos para sua completa compreensão. Sob uma determinada óptica, podemos até mesmo afirmar que todas as heranças possuem características de herança complexa, uma vez que a instalação de uma característica não é resultado de um único fator. A genética de populações, por sua vez, permite que possamos entender como a genética influencia toda uma comunidade de indivíduos e como características individuais podem influenciar no balanço de genes e características que podem melhorar a adaptabilidade de determinada espécie a um determinado local e período. Dessa forma, podemos afirmar que o estudo de heranças complexas e de genética de população já são partes de aprofundamento dos estudos de genética. Nesta unidade, você teve a oportunidade de: • entender que uma herança complexa é derivada da interação de um genótipo e o meio ambiente, podendo influenciar o indivíduo a manifestar determinada característica (ou uma doença, por exemplo); • entender como se dá o estabelecimento do equilíbrio de Hardy-Weinberg; • compreender que populações/sociedades/grupos endogâmicos têm mais chances de perpetuar um fenótipo menos adaptado ao meio ambiente; • aprender a calcular a frequência alélica e fenotípica. Bibliografia ALBERTS, B. . 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2009.Biologia molecular da célula GRIFFITHS, A. J. F. . . 10. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013.et al Introdução à genética MANUAL MSD. . Disponível em: Herança multifatorial (complexa) https://www.msdmanuals.com/pt . Acesso/profissional/tópicos-especiais/princípios-gerais-da-genética-médica/herança-multifatorial-complexa em: 24 jun. 2020. SCHAEFER, G. B.; THOMPSON, J. N. uma abordagem integrada. Porto Alegre: AMGH, 2015.Genética médica: SNUSTAD, D. P.; SIMMONS, M. J. . Revisão técnica: Cláudia Vitória de Moura Gallo. 7.Fundamentos de genética ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. WATSON, J. D. . . 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2015.et al Biologia molecular do gene • • • • https://www.msdmanuals.com/pt/profissional/t�picos-especiais/princ�pios-gerais-da-gen�tica-m�dica/heran�a-multifatorial-complexa https://www.msdmanuals.com/pt/profissional/t�picos-especiais/princ�pios-gerais-da-gen�tica-m�dica/heran�a-multifatorial-complexa Introdução 4.1 Herança multifatorial 4.1.1 Padrões complexos de herança 4.1.2 Endogamia e coancestralidade Endogamia de castas Endogamia da aldeia Endogamia de linhagem 4.2 Genética de populações 4.2.1 Teorias das frequências alélicas 4.2.2 Seleção natural e artificial Conclusão Bibliografia
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