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A Primeira República (1889-1930) A Proclamação da República e, pouco antes, a abolição da escravatura, configuraram indiscutível e notável transformação das condições políticas, institucionais e sociais precedentes. A república presidencialista e o fim da escravidão coincidiram com a intensificação sem precedentes do ingresso de massas de imigrantes no país. A imigração completou a evolução iniciada antes em direção ao regime de trabalho assalariado e contribuiu para a formação de um mercado de consumo interno, ajudado pela expansão demográfica, as migrações internas e o crescimento das cidades. O setor cafeeiro, cuja expansão caracterizara as duas últimas décadas do império, atingiu na Primeira República o apogeu de sua influência política e econômica, pesando de modo preponderante, mas não exclusivo, na definição da orientação macroeconômica e nas decisões sobre câmbio e comércio exterior. A acumulação de capital em mãos de produtores e exportadores de café, aliada ao mercado consumidor e à mão de obra assalariada fornecida pelos imigrantes, criara condições propícias à industrialização, favorecida pelas dificuldades de financiar as importações e as seguidas crises da economia cafeeira. A indústria, por sua vez, iria gerar empregos e reforçar a tendência à urbanização. Presidentes da República A Proclamação da República e os governos militares Sem dúvida o golpe militar do 15 de novembro de 1889 modificaria a constituição do Estado brasileiro e suas instituições. Mas, a República terminaria por ser mais uma das transformações sem mudanças substantivas na história brasileira. Concluído o movimento circular no plano político, a sociedade voltaria ao ponto de partida sem grandes convulsões. Sob novas formas, os antigos e os novos donos do poder manteriam firmes as rédeas do mando. Visto da perspectiva do tempo cronológico que antecede o 15 de novembro propriamente dito, outra luz ilumina o ocorrido e é fácil perceber que a República brasileira não foi apenas obra do golpe militar que fez cair a monarquia. É a partir de 1870 que se oficializa o republicanismo brasileiro, com a publicação do Manifesto Republicano no primeiro número do jornal A República. Deodoro da Fonseca (1889-1891) Floriano Peixoto (1891-1894) Prudente de Morais (1894-1898) Campos Sales (1898- 1902) Rodrigues Alves (1902- 1906) Afonso Pena (1906-1909) Nilo Peçanha (1909- 1910) Hermes da Fonseca (1910- 1914) Venceslau Brás (1914- 1918) Delfim Moreira (1918- 1919) Epitácio Pessoa (1919- 1922) Artur Bernardes (1922- 1926) Washington Luiz (1926- 1930) Substituir um governo e construir uma nação, esta era a tarefa que os republicanos tinham de enfrentar. Eles a enfrentaram de maneira diversificada, de acordo com a visão que cada grupo republicano tinha da solução desejada. Esquematicamente, podem ser distinguidas em três posições: 1. Versão dos republicanos históricos: a dos proprietários rurais, especialmente dos proprietários paulistas. Em São Paulo existia, desde 1873, o partido republicano mais organizado do país. A província passara por grande surto de expansão do café e sentia-se asfixiada pela centralização monárquica. Para esses homens, a república ideal era sem dúvida a do modelo americano. Convinha-lhes a definição individualista do Pacto Social e, de modo especial, a solução federalista americana. 2. A versão jacobina: defendida por um pequeno – mas agressivo, setor da população urbana, formado por pequenos proprietários, profissionais liberais, jornalistas, professores e estudantes, para quem o regime imperial aparecia como limitador das oportunidades de trabalho. Para essas pessoas, a solução liberal ortodoxa também não era atraente, pois não controlavam recursos de poder econômico e social capazes de colocá-las em vantagem num sistema de competição livre. Eram mais atraídas pelos apelos abstratos em favor da liberdade, da igualdade, da participação, embora nem sempre fosse claro de que maneira tais apelos poderiam ser operacionalizados. 3. Versão positivista: era a versão que atraía militares, operários, e, por razões específicas, os republicanos do Rio Grande do Sul. A ideia de ditadura republicana e o apelo a um Executivo forte e intervencionista servia bem aos seus interesses. A proposta positivista de incorporação do proletariado à sociedade moderna, de uma política social a ser implementada pelo Estado, tinha maior credibilidade que o apelo abstrato ao povo e abria caminho para a ideia republicana entre o operariado, especialmente o estatal. Outro grupo particularmente atraído por esse ideal era o dos militares, que desde o Império se alinhavam com o positivismo comtiano – sentiam-se fortemente atraídos pela ênfase dada pelo positivismo à ciência, ao desenvolvimento industrial. Por fim, por razões históricas, vinham os republicanos do PR. A tradição militar da região, o fato de os republicanos de lá serem uma minoria que precisava de disciplina e coesão para impor-se, a menor complexidade social da região comparada à São Paulo e Rio de Janeiro talvez tenham contribuído para a adesão mais intensa às ideias políticas do positivismo. Com exceção dos poucos radicais, os vários grupos que procuravam em modelos republicanos uma saída para a Monarquia acabavam dando ênfase ao Estado, mesmo os que partiam das premissas liberais. Levava isso, em parte, a longa tradição estadista do país, herança portuguesa reforçada pela elite imperial. A sociedade escravocrata abria também poucos espaços ocupacionais, fazendo com que os deslocados acabassem por recorrer diretamente ao emprego público ou à intervenção do Estado para abrir perspectivas de carreira. Num primeiro momento, os propagandistas e os que participaram da Proclamação da República estavam convictos de que o mal do Brasil era mesmo a Monarquia. Daí se esforçarem para demonstrar que a República seria o exercício do poder em torno do bem comum, do respeito à coisa pública, vista como de todos, de uma coletividade nacional. O problema, entretanto, era que, nesse momento, inexistia o sentimento de comunidade e a identidade nacional; a busca de uma identidade coletiva para o país, de uma base para a construção da nação, seria a tarefa que iria perseguir a geração intelectual da Primeira República. As correntes republicanas, entretanto, falharam os esforços de tentar expandir a legitimidade do novo regime e não foram capazes de criar um imaginário popular republicano. Nos aspectos em que tiveram algum êxito, este se deveu a compromissos com a tradição imperial ou com os valores religiosos. O esforço despendido não foi suficiente para quebrar a barreira criada pela ausência de envolvimento popular na implantação do novo regime. Governo Deodoro da Fonseca O governo provisório de Deodoro durou 15 meses, e suas preocupações imediatas se deram em torno das questões federativas, especialmente com a manutenção da ordem pública. Em 1890, foram realizadas eleições para o Congresso, que teria a incumbência de elaborar e aprovar a primeira Constituição republicana e eleger o mandatário da nação, daí por diante denominado de presidente da República. Os trabalhos da Constituinte se desenrolaram até fevereiro de 1891. Sua composição refletia, de certa forma, os grupos e ideias correntes em torno da organização do Estado e da governança republicana. Havia os históricos, assim denominados por defenderem a República desde os tempos da propaganda e do Manifesto Republicano; os adesistas, que passaram a ser desenhados como republicanos de “16 de novembro”; e muitos monarquistas que retornavam ao Poder Legislativo com poderes especiais de constituintes republicanos. Após a promulgação da Constituição, em 24 de fevereiro de 1891, a última grande realização dos constituintes foi elegerem o presidente e o vice-presidente da República. Duas chapas foram compostas, com dois representantes doExército, um da Marinha e um civil: Deodoro da Fonseca, que tinha como vice Eduardo Wandenkolk, e Prudente de Moraes, que tinha como vice Floriano Peixoto. Adotou-se o sistema de votos separados, ou seja, duas eleições, uma para presidente e outra para vice. Os dois mais votados foram Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. Dois militares de chapas opositoras iriam marcar o que se convencionou chamar de “República da Espada”. O deodorismo constitucional duraria pouco, de fevereiro a novembro de 1891. As constantes desavenças entre a autoridade militar do Exército e as posturas civilistas da maioria dos congressistas evoluíram para o impasse político e a perda de legitimidade da governança. De modo que, no decorrer dos oitos meses de regime constitucional, o marechal se sobrepôs ao presidente, com frequentes discussões e deposições de ministros e apelas para medidas administrativas não condizentes com a República imaginada pouco tempo antes. A crise derradeira se daria quando o presidente chama para o ministério um antigo fiel servidor da Monarquia, o barão de Lucena. Os republicanos históricos indignaram-se, os republicanos paulistas, que haviam perdido a eleição com Prudente de Moraes, presidente do Congresso, não achavam um militar adequado para governar os civis. Apenas alguns grupos isolados, entre civis e militares, ainda davam sustentação ao governo quando, no início de novembro, ocorreu a dissolução do Congresso e a decretação do estado de sítio. O ato restritivo aos direitos políticos e constitucionais seria pelo prazo de 60 dias, conforme o decreto de 3 de novembro de 1891. Os setores organizados da população resistiram aos atos de força, e não restou alternativa senão a renúncia do presidente, que descumpriu as leis constitucionais. A reação imediata das facções políticas não deu mais de vinte dias de sobrevida política ao marechal Deodoro da Fonseca, marcando assim um fim melancólico para o deodorismo e para a imagem do proclamador. No dia 23 de novembro de 1891, a República trocaria de presidente depois de uma grave crise institucional que se prolongaria por mais alguns anos. Entretanto, ficaram os deodoristas, especialmente os oficiais superiores que haviam lutado na Guerra do Paraguai. Eles continuaram acreditando que a República era o ato derradeiro dos pronunciamentos militares contra o descaso da Monarquia para com a tropa. A participação de Deodoro nos destinos da República, como militar respeitado, entre 1889 e 1891, teria dado solução definitiva a um regime que “era dominado por uma elite bacharelesca infensa aos interesses castrenses, desrespeitosa dos brios militares”. Constituição de 1891 O modelo da Constituição Republicana de 1891 é a Constituição dos Estados Unidos da América. Com ele, enquadra- se o Brasil na tradição liberal norte-americana de organização federativa e do individualismo político e econômico. A nova Constituição consagrava o presidencialismo, com mandato de quatro anos, e o federalismo, com grande autonomia para os estados, que teriam constituição própria, forças públicas armadas, capacidade de contrair empréstimos internacionais e justiças estaduais específicas, ainda que subordinadas a uma legislação unificada e à Justiça Federal. Na prática, essa autonomia ficava relativamente limitada pela distribuição das principais fontes de rendas públicas. Aos estados cabia o imposto de exportação, de forma que apenas os estados exportadores gozariam realmente de autonomia financeira. O governo federal concentrava as rendas do imposto de importação. Apesar do princípio da independência dos poderes, a constituição conferia atribuições dilatadas ao Legislativo, que aprovava o orçamento federal e tinha o poder de criar bancos de emissão e empregos públicos federais, de decidir sobre a organização das forças armadas, além do direito exclusivo de verificar e reconhecer os poderes de seus membros. As Forças Armadas eram declaradas obedientes ao governo eleito, “dentro dos limites da lei”, o que de certa forma reconhecia aos militares a possibilidade de interpretar a lei para legitimar possíveis intervenções, no espírito do princípio do soldado-cidadão, como defendido por Benjamin Constant e pela mocidade militar. Mais que o individualismo, é o federalismo a grande inovação da Constituição de 1891. O federalismo, implantado em substituição ao centralismo do Império, confere aos estados uma enorme soma de poder, que se distribui entre o estado e os municípios. Sobre esse princípio edifica-se a força política dos coronéis no nível municipal e das oligarquias nos níveis estaduais e federal. A centralidade conferida aos direitos individuais, deixando de lado a preocupação com o bem público, ou seja, a virtude pública ou cívica que está no cerne da ideia de República, funciona como barreira no processo de construção da cidadania no Brasil. Governo Floriano Peixoto A substituição de Deodoro por Floriano apenas aumentaria a crise institucional e o radicalismo dos grupos envolvidos que se tornaria intenso até os contornos da guerra civil. Uma das primeiras medidas foi nomear novos presidentes dos estados, diminuindo a influência deodorista nos meios políticos e nas máquinas estaduais. Logo em janeiro de 1892, a oposição florianista toma as fortalezas de Laje e Santa Cruz. A rebelião é abafada e a prisão de seu líder, o sargento Silvino de Macedo, revelaria uma conspiração que chegava a políticos e jornalistas influentes. Diante disso, o Congresso se manifestaria, suspendendo os trabalhos parlamentares e dando plenos poderes ao Executivo para combater as revoltas e “consolidar” o regime republicano. Floriano Peixoto não hesitaria em usar esses poderes excepcionais para enfrentar as oposições armadas que se alastravam no Distrito Federal e em várias unidades federativas. Outro aspecto importante do governo Florianista foi o apoio recebido das camadas populares: o florianismo passou a simbolizar, para os extratos sociais médios e baixos, a luta contra os monopólios, a especulação e os altos lucros. Os latifundiários e os grandes comerciantes atacadistas, que controlavam a economia do país desde o Império, desconfiavam do jacobinismo florianista, que, de certa forma, não hesitava em levar adiante a República à revelia dos grupos parlamentares tradicionais, conservadores e liberais. Em maio de 1892, o Congresso reabre e o Executivo envia mensagens aos parlamentares relatando as medidas tomadas ante os acontecimentos do recesso congressual. No mês de junho, a Comissão de Constituição do Congresso julga constitucional a permanência de Floriano Peixoto na presidência. Crescem os antagonismos entre florianistas e antiflorianistas, e as acusações de tiranos e restauradores polarizam desentendimentos. Entre junho e setembro, as sedições explodem no Brasil meridional, onde federalistas, adeptos do senador imperial Silveira Martins, e republicanos radicais, sob a liderança de Júlio de Castilhos, assassinam-se mutuamente num prelúdio de guerra civil. O governo estadual, momentaneamente nas mãos dos federalistas, seria transferido para o interior, enquanto na capital, Porto Alegre, os republicanos castilhistas ensejam uma reação violenta, acusando-os de restauradores. Daí por diante, o castilhismo sulista se tornaria um dos grandes aliados políticos dos atos e da governabilidade do florianismo. O ano de 1892 findaria em ebulição: os acontecimentos belicistas no Rio Grande do Sul; a crise econômico-financeira com a desvalorização do meio circulante e a retração do crédito; a agitação social e política no Distrito Federal e em outros estados como Minas Gerais, São Paulo, Amazonas, Mato Grosso e Maranhão; a indisciplina da Armada, com oficiais deodoristas, monarquistas e florianistas; a oposição violenta de alguns jornais e da maioria da elite letrada em função das prisões de jornalistas e escritores; as animosidades entre as corporações militares;etc. Revolta da Armada O que era apreensão no tumultuado princípio de 1889 a 1892 logo se transformaria na certeza do terrível pesadelo da guerra civil em 1893 e anos subsequentes. A Marinha, marginalizada pelo exclusivismo das forças terrestres, e o Rio Grande do Sul, onde se exacerbava ao extremo a doutrina positivista da ditadura republicana, assumiram o papel dos polos principais da resistência. A situação de crise política se acentua com a demissão do almirante Custódio José de Melo do Cargo de ministro da Marinha. A razão alegada pelo governo foram “os custos excessivos da guerra no Sul.”. O almirante responde com um manifesto publicado na imprensa onde acusa o governo de apoiar com armas federais a administração castilhista e seus atos de violência contra os opositores. A crise na Armada, tradicional reduto da monarquista, que evoluiu para uma ferrenha oposição florianista, teria mais um episódio em maio: por ampla maioria de votos, foi eleito para presidente do Clube Naval o almirante Eduardo Wandenkolk, um opositor do florianismo e que fora um dos presos políticos de 1892. O almirante, que se encontrava em Buenos Aires, desloca-se para o Rio Grande do Sul, no comando do navio mercante Júpiter, para tomar o porto de Rio Grande, guardado por tropas governistas. Embora a aventura tenha sido um grande fracasso, os oficiais antiflorianistas ficam ainda mais incitados pela derrubada do governo. Em setembro, eclode a Revolta da Armada, liderada pelo almirante Custódio José de Melo. Os problemas internacionais suscitados pela guerra civil concentraram-se em torno da atuação da Armada. Semanas depois do começo do levante, os comandantes de navios de guerra estrangeiros, para proteção de seus nacionais – Reino Unido, Estados Unidos, França, Portugal e Itália – intimavam aos revoltosos que se oporiam pela força a bombardeios e ataques à cidade. Clara interferência em assuntos da soberania nacional, a iniciativa das forças navais estrangeiras afigurava-se inesperada e bem-vinda ajuda ao governo de Floriano, privando os rebeldes de seu principal, se não único trunfo: a ameaça à capital federal. O Congresso aprova moção de solidariedade ao Executivo e pede energia e patriotismo das autoridades republicanas para manter “a ordem constitucional”. O Senado autoriza o presidente a decretar estado de sítio, que foi anunciado no dia 10 de setembro, extensivo ao Distrito Federal e à Niterói, pelo prazo de dez dias. No dia 13 de setembro ocorreria o primeiro bombardeio da cidade do Rio de Janeiro, que sucederia outros ao longo do mês no Rio de Janeiro e em Niterói. Em outubro, Floriano inventaria uma estratégia inusitada: decretou o estado de intervenção na capital da República, transformando-a em “cidade aberta”, não podendo atacar, defender ou ser atacada. Com isso, Floriano imobilizava os revoltosos nas águas enquanto solicitava navios novos aos Estados Unidos para pôr fim à rebelião. O comando da esquadra inglesa comunicou que as mercadorias de natureza comercial ficariam sob a proteção das esquadras estrangeiras até o ponto de descarga em terra firme. No instante em que os países europeus, convencidos da derrota da Armada, começavam a reduzir suas forças, o almirante Saldanha da Gama adere à revolta e institui o bloqueio da Alfândega. Sobrevém, então, a segunda intervenção, esta especificamente dos Estados Unidos. Salvador de Mendonça persuadiu o governo norte-americano a enviar uma força naval constituída de cinco poderosos navios de guerra para romper o bloqueio. O novo comandante ianque alinhou seus navios na Baía de Guanabara e obrigou Saldanha a ceder. Os opositores do governo denunciavam a intervenção estrangeira, ao sugerirem a “intromissão na soberania nacional”. Nos três primeiros meses de 1894, a situação dos revoltosos na baía de Guanabara tornou-se cada vez mais desgastada. O governo intensificara o discurso legalista, empurrando os revoltosos para o campo da ilegalidade e da sedição. Impedidos de desembarcar e de atracar nos portos, começavam a faltar munição e água potável. Com a iminência de invasão pelas forças governistas e o ultimato dado pelo almirante Benham de que os navios americanos poderiam atacar a esquadra, os rebeldes solicitaram asilo em dois navios portugueses, e sob a custódia de Portugal, saem da Baía de Guanabara acordados com o governo de buscarem asilo político nos países da Europa. Entretanto, o destino dos revoltosos seguiria duas rotas: muitos aderem às tropas federalistas no Sul, e outros buscam asilo na capital argentina, e acabam depois por retornar ao Brasil, misturando-se aos revoltosos sulinos. Em 13 de maio de 1894, Floriano rompeu relações diplomáticas com Portugal por conta do asilo dos revoltosos nas embarcações portuguesas, consideradas pelo governo brasileiro como um ato de proteção aos rebeldes. O rompimento com Portugal e a repressão bem-sucedida às revoltas da Armada e a Federalista, permitiram ao governo Floriano construir a imagem de presidente forte que salvou a República. Revolução Federalista No Rio Grande do Sul, a organização do estado em bases republicanas ganharia foros de crise a partir da promulgação da constituição estadual em 1891. A crise agrava-se com a renúncia de Deodoro e o imediato abandono de Júlio de Castilhos do governo no estado em 12 de novembro de 1891. Seguiu-se o curto governo da chamada dissidência republicana liderada por Barros Cassal, que seria derrubada com o retorno triunfante dos castilhistas em meados do ano seguinte, em junho de 1892. Durante esse período, a situação no estado, principalmente nas regiões da campanha e da fronteira, passa a ser de insegurança e exacerbação partidária. De um lado, os republicanos castilhistas que conspiravam para retomar o poder aliando-se ao florianismo e, de outro, os partidários de Gaspar Silveira Martins, os gasparistas, que, ao fundarem o Partido Federalista, retomavam o prestígio que haviam tido no fim do período monárquico. De novembro de 1891 até a posse definitiva de Júlio de Castilhos em janeiro de 1893, os decretos dos governos que se sucediam apelavam por manter a ordem pública e promover a restauração da Constituição violada. Nos primeiros três meses de 1893, a situação só se agravaria: Castilhos toma posse na presidência do estado, e em fevereiro e março ocorre a mobilização militar, ocasião em que grupos rebeldes armados, organizados nas fronteiras do Uruguai e da Argentina, invadem o estado para o enfrentamento com as tropas legalistas. Em meio a derrotas, os federalistas recebem a notícia sobre a Revolta da Armada e, eufóricos com os acontecimentos na capital, acham que podem avançar pelos estados sulinos e, em São Paulo, aglutinar os contingentes antiflorianistas e se apossar do Rio de Janeiro. Com efeito, até o fim de 1893, o avanço das tropas federalistas foi impressionante: em novembro penetram em Santa Catarina e juntam-se aos revoltosos da Armada, que haviam tomado Desterro e instituído a cidade como capital de uma república provisória até a deposição do florianismo; no mês seguinte, avançam sobre o Paraná. Nos últimos meses de 1893 e os três primeiros de 1894, o florianismo esteve na iminência de sucumbir, e o castilhismo enfrentou sérios riscos de derrocada militar no conflito regional. Entretanto, o enlace dos dois movimentos, a Revolta da Armada e a Revolução Federalista, tinha apenas um fator em comum: a hostilidade ao legalismo florianista. Logo surgiram desavenças entre o exército federalista, o governo provisório de Desterro e as lideranças civis e militares antiflorianistas. Além disso, o episódio do cerco da Lapa, no Paraná, onde os federalistas fuzilaram a cidade e trucidaram as tropas legalistas, fizeram recrudescer o jacobinismo florianista e o radicalismo legalista dos castilhistas no Rio Grande do Sul. Em abril a cidade de desterro é retomada, em maio os revoltosos abandonam Curitiba e, assim, os estadosdo Paraná e Santa Catarina vão caindo em poder das tropas legalistas. Com a pacificação regional empreendida em 1895, já no governo de Campos Sales, alguns contingentes de republicanos castilhistas foram deslocados para dar combate aos revoltosos sertanejos em Canudos (1896-1897). Foram as cenas da “guerra à gaúcha” que assombraram Euclides da Cunha em seus relatos sobre a carnificina nordestina. Floriano e as elites civis No ano de 1893, último ano do governo Floriano, a República enfrentou diversos desafios: a Revolta da Armada e a revolução federalista no Rio Grande do Sul. Para manter a governabilidade republicana, a elite civil trocou o apoio presente pela futura posse do governo. A aproximação entre Floriano e as elites civis apresentou importante inovação na curta história republicana. Trata-se da organização em 1893 do primeiro partido político, de caráter nacional, após a dissolução dos partidos monárquicos. Em julho de 1893, sob a liderança de Francisco Glicério, republicano histórico paulista, fundou-se o Partido Republicano Federal, que contou com a composição mais eclética possível. Do ponto de vista macropolítico, o PRF visava a resolver duas questões: criar um grupo parlamentar majoritário para sustentar o governo e, mais importante, preparar as eleições gerais de 1894. Diante desses desafios, o PRF foi extremamente bem-sucedido. O apoio parlamentar dado a Floriano foi total, porém conectado com o encaminhamento da sucessão, de modo que as intenções continuístas do Presidente não encontraram eco nem mesmo entre os florianistas. Em 1894, Prudente de Morais foi eleito. O regime oligárquico: a república do Café com Leite É da coexistência de uma Constituição liberal com práticas políticas oligárquicas que deriva a expressão liberalismo oligárquico, com que se caracteriza o processo político da República no período compreendido entre 1889 e 1930. Essa denominação denuncia um sistema baseado na dominação de uma minoria e na exclusão de uma maioria do processo de participação política. Coronelismo, oligarquia e política dos governadores fazem parte desse vocabulário político necessário ao entendimento do período republicano em análise. Governo Prudente de Morais Durante o governo Prudente de Morais emergiram os problemas reais para a institucionalização republicana. Fechado o ciclo militar, com o término do Governo Floriano, a experiência republicana não havia gerado respostas ao que Renato Lessa convencionou chamar de “três variáveis cruciais” para a sobrevivência do regime: os critérios de geração de atores políticos coletivos, as relações entre poder central e poder regional e os procedimentos de interação entre Executivo e Legislativo. O quadriênio de 1894-1898 apresentou nova feição de anarquia, que diferente dos governos militares, teve a influência de fatores predominantemente endógenos. A identidade partidária comum do PRF era incapaz de conferir ao Legislativo maior previsibilidade. As primeiras ações do governo civil foram as demissões em massa de funcionários públicos contratados pelo governo anterior, com alta incidência sobre os florianistas. Com relação aos militares, a política do novo governo visava seu afastamento da cena política. Essas ações procuraram desmobilizar as bases populares do jacobinismo florianista. Os efeitos dessas medidas vão ser imediatos e duradouros; durante praticamente todo o tempo em que durou, o governo Prudente foi combatido nas ruas do centro da capital. A proliferação de tribunos da plebe era sintoma de uma forma de exercício da política avessa aos formalismos liberais e disposta à ação direta. Para executar a política de retração militar, Prudente de Morais coloca no Ministério da Guerra um paulista antiflorianista, o Marechal Bittencourt. Sob seu comando, seguindo orientação do governo, procedeu-se a tentativa de desmonte do aparato militar, através da progressiva redução de efetivos de terra. O peso do Ministério da Guerra na despesa global do governo atingiu seus níveis mais baixos, desde a proclamação. Além disso, Prudente conseguiu firmar um acordo com os rebeldes da Revolução Federalista, ainda que garantindo a supremacia de Júlio de Castilhos. No Congresso, o governo sofria oposição do núcleo florianista do PRF. Exemplo das limitações que o Congresso impunha ao Executivo pode ser encontrado na paralisia do governo com relação a decisões de política financeira. A herança dos governos militares era de desordem financeira e déficits crescentes, agravados pela queda do preço internacional do café; as alternativas de saneamento imaginadas pelos ministros da fazenda incluíam decisões substantivas que demandavam amplo suporte político-parlamentar, o que Prudente não tinha. Diante disso, prevaleceram as soluções de praxe: altos empréstimos internos e externos. A ação de Prudente com relação aos Estados visou a regulamentação do art. 6º da CF, que dispunha sobre a intervenção federal. O objetivo parece ter sido duplo: assegurar, pela ameaça de intervenção, a lealdade dos governos estaduais nostálgicos e, por extensão, de suas bancadas no Congresso. Além disso, buscava resolver um dos problemas cruciais para a institucionalização do novo regime: o equilíbrio político entre o poder central e os poderes regionais. Os dois primeiros anos de seu governo apresentaram, pois, grande paralisia do Executivo, acuado pelos ecos da Rua do Ouvidor, pelo protesto militar e pela anarquia congressual. Em novembro de 1896, o Presidente adoece e é obrigado a licenciar-se. O vice-presidente, Manuel Vitorino, não se limitou a cumprir formalidades: muda o ministério e busca aproximação com os florianistas. O interregno se estende até março de 1897, e coincide com o período de maior desgaste do Presidente. Além de tudo, a má sorte: a data escolhida pelo Presidente para reassumir seu mandato foi justamente a data na qual chegaram à capital as notícias do massacre da terceira expedição militar ao arraial de Canudos, no sertão baiano. O clímax da tensão ocorre em maio de 1897, com a revolta dos cadetes da escola militar, vencida por Prudente com o apoio do Ministro da Guerra. O levante, mínimo, se considerada sua extensão objetiva, se converte em ponto de inflexão do processo político. Após a expulsão de alunos rebeldes e prisão de oficiais envolvidos, o governo articula bem-sucedida manobra parlamentar: o deputado baiano Seabra, perseguido no governo Floriano, propôs a nomeação pela Câmara de uma comissão parlamentar com a finalidade de congratular o Presidente pela “salvaguarda da ordem e do prestígio da República civil”. A provocação era evidente, e como se não bastasse, Seabra diz surpreso pelo silêncio do até então líder da maioria, Francisco Glicério; a manobra era clara: através dela Prudente procurava livrar-se da tutela do PRF e demonstrar a deslealdade do general. O requerimento de Seabra foi derrotado, mas foi capaz de provocar a cisão definitiva do primeiro partido nacional formado durante a República. A última tentativa feita pela oposição para vencer Prudente de Morais manifestou-se de forma inédita na história brasileira: a tentativa de assassinato do Presidente. Prudente escapou ileso, mas morreu o Ministro da Guerra, o Marechal Bittencourt. O efeito imediato do atentado é a completa reversão do quadro político. As atribuições presidenciais foram maximizadas por um estado de sítio que se estendeu até 1898. Além de provocar mágica alteração na psicologia das massas, o atentado permitiu ao Presidente iniciar o governo. Com a fuga de Glicério para São Paulo, Prudente impõe-se ao Congresso e pôde encaminhar duas questões importantes para a dinâmica republicana: a sucessão presidencial e a renegociação da dívida externa. O Exército, fator de desestabilização durante ¾ do governo Prudente, em 1898 sofre, além do encantamento da cooptação, a síndrome de Canudos: após anos de derrotas humilhantes,a vitória final sobre sertanejos famintos e com poucas armas deixou pouco espaço para a glória. A experiência do governo Prudente significou também um veto das elites republicanas às tentativas de organização partidária imaginada pelo General Glicério. A heterogeneidade política de seus adeptos tornava a disciplina partidária extremamente débil, demandando grande parte do tempo político para a administração da sua diversidade interna. A aspiração de que todos os grupos estaduais fossem centralizados pelo partido, e de que ele, assim minuciado, agisse sobre o governo, contrariava a compreensão que as elites regionais tinham a respeito do federalismo. O que havia sobrado do PRF dividiu-se em duas alas: os “Republicanos”, maioria pró-Prudente, e os “Concentrados”, ainda leais a Glicério. O nome de Campos Sales foi lançado pela política baiana, seguindo-se o apoio de Pernambuco, Minas Gerais e São Paulo. A oposição, reduzida a poucos gliceristas e ao PRR, dirigido por Júlio de Castilhos, lançou simbolicamente o nome de Lauro Sodré. Revolta de Canudos A Guerra de Canudos foi inicialmente lida como uma manipulação monarquista de camponeses ignorantes. Quando se evidenciou que não havia nenhuma força política organizada por trás de Antonio Conselheiro e seus fiéis, a surpresa foi enorme. As denúncias do verdadeiro genocídio cometido pelo Exército enfraqueceram o jacobinismo e as propostas de ditaduras positivistas, reforçando o poder civil da oligarquia paulista. Governo Campos Sales O programa de governo exposto na campanha presidencialista de Campos Sales era, segundo o próprio, uma projeção de sua identidade política. Na medida em que ele não pertencia a nenhuma das facções em disputa, o seu partido era o “partido republicano histórico” dos tempos de propaganda, e seu programa tinha, por meta, a restauração do espírito republicano que, em termos práticos, implicava dar solução a problemas políticos objetivos. O governo, no imaginário de Campos Sales, é uma instância de administração, e ficaria imune ao conflito e à instabilidade provocada pelas facções, dotado de controle exclusivo da máquina do Executivo. A definição do governo como administrador procura protegê-lo da política, que deve ficar contida nos estados sob a responsabilidade dos chefes locais. O quadro nacional em que Campos Sales assume a Presidência da República é de crise política, econômica e financeira. Do ponto de vista econômico-financeiro, o país encontra-se em processo de depressão econômica, enfrenta uma inflação galopante e a dívida externa elevada convive com uma vertiginosa queda dos preços internacionais do café. Sem dúvida, os interesses cafeeiros se confundiram em alguma medida com as questões nacionais, tendo em vista que as políticas cambial e migratória eram centrais para as atividades exportadoras. É a partir do quadro político, econômico e social da República que, em 1898, Campos Sales começa a dar forma ao arranjo político a que denominará de “política dos estados” e que ficará conhecida como “política dos governadores”. Seu objetivo é o estabelecimento de relações de compromisso entre o Executivo Federal e os Executivos Estaduais, de modo a possibilitar a formação de um legislativo coeso no plano federal, visando a dar sustentação às políticas a serem implementadas em seu governo. Campos Sales começa, oficialmente, a articular sua política com base nos três grandes colégios eleitorais do país: Minas Gerais, São Paulo e Bahia. O objetivo é obter apoio das representações estaduais para a execução de uma rígida política financeira destinada ao pagamento de uma vultuosa dívida externa e a recuperação do equilíbrio das finanças do país. O governador mineiro Silviano Brandão apoia a política de Campos Sales, com o objetivo de romper o relativo isolamento de Minas em relação à política nacional e garantir políticas favoráveis aos interesses econômicos do Estado, e, para isso, ocupar postos estratégicos no plano da política nacional. Os entendimentos com a Bahia não são tão conclusivos como em Minas Gerais, visto que as lutas entre as facções oligárquicas dentro do Estado o colocam em uma situação de permanente instabilidade política. O Rio Grande do Sul, liderado nacionalmente por Pinheiro Machado, passa à frente da Bahia, constituindo-se como terceira força na articulação da política dos governadores. O compromisso recíproco entre Campos Sales e os governadores pressupunha que ele não interferisse em assuntos de política estadual e que os governadores providenciassem, em seus estados, resultados eleitorais que permitiam a composição de um legislativo federal compatibilizado com as políticas de governo do presidente. Para viabilizar esse acordo, era preciso que os governantes, nos respectivos estados, conseguissem articular-se com os coronéis nos municípios, para que saíssem vitoriosas as chapas eleitorais organizadas pelo respectivo partido republicano estadual. O problema que mais ameaçava a administração Campos Sales provinha do cumulativo efeito da deterioração das finanças públicas desde o advento do novo regime. No início, os bons preços do café tinham ajudado a economia brasileira, produzindo saldos na balança comercial. Logo, porém, a gigantesca expansão da produção, que dobrara entre o ano da Proclamação da República e 1897, seria acompanhada pelo colapso do preço médio, que, nesse período, mergulhou de quatro libras a meia libra a saca. A desvalorização cambial e os gastos extraordinários das guerras civis somavam-se ao impacto do agravamento do comércio exterior e à inflação monetária legada pelo Encilhamento. O governo não imaginava outra saída que não fosse o empréstimo externo, difícil nas condições de pouca confiabilidade creditícia do país. Gradualmente se delineou um projeto de financiamento que consolidasse toda a dívida anterior, o chamado funding loan, que forneceria ao novo governo alguma folga para respirar. Campos Sales ofereceu-se para ir pessoalmente a Londres entender-se com a Casa Rothschild, os financistas que socorriam os governos da Monarquia ou da República, desde a independência, e preocupavam-se com o destino de oitenta milhões de libras de capitais britânicos investidos no Brasil. As preocupações de Campos Sales giravam em torno das condições de reestruturação da dívida, que afinal se fixaram em novo empréstimo até o limite de dez milhões de libras esterlinas, com garantia das receitas da alfândega do Rio de Janeiro. Em contrapartida, o governo obrigava-se a retirar de circulação a quantidade de papel-moeda correspondente às emissões do funding loan, além de cortar gastos públicos e aumentar impostos. A oferta de moeda contraiu-se em 13%, criando impacto recessivo que sobreviveu na memória coletiva como um dos períodos de maior penúria pelo qual jamais passou o país. Restabeleceu-se o crédito externo, o orçamento passou a apresentar saldo, a moeda nacional ostentou modesta valorização, ajudada em parte pelo grande aumento da exportação da borracha em 1899. Pesam no outro prato da balança as falências ruinosas de grandes e pequenos bancos, o aniquilamento de indústrias e empregos, juntamente com a esperança de industrialização, a ruína de fazendeiros e a revolta dos contribuintes e das vítimas do encarecimento do custo de vida. É também da presidência de Campos Sales primazia de sentido mais simbólico e político: os dois primeiros exemplos de visitas presidenciais entre o Brasil e a Argentina. Em agosto de 1889 o Brasil recebeu pela primeira vez a visita de um chefe de estado estrangeiro, o presidente Júlio Roca, da Argentina. Roca defendeu uma “aliança moral” com o Brasil; no ano seguinte, Campos Sales retribuiu a visita, e foi recebido também com festas em Buenos Aires. Embora não gerassem resultados concretos, as visitas reforçaram o clima amistoso entre os dois países, o que teve desdobramentos diplomáticos positivos nos anos seguintes,quando das guerras civis no Uruguai e no Paraguai. Além disso, interessava a continuidade das relações amistosas com o Brasil também para anular a possibilidade de aliança entre os governos brasileiro e chileno; desse modo, o governo argentino podia tratar com maior desenvoltura o litígio fronteiriço com o Chile, que levou os dois países a uma corrida armamentista. Esse governo, em plena Primeira Guerra Mundial, foi marcado por grandes greves operárias e por uma crescente aproximação entre as oligarquias de São Paulo e Minas Gerais, com adoção de uma política econômica cada vez mais intervencionista e o início da segunda política de valorização do café, em 1917. Em 1919, com a morte de Rodrigues Alves, que havia sido mais uma vez levado ao cargo de presidente, o consenso Inter oligárquico pela primeira vez se fez em torno de um nome do Nordeste: o paraibano Epitácio Pessoa. A candidatura de Epitácio apresentou, pela primeira vez, um programa que versava de forma explícita sobre interesses regionais, especialmente do Nordeste, mas fez também um governo crescentemente intervencionista a favor dos interesses do café. Empreendeu a terceira valorização do café, criando o Instituto de Defesa Permanente do Café. A política externa da Primeira República A evolução do panorama externo agiu nessa fase sobre a diplomacia brasileira por meio de três fatores estruturantes, capazes de fazer surgir tendências profundas e sistêmicas, destinadas a durar na orientação de política exterior do Brasil. O primeiro consistiu na emergência e afirmação do poder político e da irradiação econômica dos Estados Unidos. O segundo fez-se sentir pela intensificação de um relacionamento mais intenso e cooperativo entre países da América Latina, seja sob a modalidade de pan-americanismo patrocinado por Washington, seja por iniciativas latino-americanas autônomas. Finalmente, o terceiro residiu no aprendizado de novo tipo de relação diplomática nas instâncias do incipiente multilateralismo da Liga das Nações, estágio inicial de uma forte tradição de diplomacia multilateral que se desenvolveria nas fases seguintes. Em termos sintéticos, a três transformações estruturais da política exterior da Primeira República resumem-se: no estreitamento da relação ou “aliança não escrita” com os Estados Unidos; na sistemática solução das questões fronteiriças e na ênfase em maior cooperação com os latino-americanos; e nos primeiros lances da diplomacia multilateral, na versão regional, pan-americana, e na versão global, com a Liga das Nações. Instalada a República no Brasil, em 1889, o governo provisório do marechal Deodoro da Fonseca manteve os compromissos internacionais assumidos pelo Império do Brasil, facilitando, assim, seu reconhecimento. No afã de diferenciar-se explicitamente do legado imperial, os republicanos introduziram na Constituição de 1891 dispositivo que exigia recurso prévio ao arbitramento antes da eventualidade da guerra e o artigo 88, que bania a guerra de conquista. Ao longo de mais de uma década de penosa implantação do novo regime, a constante turbulência interna manifestou- se na extraordinária volatilidade dos ministros que se sucederam na pasta das Relações Exteriores. No intervalo de menos de treze anos entre a Proclamação da República e a posse de Rio Branco, contam-se onze ministros, deixando de fora os interinos. Muito se deveu ao profissionalismo forjado no Império e encarnado em servidores do Estado que asseguraram a continuidade do funcionamento da chancelaria durante a turbulenta transição para a República. A figura emblemática da continuidade, mas de modo algum caso único, é a do Visconde de Cabo Frio, o diretor-geral da Secretaria de Estado desde 1869. A ele e a alguns de seus colegas, cabe o mérito principal de terem conduzido, nos dias incertos da Revolta da Armada, as ações junto às marinhas estrangeiras e ao governo norte-americano, que se provaram decisivas na derrota da insurreição e no êxito da chamada “diplomacia do Marechal”. 1. A questão de Palmas No início da República brasileira, predominou a visão idealista na condução da política externa. Para os novos governantes, o fato de o Brasil ser uma república criaria um clima de irmandade e convergência de interesses com os países vizinhos. A Argentina seria o primeiro país a reconhecer a República brasileira, e o faria em documento “grandiloquente e escrito em estilo exuberante”, o que causaria a satisfação no Rio de Janeiro. Concluiu o raciocínio afirmando que, com isso, o novo governo brasileiro aceitaria, em nome da fraternidade entre os dois países, dividir o território litigioso de Palmas. De fato, o Ministério do governo provisório aceitou, em deliberação unânime de seus membros, o tratado de limites entre Brasil e Argentina, realizado em encontro em Montevidéu, em janeiro de 1890, assinado por Quintino Bocaiúva com o representante argentino, Estenislao Zeballos, tratado pelo qual triunfava a posição argentina. Comemorado na Argentina, o tratado sofreu repúdio generalizado no Brasil, sendo rejeitado na Câmara dos Deputados. Foi então implementado o Tratado de 1889, acordo arbitral do final do Império, que teve como árbitro o Presidente Cleveland, dos Estados Unidos. O representante principal da delegação brasileira nessa arbitragem foi o diplomata Francisco Xavier da Costa Aguiar de Andrada, que veio a falecer em março de 1893 e, para substituí-lo, o presidente Floriano Peixoto nomeou José Maria da Silva Paranhos Júnior, o barão do Rio Branco. Em Washington, Rio Branco e sua equipe trabalharam durante dois anos, elaborando a “Memória” para defender a causa brasileira. Resumia-se a questão ao seguinte: como identificar no terreno os rios de cabeceiras opostas que desaguavam, um no Iguaçu, outro no Uruguai, denominados Peperi-Guaçu e Santo Antônio, pelos quais correria a fronteira de acordo com os Tratados de Madri (1750) e Santo Ildefonso (1777). A Argentina pretendia que esses rios se situavam muito mais a leste que os indicados pelo Brasil. Segundo os argentinos, os cursos de água mencionados deveriam ser o Chapecó e o Chopim, este último substituído posteriormente pelo Jangada. A base dessa pretensão consistia em cópias do Mapa das Cortes, aparentemente favoráveis a essa interpretação. Em defesa da nossa posição, o plenipotenciário brasileiro demonstrou estudo cuidadoso dos mapas, cuja versão autêntica conseguiu encontrar, confirmando o acerto da identificação feita pelo Brasil, inclusive através de um exercício de projeções das latitudes e longitudes. Na exposição ao presidente dos Estados Unidos, fundamenta o direito do Brasil na descoberta e controle do território pelos paulistas, desde o século XVII, e no uti possidetis da época da independência, reconhecido no Tratado de 1750, posse nunca contestada pelos argentinos até 1881. O trabalho foi bem-sucedido e, em 1895, o presidente Cleveland reconheceu pertencer ao Brasil todo o território litigioso. 2. A intervenção florianista na política paraguaia No governo Floriano Peixoto, o pragmatismo substituiu o idealismo na condução dos assuntos externos, mas persistiu a improvisação e a ausência de processo decisório. Decisões sobre política externa resultava da vontade do autocrático Floriano e estavam subordinadas aos objetivos de sua manutenção no poder e da consolidação da República. A preocupação em conter a influência argentina foi demonstrada por Floriano em 1894. Nesse ano, terminou o mandato do presidente paraguaio Juan Gualberto Gonzáles, do Partido Colorado, cujos líderes eram historicamente avessos à Argentina e tinham relações cordiais com o Brasil. No final de 1893, os generais Bernardino Caballero, fundador dessa organização partidária, e Juan Bautista Egusquiza, pleitearam a indicação de candidato colorado à presidência. Enquanto isso, a legação brasileira em Assunção enviava informes alarmistas sobre uma eventual candidatura,também pelo Partido Colorado, de José Segundo Decoud, suspeito de querer anexar o Paraguai à Argentina. Floriano decidiu apoiar a candidatura de Caballero, e enviou, para fazê-lo, como ministro plenipotenciário, Amaro Cavalcanti. Ele chegou a Assunção quando o presidente Gonzáles articulava o lançamento da candidatura presidencial de José Segundo Decoud. Para inviabilizá-la, o diplomata incentivou um golpe de Estado que derrubasse Gonzáles, o que tornaria inviável a candidatura de Decoud. Para sua realização, Cavalcanti entregou aos generais Caballero, Escobar e Egusquiza entre 5 e 6 mil libras esterlinas. O golpe ocorreu em 9 de junho de 1864 e Egusquiza saiu vencedor nas eleições. 3. A “aliança não escrita” com os Estados Unidos O fim da exceção monárquica nas Américas deveria determinar uma política exterior voltada tanto para os Estados Unidos quanto para os hispano-americanos, em contraste com o isolamento diplomático real ou imaginário do regime imperial, supostamente mais afinado com as monarquias do Velho Continente. Um par de meses antes da Proclamação da República, havia-se inaugurado em Washington a primeira conferência dos países americanos. O Brasil fizera-se representar por delegação chefiada pelo conselheiro Lafaiete Rodrigues Pereira, portador de instruções no espírito da diplomacia imperial, sempre desconfiada e cética frente a desígnios de integração comercial, unificação de legislações e arbitramento obrigatório como os incluídos na agenda da reunião. Com a mudança de regime, assumia a chefia da delegação Salvador de Mendonça, cônsul-geral do Império em Nova York, apesar de signatário do Manifesto Republicano. O espírito e o conteúdo das instruções passavam a ser animados pelo desejo do governo provisório de aproximar-se das propostas ianques, que abarcavam temática vastíssima, indo da uniformização das legislações, dos pesos e medidas e da obrigatoriedade de arbitramento dos conflitos até a integração do comércio e das alfândegas. Plantou-se, não obstante, a semente do futuro arcabouço institucional, com o estabelecimento de uma agência comercial da qual nasceria a União Pan-Americana, hoje Organização dos Estados Americanos. Estrela da conferência, a Argentina brilhou pela qualidade e beligerância anti-ianque de seus delegados; entre eles, Roque Sáenz Peña e Manuel Quintana, futuros presidentes da República. Naquele primeiro estágio de integração comercial, a proposta de união aduaneira e comercial revelava-se inexequível. Os argentinos não resistiram à tentação de contrastar o regime de livre comércio de seu país com o notório protecionismo industrial dos Estados Unidos. Muitos dos demais hispânicos pressentiam os dias funestos que lhes preparava o incipiente imperialismo ianque; os que se sentiam ameaçados pelo colosso encontravam na Argentina seu campeão. Os dois países maiores, Brasil e México, ou não temiam, ou esperavam lucrar com essa proximidade. Salvador de Mendonça não perdeu tempo e logo concluiu com Blaine (secretário de Estado americano) o primeiro acordo de comércio, de janeiro de 1891, que o Brasil celebrava desde que se tomara, em data distante do Império, a decisão de não mais firmar acordos comerciais com nações economicamente mais poderosas. Pelo convênio, certas exportações brasileiras que já disfrutavam de ingresso livre no mercado norte-americano continuariam a beneficiar- se da isenção de tarifas (café e borracha, sobretudo), que seria estendida a alguns outros produtos, em especial o açúcar nordestino. Em compensação, o Brasil eximia de taxas o trigo, a farinha de trigo e outros alimentos importados dos Estados Unidos e reduziria a 25% as tarifas de ferramentas, implementos agrícolas e outros produtos industriais. O governo Deodoro fez do assunto uma questão de honra e o aprovou por decreto, sendo essa uma das razões de seu conflito com o Congresso. No último ano do governo Prudente de Morais (1898) houve proposta norte-americana de um novo acordo de livre comércio. Argumentou o representante dos Estados Unidos no Rio de Janeiro que, entre 1895 e 1897, seu país comprara um montante de 253 milhões de dólares de produtos isentos de imposto de importação, enquanto o Brasil comprara apenas 43 milhões de dólares em mercadorias taxadas com “excessivos direitos”. Argumentando ser a situação “desigual e injusta”, recorreu ao princípio da reciprocidade e solicitou igualdade de tratamento, o que implicava em um acordo de livre comércio. O governo brasileiro recusou a proposta, sob justificativa de que este reduziria a arrecadação fiscal. Nos últimos anos de seu mandato presidencial, ainda, Prudente de Morais posicionou- se quanto à Guerra Hispano-Americana (1898), declarando “rigorosa neutralidade” no conflito. No entanto, devido às dificuldades do Tesouro brasileiro, vendeu dois navios encouraçados para os Estados Unidos – a necessidade de recursos financeiros se sobrepôs à neutralidade. 4. A questão da Ilha de Trindade Não faltaram intentos oportunistas de grandes potências para tirar proveito da fraqueza brasileira por meio de incursões nas fronteiras amazônicas ou alhures, conforme sucedera no período de instabilidade similar da Regência. Em janeiro de 1895, já no governo Prudente de Morais, a Grã-Bretanha, sub-repticiamente, como convinha à reputação da “pérfida Álbion”, ocupava a Ilha de Trindade, em meio ao Atlântico Sul, sob o pretexto de utilizá-la para base na construção de um cabo submarino. O ministro das relações exteriores Carlos Augusto de Carvalho recusou a armadilha do arbitramento que lhe havia sido oferecida pelo Lorde Salisbury, rejeitando o argumento de se tratar de território abandonado e por isso res nullius. O Brasil obteria a reparação do esbulho mais de um ano depois (agosto de 1896), resultado que se deveu à mediação de Portugal, habilmente conduzida pelo representante português em Londres, o Marquês de Soveral. 5. A questão do Amapá Na fronteira norte, a França buscava estender o território da Guiana até as margens do Rio Amazonas. Essa pretensão parecia ter sido definitivamente sepultada em 1713, quando Portugal e França assinaram um dos sete tratados de Utrecht, no qual os franceses renunciavam ao Amapá, reconheciam como portugueses os territórios das duas margens do Amazonas e aceitavam a proibição do comércio francês ao sul do Oiapoque. Contudo, um século depois, com a ascensão de Luís Felipe ao trono francês, houve a retomada da política expansionista da França na América Latina. O Império manteve a soberania brasileira sobre a Amazônia, mas não conseguiu fixar os limites com a Guiana Francesa. Em 1894, a situação agravou-se com a descoberta de ouro nas cabeceiras do Rio Calçoene, o que atraiu aventureiros e causou conflitos entre brasileiros, auto-organizados em governo provisório, e militares franceses vindo da Guiana, por ordem de seu governador e à revelia de Paris. Em 1896, os dois países optaram por solucionar a questão de limites através do arbitramento. Em abril de 1897 foi assinado o compromisso arbitral, que definia como árbitro o presidente da Confederação Suíça. Rio Branco foi novamente incumbido de representar o Brasil no contencioso. O objetivo da arbitragem era a correta identificação do rio Japoc ou Vicente Pinzón, que deveria estabelecer a fronteira, segundo o Tratado de Utrecht de 1713. O Brasil sustentava que o rio do tratado coincidia com o Oiapoque, ao passo que, para os franceses, tratava-se de um rio mais ao sul, o Araguari. Rio Branco sustentou que o Araguari desembocava no Amazonas e não no oceano, o que provava não ser ele o rio mencionado no Tratado de 1713. A sentença arbitral foi inteiramente favorável ao Brasil. 6. A política externa do Barão do Rio Branco O presidente eleito em 1902, Rodrigues Alves, convidou o Barão do Rio Branco para ser ministro das relações exteriores. Sua popularidade e ausência de ambição política colocavam-no acima dasdisputas pelo poder e davam-lhe posição confortável – a ponto de permanecer no cargo de chanceler durante o mandato de quatro presidentes. Durante os anos em que serviu na Europa, Rio Branco testemunhou o imperialismo europeu nos territórios africanos e no domínio de quase toda a Ásia; isso serviu-lhe de alerta para a necessidade de o Brasil possuir capacidade militar para defender os amplos territórios vazios que possuía, embora o pacifismo tenha sido uma das diretrizes que orientou seu decênio à frente da política externa brasileira. Outras diretrizes foram a igualdade jurídica entre os Estados, o respeito ao direito internacional, a não intervenção em assuntos internos de outros países e o estreitamento das relações com a potência em ascensão, os Estados Unidos. Consolidar o movimento de aproximação do Brasil em relação aos Estados Unidos correspondia aos interesses do principal eixo econômico-político brasileiro, o setor exportador de café da região Sudeste. Os Estados Unidos eram o maior mercado consumidor do café brasileiro e, entre 1867 e 1905, o Brasil acumulou um superávit comercial com esse país de verdadeira enormidade. Na relação com os Estados Unidos havia o pragmatismo de reconhecer a emergência deste país à condição de potência mundial. Esperava-se, com o respaldo político norte-americano, estabelecer um equilíbrio com a Argentina, que tinha estreitas relações com a Grã-Bretanha. Para Rio Branco, não era contraditório manter relações privilegiadas com os Estados Unidos e de alto nível com os países da América do Sul. Ao contrário, seu projeto era que o Brasil fosse uma ponte entre ambos e liderasse a região, em sintonia com a Argentina, num esforço para criar um espaço sul-americano estável e pacífico. Ao assumir o cargo de chanceler, Rio Branco encontrou duas ameaças graves ao Brasil: a tentativa britânica de se apoderar de mais território amazônico na fronteira com a Guiana inglesa e a iminente posse do Acre pela Bolivian Syndicate. A questão do Acre A opção pacifista da República enfrentou na questão acreana sua prova mais difícil. O litígio poderia ter facilmente degenerado em conflito armado. O êxito em prevenir o choque e criar condições para que prevalecesse a negociação gerou precedente capaz de inibir qualquer tentação que desviasse o Brasil do princípio de repúdio à guerra de conquista inscrito nas constituições nacionais. O território do Acre foi definido como boliviano pelo Tratado de Limites assinado entre o Império do Brasil e a Bolívia, em 1867, durante a Guerra do Paraguai, como forma de o governo imperial obter a neutralidade boliviana no conflito. No final do século XIX, inexistia no território acreano autoridade boliviana. Entretanto, milhares de brasileiros nele se instalaram para explorar o látex, e nem a fronteira Brasil-Bolívia estava demarcada por marcos físicos. A região era objeto de interesses materiais consideráveis ao Brasil, sobretudo por conta da borracha. A população local se sentiu ameaçada desde que a Bolívia ensaiou as primeiras tentativas de afirmar sua administração, o que se agravou exponencialmente depois do arrendamento do território em uma companhia anglo-americana, a Bolivian Syndicate. Impotente para se impor aos brasileiros no território, o governo boliviano cedeu o Acre ao Bolivian Syndicate por trinta anos, mediante o pagamento anual de 40% dos lucros que o sindicato viesse a ter na sua exploração, e foi autorizado a explorar e administrar o território com poder de polícia, recolher impostos e manter tropas e barcos de guerra próprios. Adicione-se ao peso de um fator ausente nas outras disputas de limites: a mobilização dos estados amazônicos, em especial do Amazonas. O governo amazonense considerava a zona como parte de seu território e não se resignava em perder para a alfândega e as autoridades bolivianas os rendimentos tributários e financeiros que se habituara a receber da borracha. A soberania do território era disputada entre a Bolívia e o Peru, o que ocasionou para o Brasil não um, mas dois intricados problemas diplomáticos. A questão começa ainda no governo de Campos Sales, e será o próprio ministro das Relações Exteriores, Olinto de Magalhães, quem iniciará a reação oficial brasileira, obtendo do presidente a proibição da navegação do Amazonas em 1902. Tratando-se da única via prática de acesso ao Acre, sua interdição impedia o cumprimento do contrato. A proibição da navegação empatava o jogo e ganhava tempo. Faltava, contudo, o principal: declarar o território litigioso. Ao declarar litigioso o território, o Brasil adquiria plena legitimidade para transacionar com o Bolivian Syndicate, ressalvar os alegados direitos do Peru para discussão futura, e, sobretudo, negociar com a Bolívia o destino imediato do Acre. A decisão serve igualmente para justificar a ocupação militar preventiva da região, invocando o argumento de que cabia ao Brasil fazê-lo em razão da nacionalidade da população envolvida. Essa foi a contribuição de Rio Branco. A declaração de litígio, tomada no início da fase conclusiva do conflito, desdobrou-se em ações desenvolvidas em três frentes: ✓ A primeira era a das reivindicações peruanas, cuja solução mais simples era adiar a consideração dessas reivindicações, recusando as tentativas de Lima de participar das tratativas. ✓ A segunda frente envolvia os investidores da Bolivian Syndicate e, por detrás deles, seus poderosos governos. Apesar dos protestos dos Estados Unidos, da Inglaterra, da França, da Alemanha e da Suíça, o barão confirmou a proibição da navegação dos rios, impossibilitando ao consórcio fazer qualquer exploração. Ao mesmo tempo, entretanto, aplacava os governos reclamantes por meio de cautelosas gestões a fim de assegurar a disposição de não causar prejuízos aos aventureiros. Para isso, contou com a eficiente colaboração do tradicional banqueiro do governo, a Casa Rothschild de Londres, que não perdeu tempo em persuadir os homens de negócios a desistirem de suas expectativas de lucro mediante o pagamento de 110 mil libras. ✓ A terceira frente diferenciou-se do padrão unilateral de negociação das outras duas; os bolivianos resignavam- se a ceder o Acre em troca de dinheiro, uma vez que a venda de território nacional aparecia como algo incompatível com a honra. Entretanto, desprovida de apoios externos e impossibilitada de demonstrar a efetividade de sua soberania no terreno, não restava à Bolívia outra opção que a de buscar a melhor transação possível, uma vez que a hipótese de um conflito direto com o Brasil era obviamente irrazoável. Em 17 de novembro de 1903 foi assinado o Tratado de Petrópolis, pelo qual o Acre se tornou brasileiro. Solucionada a questão do Acre com a Bolívia, restava negociar com o Peru. Em julho de 1904, os dois países assinaram um modus vivendi e a situação ficou indefinida até 1906 quando, após o Rio Branco recusar a proposta de Lima de o Brasil receber uma compensação financeira pelo território, o governo peruano aceitou a proposta brasileira de receber uma área entre os rios Curanja, Santa Rosa e Purus. A questão do Pirara O único revés brasileiro nas questões de limites foi com a colônia inglesa da Guiana, a chamada questão do Pirara. Até a década de 1830 era pacífico que os limites entre terras inglesas e brasileiras, no norte amazônico, passavam pela divisão de águas das bacias dos rios Amazonas e Essequibo. Em 1838, um explorador prussiano a serviço da Inglaterra chega à aldeia do Pirara, e ao encontrá-la abandonada, dela se apossou em nome do governo britânico, instalando uma missão de catequese na região. Não houve reação brasileira. Dois anos depois, o Brasil propôs e a Inglaterra aceitou a neutralização do território até que se chegasse a um acordo definitivo, mas os ingleses estenderam a área neutralizada, aumentando o território em litígio. Em 1897, o presidente Prudente de Morais propôs a divisão dasterras litigiosas de modo que coubessem ao Brasil todas as terras da bacia do Amazonas, e aos britânicos as da bacia do rio Essequibo, mas a Grã-Bretanha recusou. Afinal, em 1899 os dois governos chegaram a um acordo para arbitragem sobre o território litigioso. As dificuldades adicionais provinham não apenas de que a adversária era a potência hegemônica mundial, mas porque os títulos invocados pelo Brasil pareciam menos seguros. Por estarem conscientes do risco, muitos estadistas brasileiros, inclusive o Barão, teriam preferido resolver a questão em negociação direta, solução que se frustrou quando Campos Sales recusou a proposta inglesa de compromisso, julgada aceitável por Rio Branco e Nabuco. Assessorado por pequeno grupo, Nabuco redigiu dezoito tomos da memória entregue ao árbitro em 1903. Escolhera- se como árbitro o jovem rei da Itália, Vitor Emanuel III. Emitido em junho de 1904, o laudo julgava que nenhuma das partes havia demonstrado de forma completa os direitos alegados, resolvendo dividir entre elas o objeto do litígio. O critério geográfico adotado na partilha acabou por favorecer o Reino Unido em detrimento do Brasil. 7. Os limites da “aliança não escrita” e do paradigma pró-Estados Unidos Embora fosse sincero o desejo brasileiro de “poder em tudo estar de acordo com os Estados Unidos”, a Segunda Conferência de paz da Haia (1907) revelaria os limites insuperáveis da orientação e das alternativas possíveis. Conduzida por Rui Barbosa, a delegação brasileira acabaria votando contra a americana em três das quatro grandes questões que dividiram a Conferência, demonstrando a falta de substância da acusação de alinhamento automático. As divergências tiveram origem na aspiração brasileira pelo reconhecimento de uma posição internacional de destaque negada pelos critérios de classificação das potências da época. Para decepção do Barão, a delegação norte-americana, longe dos foros pan-americanos, comportou-se da mesma forma que as grandes potências da Europa. O choque com a postura dos Estados Unidos levou o Brasil a assumir na conferência a liderança do grupo empenhado na igualdade jurídica, formado pelos latino-americanos e por países europeus de menor porte. O episódio não produziu consequências práticas, nem alterou o relacionamento estreito com Washington. Serviu, entretanto, para dissipar ilusões de que se pudesse contar sempre com a assistência dos Estados Unidos para elevar o Brasil à “esfera das grandes amizades internacionais” a que julgava ter direito. 8. A política externa de Lauro Müller Questão do café Para suceder a Rio Branco após sua morte, foi nomeado o catarinense Lauro Müller, que tinha uma longa trajetória política e administrativa. Ele encontrou o país satisfeito no plano externo, as fronteiras delimitadas, sem problemas com os vizinhos e com cordiais relações com a potência em ascensão, os Estados Unidos. Esperava-o a questão do café. A inserção econômica internacional do Brasil fazia-se basicamente através do café, que chegou a representar 72% das exportações do país na segunda metade da década de 1920. Desde a reafirmação do protecionismo alfandegário norte-americano, em 1897, o Brasil foi o único país latino- americano a ter um convênio com redução de tarifas de importação com os Estados Unidos, que durou de 1904 a 1922, e permitiu isentar o café vendido ao mercado norte-americano, em troca da concessão aos produtos importados dos Estados Unidos. Em 1911, uma manobra altista ficou conhecida como a “questão do truste do café”. O controle das vendas de café no mercado norte-americano reduziu a oferta do café, para causar aumento do seu preço, o que gerou protestos, principalmente na imprensa. Essa prática ia contra a legislação anti-monopolista dos Estados Unidos, levando o procurador distrital de Nova York a intervir na questão e requerer, em maio de 1912, a venda imediata, sem artificialismos, do café estocado na cidade pelo Comitê. A questão teve repercussões diplomáticas, com dura reação do embaixador brasileiro em Washington, Domício da Gama, um crítico da política externa americana. A questão do café foi minimizada graças à gestão de Lauro Müller e à ação do Departamento de Estado. Houve a demissão do procurador e o Departamento de Justiça americano retirou o processo, sob a condição do fim daquela ação altista artificial do café. A receptividade do governo Wilson em solucionar prontamente a questão, aceitando os argumentos de defesa apresentados pelo Itamaraty, tencionava não criar uma frente de atrito, quando os Estados Unidos já tinham de ocupar-se com as consequências da Revolução Mexicana. O tratado do ABC Caberia a Lauro Müller retomar e tentar insuflar vida a uma das poucas tentativas frustradas de Rio Branco, a de um pacto entre a Argentina, o Brasil e o Chile, ou ABC, segundo as iniciais dos países. Nessa tentativa, assinou-se em Buenos Aires em 1915, o Tratado do ABC, Tratado para Facilitar a Solução Pacífica de Controvérsias Internacionais. O objetivo era exatamente o definido no título: prevenir e evitar conflitos entre os três. Não tencionava tornar-se contrapeso aos Estados Unidos nem servir para grandiosas iniciativas conjuntas. O grupo demonstrara sua utilidade antes mesmo da assinatura, prestando bons ofícios nas negociações do Niagara Falls, no Canadá, para afastar a guerra entre México e Estados Unidos após o desembarque de fuzileiros navais em Vera Cruz. Na época de Rio Branco, os argentinos escusaram-se de aderir alegando ao tratado alegando as desconfianças que o pacto despertaria no Peru. Na sua reencarnação de 1915, não teria melhor sorte, pois a chegada do Presidente Hipólito Yrigoyen ao poder, em 1916, o condenaria a não entrar em vigor por não se haver completado a ratificação argentina. Pouco mais de trinta anos depois, nova tentativa no tempo de Perón, na Argentina, e do general Ibáñez, no Chile, voltaria a não vingar, dessa vez por resistência brasileira. Viria finalmente à luz, em 2008, sob roupagem totalmente diversa, como Unasul, agora incluindo todos os estados da América do Sul. 9. A Primeira Guerra Mundial O tema externo mais complexo enfrentado por Lauro Müller foi a posição brasileira na Primeira Guerra Mundial, motivo de debates acirrados entre “aliadófilos”, “neutrais” e “germanófilos”, com a maior parte da opinião pública apoiando a causa aliada. Em agosto de 1914, o governo declarou-se neutro no conflito, mas no início de 1917 o Império alemão decretou o bloqueio marítimo da Grã-Bretanha, França, Itália e Mediterrâneo Oriental, o que mereceu protesto do Itamaraty. Em seguida, em fevereiro, os Estados Unidos romperam relações diplomáticas com a Alemanha e exortaram os países neutros a fazerem o mesmo, mas o Brasil manteve sua posição de neutralidade. Em 6 de abril daquele ano, o Congresso americano aprovou a declaração de estado de guerra com os Impérios Centrais, porém o Brasil somente rompeu relações diplomáticas e comerciais com a Alemanha no dia 11 de abril, motivado pelo torpedeamento, na costa ocidental francesa, do navio mercante brasileiro Paraná, que transportava café e navegava de acordo com as normas de país neutro. Ocorrem manifestações de protesto no Brasil e Lauro Müller, defensor da neutralidade, ficou em situação delicada, ainda mais por sua descendência alemã. Pressionado, ele se demitiu em maio de 1917, e em seu lugar assumiu Nilo Peçanha, um “aliadófilo”. No mês seguinte, após o torpedeamento de outros três navios brasileiros, o governo tornou sem efeito os decretos da neutralidade e, em outubro, reconheceu o estado de guerra com a Alemanha, devido ao afundamento do vapor mercante Macau. O Brasil foi o único país sul-americano a participar da Primeira Guerra Mundial. A participação se restringiu ao envio de 13 aviadores à Grã-Bretanha, que fizeram parte da Royal Air Force; uma missão médica à França, que instalou um hospital em Paris; e uma missãode observadores do Exército e uma frota de seis navios para patrulhar o Mediterrâneo, a Divisão Naval em Operações de Guerra. Esta não chegou a tomar parte nas hostilidades, pois navegando do Brasil para o Mediterrâneo, imobilizou-se em Dacar ao ser atingida pela gripe espanhola, que matou mais de cem marinheiros. Embora simbólica, essa participação militar permitiu ao Brasil importantes ganhos no cenário internacional. No final de 1917, o país esteve presente na Conferência Interaliada de Paris e, terminada a guerra, nas negociações de paz de Versalhes, com uma delegação chefiada por Epitácio Pessoa. Nelas, o Brasil foi atendido em suas demandas principais, como a de ficar com os navios alemães apreendidos durante a guerra e a de obter o reembolso do valor do café vendido pelo estado de São Paulo, em 1914, às casas comerciais alemãs e cujo pagamento ficou bloqueado em bancos na Alemanha. Ademais, a diplomacia brasileira esteve presente na criação da Liga das Nações, sociedade multilateral com o objetivo de preservar a paz entre os Estados, proposta pelo presidente Wilson. Os Estados Unidos apoiaram o Brasil para ser membro temporário no Conselho da Liga, órgão máximo da organização que viria a se instalar. Na Conferência de Paz, ao ver sua participação na Liga limitada pelas grandes potências, o Brasil se uniu aos protestos dos pequenos Estados que se sentiam discriminados, mas terminou por aceitar a lógica de distribuição de poder com base em classificação hierarquizada. A diplomacia brasileira transitou do idealismo igualitário para o realismo, ao se deparar com o fato consumado das regras da Liga elaboradas pelas potências europeias. 10. A política externa de Arthur Bernardes Em 1922, Arthur Bernardes tomou posse na presidência e iniciou uma contraproducente fase de “hiperatividade diplomática e histrionismo político”. Foi o que ocorreu na V Conferência Internacional Americana, realizada em Santiago em 1923, que foi dominada pela discussão da redução de armamentos. Como estava em posição de inferioridade em relação às Marinhas argentina e chilena, para o Brasil a redução de armamentos significava o congelamento dessa situação, daí a resistência em aceitá-la. Essa resistência foi alvo de críticas da delegação argentina, e o impasse foi contornado com a proposta do delegado paraguaio, Manuel Gondra, que reforçava o arbitramento como forma de evitar conflitos armados. O chamado Pacto de Gondra foi recebido com entusiasmo pelo chefe da delegação brasileira, Afrânio de Melo Franco, pois a adesão demonstrava que o Brasil não era belicoso e queria a paz, o que não ficara claro durante a conferência. A partir de então, as relações do Brasil com os vizinhos tornaram-se burocráticas, sem maiores iniciativas ou realizações. O evento mais significativo foi, em 1925, a assinatura de um acordo entre Brasil, Colômbia e Peru sobre a delimitação de fronteiras na Amazônia. Em relação aos Estados Unidos, o governo Bernardes resistiu, em 1923, à proposta desse país para a assinatura de novo acordo comercial com a cláusula de nação mais favorecida, em substituição àquele renovado anualmente, que dava preferências comerciais mútuas. A solução encontrada foi a assinatura, em outubro do mesmo ano, de um modus vivendi comercial com base no princípio da igualdade de tratamento. De toda forma, persistiu a predominância americana no comércio exterior brasileiro. A disputa por um assento permanente na Liga A partir de 1924, o governo deu início a uma campanha sistemática por uma cadeira permanente para o Brasil no Conselho da Liga. No fundo destinada ao público brasileiro, a campanha visava contrapor o prestígio da conquista internacional à impopularidade interna do governo Bernardes. Em março de 1926 reuniu-se em Genebra a Assembleia Extraordinária da Liga para aprovar os Acordos de Locarno, pelos quais os principais beligerantes da Primeira Guerra, inclusive a Alemanha, reconheciam as fronteiras fixadas pelo Tratado de Versalhes, renunciavam à guerra e comprometiam-se a resolver suas diferenças por meio da arbitragem. Ao assinar esses acordos, a Alemanha reconhecia a realidade europeia no pós-guerra, abrindo caminho para que os países europeus aceitassem sua admissão na Liga das Nações. Não havia polêmica sobre os tratados, mas sim sobre a ampliação do Conselho da entidade, com o Brasil e alguns outros países pleiteando um assento permanente. Constatado o fracasso da reivindicação brasileira, Bernardes decidiu que vetaria o ingresso da Alemanha na Liga, em nome da “dignidade nacional”, o que foi comunicado à organização em 17 de março. Três meses depois, o embaixador brasileiro na Liga, Afrânio de Melo Franco, apresentou documento com duras críticas ao funcionamento da Liga e notificou a retirada do Brasil do organismo, para que o seu estatuto exigia dois anos de carência para ser efetivada. A derrota brasileira foi mais dramática devido à atitude dos delegados hispano-americanos, que apelaram coletivamente para que Bernardes suspendesse o veto e informaram ao Conselho seu desacordo com a decisão brasileira. A implementação dos Acordos de Locarno e o ingresso da Alemanha na Liga parecia ser a solução para pacificar a Europa, evitando novas guerras. Para as potências europeias, era inconcebível que o Brasil realmente vetasse a Alemanha, colocando em risco a engenharia diplomática realizada para consolidar a paz no Velho Continente. A sociedade republicana Imigração No período que vai de 1830 a 1930, europeus, africanos e asiáticos entraram no Brasil em números expressivos. No entanto, foi a partir do final do século XIX que os movimentos migratórios recrudesceram. Com a Lei Áurea, a entrada de migrantes era vista como a solução para os impasses locais, apesar de se assemelhar a uma escravidão por dívida, em função dos altos custos da viagem, do transporte, da terra e das sementes, que eram repassados para o novo recém-chegado trabalhador. Desde o início, o processo de imigração existente no Brasil apresentou duas características distintas. Em primeiro lugar, e por conta da existência de grandes áreas não ocupadas no Sul, onde as condições climáticas eram semelhantes às temperadas, instalou-se um modelo de imigração europeia baseado em pequenas propriedades policultoras. Tanto nos números oficiais quanto nos particulares, a terra era, na maioria das vezes, vendida a prazo, em lotes de até 25 hectares, geralmente distribuídos ao longo dos cursos de água. Já no caso dos cafezais e, em especial, em São Paulo, que praticamente não contava mais com mão de obra escrava, o modelo vencedor foi aquele da imigração estrangeira dirigida ao campo, subvencionada pelo estado paulista ou pelos próprios proprietários, para o trabalho direto nas fazendas. Não obstante, se existiram teoricamente dois modelos, a maior parte dos imigrantes seguiu, efetivamente, para as fazendas de café. Enquanto o fluxo imigratório foi diretamente financiado pelos empreendedores, esses se achavam no direito de cobrar por tudo. Para aqueles que se dirigiam a São Paulo, antigas senzalas foram adaptadas com o objetivo de acomodar os novos trabalhadores. Nesse caso, em vez de rupturas havia antes continuidades com os modelos dessas elites brasileiras, acostumadas ao trabalho compulsório, ao mandonismo e ao compadrio. Por volta de 1930, essa tendência à imigração transoceânica diminuiria de maneira sensível. De 1917 a 1924 os Estados Unidos limitaram a entrada de estrangeiros e, em dezembro de 1930, o presidente Getúlio Vargas, alegando a necessária disciplina diante da “afluência desordenada de imigrantes responsável pelo desemprego das populações locais” adotou o mesmo tipo de política. Sociedade e cultura: o Modernismo A sociedade brasileira dinamizou-se enormemente do período que vai desde a década de 1880 até os anos 1930. Tal configuração social representava o resultado do crescimento geral
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