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1 História da Língua Portuguesa Introdução aos estudos históricos da língua Profª. Dra. Juliana Fogaça Sanches Simm • Unidade de Ensino: 01 • Competência da Unidade: Conhecer o construto teórico do estudo diacrônico da língua portuguesa para compreender o seu funcionamento. • Resumo: Estudo das concepções históricas de estudo da língua, com distinção dos métodos de estudos da gramática histórico-comparativa, da linguística histórica e da filologia. • Palavras-chave: Estudo diacrônico; gramática histórico-comparativa; linguística histórica; filologia. • Título da teleaula: Introdução aos estudos históricos da língua • Teleaula n.º: 01 Contextualização • O que é estudar a história de uma língua? • Quais as diferentes maneiras de se estudar uma língua do ponto de vista histórico? • Quais são os campos de estudo da gramática histórico-comparativa, da linguística histórica e da filologia? • Qual a importância, para o profissional de Letras, de conhecer a origem e o processo de formação da língua portuguesa? Antecedentes dos estudos históricos da língua Primeiros estudos sobre a língua Estudos comparatistas Identificação de semelhanças entre as línguas. Universais linguísticosTipologiasParentesco Fonte: ShutterStock Método comparativo Gramática comparativa (Friedrich Schlegel e Franz Bopp) Verificação da familiaridades entre as línguas e comprovação de seu efetivo parentesco. “[...] existem correspondências sistemáticas (e não apenas aleatórias ou casuais) em termos de estrutura gramatical, correspondências estas passíveis de serem estabelecidas por meio duma cuidadosa comparação.” (Faraco, 2005, p. 134) 1 2 3 4 5 6 2 Método histórico-comparativo Protolíngua Reconstituição da suposta língua-mãe de um conjunto de línguas. “um caráter genético, e fez aparecer a preocupação de reconstituir, pela comparação, o indo-europeu, considerando como a língua comum das línguas das principais culturas clássicas.” (Ilari, 2006, p. 18) Línguas RomânicasLatim clássico ItalianoFrancêsEspanholPortuguês nuovo muove morde porta popolo neuf meut mord porte peuple nuevo mueve muerde puerta pueblo novo move morde porta povo novu movet mordit porta populu Fonte: Adaptado de Ilari (2004, p. 23). Quadro comparativo das línguas românicas Neogramáticos Línguas indo-europeias Indo-europeu ou protoindo-europeu Língua hipotética da qual teriam derivado várias famílias linguísticas faladas na Europa e na Ásia; língua-mãe dessas famílias, à qual se chega pela comparação entre as similaridades entre as línguas. Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:IndoE uropeanTree.svg Lei de Grimm Descrição da transformação ocorrida no sistema de consoantes do protoindo- europeu na passagem para o germânico comum. Exemplos Falas de uma criança Formulada por Jacob Grimm, um dos pioneiros da Linguística. Eu di! Eu fazi! Fonte: ShutterStock Neogramáticos Objetivo Interesse Objeto Construir uma teoria explicativa da mudança. Investigar os mecanismos da mudança. Línguas vivas - sincronia. 7 8 9 10 11 12 3 Neogramáticos – generalização absoluta Para os neogramáticos: As mudanças sonoras afetavam o mesmo som/fonema em todas as suas ocorrências, no mesmo ambiente, em todas as palavras, sem exceções. Para estudiosos contrários: As mudanças ocorreriam de forma gradual e diferenciada no espaço geográfico e no interior do dialeto, devido à ação de diferentes fatores. Gramática histórico-comparativa Gramática histórico-comparativa A gramática histórico-comparativa estuda as transformações de uma língua no tempo e no espaço, estabelecendo comparações com outras línguas. estudo diacrônico (evolução / modificação da língua no tempo) Constituição das gramáticas histórico-comparativas Técnica de pesquisa: estudo comparativo Tipo de pesquisa: diacrônica Apresentação metódica da história interna de uma língua. Fonte: ShutterStock Enfoques da gramática histórico-comparativa Tipológico Evolucionista Genético Classificação das línguas de acordo com suas características. Demonstração dos caminhos percorridos pelas línguas. Estabelecimento da origem das línguas. Gramáticas histórico-comparativas x Gramáticas gerais Busca pelo estabelecimento da língua-mãe de um conjunto de línguas com traços semelhantes. As gramáticas históricas ou histórico-comparativas, ao contrário das gramáticas gerais, estudavam o funcionamento de várias línguas, e não de apenas uma; as que eram aparentadas, isto é, da mesma família linguística. 13 14 15 16 17 18 4 Exemplos de comparações línguas românicas RomenoCatalãoFrancêsItalianoEspanholPortuguêsLatim optvuithuitottoochooitoocto Limitações da gramática histórico-comparativa Contribuições da gramática histórico-comparativa Evidências de que as mudanças sofridas pelas línguas não são caóticas e aleatórias, mas apresentam regularidade, têm uma direção. Fonte: ShutterStock Limitações da gramática histórico-comparativa • Focalizava apenas o funcionamento gramatical. • Ignorava a descrição do funcionamento da língua. • Neogramáticos: não explicitavam os efeitos dos contextos de comunicação no uso da língua. • Comparatistas: analisavam a língua em elementos isolados, sem considerar o sistema. • Método comparativo: defendiam a ideia de que uma língua pode manter-se uniforme mesmo que os usuários sejam separados repentinamente. (Martelotta, 2012) Limitações da gramática histórico-comparativa • Pautava-se na ideia de que as línguas descendentes de uma mesma língua-mãe sempre irão divergir, sem jamais convergir de novo, ao longo do tempo. (Weedwood, 2002) • Defesa da existência de um ponto no tempo em que novas línguas se originam de uma língua-mãe comum. Críticas à concepção naturalista de Schleicher - modelo da árvore genealógica aplicado às línguas Exercício 19 20 21 22 23 24 5 Exercício Material complementar (AVA) (Fonte: ENADE - Letras Bacharelado, 2017) Atividade de interação 1 Atividade de interação 1 Observe a imagem a seguir: Assim como a língua, as palavras têm uma história? Fonte: GAULD, Tom. Estadão, 16 maio 2011 - versão traduzida. A constituição da linguística histórica Influência dos neogramáticos na constituição da linguística histórica O objetivo dos neogramáticos não era chegar à língua-mãe, à reconstrução da língua indo-europeia. Era importante entender a natureza das mudanças por meio da observação dos fenômenos que levaram à sua transformação, tendo por base o estudo das línguas vivas. Mudança linguística Sincronia Língua falada neogramáticos A linguística histórica Os estudos de linguística histórica comprovam que as línguas humanas se transformam no fluxo do tempo, ou seja, palavras e estruturas que existiam antes deixam de existir ou sofrem modificações na forma, na função e/ou no significado. Fonte: Elaborada pelo autor. 25 26 27 28 29 30 6 1786 a 1878 Publicação do manifesto dos neogramáticos e período de formação e consolidação do método comparativo. 1878 até hoje Duas formas de conceber o estudo da mudança linguística: imanentista (fatores da própria língua); e subjetivista (fatores internos e externos à língua). Períodos da linguística histórica Fonte: ShutterStock As mudanças que afetam uma língua não são absolutamente mecânicas e regulares a curto prazo. Podem coexistir formas de diversos estágios de evolução, em qualquer estado real da língua, mesmo que, a longo prazo ou no espaço de várias gerações, a mudança quase sempre acabe afetando todas as palavras e todas as estruturas de um determinado tipo. A contribuição de Hermann Paul para a linguística histórica Linguística histórica Mudança linguística Diacronia Fatores internos e externos Linguística histórica A contribuição de Hermann Paul • Adoção do ponto de vista psicológico e subjetivista para explicar a mudança linguística. • Percepção da origem da mudança linguística no próprio falante – fatores internos e externos à língua. • Aplicação dos aspectos inferidossobre a evolução de línguas particulares a todas as línguas. Fonte: https://commons.wikimedia.or g/wiki/File:Hermann_Paul.jpg. Estudo da fala compreensão das mudanças fonéticas a) Movimentos dos órgãos fonadores. b) Sentido mecânico (interpretação dos sons). c) Sensações sonoras e imagens da memória (associações de sons a ideias). Fonte: ShutterStock 31 32 33 34 35 36 7 Hermann Paul abriu caminho para o estudo da mudança linguística tendo em vista a influência dos falantes. De certa maneira, ele foi um precursor dos estudos sociolinguísticos, que explicam as alterações na língua por meio de fatores exteriores a ela, como contexto histórico e social, região geográfica, faixa etária, etc. Filologia Filologia Desde seus primórdios, foi utilizada para nomear atividades e indagações que tinham a finalidade de preservar, fixar e interpretar textos. filo (amor, apreço, estima especial) logia (doutrina, ciência, erudição, conhecimento ou estudo científico) Primeiros estudos e filólogos Primeiros estudos filológicos Século III a.C. Estudos de documentos escritos > alexandrinos Primeiros filólogos Atividade editorial > cópia de manuscritos do passado, cujos textos eram corrigidos e interpretados de acordo com determinadas normas por eles estabelecidas. Fonte: ShutterStock A filologia, nas mãos dos alexandrinos, tornou-se um conjunto de conhecimentos sistemáticos e ordenados, porém amplo e pouco profundo, uma vez que esperava-se que o filólogo possuísse não só conhecimentos linguísticos e literários, mas também históricos, geográficos, artísticos, retóricos, etc. Ele era considerado a pessoa mais apta tanto para explicar os textos como para reconstruí-los, modernizá-los e restaurá-los. Três acepções dos estudos filológicos Estudo rigoroso dos documentos escritos antigos e de sua transmissão. Estudo científico do desenvolvimento de uma língua ou de famílias de línguas. Estabelecimento de sua autenticidade – texto – através da comparação de manuscritos e edições. 37 38 39 40 41 42 8 Aplicações da filologia Comparação de línguas Estudo das relações existentes entre línguas aparentadas. Reconstrução de textos Reconstrução dos textos a partir de cópias de manuscritos. Ecdótica ou edição textual ou crítica textual Descoberta e correção de erros de um documento escrito. Relações entre filologia e linguística histórica Aproximações filologia x linguística histórica Filologia do século XIX e da primeira metade do século XX. ↓ Filologia comparativa ou ciência comparativa das línguas (essência profundamente linguística). ↓ Confusão com estudos comparativos - linguística histórica. Ambas as ciências foram consideradas sinônimas. Fonte: ShutterStock Distanciamentos filologia x linguística histórica Filologia Linguística Estudo do texto Estudo científico da linguagem humana Fonte: ShutterStock Para determinar os estados de língua do passado, o linguista deve servir-se da mais exata filologia, da mais precisa: e cada progresso na precisão filológica permite um novo progresso para o linguista. O contato cada vez mais estreito que, felizmente, se estabeleceu entre filólogos e comparatistas, é necessário para que o linguista possa utilizar todos os fatos, fatos seguros, e fatos observados com a máxima precisão. Sozinha, contudo, a filologia não traz nem mesmo um começo de história linguística. (Meillet, 1925, p. 11) Contribuições da filologia para a linguística Objeto de análise da filologia. ↓ discurso dos linguistas e sua terminologia descritiva. O trabalho filológico ajuda os linguistas a reconstruir a perspectiva temporal na história das línguas. 43 44 45 46 47 48 9 Confluências - filologia e linguística histórica “[...] A filologia deixa à ciência linguística a tarefa de descrever os sistemas linguísticos, sem, no entanto, abrir mão de estudá-los, realizando sua interpretação com a maior precisão e simplicidade possível, explicando-o, ensinando-o e contribuindo para a preservação da memória cultural do povo que utilizou as línguas que já não se usam efetivamente, mas permanecem nos textos antigos.” (Salces, 2016, p. 50) Situação-problema Situação-problema Para solucionar esse problema, como será sua abordagem? Você é professor de Língua Portuguesa do Ensino Médio e, em uma aula sobre estrutura e formação de palavras, um aluno questiona: “Quando duas palavras são idênticas na forma, mas têm significados distintos, elas têm uma mesma origem?” Devido à necessidade de tempo para uma abordagem adequada, você promete uma aula sobre esse tema para a semana seguinte. Problematizando a Situação-Problema • Uma mesma palavra pode assumir diferentes significações ao longo do tempo, assim como diferentes palavras podem assumir a mesma forma ao longo do tempo. • Para conhecer o percurso histórico de uma palavra, em termos de forma e de sentido, deve-se buscar o seu étimo. • A etimologia constitui uma área teórica que se ocupa do estudo da origem e da evolução das palavras. Resolvendo a Situação-Problema Estratégias gerais para a resolução: • discussão sobre a etimologia das palavras; • abordagem de exemplos; • pesquisa e análise de outros casos... É fundamental que se compreenda que nem sempre o alcance da origem precisa de uma palavra é possível. vago (vazio) vago (impreciso) > vacuus > vagus Atividade de interação 2 49 50 51 52 53 54 10 Atividade de interação 2 Você conhece outras palavras consideradas “velhas”? Revisão final Revisão final • O método comparativo foi aplicado no estudo de famílias linguísticas. • A gramática histórica estuda as transformações de uma língua no tempo e no espaço. • A linguística histórica estuda a língua em sua própria evolução no tempo, considerando os fatores que levam a mudanças. • A filologia estuda estados de uma língua, a fim de reconstituir a sua história. Referências FARACO, C. A. Linguística histórica: uma introdução ao estudo da história das línguas. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. ILARI, R. Linguística histórica. 3. ed. São Paulo: Ática, 2004. MARTELOTTA, M. E. Conceitos de gramática. In: MARTELOTTA, M. E.(Org.) Manual de linguística. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2012. p. 43-70. MEILLET, A. La méthode comparative en linguistique historique. Paris: Champion, 1925. SALCES, C. D. História da língua portuguesa. Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2016. TRASK, R. L. Dicionário de linguagem e linguística. Trad. Rodolfo Ilari. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2011. WEEDWOOD, B. História concisa da linguística. São Paulo: Parábola, 2002. 55 56 57 58