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No último quarto de século, desde que a AIDS foi inicialmente reconhecida, a epidemia global de AIDS tem indiscutivelmente se tornado não só a ameaça mais séria à saúde do início do século XXI como também um dos maiores entraves ao progresso social e econômico nos países extensamente afetados. O impacto cumulativo da epidemia já é devastador, com alta prevalência principalmente nos países da África subsaariana, somando-se ao colapso da saúde e de outros serviços essenciais, à diminuição da expectativa de vida e à extrema pobreza. A Aids é uma doença causada pelo HIV, um retrovírus, e caracteriza-se por profunda imunossupressão que leva a infecções oportunistas, neoplasias secundárias e manifestações neurológicas. Apesar de a aids ser reconhecida como entidade médica no início dos anos 1980 e o agente causal (o vírus da família HIV) ser descoberto logo após, ainda existem muitas dúvidas a respeito do mecanismo pelo qual a infecção com os retrovírus HIV genomatrópicos causa depleção de células T CD4+ e a subsequente imunodeficiência fatal. A integração do material genético viral com o genoma da célula hospedeira resulta em alterações que afetam tanto as células infectadas como as precursoras. Entre essas anormalidades, incluem-se diminuição da proliferação das células T antígeno-específicas e da síntese de citocinas e mudanças nos processos celulares básicos, como o ciclo de regulação celular, resultando em morte celular programada prematura. A infecção viral também causa mudanças na homeostase não imunológica com consequências no processo imunológico, como elevação do nível de substância P, que, por sua vez, aumenta a expressão do HIV nos monócitos. Linha do Tempo 1981 – Descreve-se pela primeira vez a AIDS, contudo, sem nomeá-la cientificamente. Neste mesmo ano, morre Gaëtan Dugas, conhecido popularmente como "paciente zero", pois acredita que tenha sido ele um dos primeiros a espalhar a doença nos EUA. 1982 – Primeiros 7 casos identificados no Brasil 1983 – Pesquisadores isolam o vírus da aids pela primeira vez. 1985 – Chega ao mercado um teste sorológico de metodologia imunoenzimática, para diagnóstico da infecção pelo HIV que podia ser utilizado para triagem em bancos de sangue. 1986 – Na segunda Conferência Internacional de AIDS, ocorrida em Paris, foi reportada experiências iniciais do uso do AZT. No mesmo ano, a FDA aprovou o seu uso. Este revelou um impacto discreto sobre a mortalidade geral de pacientes infectados pelo HIV. 1989 – O preço do AZT caiu 20%. Um novo antirretroviral, DDI, foi autorizado pelo FDA para pacientes com intolerância ao AZT. 1991 – No Brasil, inicia-se o processo para a aquisição e distribuição gratuita de antirretrovirais. 1992 – O FDA aprova o uso do DDC em combinação com o AZT para pacientes adultos com infecção avançada. Esta foi a primeira combinação terapêutica de drogas para o tratamento da AIDS a apresentar sucesso.94 1994 – Os inibidores da protease passaram a ser estudados. Estas drogas demonstraram potente efeito antiviral isoladamente ou em associação com drogas do grupo do AZT (daí a denominação "coquetel"). Houve diminuição da mortalidade imediata, melhora dos indicadores da imunidade e recuperação de infecções oportunistas. Ocorreu um estado de euforia, chegando- se a falar na cura da AIDS. 1996 – Acontece a Conferência Internacional em Vancouver, onde se anunciou a combinação de três drogas com efeitos mais efetivos que a terapia dual. 2007 - O paciente de Berlim, é curado após um transplante de medula óssea de um doador que possuía a mutação CCR5-Δ32 que impede o HIV de entrar nas células. Timothy Ray Brown revelou sua identidade em 2010. 2008 - É concluído o processo de nacionalização de um teste que permite detectar a presença do HIV em apenas 15 minutos. Prêmio Nobel de Medicina é entregue aos franceses Françoise Barré-Sinoussi e Luc Montagnier pela descoberta do HIV. 2016 – O paciente de Londres, é curado após um transplante de medula óssea. Adam Castillejo revelou sua identidade em 2020. 2017 – Anvisa libera comercialização de autoteste para o HIV em farmácias. A PrEP passa a ser ofertada pelo SUS. 2020 - Durante a 23ª Conferência Internacional sobre Aids, pesquisadores da Unifesp relataram que um paciente de 35 anos teve o tratamento interrompido em março de 2019 e após e continuava sem detecção de DNA e RNA viral (paciente de São Paulo). Em setembro de 2020 apresentou um quadro de sífilis e sua carga viral voltou a se tornar detectável. Todos os pacientes do estudo estavam com vírus indetectável a 2 anos, um dos grupos teve o tratamento intensificado com dolutegravir, maraviroc e nicotinamida (vitamina B3) por 48 semanas. A niconinamida é um inibidor de HDAC (histona deacetilase). infectologia: HIV/AIDS Igor Mecenas Epidemiologia Embora inicialmente reconhecida nos Estados Unidos, a Aids é um problema global. Agora é relatada em mais de 190 países no mundo todo, e o grupo de pessoas infectadas pelo HIV, na África e na Ásia, é grande e está em expansão. Em 2019, 37,9 milhões de pessoas no mundo vivem com HIV, sendo que 23,3 milhões têm acesso à terapia antirretroviral. São estimados 1,7 milhão de novas infecções e 770 mil mortes de doenças relacionadas à Aids. Desde o início da epidemia, foram registrados 74,9 milhões de pessoas infectadas, com 32 milhões de mortes. Brasil Segundo o Boletim Epidemiológico HIV/AIDS 2020, no Brasil, em 2019, foram diagnosticados 41.909 novos casos de HIV e 37.308 casos de aids notificados no Sinan, declarados no SIM e registrados no Siscel/Siclom. Em 2018 foram 43.941 novos casos de HIV e 37.161 casos de aids. Desde o ano de 2012, observa-se uma diminuição na taxa de detecção de aids no Brasil, que passou de 21,9/100.000 habitantes (2012) para 17,8/100.000 habitantes em 2019, configurando um decréscimo de 16,8%; essa redução na taxa de detecção tem sido mais acentuada desde a recomendação do “tratamento para todos”, implementada em dezembro de 2013. Entre 2008 e 2018 houve queda na taxa de detecção de AIDS na maioria das faixas etárias, porém houve aumento em homens de 15 a 29 anos e acima dos 60. No período de 1980 a junho de 2020, 1.011.617 casos de aids detectados no país. No país, no período de 2000 até junho de 2020, foram notificadas 134.328 gestantes infectadas com HIV, das quais 8.312 no ano de 2019. Verificou-se que 32,8% das gestantes eram da região Sudeste, seguidas pelas residentes das regiões Sul (26,6%), Nordeste (22,0%), Norte (12,5%) e Centro-Oeste (6,0%). Em um período de dez anos, houve um aumento de 21,7% na taxa de detecção de HIV em gestantes: em 2009, a taxa observada foi de 2,3 casos/mil nascidos vivos e, em 2019, de 2,8/mil nascidos vivos. Em 2019, foram registrados 10.565 óbitos por causa básica aids, com uma taxa de mortalidade padronizada de 4,1/100.000 habitantes. A taxa de mortalidade padronizada sofreu decréscimo de 29,3% entre 2009 e 2019. Etiologia O HIV é um vírus de aproximadamente 100 nm de diâmetro, envelopado, apresentando em sua superfície uma membrana lipídica oriunda da membrana externa da célula do hospedeiro e duas glicoproteínas (gp41 e gp120). Internamente a essa membrana, está a matriz proteica, formada pela proteína p17 e pelo capsídeo viral de forma cônica composto pela proteína p24. O material genético, o RNA transportador (tRNA) e as enzimas necessárias para os primeiros eventos da replicação viral encontram-se no capsídeo viral. O HIV é classificado em dois tipos (1 e 2), com o HIV- 1 subdividido em quatro grupos: M (major), O (outlier), N (new) e P. Cada um desses vírus representa eventos separados de transmissão de outras espécies de primatas para a humana, provavelmente há algumas décadas. Aparentemente o HIV-2 tem infectividade e patogenicidade menor que o HIV-1. Assim como outros vírus RNA, o HIV tem alta variabilidade genética. A transcriptase reversa incorpora erroneamenteem torno de 10-4 bases em cada ciclo replicativo. Como o HIV tem 104 pares de base em seu genoma, pode-se dizer que ocorre uma substituição nucleotídea por genoma, por ciclo replicativo, fazendo com que a população de retrovírus contenha pouco ou nenhum genoma idêntico. Todos os dias são geradas 105 a 106 variantes que possuem mutação em cada posição do genoma. Recombinação é outro fator responsável pela variação viral. Fisiopatologia Transmissão Sexual As práticas sexuais foram identificadas como a mais importante via de transmissão do HIV, desde as primeiras investigações sobre a nova doença e seu agente etiológico. Estimativas indicam que de 75 a 85% das infecções por HIV no mundo ocorreram por práticas sexuais. Na África e em alguns países do Caribe, a transmissão do vírus HIV se dá na maioria das vezes por via heterossexual. Na América do Norte, Europa Ocidental, Austrália e em alguns países da América Latina, predominam os casos ocorridos entre HSH, embora no período mais recente da história da epidemia, em muitos desses países, observe-se o crescimento da transmissão heterossexual. O sexo anal receptivo desprotegido é identificado como a prática que apresenta o maior risco de infecção para ambos os sexos. Nos últimos anos, vários estudos demonstraram o efeito protetor da circuncisão na transmissão do HIV. Homens circuncidados apresentam chances até 60 vezes menores de se infectar, quando comparados com os que não foram submetidos à circuncisão. A presença de ISTs, especialmente as que causam ulcerações na região genital, como sífilis, cancroide e herpes, está fortemente associada à transmissão do HIV. Transmissão Vertical Considerando que a faixa etária da maioria absoluta de casos de aids coincide com a idade reprodutiva, uma das mais importantes consequências de um maior número de mulheres infectadas é o aumento de casos em crianças por transmissão perinatal. Transfusão Sanguínea e Compartilhamento de agulhas A contaminação pelo HIV por transfusão sanguínea foi detectada logo no início da epidemia. Até 1985, antes da disponibilidade dos testes de detecção da infecção por HIV, a transmissão sanguínea foi responsável por grande número de casos de aids. A transmissão do HIV pelo sangue é, entre as vias de transmissão do vírus, a mais eficiente. Esse fato deve-se tanto à alta concentração viral encontrada no sangue de infectados quanto por introduzir o vírus diretamente na corrente sanguínea. O grande potencial de disseminação do HIV entre usuários de drogas injetáveis (UDI) de uma comunidade é fartamente demonstrado. Ciclo viral A infecção pelo HIV inicia-se com a entrada do vírus na célula, através da ligação da proteína de superfície (gp120) com o receptor da célula (molécula CD4). A entrada ocorre através da fusão do vírus com a membrana da célula, mediada por gp41. Desde a sua descoberta, ficou claro que a molécula de CD4 não poderia ser o único receptor do HIV. Foi descoberto que as moléculas CXCR4 e CCR5, cujos ligantes naturais são quimoquinas (SDF-1, para a primeira, e RANTES, MIP-1a e MIP-1b, para a segunda), são o correceptor do HIV. Após entrar na célula, a proteína viral Vif se liga a APOBEC3G, um antiviral natural da célula que promove hipermutação G-A durante a transcrição reversa, levando a sua degradação. RNA viral é convertido a DNA pelas enzimas transcriptase reversa e ribonuclease H. Essa reação ocorre no citoplasma da célula nas primeiras 6 horas de infecção. A dupla fita de DNA é integrada de forma randômica ao genoma do hospedeiro pela enzima integrase. O funcionamento da integrase depende da sua ligação com um cofator celular denominado LEDGF/p75. Uma vez integrado, o DNA viral permanece na célula enquanto ela estiver viva. Proteínas celulares e virais controlam a expressão gênica do HIV. Inicialmente, apenas as proteínas Tat, Rev e Nef são sintetizadas. O acúmulo da Tat no núcleo da célula aumenta a transcrição da Rev, que regula a expressão do RNA mensageiro, levando a produção das proteínas estruturais. Após a síntese da proteína precursora do Gag, esta é direcionada a membrana celular para montagem da partícula viral. A liberação do vírus é por brotamento; durante esta fase, a enzima protease processa as proteínas precursoras dos genes pol e gag, tornando a partícula viral madura e capaz de infectar uma nova célula. Ainda não são conhecidos todos os processos celulares envolvidos na replicação do HIV. Recentemente, utilizando-se técnicas de siRNA, foi possível identificar mais de 200 novas proteínas celulares necessárias para a replicação viral. Resposta do hospedeiro Alteração da síntese de citocinas Durante a progressão da infecção causada pelo HIV, até atingir o quadro típico de aids, os pacientes apresentarão queda progressiva da função e do número de células T helper (Th), acompanhada de hipergamaglobulinemia. É proposto que, após a infecção pelo HIV, os linfócitos dos pacientes que evoluem para aids apresentam produção menor de interleucina-2 (IL-2) e interferon-gama (INF-γ) em resposta ao antígeno, com subsequente aumento de produção de IL-4 e IL-10. Pacientes que progridem do estágio assintomático para a doença sintomática apresentariam resposta imune alterada secretando, predominantemente, citocinas do tipo Th2 (embora alguns pesquisadores acreditem que a mudança observada seja das células do tipo Th0). As análises dos clones das células T dos pacientes com HIV, antes e depois da soroconversão, revelaram queda da proporção das células do tipo Th1 após a soroconversão associada com o aumento das células do tipo Th2/Th0. Os dados sugerem que as células do tipo Th1 podem desempenhar função protetora contra a infecção pelo HIV. A correlação entre a progressão da doença e a subsequente perda da função imune Th1-específica pode ser exemplificada pelos tipos de infecção que os pacientes apresentarão em ordem sequencial. A maioria das infecções oportunistas são do tipo intracelular, para as quais as células Th1 e suas citocinas são a barreira de defesa mais importante. A função de células CD8+ com atividade citotóxica e especificidade para o HIV é cada vez mais exaltada como fundamental para o retardo na progressão para aids e como um marcador positivo de resposta aos antirretrovirais. A infecção pelo HIV de linfócitos T CD4+ leva à destruição dessas células, pela falta de auxílio para manutenção da resposta imune e por um mecanismo ativo via indução de apoptose. Apoptose Células T maduras são mais resistentes ao sinal de morte pela ativação do receptor das células T (TCR). Entretanto, a infecção pelo HIV ou a interação entre CD4 e gp120 (com ou sem formação de complexos antígeno-anticorpo) diminui o limiar da apoptose induzida por antígenos em células T maduras. A interação entre gp120 do HIV e CD4 interrompe a atividade de ligação do fator nuclear de células ativadas (NF-AT) e da proteína NF-kB, reduzindo a proliferação e a produção de citocinas, e é relacionada com a queda da liberação de Ca2+ induzida pelo TCR e a ativação do PKC. Devido à diminuição do limiar necessário para a morte celular induzida pelo TCR, a resposta ao antígeno fica seriamente comprometida porque as células T de memória transformam-se em alvos particularmente suscetíveis a apoptose em indivíduos infectados pelo HIV. Além disso, o gp120 pode, por si só, induzir esse efeito em células não infectadas. Os níveis do receptor solúvel TNF (sTNFr) e do antagonista do receptor IL-1 (IL-1ra) são elevados em pacientes com aids, o que pode contribuir para o aumento da apoptose, devido ao bloqueio das citocinas que têm habilidade de resgatar células da morte programada. Sabe-se que a molécula TNF-related apoptosis-inducing ligand (TRAIL) participa ativamente na morte de células T CD4+ em pacientes infectados pelo HIV. Foi demonstrado que TRAIL está aumentada no sangue de pacientes com HIV, mas que a terapia apropriadadiminui os níveis desta molécula àqueles próximos dos controles. Alteração da Regulação dos Genes Muitos genes virais interagem com componentes do genoma celular do hospedeiro, especificamente alguns envolvidos no processo de transcrição. O Nef inibe a indução da atividade ligada ao DNA do NF-kB pelas células T mitogênicas, a transcrição do gene IL-2 mediada pelo TCR e a captação do AP-1. A interação do produto do gene Nef com o promotor para CD4 leva à diminuição da expressão dessa molécula. Em adição, o gene também interfere com a via de ativação celular coordenada pelo NF-kB, por mecanismos que ainda não estão totalmente esclarecidos. Além desse, Vpu (Viroporina) e Env também participam no aumento de catabolismo da molécula de CD4 e da diminuição de sua produção por linfócitos T. Outro gene do HIV que interfere com a função normal das células T é o Tat (fator de transativação) que interfere com a transcrição do gene e a expressão da superfície do complexo TCR/CD3, consequentemente inibindo a proliferação das células T. Induz a síntese e a secreção de fator de crescimento transformador beta (TGF-β), IL-6 e IL-10 e pode induzir a apoptose diretamente em linfócitos cultivados não infectados. A proteína Tat também está associada à neuropatologia causada pelo HIV, pela estimulação de células da micróglia a produzirem moléculas pró- inflamatórias e radicais livres que são neurotóxicos, além de interferir com as vias de controle de monofosfato cíclico de adenosina (AMPc), a expressão de canais iônicos e o balanço intracelular de cálcio, conforme visto. Recentemente, outro gene importante do HIV demonstrou funções patogênicas, o da proteína regulatória assessória – Vpr, fundamental para a infecção de células do sistema nervoso central, além de atuar na neuropatogênese da infecção pelo HIV, causando senilidade precoce nas células infectadas. Alteração da Função das Células Apresentadoras de Antígeno e do Ciclo Celular CAA (monócitos, macrófagos, células dendríticas) e possivelmente algumas células endoteliais desempenham papel importante na infecção pelo HIV e na imunopatogênese da aids. Essas células servem como reservatório de vírus – acredita-se que tenham papel importante na sua disseminação, especialmente para o cérebro. Durante a fase assintomática aguda da doença, a replicação viral é confinada principalmente aos órgãos linfoides. Com a progressão da doença, os órgãos linfoides originalmente aumentados atrofiam-se pela destruição das FCD e consequente liberação na circulação das partículas de HIV capturadas. As CAA apresentarão o antígeno aos linfócitos T CD4+ infectados – elas que atuam estimulando sua ativação levando a expressão da proteína viral e a replicação viral. Receptores de Quimiocinas e Moléculas de Adesão Um evento importante na infecção pelo HIV e subsequente morte das células CD4+ é a formação de sincício. Vários estudos correlacionam a habilidade do paciente em induzir a formação de sincício in vitro com queda mais rápida da taxa de células T CD4+, carga viral aumentada e rápida progressão da doença. A formação de sincício inicia-se pela fusão das membranas de uma célula infectada com uma não infectada, seguida da formação de células multinucleadas por meio de um mecanismo dependente da função das glicoproteínas IFA-1 e ICAM-1 derivadas do hospedeiro e incorporadas ao envelope do HIV-1. Anticorpos, Rede Idiotípica e Desequilíbrio Autoimune de MHC e Substância P Alguns pesquisadores sugerem que a resposta imunológica, por si só, pode desempenhar um papel crítico no desenvolvimento da imunodeficiência e progressão para aids e óbito e que a tolerância ao HIV pode realmente ser um fator de sobrevivência. Eles argumentam que o anticorpo contra o envelope do vírus pode favorecer a infecção, em vez de retardá-la, e que os anticorpos anti-anti-D4 têm efeito similar. A teoria da rede sugere que a regulação imune é mantida no organismo pelo reconhecimento de múltiplos idiotipos em todas as moléculas imunes. Alguns autores sugerem que a autoimunidade, ou o reconhecimento idiotípico das células T CD4+ não infectadas, desencadeada por antígenos de origem viral resulta na destruição das células T. A substância neuropeptídio P (SP) é conhecida por aumentar certas respostas mediadas por células em modelos animais e indivíduos saudáveis. Estudos independentes mostram que, diferente do seu efeito imunoestimulador em indivíduos saudáveis, a SP induz a queda da resposta a mitógenos em pacientes com aids. Além do mais, a adição de SP resultou em expressão aumentada do HIV-1 em macrófagos in vitro. Como o diagnóstico de aids tem efeito psicológico grave e a liberação de neuropeptídios, como a SP, é associada a circunstâncias estressantes, é lícito supor que a elevação da SP devido ao stress pode auxiliar na multiplicação dos vírus. Quadro clínico A depleção de linfócitos T CD4+ leva à desorganização da resposta imune e ao aumento da suscetibilidade de processos infecciosos, principalmente por germes intracelulares (microbactérias, fungos e parasitas), bem como de processos neoplásicos (linfoma de células B, Sarcoma de Kaposi). Tão importante quanto a síndrome da imunodeficiência adquirida (aids), decorrente de depleção linfocitária e, geralmente, reativação de infecções latentes (infecções oportunistas), é a doença causada diretamente pelo HIV, pela ativação inflamatória e processos degenerativos, contribuindo com o aumento de doenças cardiovasculares e cerebrovasculares nessa população. A evolução da doença em um indivíduo decorre de como o sistema imune interage com o vírus. Infecção aguda A infecção aguda pelo HIV ocorre nas primeiras semanas da infecção pelo HIV, quando o vírus está sendo replicado intensivamente nos tecidos linfoides. Durante essa fase, tem-se CV-HIV elevada e níveis decrescentes de linfócitos, em especial os LT-CD4+, uma vez que estes são recrutados para a reprodução viral. O indivíduo, nesse período, torna-se altamente infectante. Como em outras infecções virais agudas, a infecção pelo HIV é acompanhada por um conjunto de manifestações clínicas, denominado Síndrome Retroviral Aguda (SRA). Os principais achados clínicos de SRA incluem febre, cefaleia, astenia, adenopatia, faringite, exantema e mialgia. A SRA pode cursar com febre alta, sudorese e linfadenomegalia, comprometendo principalmente as cadeias cervicais anterior e posterior, submandibular, occipital e axilar. Podem ocorrer, ainda, esplenomegalia, letargia, astenia, anorexia e depressão. Sintomas digestivos, como náuseas, vômitos, diarreia, perda de peso e úlceras orais podem estar presentes. Entretanto, o comprometimento do fígado e do pâncreas é raro na SRA. Cefaleia e dor ocular são as manifestações neurológicas mais comuns, mas pode ocorrer raramente quadro de meningite asséptica, neurite periférica sensitiva ou motora, paralisia do nervo facial ou síndrome de Guillan-Barré. A SRA é autolimitada e a maior parte dos sinais e sintomas desaparece em três a quatro semanas. Linfadenopatia, letargia e astenia podem persistir por vários meses. Latência clínica Na fase de latência clínica, o exame físico costuma ser normal, exceto pela linfadenopatia, que pode persistir após a infecção aguda. A presença de linfadenopatia generalizada persistente é frequente e seu diagnóstico diferencial inclui doenças linfoproliferativas e tuberculose ganglionar. Podem ocorrer alterações nos exames laboratoriais, sendo a plaquetopenia um achado comum, embora sem repercussão clínica na maioria dos casos. Além disso, anemia (normocrômica e normocítica) e leucopenia leves podem estar presentes. Enquanto a contagem de LT-CD4+ permanece acima de 350 céls/mm³, os episódios infecciosos mais frequentes são geralmente bacterianos, como as infecções respiratórias ou mesmo TB. Com a progressão da infecção, começam a ser observadas apresentações atípicas das infecções,resposta tardia à antibioticoterapia e/ou reativação de infecções antigas. À medida que a infecção progride, sintomas constitucionais (febre baixa, perda ponderal, sudorese noturna, fadiga), diarreia crônica, cefaleia, alterações neurológicas, infecções bacterianas (pneumonia, sinusite, bronquite) e lesões orais, como a leucoplasia oral pilosa, tornam-se mais frequentes, além do herpes- zoster. Nesse período, já é possível encontrar diminuição na contagem de LT-CD4+, situada entre 200 e 300 céls/mm³. A candidíase oral é um marcador clínico precoce de imunodepressão grave, e foi associada ao subsequente desenvolvimento de pneumonia por Pneumocystis jiroveci. Diarreia crônica e febre de origem indeterminada, bem como a leucoplasia oral pilosa, também são preditores de evolução para aids. Síndrome da imunodeficiência adquirida O aparecimento de Infecções Oportunistas e neoplasias é definidor da aids. Entre as infecções oportunistas, destacam-se: pneumocistose, neurotoxoplasmose, tuberculose pulmonar atípica ou disseminada, meningite criptocócica e retinite por citomegalovírus. As neoplasias mais comuns são sarcoma de Kaposi (SK), linfoma não Hodgkin e câncer de colo uterino, em mulheres jovens. Nessas situações, a contagem de LT-CD4+ situa-se abaixo de 200 céls/mm³, na maioria das vezes. Além das infecções e das manifestações não infecciosas, o HIV pode causar doenças por dano direto a certos órgãos ou por processos inflamatórios, tais como miocardiopatia, nefropatia e neuropatias, que podem estar presentes durante toda a evolução da infecção pelo HIV. Diagnóstico O diagnóstico da infecção pelo HIV é feito a partir da coleta de sangue ou por fluido oral. No Brasil, temos os exames laboratoriais e os testes rápidos, que detectam os anticorpos contra o HIV em cerca de 30 minutos. Esses testes são realizados gratuitamente pelo SUS, nas unidades da rede pública e nos Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA). Os exames podem ser feitos de forma anônima. Nesses centros, além da coleta e da execução dos testes, há um processo de aconselhamento, para facilitar a correta interpretação do resultado pelo(a) usuário(a). Também é possível saber onde fazer o teste pelo Disque Saúde (136). Nos últimos anos, diversas ações buscando a ampliação do acesso ao diagnóstico do vírus foram realizadas, em especial a disponibilização de testes rápidos de HIV em serviços de saúde não especializados. Recomenda-se a oferta de testagem para HIV e demais IST a todos os pacientes sexualmente ativos, em especial após exposição de risco. Em nenhuma situação deverá haver qualquer tipo de coerção para a realização dos testes. As estratégias para testagem têm o objetivo de melhorar a qualidade do diagnóstico da infecção pelo HIV e, ao mesmo tempo, assegurar que o diagnóstico seja realizado o mais precocemente possível, de forma segura e com rápida conclusão. Em 17 de dezembro de 2013, foi publicada a Portaria nº 29, que aprova o Manual Técnico para o Diagnóstico da Infecção pelo HIV e normatiza a testagem para o HIV em território nacional. Nessa portaria, são apresentados algoritmos que permitem o diagnóstico seguro da infecção. Dentre os algoritmos recomendados, existem aqueles baseados na utilização de testes rápidos (TR), que são imunoensaios simples e podem ser realizados em até 30 minutos. Como consequência do desenvolvimento e da disponibilidade de TR, o diagnóstico do HIV foi ampliado, podendo ser realizado em ambientes laboratoriais e não laboratoriais. Testes Rápidos Os testes rápidos são, primariamente, recomendados para testagens presenciais. Podem ser feitos com amostra de sangue total obtida por punção venosa ou da polpa digital, ou com amostras de fluido oral. Dependendo do fabricante, podem também ser realizados com soro e/ou plasma. Qualquer pessoa capacitada pode realizar o teste rápido. A capacitação pode ser presencial ou à distância e o TELELAB (https://telelab.aids.gov.br/index.php/component/k2/ite m/93-diagnostico-de-hiv) do ministério da saúde oferece cursos de capacitação gratuitos. O kit de teste recomendado pelo MS pode utilizar aglutinação de partículas de látex, imunoconcentração ou imunocromatografia de fluxo lateral: Técnica de testagem: 1) Antes de iniciar a coleta, sempre que possível, peça para o usuário higienizar as mãos; 2) Se a mão do usuário estiver muito fria, faça uma massagem delicada no sentido do punho para a ponta dos dedos para aquecê-la e estimular o fluxo sanguíneo na região da coleta; 3) Escolha preferencialmente a ponta do dedo médio, anelar ou indicador e faça a punção; 4) Evite a presença de bolhas de ar na pipeta coletora, pois elas alteram o volume da amostra. Se isso ocorrer, despreze essa amostra e faça a coleta de nova amostra se necessário com nova pipeta do mesmo kit; 5) Aplique a amostra no poço indicado do dispositivo de teste e coloque o tampão imediatamente no ângulo de 90 graus. Use o tampão específico do teste que está sendo utilizado. 6) Marque o tempo de espera do teste. Não ultrapassar o tempo de leitura recomendado pelo fabricante de cada kit. Testagem Laboratorial ELISA Em 1985 surgiu a primeira geração de ensaios diagnósticos com antígenos virais (ELISA indireto). Em 1987 surgiu a 2ª geração de ensaios, utilizando antígenos recombinantes e peptídeos sintéticos originados de regiões específicas de proteínas do vírus. No início dos anos 1990 foram incluídos antígenos para o HIV-2 e os novos antígenos dos grupos M, N e O para o HIV-1. https://telelab.aids.gov.br/index.php/component/k2/item/93-diagnostico-de-hiv https://telelab.aids.gov.br/index.php/component/k2/item/93-diagnostico-de-hiv Em 1994 surgiram os ensaios de 3ª geração, utilizando um formato de ELISA sanduíche ou imunométrico, o que tornou o ensaio mais sensível e específico, deterctando IgM, IgG e IgA. Os ensaios de 4ª geração apresentam as mesmas características da anterior, mas são capazes de detectar também o antígeno p24. MEIA O ensaio imunoenzimático de micropartículas utiliza uma fase sólida com micropartículas de látex recobertas com antígenos (proteínas recombinantes) que se ligam aos anticorpos da amostra. Em seguida é adicionado um segundo conjugado com anticorpos antibiotina e uma enzima que se liga ao complexo antígeno- anticorpo-antígeno. A reação é então revelada com 4- metilumbeliferil-fosfato e o equipamento mede a fluorescência. EQL No ensaio imunológico com revelação eletroquimioluminescente há mistura da amostra com anticorpos monoclonais anti-p24 e antígenos recombinantes marcados com biotina e rutênio, além de peptídeos sintéticos específicos marcados com rutênio. Em outro momento são adicionadas micropartículas revestidas com estreptavidina. Os complexos se ligam então à fase sólida e com a aplicação de corrente elétrica há emissão de quimioluminescência que é medida por um fotomultiplicador. ELFA O ensaio imunológico com revelação fluorescente é feito em uma fase sólida em cone contendo anticorpos e antígenos em partes diferentes e marcação com biotina. É adicionada estreptavidina e há revelação com enzima marcada com substância fluorescente. CLIA Ensaio imunológico quimioluminescente. CMIA Ensaio imunológico quimioluminescente magnético. Anamnese O acolhimento à PVHIV deve começar assim que a pessoa chegar ao serviço de saúde. Essa prática visa garantir à pessoa que será ouvida de forma respeitosa e profissional, independentemente do motivo que a levou a buscar ajuda. Conhecer e compreender as condições psicossociais, riscos e vulnerabilidades que envolvem o contexto de vida da PVHIV representa uma ferramenta importante para o manejo integral e o consequente sucesso terapêutico. A investigação não deve se esgotar na primeira consulta, mas precisa ser complementada e atualizada nos atendimentos subsequentes. Esses aspectos podem ser abordados tanto pelomédico como por outro membro da equipe de saúde, conforme as particularidades de cada serviço. Exame físico A infecção pelo HIV tem um acometimento sistêmico. É necessário, portanto, atentar para sinais clínicos comumente associados à doença. O exame físico deve ser completo e incluir a aferição da pressão arterial, peso, altura, cálculo do índice de massa corpórea e medida da circunferência abdominal. O exame físico completo deve ser realizado regularmente, porque leva a achados importantes. O exame da pele e oroscopia são também relevantes, uma vez que diversos sinais e sintomas presentes podem estar associados à infecção pelo HIV. Quanto mais baixa a contagem de LT-CD4+, mais frequentemente os pacientes devem ser examinados. Exames complementares iniciais A abordagem laboratorial no início do acompanhamento clínico auxilia a avaliação da condição geral de saúde, a pesquisa de comorbidades, a presença de coinfecções e a urgência no início da TARV. Também fornece informações laboratoriais basais pré- tratamento, bem como orienta sobre a necessidade de imunizações ou profilaxias. Exames que devem ser solicitados na primeira consulta: Monitoramento A contagem de LT-CD4+ é um dos biomarcadores mais importantes para avaliar a urgência de início da TARV e a indicação das imunizações e das profilaxias para IO. Com esse exame, é possível avaliar o grau de comprometimento do sistema imune e a recuperação da resposta imunológica com o tratamento adequado, além de definir o momento de interromper as profilaxias. A contagem de LT-CD4+ tem importância na avaliação inicial, enquanto a CV-HIV é considerada o padrão-ouro para monitorar a eficácia da TARV e detectar precocemente problemas de adesão em PVHIV. Para pacientes estáveis, em TARV, com CV-HIV indetectável e contagem de LT-CD4+ acima de 350 céls/mm3, a realização do exame de LT-CD4+ não traz nenhum benefício ao monitoramento clínico- laboratorial. Flutuações laboratoriais e fisiológicas de LT-CD4+ não têm relevância clínica e podem inclusive levar a erros de conduta, como troca precoce de esquemas ARV ou manutenção de esquemas em falha virológica. Investigação de tuberculose A TB é a principal causa de óbito por doença infecciosa em PVHIV, e por isso deve ser pesquisada em todas as consultas. A pesquisa deve iniciar-se com o questionamento sobre a presença dos seguintes sintomas: tosse, febre, emagrecimento e/ou sudorese noturna. A presença de qualquer um desses sintomas pode indicar TB ativa e requer investigação. A infecção pelo HIV eleva o risco de desenvolvimento de TB ativa em indivíduos com TB latente, sendo o mais importante fator de risco para TB. A Prova Tuberculínica é importante para o diagnóstico da infecção latente da tuberculose (ILTB) e constitui um marcador de risco para o desenvolvimento de TB ativa, devendo ser realizada em todas as PVHIV, mesmo que assintomáticas para TB. Caso a PT seja inferior a 5 mm, recomenda-se sua repetição anual e também após a reconstituição imunológica com o uso da TARV. Avaliação de risco cardiovascular Recomenda-se que o RCV seja avaliado em todas as PVHIV na abordagem inicial e a cada mudança na TARV, por meio da escala de risco de Framingham. O intervalo da reavaliação do RCV varia de acordo com o risco inicial e o esquema de TARV em uso: • Risco baixo (<10%) e sem uso de IP: a cada dois anos; • Risco moderado e alto (10%-20%), independentemente do uso de IP: reavaliar a cada seis a 12 meses; • Risco elevado (≥20%), independentemente do uso de IP: reavaliar após um mês e, posteriormente, a cada três meses. Rastreamento das neoplasias O advento da TARV reduziu o risco de progressão para aids e prolongou a vida das PVHIV. Consequentemente, mais pessoas infectadas pelo HIV estão envelhecendo, vendo-se sujeitas ao risco de neoplasias não relacionadas à aids. Referências: https://www.boasaude.com.br/artigos-de-saude/3837/- 1/linha-do-tempo-da-aids-do-primeiro-caso-aos-dias- atuais.html VERONESI – Tratado de Infectologia Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Manejo da Infecção pelo HIV em Adultos, 2018. Guia prático para a execução de testes rápidos – DCCI/SVS/MS, 2021. Aulas do TELELAB https://www.boasaude.com.br/artigos-de-saude/3837/-1/linha-do-tempo-da-aids-do-primeiro-caso-aos-dias-atuais.html https://www.boasaude.com.br/artigos-de-saude/3837/-1/linha-do-tempo-da-aids-do-primeiro-caso-aos-dias-atuais.html https://www.boasaude.com.br/artigos-de-saude/3837/-1/linha-do-tempo-da-aids-do-primeiro-caso-aos-dias-atuais.html