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ob jet ivo s 1 2 3 Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de: identificar aspectos particulares da cultura brasileira; reconhecer o que a Antropologia entende por jeitinho brasileiro; analisar a influência da característica do jeitinho brasileiro que interfere na administração de nossas organizações. Meta da aula Apresentar informações acerca das particula- ridades e especificidades do jeito brasileiro de administrar, a partir da perspectiva e das contri- buições da Antropologia. O jeito brasileiro de administrar na visão dos antropólogos Alessandra Mello da Costa Carlos Cunha 5 AULA 160 C E D E R J C E D E R J 161 Administração Brasileira | O jeito brasileiro de administrar na visão dos antropólogos Esta aula tem por objetivo apresentar a você informações acerca das particula- ridades e especificidades do jeito brasileiro de administrar, a partir da perspec- tiva e das contribuições da Antropologia. Assim, serão mencionados aspectos particulares da cultura brasileira, especialmente a característica do “jeitinho brasileiro”, a qual foi estudada de forma bastante aprofundada pelo antro- pólogo Roberto DaMatta. Ainda, será analisada a influência da característica do jeitinho brasileiro que interfere na administração de nossas organizações. O JEITINHO BRASILEIRO O estudo da característica do “jeitinho brasileiro”, tão bem desen- volvido por um dos antropólogos mais conhecidos por nós, Roberto DaMatta, é essencial para que possamos compreender melhor não ape- nas os fenômenos que ocorrem em nossas organizações, mas, também, práticas variadas que são adotadas pelos membros desses espaços sociais. De acordo com Cavedon (2003, p. 80), a característica do “jeiti- nho brasileiro” é central para que se possa compreender a interpretação de DaMatta a respeito da sociedade brasileira, sendo tal característica explicada por meio da diferenciação entre o indivíduo e a pessoa. Assim, a autora explica que a figura do indivíduo diz respeito ao “sujeito das leis universais, ou seja, o que vale para um,vale para todos” e que ele “representa para o brasileiro a imagem de um ser desorientado, perdido, isolado, egoísta”. Já a figura da pessoa, diz a autora, “implica ter prestígio, ser bem relacionado, passar de ser ninguém para ser alguém”, haja vista que o brasileiro “admira pessoas que são líderes de grupos, de times, de famílias, de cidades” (CAVEDON, 2003, p. 80). Já Vieira, Costa e Barbosa explicam que, no pensamento de DaMatta, “em formações sociais desse tipo, tudo indica que a oposição indivíduo-pessoa é sempre mantida, ao contrário das sociedades que fizeram sua ‘reforma protestante’, quando foram destruídas”. Assim, os autores explicam, baseados em Weber, que “no mundo protestante, desenvolveu-se uma ética do trabalho e do corpo, propondo-se uma união igualitária entre corpo e alma”, enquanto “nos sistemas católicos, como o brasileiro, a alma continua superior ao corpo, e a pessoa é mais importante que o indivíduo”. Assim, DaMatta, conforme a explicação de Cavedon (2003), considera que o jeitinho é utilizado pelos brasileiros exatamente pela necessidade de serem vistos como pessoas e não como indivíduos e que INTRODUÇÃO 160 C E D E R J C E D E R J 161 A U LA 5 é ele o principal mediador entre as diversas proibições que advêm das leis e o que é permitido no contexto das relações sociais. Sendo assim, enquanto em outros países considera-se que as leis devem ser cumpridas, no Brasil existe a possibilidade de flexibilizá-las conforme o entendimento das pessoas e por meio da utilização do jeitinho. O “jeitinho”, de acordo com DaMatta (apud CAVEDON, 2003, p. 80), é “um modo e um estilo de realizar”, sendo que tal modo diz respeito à capacidade que os brasileiros possuem de ser simpáticos, de transformar aquilo que é impessoal em algo pessoal. Nas palavras da autora, para realizar tal transformação, os indivíduos usam “o seu desespero diante de um problema de ordem pessoal” (CAVEDON, 2003, p. 80). Já Motta e Alcadipani (1999), com relação à característica do jeitinho, explicam que: O jeitinho é o típico processo por meio do qual alguém atinge um dado objetivo a despeito de determinações contrárias (leis, ordens, regras etc.). Ele é usado para “driblar” determinações que, se fossem levadas em conta, impossibilitariam a realização da ação pretendida pela pessoa que o solicita, valorizando, assim, o pessoal em detri- mento do universal. Ele pode ser considerado uma característica cultural brasileira. Motta e Alcadipani (1999) também explicam que o jeitinho ocorre diariamente em todas as esferas, sejam elas públicas ou privadas. Afirmam também que, para que se compreenda a realidade brasileira, faz-se essencial esclarecer esse fenômeno, sendo isso indispensável para todos os que trabalham e pesquisam em organizações locais. Já Vieira, Costa e Barbosa (1981, p. 11) esclarecem a relação próxima existente entre o “jeitinho” e a conhecida expressão “você sabe com quem está falando?”, dita por tantas pessoas com o intuito de fazer com que nor- mas e leis não as atinjam ou que sejam flexibilizadas. Nesse sentido, os autores afirmam que: DaMatta acredita que por termos leis geralmente drásticas e impos- síveis de serem rigorosamente acatadas, acabamos por não cumprir a lei. E, assim sendo, utilizamos o clássico “jeitinho” que nada mais é do que uma variante cordial do “Você sabe com quem está falando?” e outras formas mais autoritárias que facilitam e permi- tem pular a lei ou nela abrir uma honrosa exceção que a confirma socialmente. Mas o uso do “jeitinho” e do “Você sabe com quem 162 C E D E R J C E D E R J 163 Administração Brasileira | O jeito brasileiro de administrar na visão dos antropólogos está falando?” acaba por engendrar um fenômeno muito conhecido e generalizado entre nós: a total desconfiança nas regras e decretos universalizantes (VIEIRA; COSTA; BARBOSA, 1981, p. 11). Cavedon (2003, p. 81), ao mencionar uma pesquisa empírica desenvolvida por Barbosa (1992) com relação ao jeitinho brasileiro, afirma que esta conclui que o jeitinho, “por ser conhecido por todos e também, por ser praticado indistintamente do contínuo ao presidente, é universal”. Afirma, também, que “o “jeitinho” é uma maneira especial de se resolver algum problema ou de se quebrar alguma regra, é uma situação criativa para algum problema emergencial”. Ainda, de acordo com Cavedon (2003 apud Barbosa, 1992), a principal dificuldade em se definir o que é o jeitinho encontra-se exa- tamente no fato de que há uma linha bastante tênue entre favor, jeito e corrupção e que, por essa razão, pode-se traçar um continuum em que o jeito estaria no meio, e nos dois extremos haveria um polo positivo e outro negativo. No polo positivo, estaria o favor e no polo negativo, haveria a corrupção, sendo que o jeito poderia ser interpretado como estando ligado a um extremo ou outro. Afirma a autora: O favor implica reciprocidade direta, embora para muitas pessoas mesmo retribuindo-se, favor é algo que jamais se consegue pagar. O favor não é solicitado a qualquer pessoa e não envolve a trans- gressão de uma norma. O favor é um comportamento mais formal. O “jeitinho” guisa de exemplo, envolve reciprocidade, porém esta é mais difusa. À uma pessoa pode receber um pagamento por um “jeitinho” que não foi concebido por ela. O “jeitinho” pode ser solicitado para qualquer pessoa, comumente envolve a transgres- são de regras e de leis e exige um comportamento mais informal. A corrupção sempre envolve aspectos financeiros e aí, o parâmetro para diferenciar “jeitinho” de corrupção éo montante dispendido: se for uma gorjeta para um cafezinho, isto é considerado “jeito”, se forem grandes somas de dinheiro, já se entra para a esfera da cor- rupção. Embora, ao nível do discurso, as pessoas possam ter claro essas diferenciações, na prática, fica muito mais difícil estabelecer os limites entre uma e outra categoria (CAVEDON, 2003, p. 81). Motta e Alcadipani (1999, p. 9), ao esclarecem a distinção entre o jeitinho e a corrupção, afirmam que, “diferentemente da corrupção, a concessão do jeitinho não é incentivada por nenhum ganho monetário ou pecuniário: a pessoa que dá o jeitinho não recebe nenhum ganho material ao concedê-lo”. 162 C E D E R J C E D E R J 163 A U LA 5 Vieira, Costa e Barbosa (1982, p. 11) afirmam que “Roberto DaMatta indica os casos em que a lei não se faz presente e deixa então lugar para o ‘Você sabe com quem está falando?’” sendo que “em qualquer situação, faz-se notar o amplo espaço que se pretende impor entre a lei geral e a pessoa que se rotula como especial e que necessita, portanto, de um tratamento especial”. Motta e Alcadipani (1999, p. 9), nesse sentido, afirmam que: Quando o jeitinho ocorre, aquele que o concede considera a situação particular que lhe foi apresentada como mais importante do que a determinação que deveria ser genérica e, dessa forma, reinterpreta a validade da determinação universal e prioriza o caso específico, ou seja, o pessoal passa a ser mais importante que o universal. Para consegui-lo, o pretendente deve ser simpático, humilde e mostrar como a aplicação da determinação seria injusta para o seu caso. Por fim, os autores também explicam, baseados em Barbosa (1992), que a característica do jeitinho “é dominante nas relações que deveriam ser intermediadas pela dominação burocrática weberiana, sendo, portanto, dominante nas relações entre as pessoas e o Estado brasileiro, que deveriam ser intermediadas pela legislação genérica- universal” (MOTTA; ALCADIPANI, 1999, p. 9). Conforme visto anteriormente, o “jeitinho” é uma característica que está intimamente ligada à cultura brasileira e que é algo praticado por todos através de diferentes formas. Mas como o jeitinho brasileiro está presente em nossas organizações? Diversos autores da área de orga- nizações têm se dedicado a explicar como o “jeitinho” afeta o cotidiano das empresas e as relações não apenas entre seus membros, mas também entre seus clientes e funcionários. Vieira, Costa e Barbosa (1982, p. 14), com base em Torres, afir- mam que o “jeitinho” pode ser entendido como sendo “uma filosofia de vida singular ao brasileiro, resultante dos vários fatores que influenciaram sua formação”. Assim, afirmam eles: A prática do “jeitinho” na burocracia seria, portanto, apenas uma faceta da prática social do brasileiro, influenciada por esta filosofia. Neste sentido, o rito do “jeitinho” seria uma tentativa de fugir aos rigores e padrões da burocracia. Seria, talvez, o desejo de transformá-la num palco carnavalesco, onde as regras e a hierarquia fossem abolidas dando passagem à flexibilidade, à criatividade e à predominância do tratamento personalizado. Esta interpretação 164 C E D E R J C E D E R J 165 Administração Brasileira | O jeito brasileiro de administrar na visão dos antropólogos sugere que o rito do “jeitinho” se contraporia ao rito do “Você sabe com quem está falando?” que busca, na prática burocrática, a nosso ver, o reconhecimento da hierarquia social, o respeito às suas normas e regras, ou melhor, a exigência de que normas e regras retratem o que existe de mais verdadeiro no mundo social – a desi- gualdade econômica, política, religiosa, social, e mesmo cultural. Motta e Alcadipani (1999) afirmam que o “jeitinho” é uma forma particular de as pessoas resolverem seus problemas dentro da socieda- de brasileira sem a alteração do status quo. Isso ocorre, segundo eles, uma vez que as pessoas resolvem seus problemas de maneira individual por meio da mediação do “jeitinho” e, dessa forma, não há um ques- tionamento por parte delas com relação à ordem estabelecida e esta, portanto, não é alterada. De acordo com os autores, “se todas as leis, normas, regras, determinações etc. fossem cumpridas com o máximo rigor, seguramente teríamos uma sociedade em paralisia ou explosiva. Tal fato pode ser demonstrado pelas ‘operações-padrão’”. Uma operação- padrão, conforme eles, “acontece quando os funcionários de uma dada organização realizam suas funções estritamente de acordo com as normas que determinam como tal função deveria ser realizada, ou seja, seguem a normatização à risca” (MOTTA; ALCADIPANI, 1999, p. 10). Ainda, os autores expõem um exemplo que nos ajuda a compreen- der a importância da característica do jeitinho dentro do contexto das organizações. Há algum tempo, os funcionários das linhas de trens suburbanos da Grande São Paulo realizaram uma dessas “operações”. De acordo com as normas da ferrovia, os trens que não tivessem extintores de incêndio em um dos vagões ou que, por exemplo, apresentassem pequenos problemas elétricos não poderiam circular. Além disso, em alguns trechos da ferrovia, os trens deveriam circular em uma velo- cidade bastante baixa, por exemplo. Sempre existiu uma infinidade de normas que não eram cumpridas, parcial ou integralmente, no funcionamento cotidiano da ferrovia. Na citada “operação-padrão”, os funcionários seguiram todas as normas minuciosamente. O resultado foi que pouquíssimos trens circularam e os atrasos foram monumentais. A população ficou revoltada com a demora e depredou inúmeras estações (MOTTA; ALCADIPANI, 1999, p. 10). Outro exemplo da interferência do “jeitinho brasileiro” na adminis- tração diz respeito aos processos de negociação. Como mostram Sobral, Carvalhal e Almeida (2007), os brasileiros tendem a não se preocupar 164 C E D E R J C E D E R J 165 A U LA 5 muito com o tempo gasto no processo de negociação, dispersando a aten- ção para outros assuntos durante o processo. Os autores explicam, ainda, que há uma grande valorização das relações interpessoais e da sensação de pertencimento ao grupo, valorizando-se a proximidade e o afeto. Obs: para complementar o material da aula e realizar a atividade final, o aluno deverá ler os textos complementares 1, 2 e 3. CONCLUSÃO O “jeitinho brasileiro” é uma forma particular de as pessoas resolverem seus problemas dentro da sociedade brasileira sem a alteração do status quo. A dificuldade na definição é que há uma linha tênue entre favor, jeito e corrupção e que, o jeito estaria no meio. Num extremo haveria um polo positivo (favor) e noutro um negativo (corrupção). Essa situação de mediação, segundo as pessoas, não interfere na ordem estabelecida, não proporcionando nenhum tipo de questiona- mento legal. A prática do “jeitinho” pode ser então considerada uma faceta da prática social do brasileiro como mecanismo de fugir aos rigores e padrões da burocracia. Para complementar o material da aula e realizar a atividade final, você deverá ler os textos complementares 1, 2 e 3. Reflexão sobre a existência ou não de “jeitinho brasileiro” na prática. Após a leitura dos textos complementares propostos, responda à seguinte questão: Qual a importância do conhecimento acerca do jeitinho brasileiro para a prática administrativa? Você deverá refletir sobre a existência ou não de um jeito brasileiro de gestão e apresentar (no espaço a seguir) um exemplo de empresa que justifique o seu posicionamento. Atividade Final 1 2 3 166 C E D E R J C E D E R J AT Administração Brasileira | O jeito brasileiro de administrar na visão dos antropólogosResposta Comentada Você deve ser capaz de perceber a interferência do jeitinho brasileiro no cotidiano das organizações, afetando a eficiência dos processos, bem como a sua importância para a compreensão da realidade brasileira em que vão atuar. A aula apresenta particularidades da cultura brasileira na visão dos antropólogos, focando uma característica peculiar chamada de “jeitinho brasileiro”, e qual sua influencia ou interferência na administração de nossas organizações. R E S U M O
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