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TEXTOS FUNDAMENTAIS DE POESIA EM LÍNGUA INGLESA Elisa Lima Abrantes Intertextualidade, polifonia e conectores Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar intertextualidade e polifonia nos textos em verso. Apreender os elementos de coesão e coerência para a construção de intertextualidade e polifonia nos textos em verso. Reconhecer as relações internas e externas estabelecidas pelo texto em verso. Introdução Existem dois recursos literários (a intertextualidade e a polifonia) que auxiliam a compreensão de poesias de forma mais completa. A inter- textualidade é a relação de um texto com outros textos ou com outros discursos, como o das artes plásticas ou do cinema, por exemplo. Já a polifonia trata-se de um conceito tomado emprestado da música, que significa a multiplicidade de sons em harmonia. Na literatura, a polifonia representa a existência de várias vozes em um mesmo texto. Nos poemas, em que o eu poético, também chamado de eu lírico, cuja a voz traduz a subjetividade do poeta, é possível reconhecer outras vozes, que se estabelecem, muitas vezes, em conflito com o ponto de vista dele. Ao perceber esses aspectos nos poemas, você poderá compreender melhor questões da época em que ele foi escrito, bem como as questões da contemporaneidade, refletindo e aprimorando o pensamento crítico. Neste capítulo, você será apresentado a estes conceitos e identificará a presença deles em alguns poemas de língua inglesa. Depois disso, conhecerá os elementos de coesão e coerência utilizados na construção do texto poé- tico, para que se estabeleçam as relações intertextuais e polifônicas, internas e externas ao poema. Por fim, você encontrará comentários sobre relações internas e externas em diversos exemplos de poemas em língua inglesa, o que lhe permitirá reconhecer essas relações nas suas leituras de poesia. Intertextualidade e polifonia Alguns teóricos foram fundamentais nos estudos sobre intertextualidade e po- lifonia. O primeiro deles e que desenvolveu seus estudos na década de 1920, foi Mikhail Bakhtin (1895-1975), teórico russo da cultura e da arte europeias que prestou inestimáveis contribuições aos estudos linguísticos. Para esse estudioso, o sujeito é histórico e social, ou seja, constituído pela ideologia, classe social e cultura a qual pertence. Sendo assim, quando se expressa, verbalmente ou pela escrita, não é único e individual, mas sim atravessado pela perspectiva de outras vozes que o constituem como um ser no mundo, atrelado ao seu tempo e ao seu espaço. Antes mesmo de se comunicar com outras pessoas por meio do texto que escreveu, o sujeito, que fala ou escreve, estabelece um diálogo, consciente ou inconsciente, com o seu meio, sua história e sua memória. A esse diálogo damos o nome de dialogismo. Bakhtin afirmou que o dialogismo é constitutivo da linguagem e condição para o sentido do discurso, ou seja, além do diálogo estabelecido entre quem escreve e quem lê, ou entre quem fala e quem escuta, sempre terá existido um diálogo prévio, entre quem escreveu ou quem falou e a cultura que o constituiu. Como afirma o escritor brasileiro Cristóvão Tezza (1988, p. 55):“[...] nossas palavras não são ‘nossas’ apenas; elas nascem, vivem e morrem na fronteira do nosso mundo e do mundo alheio; elas são respostas explícitas ou implícitas às palavras do outro, elas só se iluminam no poderoso pano de fundo das mil vozes que nos rodeiam”. Partindo dessa ideia de dialogismo da linguagem, é mais fácil entender o diálogo entre os muitos textos de uma cultura que se instalam no interior de cada texto, ou a relação entre textos que chamamos de intertextualidade, ou, ainda, as diferentes vozes dentro de um texto que polemizam entre si, comple- tam sentidos ou respondem a outras vozes, definindo o conceito de polifonia. Na década de 1960, a filósofa búlgaro-francesa Julia Kristeva, nascida em 1941, e que vivia na França desde aquela década, partiu do conceito de dialogia de Bakhtin para cunhar o termo intertextualidade, ao dizer que “[...] todo texto se constrói como um mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto. Em lugar da noção de intersubjetividade, instala-se a de intertextualidade, e a linguagem poética lê-se pelo menos como dupla” (KRISTEVA, 1974, p.62). Kristeva diz que a linguagem poética deve ser lida como dupla, pois ocorre tanto no eixo sujeito-destinatário (texto escrito para o leitor) como no eixo texto-contexto, ou seja, o texto em sua relação com textos anteriores e/ou contemporâneos a ele. A partir da noção de intertextualidade, um crítico literário francês, Gerard Genette (1930-2018), escrevendo no final da década de 1970, criou uma tipologia Intertextualidade, polifonia e conectores2 muito útil para identificar as diferentes manifestações da intertextualidade. Genette faz uso de uma analogia entre os antigos pergaminhos de peles de ani- mais, cujas inscrições eram sobrepostas após terem sido raspadas as inscrições anteriores, o palimpsesto, e as relações que se estabelecem entre os textos: Um palimpsesto é um pergaminho cuja primeira inscrição foi raspada para se traçar outra, que não a esconde de fato, de modo que se pode lê-la, por transparência, o antigo sob o novo. Assim no sentido figurado, entenderemos como palimpsestos (mais literalmente hipertextos), todas as obras derivadas de uma obra anterior, por transformação ou por imitação. Dessa literatura de segunda mão, que se escreve através da leitura, o lugar e a ação no campo literário geralmente, e lamentavelmente, não são reconhecidos. Tentamos aqui explorar esse território. Um texto pode sempre ler um outro, e assim por diante, até o fim dos textos. Este meu texto não escapa à regra: ele a expõe e se expõe a ela. Quem ler por último lerá melhor (GENETTE, 2010, p. v). Genette entende a relação entre textos por meio de cinco categorias, que, segundo ele, não se pretendem exaustivas ou definitivas: intertextualidade, paratextualidade, metatextualidade, hipertextualidade e arquitextualidade. Para ele, a intertextualidade em sentido amplo, como vimos até agora, pode ser delimitada de forma mais didática, o que pode ajudar você a explorar melhor os significados dos textos que vier a ler. Intertextualidade: termo caracterizado pela presença de dois ou vários textos, ou seja, a presença efetiva de um texto em outro, por exemplo, citação, plágio ou alusão. Paratextualidade: é a relação de acompanhamento de um texto em relação a outro, por exemplo, títulos, subtítulos, prefácios, posfácios, advertências, prólogos; notas marginais, de rodapé, de fim de texto, epígrafes; ilustrações; errata, orelha, capa, dedicatória, etc. Metatextualidade: é a relação de comentário que une um texto a outro do qual ele fala, por exemplo, crítica literária, comentário e explicação. Hipertextualidade: é a relação que une um texto B (hipertexto) a um texto A (hipo- texto), do qual ele se origina. Pode assumir a forma de paródia, pastiche, imitação, por exemplo, o Ulysses do escritor James Joyce foi construído a partir da Odisseia de Homero. Arquitextualidade: relação do texto com a estruturação específica de um de- terminado tipo de discurso, gêneros literários, ou modos de enunciação de um determinado estilo, por exemplo, convenções que permitem definir o texto como romance, poema, texto jornalístico. 3Intertextualidade, polifonia e conectores Bem, agora que você já sabe o que são e como identificar as relações intertextuais, vamos falar de outro aspecto interessante de estudo: a polifo- nia. Essa palavra foi emprestada da arte musical e é entendida como “[...] o efeito obtido pela sobreposição de várias linhas melódicas independentes, mas harmonicamente relacionadas. Bakhtin emprega-a ao analisar a obra de Dostoiévski, considerada por ele como um novo gênero romanesco – o romance polifônico” (TEZZA, 2002, p. 90). Nesse tipode romance, as vozes dos personagens se expressam com independência; e o leitor entra em contato com múltiplas consciências, ideologicamente distintas e que não se subordinam à consciência ou à ideologia do autor. O autor do romance pode representar, portanto, entre outros aspectos, a diversidade social. No texto polifônico, as diversas vozes se explicitam, são percebidas pelo leitor e não há voz que prevaleça; já em textos monofônicos, pelo contrário, as vozes se ocultam sob a aparência de uma única voz. O que Bakhtin defende é que, embora o discurso seja dialógico e, como já vimos, permeado por ideias e palavras de outras pessoas e outros tempos, essas vozes podem ser aceitas ou negadas, de forma explícita, como nos romances de Dostoiévski, ou disfarçadas, como no texto monofônico. Você pode estar se perguntando agora como esse fenômeno se dá na poesia, já que no romance o autor cria diversos personagens e tem espaço suficiente para desenvolver as suas diferentes visões de mundo e, na poesia, isso talvez não seja possível. Ao desenvolver seus estudos, Bakhtin se ateve à prosa romanesca como polifônica, e não à poesia, que considerou, àquela altura, monofônica. Porém, é possível aplicar a ideia de um ‘eu poético’ que coloca em cena as vozes e pontos de vista de outros ‘eus’, especialmente na poesia modernista e contemporânea, que explora bastante esse aspecto, embora possamos encontrá-lo em textos escritos em verso anteriormente. Como ilustração de polifonia na poesia, vamos usar como exemplo a pri- meira estrofe do Poema em linha reta, de Álvaro de Campos: “Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo”. O eu poético aqui mostra a oposição de sua voz contra outras vozes. O sentido irônico se constrói desde o início do poema e se desenvolve para mostrar o conflito do eu poético com o seu sofrimento pessoal diante da felicidade e da vida perfeita de seus conhecidos, embora ele perceba que são apenas aparências, já que a maioria das pessoas não confessa seus fracassos. Veja mais um exemplo de polifonia, em um poema da escritora norte- -americana Emily Dickinson (1830-1886): Intertextualidade, polifonia e conectores4 Some keep the Sabbath going to Church – I keep it, staying at Home – With a Bobolink for a Chorister – And an Orchard, for a Dome – Some keep the Sabbath in Surplice – I, just wear my Wings – And instead of tolling the Bell, for Church, Our little Sexton – sings. God preaches, a noted Clergyman – And the sermon is never long, So instead of getting to Heaven, at last – I’m going, all along. O eu poético se contrapõe a outras vozes, àquelas das pessoas que vão à igreja aos domingos enquanto ela fica em casa: “Algumas pessoas guardam o domingo indo à igreja, eu o guardo ficando em casa, com um pássaro como membro do coro, e um pomar como cúpula [da igreja]”; e continua as comparações: “algumas guardam o domingo em vestes brancas [eclesiásticas], eu apenas visto minhas asas, e ao invés de repicar o sino para a igreja, nosso pequeno sacristão [o pássaro] canta”. Na última estrofe, o eu poético diferencia a sua relação com Deus da de outras pessoas: “Deus é quem prega, clérigo notável, e seu sermão não é longo; então, ao invés de ir para o céu só no final [ao morrer], eu o tenho o tempo todo”. Na década de 1980, o linguista francês Oswald Ducrot, nascido em 1930 e professor universitário da Escola de Estudos Avançados de Ciências Sociais em Paris, desenvolveu a teoria da argumentação da língua, que contempla a polifonia e vem sendo usada para dar conta também desse fenômeno na poesia. Embora Ducrot, ao contrário de Bakhtin que considerava fatores externos à língua, tenha estudado aspectos estritamente linguísticos para investigar as diferentes vozes de um enunciado, é possível encontrar pontos de contato entre seus estudos. Bakhtin não desconsiderou a importância de se estudar os fenômenos linguísticos, embora o discurso seja social e interacional; e Ducrot, por sua vez, não se furta a aceitar a ideia de um contexto extralinguístico ao incluir a polifonia em seus estudos. Ducrot trabalha a noção de locutor e enunciador dentro de todos os tipos de discurso. O locutor é o responsável pela enunciação, já os enunciadores não expressam palavras, são vozes implícitas que expressam pontos de vista, que serão organizados pelo autor, sendo possível se identificar ou se opor a elas, como nos dois exemplos que você viu anteriormente. Esse desdobramento, 5Intertextualidade, polifonia e conectores sem dúvida, facilitou o estudo da poesia, em que geralmente só temos o eu poético como responsável pela enunciação. Agora que você está mais familiarizado com os aspectos da intertextualidade e da polifonia, vamos verificar o poema These Poems, She Said, do poeta cana- dense Robert Bringhurst, nascido em 1946, em que se pode identificar claramente as duas vozes de um casal (polifonia) e a alusão à Platão (intertextualidade): These Poems, She Said These poems, these poems, these poems, she said, are poems with no love in them. These are the poems of a man who would leave his wife and child because they made noise in his study. These are the poems of a man who would murder his mother to claim the inheritance. These are the poems of a man like Plato, she said, meaning something I did not comprehend but which nevertheless offended me. These are the poems of a man who would rather sleep with himself than with women, she said. These are the poems of a man with eyes like a drawknife, hands like a pickpocket’s hands, woven of water and logic and hunger, with no strand of love in them. These poems are as heartless as birdsong, as unmeant as elm leaves, which, if they love, love only the wide blue sky and the air and the idea of elm leaves. Self-love is an ending, she said, and not a beginning. Love means love of the thing sung, not of the song or the singing. These poems, she said You are, he said, beautiful. That is not love, she said rightly. Ao ler poesia você deve ter em mente que a forma e o conteúdo devem ser considerados. Portanto, além de buscar o sentido nas imagens trazidas pelo poema, metáforas e outras figuras de linguagem, intertextualidade e polifonia, você deve prestar atenção também à forma do poema. Como a poesia é conce- bida para ser lida em voz alta, declamada, recitada, as estratégias discursivas e convenções literárias e poéticas buscam provocar diferentes efeitos na audiência. Um bom exercício, além de divertido, é ler poesia em voz alta, fazendo uso dos recursos fônicos trazidos pela métrica e rima para expressar dramaticidade, comicidade, melancolia e tantos outros sentimentos e estados de ânimo. Intertextualidade, polifonia e conectores6 Quanto maior for o seu repertório de leituras, mais facilmente você identificará a presença de intertextualidade e polifonia nos textos. No caso da poesia inglesa, procure ler o contexto cultural e histórico da época em que foi produzida, bem como dados biográficos do autor, para que você possa usufruir do prazer estético da poesia, e descobrir, como em um jogo, as diversas possibilidades de relações intra e extratextuais que certamente trarão mais luz a suas análises. Coesão e coerência A coerência é o que dá sentido ao texto, ou seja, as ideias ali expressas devem propiciar um entendimento pleno e harmônico ao leitor, e todas as partes do texto devem se encaixar de maneira organizada e complementar. É importante que o texto seja fl uido, bem articulado nos níveis cognitivo, lógico e semântico. A coesão, por sua vez, refere-se aos mecanismos linguísticos utilizados para tornar o conteúdo coerente, é a responsável pela fl uidez do texto. Nas palavras dos linguistas Ingedore Koch e Luiz Carlos Travaglia, temos que a coerência é um princípio de interpretabilidade e compreensão do texto, carac- terizado por tudo de que o processo aí implicado possa depender. A coesão é explicitamente revelada atravésde marcas linguísticas, índices formais na estrutura da sequência linguística e superficial do texto [...] e se manifesta na organização sequencial deste (KOCH; TRAVAGLIA, 1997, p. 13). Desta citação podemos apreender que a coerência e a coesão são fatores linguísticos que estão intrinsicamente ligados e fazem parte da construção do texto. Não se pode esquecer que a interpretação do sentido de um texto depende, essencialmente, do conhecimento de mundo do leitor, ou seja, fatores extra- linguísticos. Não é exagero afirmar que um texto só pode existir a partir do momento em que é lido, dependendo, portanto, da interação entre quem escreve e quem lê, bem como do conhecimento de mundo desse leitor. Por isso, devemos ter em mente ao escrever que os recursos de coesão devem ser escolhidos de maneira apropriada, para que o texto expresse de forma mais abrangente possível o conteúdo ali existente, bem como os recursos de intertextualidade e polifonia marcados textualmente para que possam ser apreendidos pelo leitor. 7Intertextualidade, polifonia e conectores Da mesma forma, ao ler determinado texto, deve-se prestar atenção às marcas linguísticas que possam auxiliar na interpretação do que está sendo lido. A leitura vai muito além da simples decodificação de palavras, já que o texto não é formado de elementos isolados, mas compõe uma totalidade semântica, em que os componentes estabelecem entre si relações de significação. Além da dimensão sintático-semântica, o texto também traz em si uma dimensão pragmática, que se refere ao que está em sua volta, o contexto sociocultural. Para Beaugrande e Dressler (1981 apud KOCH; TRAVAGLIA, 2009), a cons- trução do texto é centrada em elementos do próprio texto, como coesão, coerência e intertextualidade e, também, em elementos pragmáticos, que representam uma ação entre os interlocutores, como a intencionalidade, que é o esforço de se produzir uma comunicação eficiente; a aceitabilidade, que se refere às expectativas do leitor diante do texto; a informatividade, a medida em que o texto é conhecido ou esperado pelo leitor; e a situcionalidade, adequação do texto a uma situação comunicativa. Nesta seção, você vai estudar os elementos coesivos de um texto, que podem ocorrer no nível da gramática ou do léxico (vocabulário). Segundo Halliday e Hasan (1976), existem cinco mecanismos de coesão. 1. Referência: quando não se pode interpretar um elemento por si próprio, mas sim relacioná-lo a outro elemento para que se possa compreendê-lo. Há dois tipos de referência: a exofórica, ou situacional, ou seja, está fora do texto, como: “Você não se arrependerá de ler este anúncio.” Neste caso, a referência é o leitor. Já na endofórica, ou dentro do pró- prio texto, o elemento de que se fala pode aparecer antes (anáfora) ou depois (catáfora) do elemento coesivo. Veja os exemplos: “O homem subiu correndo as escadas. Lá ele bateu na porta.” (anáfora); “Eles se formaram na UFRJ. Paulo e José são bons advogados.” (catáfora). 2. Substituição: colocação de um item no lugar de outro no texto. Pode ser uma palavra ou uma oração, por exemplo, Ana comprou uma blusa vermelha, mas eu preferi uma azul. 3. Elipse: omissão de um item, uma palavra, uma oração, por exemplo, “Você vai ao colégio hoje? Não.” (vou ao colégio hoje). 4. Conjunção: estabelece relações significativas entre elementos do texto, o que foi dito antes e o que será dito depois. Realiza-se por meio de conectores ou conjunções, as mais frequentes são aditiva, adversativa, causal e temporal e continuativa. Exemplos: “José estava sem dinheiro e assaltou um banco.” “José correu da polícia, mas acabou preso.” “José foi preso porque assaltou um banco.” “José foi preso quando assaltou um banco. Bem, José foi preso.” Intertextualidade, polifonia e conectores8 5. Coesão lexical: obtida pela seleção de vocabulário. Pode ser de dois tipos: reiteração, quando se repete o mesmo item lexical ou sinôni- mos, por exemplo, “Vi um menino correndo na rua. O garoto parecia assustado.”; ou colocação, que faz uso de termos do mesmo campo semântico, por exemplo, “Houve um grande roubo no Banco do Brasil. Várias viaturas transportaram os bandidos que foram capturados para a delegacia mais próxima.” Vamos dar uma olhada agora nos elementos coesivos presentes no poema Daffodils, do poeta inglês romântico William Wordsworth (1770-1850): I wandered lonely as a cloud That floats on high o’er vales and hills, When all at once I saw a crowd, A host, of golden daffodils; Beside the lake, beneath the trees, Fluttering and dancing in the breeze. Continuous as the stars that shine And twinkle on the milky way, They stretched in never-ending line Along the margin of a bay: Ten thousand saw I at a glance, Tossing their heads in sprightly dance. The waves beside them danced; but they Out-did the sparkling waves in glee: A poet could not but be gay, In such a jocund company: I gazed—and gazed—but little thought What wealth the show to me had brought: For oft, when on my couch I lie In vacant or in pensive mood, They flash upon that inward eye Which is the bliss of solitude; And then my heart with pleasure fills, And dances with the daffodils. Referencial ■ Exofórica: inward eye refere-se à visão interior do poeta. ■ Endofórica: por todo o poema referencias anafóricas de pronomes, conforme destaques. ■ Substituição: the show — refere-se à dança dos narcisos. 9Intertextualidade, polifonia e conectores Elipse ___ fluttering and dancing (daffodils were) ___ tossing their heads (daffodils were) A poet could not ______ but be gay (feel in other way) ____ continuous as stars that shine (daffodils have a brightness) And ______ twinkle on the milky way (stars) Ten thousand ______ saw I at a glance (daffodils) And ______ dances with the daffodils (my heart) Conjunção: o poema contém várias conjunções aditivas (and), adversativas (but) e temporais (oft, then). Coesão lexical ■ Colocação: twinkle, sprightly, sparkle, que formam o mesmo campo semântico e exprimem vivacidade e prazer. ■ Repetição do mesmo item lexical: dancing, dance, danced, dances; gaze (repetido duas vezes). ■ Sinônimos: crowd e host; shine e twinkle; lake e bay; fluttering, dancing e tossing, glee, gay e jocund. Análise de poema É possível que agora você já tenha algumas ferramentas para analisar um poema. Primeiro, leia todo o poema para entender o seu contexto. Por exem- plo, ao ler o verso “I wondered lonely as a cloud”, você já consegue saber que o eu poético traz uma experiencia pessoal de seu passado. Continuando a leitura, você verá que o eu poético descreve uma cena que ele presenciou e que lhe proporcionou grande alegria. A cena aconteceu próxima a um lago, com árvores e fl ores (narcisos), ou seja, em um ambiente natural. O poeta se recorda da beleza da cena quando está em casa, sozinho em seu sofá, quando está triste ou preocupado. Depois do contexto, você deve dar atenção aos elementos coesivos, intertextuais e polifônicos, se houver. Em uma análise mais aprofundada do poema, você poderá examinar a prosódia (estrutura métrica), ritmo, tom, voz, imagens e fi guras de linguagem. Intertextualidade, polifonia e conectores10 O texto em verso, muitas vezes, não apresenta tantos elementos coesivos como o texto em prosa, pois a linguagem é mais condensada. Para melhor interpretar poesia é preciso verificar como cada verso se relaciona com o seguinte e com o todo, a partir da reconstrução mental de elementos coesivos que se adequem ao texto. Um desafio da poesia em língua inglesa, principalmente em textos mais antigos, é a inversão na ordem da oração. Uma dica para facilitar a compreensão é reconstruir a oração em ordem direta, sujeito + verbo + objeto. Além disso, é essencial buscar o significado das palavras que você não conhece, pois, no poema, as palavras são escolhidas cuidadosamente para compor as imagens a serem expressadas. Dessa forma, o seu entendimento linguísticoserá mais completo, e você poderá passar para um segundo momento, o de apreciar as imagens, símbolos e metáforas trazidas pelo texto poético. Relações internas e externas do texto em verso Pelo que você já pode perceber, qualquer texto se relaciona com elementos presentes nele próprio e elementos externos a ele. No caso do texto em verso não é diferente: o poema se relaciona com o seu texto e o seu contexto. Re- capitulando o que já vimos, temos que: a intertextualidade e a polifonia podem estar explícitas no poema ou externas a ele; e os mecanismos de coesão textual em geral estão dentro do texto, com exceção da referência exofórica, que se refere a um elemento externo. Vamos, agora, examinar alguns poemas em língua inglesa e suas relações internas e externas: a) A Pact, Ezra Pound (1916) I make a pact with you, Walt Whitman I have detested you long enough. I come to you as a grown child Who has had a pig-headed father; I am old enough now to make friends. It was you that broke the new wood, Now is a time for carving. We have one sap and one root - Let there be commerce between us. 11Intertextualidade, polifonia e conectores Internas ■ Título: paratextualidade. ■ Verso 1: intertextualidade, alusão a Walt Whitman, poeta transcen- dentalista que precedeu Pound; referência catafórica. ■ Verso 2: referência anafórica. ■ Verso 3: referência anafórica e elipse (as a grown child comes). ■ Verso 4: coesão lexical pig-headed father (predecessores). ■ Verso 5: elipse (make friends with you). ■ Verso 6: referência anafórica. ■ Versos 6 e 7: colocação (mesmo campo semântico). ■ Verso 8: colocação (mesmo campo semântico). Externas: como poeta modernista, Pound escreve para um predecessor, o transcendentalista Walt Whitman. Os modernistas queriam romper com a estética romântica e realista, mas Pound reavalia sua posição e admite reconhecer a importância do transcendentalista para os expe- rimentalismos poéticos que vieram com o modernismo. b) The Reader, Robert Bringhurst (2011) Who reads her while she reads? Her eyes slide under the paper, into another world while all we hear of it or see is the slow surf of turning pages. Her mother might not recognize her, soaked to the skin as she is in her own shadow. How could you then? You with your watch and your tongue still running, tell me: how much does she lose when she looks up? When she lifts the ladles of her eyes, how much flows back into the book, and how much spills down the walls of the overflowing world? Children, playing alone, will sometimes come back suddenly, seeing what it is to be here, and their eyes are altered. Hers too. Words she’s never said reshape her lips forever. Relações internas: de coerência e polifonia. Externas: do mundo do livro que a mulher lê. Intertextualidade, polifonia e conectores12 c) A Supermarket in California, Allen Ginsberg (1955) What thoughts I have of you tonight, Walt Whitman, for I walked down the sidestreets under the trees with a headache self-conscious looking at the full moon. In my hungry fatigue, and shopping for images, I went into the neon fruit supermarket, dreaming of your enumerations! What peaches and what penumbras! Whole families shopping at night! Aisles full of husbands! Wives in the avocados, babies in the tomatoes! — and you, Garcia Lorca, what were you doing down by the watermelons? I saw you, Walt Whitman, childless, lonely old grubber, poking among the meats in the refrigerator and eyeing the grocery boys. I heard you asking questions of each: Who killed the pork chops? What price bananas? Are you my Angel? I wandered in and out of the brilliant stacks of cans following you, and followed in my imagination by the store detective. We strode down the open corridors together in our solitary fancy tasting artichokes, possessing every frozen delicacy, and never passing the cashier. Where are we going, Walt Whitman? The doors close in an hour. Which way does your beard point tonight? (I touch your book and dream of our odyssey in the supermarket and feel absurd.) Will we walk all night through solitary streets? The trees add shade to shade, lights out in the houses, we’ll both be lonely. Will we stroll dreaming of the lost America of love past blue automobiles in driveways, home to our silent cottage? Ah, dear father, graybeard, lonely old courage-teacher, what America did you have when Charon quit poling his ferry and you got out on a smoking bank and stood watching the boat disappear on the black waters of Lethe? Internas: elementos coesivos, intertextualidade. Externas: contexto dos Estados Unidos em diferentes períodos, tradição literária. No link a seguir, você pode acessar mais informações sobre a polifonia em Bakhtin. https://goo.gl/nF22MJ 13Intertextualidade, polifonia e conectores https://goo.gl/nF22MJ Veja as relações internas e externas do poema I too Sing America de Langston Hugues, escrito em 1932: I, Too, Sing America by Langston Hughes I, too, sing America. I am the darker brother. They send me to eat in the kitchen When company comes, But I laugh, And eat well, And grow strong. Tomorrow, I’ll be at the table When company comes. Nobody’ll dare Say to me, “Eat in the kitchen,” Then Besides, They’ll see how beautiful I am And be ashamed- I, too, am America. Externas: com outros, as pessoas que tinham preconceito (I am the darker brother — o irmão mais escuro —, they, nobody). Internas: mecanismos de coesão textual (elipse, conjunção). 1. O teórico Mikhail Bakhtin defendia o caráter dialógico dos discursos porque acreditava que: a) o eu lírico funcionasse como locutor do discurso, apenas organizando as diferentes vozes dentro dele; vozes essas chamadas de enunciadores, mas, por vezes, silenciosas. b) o sujeito é um ser histórico social que possui classe social, memória, história e ideologia, portanto, falam nele outras vozes que o precederam e as contemporâneas a ele. c) a polifonia fosse a característica principal dos discursos. Intertextualidade, polifonia e conectores14 d) as interações sociais exigiam do sujeito uma postura aberta ao diálogo. e) as ideias de gerações passadas seriam incorporadas e modificadas por aquelas que as sucediam. 2. Gerard Genette, linguista francês, desenvolveu na década de 1970 uma categorização para o aspecto da intertextualidade. A esse respeito, é correto afirmar que: a) a crítica literária é classificada como paratextualidade, pois é um texto que acompanha outro. b) a relação que se estabelece entre o texto original e a sua reescritura é de hipertextualidade. c) a arquitextualidade relaciona um texto a seu prefácio. d) a metatextualidade exige que um texto esteja contido no outro. e) a relação entre o texto e sua estruturação formal, como rima, ritmo, métrica, chama-se intertextualidade. 3. Na análise textual, seja em prosa ou em poesia, devemos examinar elementos sintático- semânticos e pragmáticos. Assinale a opção que contenha apenas elementos pragmáticos. a) Biografia do autor, figuras de linguagem, ano de publicação e métrica. b) Local da publicação, intenção do autor, gênero textual e locutor-enunciador. c) Contexto histórico, dados biográficos, resenha crítica e local da publicação. d) Epígrafe, público leitor, metáfora e poema épico. e) Contexto social, prosódia, recepção e eu lírico. 4. Qual a diferença entre discurso polifônico e monofônico, de acordo com Bakhtin? a) O discurso monofônico apresenta apenas um gênero discursivo e o polifônico mistura dois ou mais gêneros. b) O discurso polifônico expressa diversas ideias e o monofônico apenas uma. c) O discurso polifônico apresenta sons de diversas espécies e o monofônico é silencioso. d) No discurso monofônico só há uma voz e no polifônico, muitas. e) No discurso monofônico há uma voz predominante, e no discurso polifônico as vozes são equipolentes. 5. Qual a relação existenteentre o verso Wives in the avocados, babies in the tomatoes! — and you, Garcia Lorca, what were you doing down by the watermelons? e o escritor Garcia Lorca? a) Colocação. b) Substituição. c) Metatextualidade. d) Intertextualidade. e) Reiteração. 15Intertextualidade, polifonia e conectores GENETTE, Palimpsestos: a literatura de segunda mão. Belo Horizonte: Viva Voz, 2010. HALLIDAY, M. A. K.; HASAN, R. Cohesion in English. London: Longman, 1976. 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Intertextualidade, polifonia e conectores16 http://seer.ufrgs.br/index.php/organon/article/view/29792/18411 http://fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/intertextualidade http://www.mcser.org/journal/index.php/mjss/article/viewFile/7520/7202 Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra. Conteúdo:
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