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1 ULTRASSONOGRAFIA EM GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA 1 Sumário NOSSA HISTÓRIA ......................................................................................................... 2 ULTRASSONOGRAFIA EM GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA ............................... 3 Introdução ......................................................................................................................... 3 As raízes do ultrassom .............................................................................................. 4 O Efeito Doppler ........................................................................................................... 6 A importância do Doppler em ginecologia e obstetrícia ................................ 10 A história do ultrassom na medicina ................................................................... 11 Início da ultrassonografia no Brasil ..................................................................... 12 No Brasil o exame de ultrassonografia ........................................................................... 14 Padronização de exames de ultrassonografia em obstetrícia ...................... 18 O que esperamos dos exames de ultrassonografia em obstetrícia? .......... 21 Como controlar a qualidade de exames .............................................................. 24 ULTRASSONOGRAFIA OBSTÉTRICA .................................................................. 25 Confirmação ou determinação da IG .............................................................................. 27 Ultrassonografia obstétrica entre a 11ª e a 14ª semanas: além do rastreamento de anomalias cromossômicas .............................................................................................. 28 Avaliação da anatomia fetal ........................................................................................... 28 Diagnóstico de malformações ........................................................................................ 29 Rastreamento de anormalidades estruturais maiores e de síndromes gênicas ................ 30 Referências ..................................................................................................................... 34 2 NOSSA HISTÓRIA A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 3 ULTRASSONOGRAFIA EM GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA Introdução A história do som pode recuar ao momento em que a seleção natural originou um ser com a faculdade de “ouvir”, permitindo-lhe assim, uma maior capacidade de sobrevivência. Evidências demonstram que a música era conhecida e praticada pelo homem desde a Pré‐história, provavelmente devido à observação dos sons da natureza. O conceito de som pode ser descrito como o resultado da vibração dos corpos, que provoca uma onda mecânica e longitudinal. Ela se propaga de forma circuncêntrica (em todas as direções) em meios com assa e elasticidade, sejam eles meios sólidos, líquidos ou gasosos. Para que as ondas sonoras sejam transmitidas, deve haver uma substância (ou meio) que seja comprimida, por isso, o som não se propaga através do vácuo. Quanto mais denso for o meio, mais rápido ele transmite a onda sonora. É importante lembrar que os líquidos transmitem melhor o som que o ar e que o som viaja rapidamente através de meio sólido, sendo que, algumas substâncias conduzem melhor o som do que outras. O ECO é o resultado de uma reverberação múltipla das ondas sonoras e o Hertz é a medida utilizada para medir o número de vibrações por segundo de uma onda sonora. Quanto maior o número de Hertz, mais agudo será o som, quanto menor o número de Hertz, mais grave será o som. 4 A Acústica é o ramo da física que estuda o som, cria instrumentos e ferramentas de forma a fornecer dados necessários aos mais diversos ramos da ciência para a utilização dos sons, de seus meios de propagação e efeitos. A ciência do som iniciou-se na Grécia, com os antigos gregos. Pitágoras, conhecido por seu teorema sobre triângulos retângulos, inventou o sonômetro, que foi usado para estudar os sons musicais. O filosófo Romano Boécio é considerado na história como o primeiro a comparar as ondas sonoras de ondas produzidas por jogar uma pedrinha na água calma. Em 1687, a primeira teoria matemática da propagação sonora no ar surge no magistral livro The Principia: Mathematical Principles of Natural Philosophy (1686) de Isaac Newton. O inglês escreveu seus princípios matemáticos de filosofia natural que incluem o primeiro tratado de som. A formulação de Newton foi aperfeiçoada e corrigida, em alguns pontos, por Euler, d’Alembert e Lagrange, com base na mecânica dos meios Contínuos. Já em 1793, foi realizada a primeira observação sobre os morcegos pelo italiano Spallanzani. Ele constatou que os morcegos, mesmo impedidos de enxergar, desviavam-se de obstáculos e apanhavam as suas presas no ar. E que, quando eram impedidos de ouvir, mesmo com a visão mantida, perdiam completamente a capacidade de orientação em vôo. As raízes do ultrassom Em 1877, a "Teoria do Som" foi publicada pela primeira vez, este tratado praticamente inaugurou a física acústica moderna, iniciada por um cientista inglês John William Strutt, também conhecido por Lorde Rayleigh. 5 Esta teoria foi posta em prática Durante a Primeira Guerra Mundial, através da utilização de geradores de sons de baixa freqüência facilitava a navegação submarina, permitindo a detecção de icebergs. A maioria dos pesquisadores e historiadores consideram a descoberta físico francês Pierre Curie de piezoeletricidade em 1877 como o momento em que o ultrassom foi concebido. Em 1880, os irmãos Curie descobriram o efeito piezelétrico. Este efeito resulta da aplicação de uma pressão mecânica sobre a superfície de certos cristais que são capazes de gerar um potencial elétrico entre superfícies opostas, produzindo som numa freqüência superior a 20 KHz, conhecido como ultrassom. Estes cientistas perceberam também que a aplicação do ultrassom nos cristais resultava na conversão de energia mecânica em eletricidade e quando um pulso de ultrassom é direcionado a uma substância, uma parte deste som é refletida de volta a sua fonte com informações sobre o tipo de estrutura que penetrou. Durante a Segunda Guerra Mundial, foi aprimorado o estudo da utilidade do ultrassom para fins militares com o desenvolvimento do SONAR (Sound Navigation and Ranging) para a navegação e determinação da distância pelo som. Também, nesta época foi desenvolvido o RADAR (Radio Detection and Ranging) ou detecção de distâncias através de ondas de rádio utilizava-se do eco de ondas de rádio para a determinação de distâncias e localização de objetos no ar.Neste período, iniciam-se o desenvolvimento dos ultrassons para fins não-militares, principalmente na metalurgia que foram considerados precursores dos aparelhos de ultrassonografia utilizados em medicina. O físico soviético Sergei Sokolov (1928) sugeriu o uso de energia ultra- sônica para fins industriais, incluindo a detecção de falhas em metais, através da emissão de um pulso ultrassônico que, chegando a um objeto, retorna como 6 um eco, cujas características possibilitam determinar a localização, tamanho, velocidade e textura deste objeto. As ondas acústicas podem ser classificadas em infra-sons, sons e ultra-sons. Na década de 1920 e 1930, o ultrassom foi utilizado para a terapia física, principalmente para membros de equipes da Europa de futebol. Na medicina a utilização de ultra-sons iniciou-se na em âmbito terapêutico, de forma empiricamente em várias áreas, desde o tratamento de artrite reumatóide até tentativas de remissão da Doença de Parkinson em neurocirurgia. O Efeito Doppler Johann Doppler nasceu na Áustria e realizou seus primeiros estudos em Salzburgo, sua cidade natal. Os estudos secundários foram realizados em Linz e mais tarde, em 1825, formou-se em matemática na Universidade Técnica de Viena, onde estudou matemática, mecânica e astronomia e foi diretor do Instituto de Física e professor de Física Experimental na Universidade de Viena. Johann Doppler 7 Em 1842, editou a obra Sobre as Cores da Luz Emitida pelas Estrelas Duplas (Über das farbige Licht der Doppelsterne), onde descreve o efeito Doppler. Em 1850 foi nomeado diretor do Instituto de Física Experimental da Universidade de Viena. Doppler observou que o comprimento de uma onda sonora produzida por uma fonte em movimento se alterava. O Efeito Doppler é uma característica observada nas ondas quando emitidas ou refletidas por um objeto que está em movimento com relação ao observador. Foi-lhe atribuído este nome em homenagem a Johann Christian Andreas Doppler, que o descreveu teoricamente pela primeira vez em 1842. A primeira comprovação foi obtida pelo cientista alemão Christoph B. Ballot, em 1845, numa experiência com ondas sonoras. Em ondas eletromagnéticas, este mesmo fenômeno foi descoberto de maneira independente, em 1848, pelo francês Hippolyte Fizeau. Por este motivo, o efeito Doppler também é chamado efeito Doppler-Fizeau. Cada onda emitida está mais próxima da onda anteriormente emitida, logo seu comprimento de onda tem um valor diferente, dependendo do ponto onde se observe a onda. O comprimento de onda observado é maior ou menor conforme sua fonte se afaste ou se aproxime do observador. Se o comprimento de onda variar, a sua frequência varia também. O efeito Doppler permite medir a velocidade de objetos através da reflexão de ondas emitidas pelo próprio equipamento de medida, que podem ser radares, baseados em radiofrequência, ou lasers, que utilizam frequências luminosas. Sendo muito utilizado para medir a velocidade de automóveis, aviões, bolas de tênis e qualquer outro objeto que cause reflexão, como, na mecânica dos fluidos e na Hidráulica. 8 Na medicina, um ecocardiograma utiliza este efeito para medir a direção e velocidade do fluxo sanguíneo ou do tecido cardíaco. O ultrassom Doppler é uma forma especial do ultrassom, útil na avaliação do fluxo sanguíneo do útero e vasos fetais. Pode ser mostrado de várias formas: com som audível, com espectro de cores dentro do vaso ou na forma de gráficos que permitem a mensuração na velocidade sanguínea nos tecidos normais. O Doppler contínuo é um método utilizado para determinar se a velocidade do fluxo é muito alta, determina também, a direção do fluxo, porém, não determina a sua localização. Isto, porque, no Doppler contínuo o feixe ultra- sônico é constante, portanto, todos os alvos em movimento dentro do feixe produzem sinais Doppler. Então, não há possibilidade de saber onde estão os alvos individuais e nem determinar se há mais de um alvo em movimento. Para obter imagens ótimas, usam-se transdutores de baixa freqüência. Como a velocidade também é uma função da freqüência transmitida é muito difícil registrar velocidade baixa com transdutor de baixa freqüência. Essa situação é oposta àquela utilizada para obtenção da imagem eco uni ou bi. O Doppler contínuo tem mais aplicação na obstétrica, precisamente para a ausculta dos batimentos cardíacos fetais e para avaliar o fluxo do sangue nos vasos periféricos. O transdutor tem dois cristais, um dele sendo transmissor e outro receptor, feitas de forma contínua. Tem as vantagens de alcançar todos os movimentos no eixo longitudinal; avaliar o espectro Doppler de análise qualitativa, representar as freqüências Doppler e conhecer o perfil de velocidades de determinado fluxo. As analises quantitativas pode medir as frequências sistólicas e diastólicas necessárias para calcular parâmetros circulatórios. 9 O Doppler pulsátil usa somente um cristal, a emissão do ultrassom fazendo-se em pulsações, entre os intervalos das pulsações recebendo-se os ecos (os sons refletidos). Trata-se do sistema chamada de Doppler - duplex. Ele facilita muito a análise do fluxo vascular, a seleção do vaso estará feita automaticamente e representada em cores de cinza, não importando em nada a profundidade do vaso. É um método e engenhoso porque exclui, praticamente, ecos emitidos pelas outras estruturas. Existe um problema de disponibilidade do Doppler pulsátil, enquanto ele está limitado a uma capacidade máxima de detectar velocidades. (a limite de Nyquist). Isto faz que, se uma velocidade sanguínea é elevada, logo a freqüência máxima de deslocação excede a metade da freqüência de repetição é expressa com polaridade inversa (aliasing), representando-se no lado oposto da linha de base na análise espectral, e, se for associada ao Doppler em cores, pela cor oposta. O Doppler colorido e utilizado para obter informações sobre a velocidade de um determinado fluxo, também, para avaliar a direção e a magnitude dele. A técnica permite avaliar simultaneamente, e no tempo real o sentido de deslocação e a velocidade. O Doppler colorido usa uma escala de cores para representar as diferentes velocidades do fluido dentro dos vasos. A possibilidade de mapeamento que resulta pela esta técnica faz ela se tornar superior em relação com as técnicas que representam tudo em várias tonalidades de cinza. Estes benefícios tem importância principalmente nos primeiros 3 meses de gestação quando os vasos de sangue do feto são tão aproximados que quase não conseguimos distinguir o setor arterial daquele venoso. 10 As “extremidades” cromáticas são representadas pelas cores vermelho (ondas que se aproximam de transdutor) e azul (ondas que se afastam), daqui, as tonalidades diferentes são interpretadas como sendo velocidades diferentes, num sentido ou outro. As turbulências são, então, representadas em cores misturadas. A importância do Doppler em ginecologia e obstetrícia A gestação basicamente apresenta três áreas circulatórias que podem ser alvos de movimento: Uterina, Placentária e Fetal. O Doppler pode avaliar a circulação uterina e trazer informações sobre a possibilidade que a mãe terá de apresentar pressão alta na gravidez. Em relação à circulação fetal e placentária, o Doppler pode indicar sinais de sofrimento fetal. A ecografia endovaginal e uma opção para avaliar a circulação uteroplacentária, apesar de limitação da sua aplicabilidade prática devido à sobreposição dos índices de impedância vascular dos vasos miometriais (artérias uterinas, arqueadas, radiais e espiraladas), retrotrofoblásticos e da região intervilosa. As principais indicações do Doppler em ginecologia e obstetrícia relacionam-se à capacidade de identificar vasos sanguíneos no interiorou na periferia de tumores ou cistos. Estas observações podem ajudar no diagnóstico presuntivo de benigno ou maligno. A técnica da ultrassonografia Doppler tem a ver com os ecos de retorno usadas para determinar a velocidade das estruturas em movimento. A medição das velocidades sistólicas e diastólicas fornecem dados sobre a resistência vascular. A fluxometria colorida Doppler mostrou-se com alta sensibilidade, também na malignidade ovariana. 11 O Doppler, apesar de oferecer a possibilidade de visualização em tempo real, pode também descobrir fenômenos relacionado com o desenvolvimento de tumores. A história do ultrassom na medicina Em 1940 visto como uma panacéia, o ultrassom foi utilizado pela primeira vez em medicina diagnóstica por Karl Theodore Dussik em neuropsiquiatria na Universidade de Viena. Dussik tentava localizar tumores e verificar o tamanho dos ventrículos cerebrais através da mensuração da transmissão dos sons pelo crânio. Alguns heróis do ultrassom incluem John Reid e John Wild (considerado o pai da ultrassonografia em medicina), que, em 1950, construiu uma linear, de mão, instrumento do modo B-para os tumores de mama, e José Holmes, que, em 1951, juntamente com engenheiros Howry e outros, produziram o primeiro 2D B-mode scanner composto linear. Em 1957, Douglas Howry, médico Americano, e sua esposa também médica, Dorothy Howry, são considerados os pioneiros na utilização da ultrassonografia diagnóstica. Nesta época o paciente tinha que ficar submerso e imóvel dentro de uma banheira com água para a realização do exame. Um procedimento nada prático e que produzia imagens de baixa qualidade e resolução. O método de ultrassonografia utilizado hoje foi desenvolvido ainda nesta década. A banheira de água foi substituída pelo gel de ultrassom, que serve para aumentar e melhorar a superfície de contato entre a pele e o "transdutor" (dispositivo que transforma os impulsos elétricos que chegam através dos fios em som, ou seja, energia elétrica em energia sonora). 12 Don Baker, Dennis Watkins, e John Reid em 1966 desenvolveram o Doppler pulsado, o que permitiu a detecção de fluxo de sangue a partir de diferentes profundidades no coração. Don Baker também era um membro da equipe de engenharia que desenvolveu mais tarde com Doppler colorido e digitalização duplex. Em tempo real de ultrassom começaram a aparecer no início de 1980. Já na década de 1990, o campo foi um passo adiante com imagens 3D e até 4D que o público poderia interpretar. Hoje, o exame ultrassonográfico acomoda-se confortavelmente ao paciente, onde o transdutor é o responsável por transformar os ecos refletidos pelo interior do corpo humano em sinais que serão decodificados eletronicamente em uma imagem que, por sua vez, será interpretada pelo médico que estiver realizando o exame. Este método é largamente difundido mundialmente e em praticamente todas as áreas médicas, devido à simplicidade com que é feito, ao seu baixo custo em relação a outros métodos diagnósticos e, principalmente, por ser inócuo e não promove alterações secundárias à sua aplicação. O ultrassom é um exame que pode utilizado na área preventiva, para diagnosticar lesões no organismo ou para controlar lesões que estejam sendo tratados na clínica, na cirurgia ou com outros métodos. Início da ultrassonografia no Brasil A ultrassonografia na medicina do Brasil iniciou-se nos anos de 1970, como um novo campo profissional, ligado principalmente a ultrassonografia obstétrica e os ensinamentos do professor Bonilla. Inicialmente o ultrassom era considerado como uma ferramenta de valor diagnóstico no acompanhamento pré-natal. 13 Sua evolução e penetração no meio médico ampliaram-se a ponto de se constituir praticamente como uma sub-especialidade no campo do diagnóstico por imagem. A história do pioneirismo e da expansão da ultrassonografia no Brasil deve-se considerar uma investigação histórica rica e complexa para o entendimento da implantação da ultrassonografia brasileira. Nos anos de 1960 e 1980, Políticas públicas produziram efeitos que modelaram direta e indiretamente o quadro referencial tecnológico e de recepção do ultrassom. Definindo assim, o Estado como agente social relevante para a implantação e desenvolvimento da ultrassonografia no Brasil (20). Em dezembro de 1973 no Recife/PE o aparelho Vidoson utilizado pelo Dr. Paulo Costa (médico-ginecologista), em seu consultório particular, no Casarão da Rosa e Silva, considerado pioneiro e proprietário do primeiro equipamento de ultrassom utilizado no Brasil, conforme reportagem da época, utilizado em ginecologia e obstetrícia. Vidoson 635. Fonte: Siemens.com Outro dado interessante ocorreu em fevereiro de 1974, onde um programa apresentou reportagem e anunciou que o aparelho Vidoson 635, de propriedade da Maternidade de São Paulo, foi na época, o primeiro equipamento de ultrassom existente no Brasil e o primeiro da América do Sul. 14 Outro fato histórico importante seriam os investimentos de fábricas de equipamentos de ultrassom financiando viagens e estudos para a classe médica. O que favoreceu em 1974 a implantação do primeiro equipamento de ultrassom no Rio de Janeiro. O grupo médico era composto por professores de obstetrícia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ao longo das últimas décadas, no Brasil, o ultrassom tornou-se um equipamento de suma importância para as especialidades médicas, adicional de imagens tridimensionais e com os recursos do efeito Doppler. Permitindo investigações detalhadas e não invasivas que podem ser avaliadas quantitativa e qualitativamente, não só do ponto de vista morfológico, mas também funcional. No Brasil o exame de ultrassonografia No Brasil, o exame de ultrassonografia (USG) obstétrica se tornou definidor para a confirmação de uma gravidez biológica e do diagnóstico do aborto. Com ampla aplicação na ginecologia e obstetrícia, tornou-se ferramenta importante no acompanhamento pré-natal e nos casos de abortamento, quer sejam espontâneos ou provocados. A USG obstétrica não representa apenas um instrumento útil no cuidado médico, nem somente um simples “avanço científico”, pois as imagens assim produzidas têm poderosa eficácia simbólica. Essa tecnologia, em constante evolução, transformou o campo semiótico em torno da gravidez e, por consequência, os modos pelos quais se entende o início da vida humana, o corpo, o concepto e, de forma relacionada, o aborto . Neste artigo, abordaremos as práticas e os significados em torno da ultrassonografia obstétrica, com base na discussão dos resultados de uma etnografia sobre as interações entre profissionais de saúde e mulheres com 15 abortamento, durante o exame de USG obstétrica, em uma maternidade pública de Salvador (Bahia). Nosso argumento é que nesse ambiente de encontros rápidos mediados pela tecnologia, as noções de gravidez e feto não estão dadas a priori, mas produzidas nas relações com a USG obstétrica. Estimativas da temporalidade da gestação no momento da interrupção da gravidez exercem uma influência importante no processo de significação. Ao conferir uma presença imagética antes ausente à “entidade biológica” que se forma dentro do corpo da mulher durante o período gestacional, as tecnologias de visualização passaram a ocupar um lugar central na construção conceitual e social do concepto como “Pessoa” no sentido antropológico. Essa construção se processa em diversas escalas, globais e locais, desde o coletivo nacional até o cotidiano da interação intersubjetiva, ou seja, tanto nos imaginários compartilhados quanto nas situações corriqueiras passíveis de serem observadas e registradas, como aquelas que formam o dia a dia das clínicas médicas. O aborto é um evento comum na vida reprodutiva das mulheresbrasileiras, apesar da ilegalidade da prática, permitido apenas em casos de violência sexual, risco de vida para a mulher e, mais recentemente, anencefalia fetal. Como consequência da ilegalidade, as práticas inseguras de interrupção da gestação põem em risco a vida e a saúde das mulheres. Metade das mulheres que abortam de forma clandestina é internada para finalizar o aborto ou tratar suas complicações. A criminalização da prática influencia na demora das mulheres na busca por atendimento e no tratamento recebido por profissionais de saúde nos serviços públicos, implicando sofrimento desnecessário. Na escala global, as imagens ocupam um lugar importante em disputas políticas sobre os corpos femininos. 16 O Brasil apresenta uma conjuntura sociopolítica tensionada pelo recrudescimento da condenação moral do aborto, na qual aqueles que a reprovam imaginam-se como visando a assegurar proteção legal da vida humana, concebida como iniciando no momento da concepção. Trata-se de uma estratégia neoconservadora que visa a reprimir o exercício plural dos direitos sexuais e reprodutivos em nome de valores religiosos. Existem fortes disputas ideológicas em torno do assunto da pessoalidade do nascituro. Nas batalhas travadas aciona-se uma retórica visual, em que se usam imagens fetais para propagar mensagens contrárias à descriminalização do aborto. O argumento principal está pautado na defesa da condição de Pessoa de fetos e embriões. A escala menor - como nas salas de USG obstétrica - é sempre marcada pelo imaginário coletivo. Nele se encontra de modo forte o resíduo dessas posições ideológicas. Pesquisas que recuperam o itinerário abortivo das mulheres identificaram o uso da USG obstétrica em ao menos três circunstâncias. Na primeira, médicos o indicam como método diagnóstico complementar para atestar a existência de uma gravidez biológica, e as mulheres o tem utilizado como o último recurso que a confirma. Na segunda, as mulheres o buscam após a indução do abortamento, como forma de verificar se o aborto foi completo. A terceira diz respeito ao exame realizado no hospital, com funções de identificar se há viabilidade fetal, de definir o diagnóstico do tipo de aborto (se completo, incompleto, retido ou outros) e, como exame de controle, após o procedimento de esvaziamento uterino. Os dados da presente análise foram produzidos nessa terceira circunstância. 17 Investigações antropológicas e na Saúde Coletiva sobre USG obstétrica são recentes, com concentração em países do hemisfério norte - Estados Unidos, Europa - e entre mulheres que pretendiam levar a gestação a termo, durante o pré-natal. No Brasil, as poucas pesquisas tratam de mulheres que querem continuar a gravidez. A sobrevivência humana depende, a milhares de anos, da padronização. Originalmente, não era necessário registrar os processos padronizados, pois as pessoas aprendiam observando e gravando na memória. Hoje, é impossível imaginar como se viveria num mundo onde o instrumental cirúrgico não fosse padronizado e, toda vez que fôssemos operar em um hospital diferente, o material fosse outro. Um processo padronizado é um método efetivo e organizado de produzir, mantendo a mais alta qualidade. A falta de padronização esconde falhas, além de impedir que um processo seja reproduzido da mesma forma por outras pessoas. Uma lacuna que precisa ser, urgentemente, preenchida é a falta de padronização em exames de ultrassonografia, em obstetrícia. Precisamos explicitar o que constitui (como é feito) cada exame, quais estruturas devem ser analisadas e como devem ser analisadas. A necessidade de padronização vai de encontro aos conceitos relacionados à forma como o ser humano erra e quais os mecanismos que podem ser utilizados para evitar esse erro. Um deles é a criação de padrões e situações supostamente "à prova de erro", por meio do uso de protocolos. Coisas muito simples, como checklists padronizados, podem salvar vidas, como visto inclusive em recente estudo publicado no New England Journal of Medicine, no qual um checklist em cirurgias diminuiu a mortalidade do grupo que recebeu a intervenção. Uma abordagem baseada em protocolos dentro de sistemas e processos de assistência tende a ser muito mais robusta em termos de resultado, pois 18 remove uma série de barreiras, fornece suporte institucional para sua prática e ainda pode fornecer resultados a serem utilizados para promover melhorias de desempenho. Além disso, a padronização visa tirar do médico todo o peso de ter tudo, o tempo todo, em mente. É irreal acharmos que todo médico consegue armazenar todo o volume de novas informações que são divulgadas diariamente. Como garantir, para o paciente, que o exame que ele está fazendo com um profissional é semelhante ao exame que faria com outro? Certamente isto é impossível, pois quando falamos de ultrassonografia, estamos falando de um exame que depende não somente do examinador, mas também do equipamento utilizado e das condições maternas e fetais. Entretanto, existe uma maneira de tentar minimizar essas diferenças, que é por meio da padronização do exame. Dessa forma, reduzimos o seu componente "artístico" e incrementamos o seu nível técnico. Padronização de exames de ultrassonografia em obstetrícia Com base nesses motivos, várias sociedades internacionais emitiram parecer técnico ou protocolos sobre como devem ser realizados os exames de ultrassonografia em Obstetrícia. No Brasil, recentemente, a Comissão de Ultrassonografia da Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) divulgou para seus associados, na parte restrita do site, uma recomendação sobre os cortes fundamentais que devem ser avaliados no exame morfológico. A publicação desse protocolo, apesar de sinalizar um direcionamento no sentido de padronizar o exame, ainda é uma atitude tímida. Não existe uma descrição pormenorizada de como as imagens devem ser obtidas, não existe 19 divulgação ampla e não há coparticipação de outras sociedades interessadas, como o Colégio Brasileiro de Radiologia (CBR). Além disso, ainda carecemos de protocolos para outras situações como gestação inicial, exames entre a 11ª e a 14ª semanas, dopler fluxometria, dentre outros. Podemos observar a modificação que a ultrassonografia em obstetrícia sofreu nos últimos anos analisando-se as tabelas de procedimentos médicos elaboradas pela Associação Brasileira de Medicina (AMB), para uso na saúde suplementar (Quadro 1). Ao longo dos anos, podemos observar a inclusão do que seriam exames diferentes. O que originalmente era o exame obstétrico, realizado em qualquer fase da gestação, foi progressivamente sendo segmentado e, hoje, existem os https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-72032012000500001#q1 20 exames de primeiro trimestre (endovaginal), obstétrica com translucência nucal, obstétrica morfológica e obstétrica. Entretanto, devido à ausência de instruções mais detalhadas nessas tabelas, não é possível saber o que constitui cada exame. Tomemos, por exemplo, o exame "Obstétrica com translucência nucal". Em que idade esse exame deve ser realizado? Quando a translucência nucal foi incorporada aos exames de ultrassonografia, ela era realizada quando o feto tinha entre 38 e 85 mm de comprimento cabeça-nádegas. Hoje, a recomendação é que esse exame seja realizado quando o feto tiver entre 45 e 84 mm de comprimento cabeça-nádegas. Quais marcadores devem ser verificados nesse exame? A descrição do exame menciona translucência nucal, mas já conhecemos outros marcadores importantes que podem ser analisados, no mesmo exame: osso nasal, ângulo frontomaxilar, translucência intracraniana, doplervelocimetria do duto venoso, fluxo tricúspide, presença de artériasubclávia direita aberrante. Esses outros marcadores devem ou não devem ser analisados? Outro problema é a diferença entre o exame obstétrico e obstétrico morfológico. Se analisarmos a questão do ponto de vista ético, todo exame deveria avaliar o feto da maneira mais completa possível. Se não o fizermos, estaremos deixando de utilizar todo e qualquer método em benefício do paciente, o que seria uma infração ética. Se existem dois tipos de exame, um mais completo e outro mais "simples", o exame que deveria ser realizado é sempre o mais completo. Além disso, precisamos saber se devemos ou não medir o comprimento do colo uterino. Com relação à doplervelocimetria, a situação é até mais complexa. Devemos usar índices de resistência ou índices de pulsatilidade? Quais vasos devem ser insonados durante o exame? O que acontece se quisermos um vaso adicional que não foi insonado (como o duto venoso)? 21 Nesse ponto, as sociedades médicas devem assumir o seu papel, desenvolvendo um protocolo e classificando os dados em níveis de evidência e no grau de recomendação (mesmo que ainda assim existam falhas de método). Entra, também, o papel de grupos de estudiosos voltados para a análise de evidências científicas, sem conflito de interesses. O que esperamos dos exames de ultrassonografia em obstetrícia? Fundamentalmente, como qualquer outro exame de rotina de pré-natal, o exame morfológico de segundo trimestre é um teste de rastreamento. Como tal, é caracterizado pela identificação de uma doença ou fator de risco não reconhecido. Os testes de rastreamento separam os indivíduos potencialmente doentes daqueles com baixo risco de doença. No caso da ultrassonografia morfológica, o objetivo é separar os indivíduos com alto risco para malformações congênitas daqueles com baixo risco. Entretanto, é importante ressaltar que a aplicação clínica de um teste de rastreamento deve ser norteada pela premissa de que o diagnóstico permita uma conduta que altere o desfecho daquele caso. Ou seja, para que o teste de rastreamento seja aplicado na população, é importante que o resultado dele permita ao médico alguma conduta em benefício do paciente. É importante definirmos o que deve ser visto em cada idade gestacional. Um exame na 9ª semana não é a mesma coisa que um exame na 12ª, 22ª ou na 36ª semana. Por isso, talvez, seja mais intuitivo e interessante segmentarmos o exame obstétrico por idade gestacional e não por tipo de exame (primeiro trimestre, translucência nucal, obstétrico e morfológico). Devemos dar especial atenção às situações nas quais é possível tomar alguma conduta para beneficiar o concepto e a mãe, caracterizando um verdadeiro exame de rastreamento. 22 Além do exame de rastreamento, num segundo momento, deveria existir a possibilidade de um exame de diagnóstico, no qual o examinador deveria avaliar minúcias para se tentar chegar a um diagnóstico, da mesma forma como é feito o exame do coração. Num primeiro momento, o médico realiza o exame básico do coração e, na presença de um indício de alteração, o exame é complementado pelo especialista naquele órgão, ou seja, o cardiologista fetal. Apenas para ilustrar outro exemplo, numa displasia esquelética, durante o exame de rastreamento, o médico com menor experiência observaria o encurtamento dos ossos longos. Então, o médico com habilitação em Medicina Fetal observaria detalhes para identificar o tipo de displasia esquelética, por exemplo, hipoplasia de escápula (presente na displasia campomélica) ou o "dedão de caroneiro" (presente na displasia diastrófica). Por outro lado, a presença de hipoplasia de escápula ou o 5º quirodáctilo, na posição de "dedão de caroneiro", não são malformações comuns e não devem ser rastreadas rotineiramente na população de fetos sem evidências de alterações morfológicas. Há que se considerar, também, a prevalência das malformações, e o exame de rastreamento deve levar em conta a identificação das malformações mais prevalentes na população. Um estudo publicado recentemente analisou a prevalência das principais malformações presentes no nascimento e identificou, em ordem decrescente de incidência, as seguintes malformações: malformações cardíacas, fendas labiais, anencefalia, mielomeningocele, gastrosquise, onfalocele e hérnia diafragmática congênita. As malformações que tiveram menor prevalência foram as displasias esqueléticas e a agenesia renal. 23 Existem poucos estudos nos quais se quantifica com clareza o efeito do diagnóstico pré-natal8. Teoricamente, o diagnóstico pré-natal pode alterar o desfecho para fetos com anomalias anatômicas de diferentes maneiras. Em primeiro lugar, o diagnóstico pré-natal permite uma oportunidade para o aconselhamento da família sobre a natureza da malformação e o que se esperar da evolução pré e pós-natal. Em países nos quais a legislação permite, algumas famílias e obstetras podem optar pela interrupção da gestação, nos casos em que a malformação é mais grave, não sendo esse o caso no Brasil. Alternativamente, o diagnóstico pré-natal permite algumas alterações na condução da gestação e do parto (alteração do momento do parto, local e tipo de parto) que poderão alterar o prognóstico do caso. Em situações menos frequentes, o diagnóstico pré-natal permite a intervenção intrauterina, alterando a evolução do quadro. Crombleholme et al. avaliaram o impacto do diagnóstico pré-natal em 221 gestações com malformações e observaram uma alteração no manejo da gestação em 67% das vezes, sem dúvida um número expressivo. Em 37% dos casos, o local do parto foi alterado para facilitar o atendimento pediátrico e cirúrgico. A via de parto foi alterada em 6,8% e o momento do parto em 4,5% das vezes. A terapia intrauterina foi realizada em 5% dos casos e apenas 3,6% das pacientes optaram por interromper a gestação. As malformações cujo diagnóstico intrauterino altera o prognóstico neonatal são: hipoplasia do ventrículo esquerdo, transposição de grandes artérias, coarctação de aorta, tumores obstrutivos da traqueia fetal, hérnia diafragmática congênita, mielomeningocele, teratomas sacrococcígeos associados à hidropisia e tumores pulmonares associados à insuficiência cardíaca. 24 Em virtude do exposto, nos parece prudente que o exame de ultrassonografia de rastreamento inclua a visibilização, sempre que possível, dos planos listados no Quadro 2 para se detectar as anomalias citadas para cada um deles. Além desses planos, obviamente, deverá ser realizada a biometria fetal e, portanto, os planos transtalâmico, abdome fetal e fêmur deverão ser avaliados. Certamente a idade gestacional poderá limitar a aquisição desses planos, por exemplo, não será possível avaliar adequadamente as vias de saída do coração em um feto com 9 semanas. Outros detalhes, como a documentação do exame, também necessitam de padronização. Por exemplo, como deve ser descrito um exame normal, quantas imagens devem ser feitas e o que deve ser feito com as estruturas que não foram adequadamente analisadas, em virtude da imagem não ser adequada ou do feto estar em uma posição que impeça a sua visibilização. Como controlar a qualidade de exames O exame de ultrassonografia é examinador dependente. No estudo Routine Antenatal Diagnostic Imaging with Ultrasound (RADIUS), a detecção de anomalias foi quase três vezes maior quando o ultrassonografista tinha maior capacitação ou treinamento. Estudos europeus também relatam diferença significativa na sensibilidade de detecção de anomalias quando comparamos o exame feito em centros terciários e centros não terciários. Em virtude dessa característica do exame de ultrassonografia ser examinador dependente, podemos encontrar na literatura estudos mostrando uma grande variação na sensibilidade para detecção de anomalias,variando de 1319 a 96%. 25 Apesar de ser um assunto extremamente importante, as anomalias congênitas estão presentes em menos de 2% das gestações. O processo de controle de qualidade baseado na sensibilidade de detecção de malformações não deve ser aplicado, devido ao evidente vício que pode ocorrer em virtude dessa baixa prevalência. Por outro lado, programas de treinamento e certificação demonstram uma melhora na qualidade do rastreamento de malformações e aumentam a reprodutibilidade do método e, portanto, são necessários. O escore de imagens de ultrassonografia foi introduzido como peça fundamental no controle de qualidade de imagens para medida da translucência nucal; também, foi proposto para imagens de biometria, anatomia de segundo trimestre e exame do coração fetal. Além disso, a realização de programas de auditoria, após o estabelecimento de critérios, permite demonstrar uma melhora na qualidade de imagens obtidas. ULTRASSONOGRAFIA OBSTÉTRICA Desde meados da década de 1960, a ultrassonografia (USG) obstétrica vem gradativamente se consolidando como ferramenta propedêutica fundamental no acompanhamento da gravidez. Nesse contexto, a USG morfológica realizada da 18ª a 24ª semana tem se firmado como exame imperioso, principalmente por permitir a identificação da maioria das anormalidades estruturais fetais. A partir do início da década de 1990, após a observação de que o aumento na espessura da translucência nucal (TN) fetal associava-se à ocorrência de malformações e aneuploidias, o papel da USG obstétrica no final do primeiro trimestre (11 a 14 semanas) passou a ser extensamente investigado. 26 Atualmente, a importância desse exame é inegável no rastreamento (cálculo de risco) das principais anomalias cromossômicas compatíveis com a evolução da gestação até o termo (trissomias dos cromossomos 21, 18 e 13). A medida da espessura da TN em combinação com a análise de outras características fenotípicas fetais (aspecto dos ossos nasais, medida do ângulo facial, padrões de fluxo no ducto venoso e na valva tricúspide) e maternas, como idade, idade gestacional (IG), história prévia de cromossomopatias, níveis séricos da subunidade β da gonadotrofina coriônica humana (β-HCG) e da proteína A associada à gestação (Pregnancy-Associated Plasma Protein A) permite a detecção de aproximadamente 95% das anormalidades cromossômicas mencionadas, quando 2,5% das gestantes com maior risco calculado são submetidas a procedimentos invasivos diagnósticos (biópsia de vilosidades coriônicas ou amniocentese). Esta revisão teve como objetivo salientar a contribuição da USG entre a 11a e a 14a semana de gravidez, comumente denominada USG morfológica de primeiro trimestre, além do rastreamento de anomalias cromossômicas: para confirmação ou determinação da IG; na avaliação da anatomia fetal; no diagnóstico de malformações; no rastreamento de anormalidades estruturais maiores e de síndromes gênicas; para definição do prognóstico da gravidez; no diagnóstico e caracterização das gestações múltiplas; para o rastreamento da pré-eclampsia (PE) e da restrição de crescimento intrauterino (RCIU). T rata-se de revisão tradicional (narrativa) na qual foram incluídos os principais estudos sobre o assunto, publicados entre 1990 e 2010, e que podem ser incorporados nos níveis de evidência científica I a III, de acordo com Eccles e Mason(Quadro 1). Alguns estudos publicados antes de 1990 foram incluídos devido à relevância histórica para o desenvolvimento do tema. 27 Confirmação ou determinação da IG A correta determinação da IG é um passo fundamental para o bom seguimento da gravidez, pois permite apropriada avaliação do desenvolvimento do concepto. Dessa forma, contribui para a identificação dos distúrbios de crescimento fetal, bem como para a suspeição das diversas condições que desencadeiam esses desvios (diabetes gestacional, insuficiência placentária e uma gama variada de doenças genéticas). Além disso, possibilita melhor programação para o parto e eventuais procedimentos invasivos diagnósticos e terapêuticos durante a gestação. Embora a maioria das gestações termine entre a 37ª e a 42ª semana, quando possíveis erros na datação podem ser considerados clinicamente irrelevantes, uma definição precisa da IG é fundamental nos extremos da viabilidade fetal. A distinção entre um feto prematuro viável ou não se apoia na variação de dias da IG estimada. No outro lado do espectro, uma inadequada programação para a resolução da gravidez pode influenciar os riscos de morbidade e mortalidade associados à gestação prolongada. Quando comparada à data do primeiro dia do último ciclo menstrual (DUM) ou a parâmetros ultrassonográficos no segundo ou terceiro trimestres, a USG de primeiro trimestre permite redução significativa no número de induções de parto por diagnóstico equivocado de pós-datismo. A falta de precisão na estimativa da IG por meio da DUM se deve principalmente à lembrança inadequada do evento e à ocorrência de ciclos menstruais irregulares ou ocasionalmente anovulatórios. Aproximadamente 45% das pacientes que referem certeza sobre a DUM apresentam discrepâncias significativas entre as IG calculadas com o uso dessa data e por meio dos dados obtidos com a USG. 28 Quadro 1 – Níveis de evidência científica Nível Ia: metanálises e ensaios clínicos randomizados e controlados; Nível Ib: pelo menos um ensaio clínico randomizado e controlado. Nível IIa: pelo menos um estudo não-randomizado e controlado; Nível IIb: pelo menos um estudo quase experimental bem desenhado; Nível III: estudos bem desenhados descritivos de coorte e Caso Controle; Nível IV: relatórios de comitês de especialistas ou opiniões embasadas em experiência clínica. Ultrassonografia obstétrica entre a 11ª e a 14ª semanas: além do rastreamento de anomalias cromossômicas Ao longo de toda a gestação, o erro absoluto na estimativa da IG a partir de parâmetros ultrassonográficos aumenta progressivamente, embora o erro percentual mantenha-se constante, em torno de 8% (dois desvios padrão) da IG calculada. Assim sendo, a predição da IG a partir da medida do comprimento crânio- caudal (CCC) fetal entre a 11ª e a 14ª semana tem um erro de, no máximo, uma semana. Estimando-se a IG com o uso de múltiplos parâmetros ultrassonográficos (medida do diâmetro biparietal, circunferência craniana e comprimento do fêmur) por volta da 20a ou da 30ª semana, esse erro passa para uma semana e meia e duas semanas e meia, respectivamente. Avaliação da anatomia fetal Alguns estudos demonstram ser possível a identificação da maioria das estruturas anatômicas fetais por meio da USG realizada entre a 11ª e a 14ª semana de gravidez. Souka et al. relatam adequada visualização da anatomia fetal não cardíaca (calota craniana, cérebro, face, coluna, parede abdominal, estômago, rins, bexiga e membros) por vias abdominal e/ou transvaginal em mais de 70% dos fetos com CCC de 45 a 54 mm (11 a 12 semanas) e em mais de 96% dos fetos com CCC maior do que 65 mm (13 semanas). 29 Ebrashy et al. referem completa avaliação da anatomia fetal em 64% e 82% dos casos respectivamente avaliados por vias abdominal e transvaginal, entre 13 e 14 semanas de gravidez. A análise da anatomia cardíaca também tem sido descrita durante esse período. Gembruch et al. obtiveram visualização satisfatória das quatro câmaras em 88% dos casos avaliados no decorrer da 12ª semana, e em 100% dos casos durante a 14ª semana. A identificação das vias de saída foi possível em 75% e 100% das pacientes nos respectivos períodos. Huggon et al. estudaram fetos antes da 14ª semana completa de gravidez e relataram a obtenção de imagens satisfatórias do coração em 87% dos casos, utilizado-se as vias abdominal e transvaginal.Diagnóstico de malformações Saltvedt et al. compararam a sensibilidade (taxas de detecção) dos exames morfológicos de primeiro e segundo trimestres para a identificação das malformações fetais. Randomizaram 39.572 gestantes para a realização de uma única USG durante a gravidez, de 12 a 14 semanas ou de 15 a 22 semanas. No primeiro grupo, a taxa de detecção foi de 38%, e, no segundo, de 47% (p=0,06). A maioria dos autores sugere que a avaliação detalhada da anatomia fetal por ocasião do exame da TN, seguida por nova abordagem no segundo trimestre, é a melhor opção para a identificação da maior parte das anormalidades estruturais congênitas. Segundo os autores, a USG morfológica no primeiro trimestre permite a detecção de 51,8% (18% a 68%) do total das malformações diagnosticáveis no 30 pré-natal. Complementada pela avaliação morfológica no segundo trimestre, a taxa de detecção passa para 81,7% (48% a 100%) (Tabela 1). Em meio às malformações mais frequentemente identificadas no primeiro trimestre encontram-se acrania com exencefalia, encefalocele, holoprosencefalia, microcefalia, ventriculomegalias, espinha bífida aberta, hérnia diafragmática congênita, malformação adenomatoide cística dos pulmões, alguns tipos de cardiopatias, onfalocele, gastrosquise, algumas alterações em rins e vias urinárias e alguns tipos de displasias esqueléticas. O diagnóstico de algumas dessas malformações em fases precoces da gravidez pode oferecer vantagens sobre a detecção mais tardia. Em condições incompatíveis com a sobrevida pós-natal, a interrupção da gravidez (após autorização judicial em alguns países) pode ser menos traumática na primeira metade da gestação. Indiretamente, essa conduta reduz a incidência de anomalias congênitas ao nascimento, e, por conseguinte, a morbidade e a mortalidade perinatais. Por outro lado, devido aos contínuos avanços observados na terapêutica fetal, a detecção de algumas doenças como a hérnia diafragmática congênita e as obstruções urinárias baixas (válvula de uretra posterior) ainda no primeiro trimestre permite mais adequada programação para o tratamento intrauterino. Rastreamento de anormalidades estruturais maiores e de síndromes gênicas A avaliação da TN e dos padrões de fluxo na valva tricúspide e no ducto venoso durante a USG morfológica de primeiro trimestre pode contribuir para a suspeita de várias doenças fetais, e não somente as anormalidades cromossômicas mais comuns ao nascimento. A TN aumentada (espessura acima do percentil 95 para a IG) é uma expressão fenotípica que resulta de uma série de processos fisiopatológicos diferentes, os quais podem ter como fatores desencadeantes: defeito ou falência 31 cardíaca; anomalias no sistema linfático; composição alterada da matriz extracelular da derme; compressão do mediastino por malformações na caixa torácica ou conteúdos intratorácicos anômalos; anemia; hipoproteinemia e infecções. Os quatro primeiros frequentemente contribuem, isoladamente ou em conjunto, para o aumento da espessura da TN nos fetos cromossomicamente anormais, não sendo, no entanto, exclusivos dessas condições. De forma semelhante, diferentes doenças em fetos sem alterações cromossômicas podem levar ao aumento da TN por meio de um ou mais mecanismos fisiopatológicos distintos. Alguns autores relatam que a prevalência de malformações estruturais graves em fetos sem anomalias cromossômicas cresce com o aumento da espessura da TN: aproximadamente 1,6% em fetos com TN abaixo do percentil 95 para a IG; 2,5% naqueles com TN entre os percentis 95 e 99 (TN=3,5 mm); 10% quando a TN mede de 3,6 a 4,4 mm; 19% quando a TN mede de 4,5 a 5,4 mm; 24% em fetos com TN entre 5,5 e 6,4 mm; e 46% quando a TN é maior do que 6,5 mm. A ocorrência de algumas anormalidades estruturais fetais isoladas, como defeitos de fechamento do tubo neural (anencefalias e espinhas bífidas), holoprosencefalia, microcefalia, fendas faciais, gastrosquise, obstruções intestinais e anomalias renais, não é significativamente maior em fetos com TN aumentada quando estes são comparados a fetos com TN normal. No entanto, a prevalência de defeitos cardíacos, hérnia diafragmática, onfalocele, anomalia de body-stalk, sequência de acinesia fetal e uma série de síndromes genéticas (displasias esqueléticas de mau prognóstico, hiperplasia congênita de suprarrenal, síndrome de Noonan, síndrome de Smith-Lemli-Opitz e atrofia muscular espinhal) é significativamente maior em fetos com TN alterada. O aumento da TN em fetos cromossomicamente normais não está associado às infecções por sífilis, toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus e herpes. 32 O único agente infeccioso que tem sido associado à TN alterada e, ocasionalmente, à hidropisia é o eritrovírus (Parvovírus B19), que causa disfunção miocárdica e anemia por supressão da hematopoiese. Em meio às doenças relacionadas ao aumento da TN, as cardiopatias merecem comentário especial pela frequência com que ocorrem e por serem as principais causas de óbito neonatal por malformações. Segundo Atzei et al., a incidência de anormalidades estruturais do coração em fetos cromossomicamente normais aumenta com o aumento da espessura da TN: 0,9% em fetos com TN normal; 1,8% em fetos com TN acima do percentil 95 e até 3,5 mm (percentil 99); 3,5% quando a medida da TN se encontra entre 3,6 e 4,4 mm; 6,4% quando a TN mede de 4,5 a 5,4 mm; 12,7% quando a TN é maior do que 5,5 mm. Neste estudo, a prevalência de defeitos cardíacos maiores (aqueles que requerem correção por cirurgia aberta ou por cateterismo durante o primeiro ano de vida da criança) foi significativamente maior (3%) do que a observada em gestantes com história prévia de cardiopatia congênita e/ou diabetes (2%), condições amplamente aceitas como indicações formais para a realização de ecocardiografia fetal. Essa informação, por si, justificaria a realização do exame morfológico de primeiro trimestre em todas as gestações, mesmo as de baixo risco para cardiopatias fetais. Sabe-se que a ocorrência de óbito nos neonatos cardiopatas é significativamente maior quando estes nascem sem diagnóstico pré-natal, e em centros não especializados para o atendimento dessas malformações. A avaliação dos fluxos na valva tricúspide e no ducto venoso também contribui de forma relevante para a suspeita e, por conseguinte, para a detecção pré-natal das cardiopatias fetais. Segundo Faiola et al.52, a prevalência de defeitos cardíacos em fetos cromossomicamente normais cresce gradativamente com o aumento da espessura da TN, e independentemente da presença ou não de refluxo na valva tricúspide. 33 No entanto, o refluxo na valva tricúspide é oito vezes mais frequente nos fetos que apresentam cardiopatia do que naqueles sem esse tipo de malformação. Em uma revisão, Maiz e Nicolaides apresentaram os resultados combinados de oito estudos que avaliaram a relação entre o fluxo anormal no ducto venoso (onda “A” reversa ou ausente) em fetos cromossomicamente normais com TN aumentada (acima do percentil 95 para a IG). Demonstraram que o fluxo alterado no ducto venoso esteve presente em 86,7% (68,8% a 100%) dos fetos cardiopatas e em 19,3% (0,0% a 40%) daqueles sem anomalias cardíacas. Mais recentemente, dois aspectos ecográficos passíveis de avaliação no primeiro trimestre foram associados à ocorrência de disrafismos espinhais fetais, a chamada translucência intracraniana e o ângulo facial (Figura 1). Chaoui et al.60 demonstraram que fetos com fechamento normal do tubo neural têm o quarto ventrículo cerebral (denominado neste estudo de translucência intracraniana) facilmente visível em um corte ultrassonográfico sagital estrito do polo cefálico (o mesmo utilizado para a medida da TN), ao passo que fetos com disrafismos espinhais apresentam ausênciada imagem Ultrassonografia obstétrica entre a 11ª e a 14ª semanas: além do rastreamento de anomalias cromossômicas correspondente ao quarto ventrículo. Tal avaliação contribui indubitavelmente para a identificação de gestantes com maior risco para complicações e, por conseguinte, um planejamento individualizado para o seguimento de determinadas pacientes. 34 Referências Chazan LK. "Meio quilo de gente": um estudo antropológico sobre ultrassom obstétrico. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2007. Mauss M. Uma categoria do espírito humano: a noção de Pessoa, a noção de "Eu". In: Mauss M, organizador. Sociologia e antropologia. 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