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Telegram: @kiwifz - Site: medvideos.tech Telegram: @kiwifz - Site: medvideos.tech Telegram: @kiwifz - Site: medvideos.tech intro_22377 Cap. 1 AS FUNÇÕES DO RIM VIDEO_02_NEF4 Para definir e compreender a injúria renal é fundamental um entendimento preciso das funções do rim. Das três principais, duas podem ameaçar a vida de maneira imediata se forem perdidas. São elas: (1) função de filtro, ou função excretória, e (2) regulação do equilíbrio hidroeletrolítico e acidobásico. A terceira função renal é a função endócrina, mediada basicamente através da produção de dois hormônios principais: a eritropoetina e o calcitriol (forma ativa da vitamina D). Comentaremos sobre a função endócrina mais tarde, no capítulo de insuficiência renal crônica. A FUNÇÃO DE FILTRO: EXCREÇÃO DE TOXINAS O rim tem a função de eliminar do organismo a maior parte das substâncias tóxicas derivadas do metabolismo. As principais toxinas, formadas diariamente, são derivadas do metabolismo proteico. Essas substâncias contêm nitrogênio em suas moléculas, pois se originam da quebra dos aminoácidos e por isso são chamadas de "escórias nitrogenadas" ou "compostos azotêmicos" ("azoto" = "nitrogênio"). Até hoje, a maior parte destas moléculas ainda não é bem conhecida, mas sabe-se que seu acúmulo em grandes quantidades tem forte participação no desenvolvimento de uma síndrome clínica grave e potencialmente fatal: a síndrome urêmica (ou UREMIA), que descreveremos mais tarde. Algumas dessas toxinas têm demonstrado toxicidade in vitro e in vivo, tais como os compostos guanidínicos derivados da arginina, as aminas alifáticas ou aromáticas (derivadas do triptofano), os fenóis, os indóis, entre outros... A ureia, quando em concentrações muito elevadas (> 380 mg/dl), também apresenta efeitos tóxicos, como anorexia, náuseas, vômitos e sangramento. QUADRO DE CONCEITOS I Azotemia x uremia. A Taxa de Filtração Glomerular (TFG) é o parâmetro que quantifica a função renal. Seu valor normal depende da idade, do sexo e do tamanho do indivíduo, mas gira em torno de 120 ml/min. Assim, cerca de 170 litros de plasma são filtrados por dia nos glomérulos, e desses, cerca de 168 litros retornam ao intravascular através do processo de reabsorção tubular. Os dois litros restantes são eliminados como urina (que contém TODAS as toxinas que precisam ser excretadas). Algumas substâncias, além de filtradas no glomérulo, ainda podem ser eliminadas na urina pelo processo de secreção tubular. Um exemplo de secreção tubular é o que ocorre com as penicilinas e com o ácido úrico: a maior parte de sua eliminação não ocorre pela filtração glomerular, mas PRINCIPAIS FUNÇÕES DO RIM Excreção de toxinas do metabolismo. Regulação do equilíbrio hidroeletrolítico. Função endócrina – eritropoetina e calcitriol. Azotemia é o aumento das "escórias nitrogenadas", detectado pela elevação de ureia e creatinina no sangue – diversas outras substâncias nitrogenadas, que também se elevam nos quadros azotêmicos, não são habitualmente mensuradas. Uremia é um termo sindrômico (síndrome urêmica), e faz referência aos sinais e sintomas que resultam da injúria renal grave – não deve ser usado para indicar o aumento da ureia! A uremia costuma ocorrer com TFG < 15-30 ml/min... Telegram: @kiwifz - Site: medvideos.tech sim pela secreção tubular, através de um carreador de ácidos orgânicos presente nas células do túbulo proximal. A MEDIDA DA FUNÇÃO (EXCRETÓRIA) RENAL A única maneira de se medir a função excretória renal é pela quantificação da filtração glomerular. A síndrome urêmica costuma ocorrer com uma Taxa de Filtração Glomerular (TFG) abaixo de 15-30 ml/min, o que corresponde, em geral, a uma concentração sérica de ureia e creatinina acima de 120 mg/dl e 4,0 mg/dl, respectivamente, em um homem de 40 anos pesando 70 kg. Os principais métodos de avaliação da função renal são: (1) ureia sérica; (2) creatinina sérica; (3) clearance de creatinina, que pode ser diretamente medido (urina de 24h), ou estimado através de fórmulas matemáticas; (4) clearance de radiotraçadores e (5) clearance de inulina. Novos marcadores séricos também vêm sendo incorporados à prática (ex.: cistatina C – ver adiante). Cada um desses métodos possui vantagens e desvantagens, que devem sempre ser levadas em conta na hora de interpretar seus resultados. Vale ressaltar que aquele considerado o "padrão-ouro" (clearance de inulina), na verdade, só é empregado no âmbito da pesquisa científica, devido à alta complexidade (e custo) de sua realização... UREIA SÉRICA A ureia é formada no fígado a partir da molécula de amônia (NH3), esta última produzida pelo metabolismo proteico endógeno e pelas bactérias da microbiota intestinal. Enquanto a amônia é extremamente tóxica para o organismo, sendo uma das substâncias causadoras da encefalopatia hepática (mais detalhes no bloco de Hepatologia), a toxicidade da ureia é menos importante... Tanto é assim que a ureia só consegue produzir efeitos adversos quando em concentrações muito elevadas (> 380 mg/dl), afetando o trato gastrointestinal (anorexia, náuseas e vômitos) e a hemostasia primária (disfunção das plaquetas). Como a ureia é eliminada quase que exclusivamente pelo rim, e é de fácil dosagem, podemos utilizar seus níveis séricos para uma estimativa grosseira da função excretória renal. De uma forma geral, os níveis de ureia se elevam acima dos valores de referência quando a TFG está menor que 50 ml/min. O valor normal da ureia é 20-40 mg/dl. Entretanto, a ureia não é o melhor "termômetro" para se medir a TFG... Boa parte da ureia filtrada pelo glomérulo é naturalmente reabsorvida no túbulo proximal (cerca de 40-50%)! Desse modo, condições que aumentam a reabsorção tubular – como a hipovolemia – aumentam os níveis séricos de ureia de forma desproporcional à queda na TFG... Além disso, a grande produção de amônia após uma hemorragia digestiva alta, quando as bactérias intestinais catabolizam intensamente a hemoglobina liberada, leva a um aumento na produção hepática de ureia, novamente elevando seus níveis séricos sem que haja uma correlação precisa com a TFG. Um aumento no catabolismo proteico, como ocorre na sepse e no uso de corticosteroides, eleva a ureia sanguínea de maneira independente da função renal. Uma dieta hiperproteica também pode elevar os níveis de ureia. Em contrapartida, a ureia pode estar reduzida na insuficiência hepática e na desnutrição... Logo, a utilização da ureia plasmática como marcador de função renal deve levar em conta a presença de condições não renais, capazes de interferir em seus níveis (Tabela 1)! Tab. 1: Causas de aumento da ureia sérica. CREATININA SÉRICA É uma substância atóxica produzida pelo tecido muscular, derivada da creatina, molécula armazenadora de energia no miócito. Possui algumas vantagens em relação à ureia como medida da função excretória renal: (1) sua produção diária é relativamente constante, desde que o peso e a dieta também se mantenham estáveis; (2) ao contrário do que ocorre com a ureia, a creatinina não é reabsorvida pelo túbulo. Os níveis normais de creatinina dependem da massa muscular e da ingesta de carne, o que provavelmente justifica suas variações étnicas, etárias, de gênero e geográficas (Tabela 2). Em um indivíduo musculoso, uma creatinina de 1,2 mg/dl pode ser normal, enquanto em um desnutrido magro esse valor já pode indicar injúria renal grave... O valor normal da creatinina é: Homens < 1,5 mg/dl; Mulheres < 1,3 mg/dl. Tab. 2: Variações na creatinina sérica basal. A grande desvantagem da creatinina sérica como marcador de função renal é que, para que seus níveis ultrapassem o limite superior da Insuficiência renal. Hipovolemia. Sangramento digestivo. Estados hipercatabólicos. Corticosteroide/tetraciclinas. Dieta hiperproteica. I - AUMENTO FISIOLÓGICO DA CREATININA SÉRICA BASAL Jovem. Raça negra. Grande massa muscular. Grande ingesta de carne. II - REDUÇÃO FISIOLÓGICA DACREATININA SÉRICA BASAL Idoso. Hispânicos ou asiáticos. Amputado (principalmente de membro inferior). Doença crônica (desnutridos, estados inflamatórios crônicos). Vegetarianos. Telegram: @kiwifz - Site: medvideos.tech normalidade, pode ser necessária uma queda relativamente acentuada da TFG, às vezes para menos de 50% do normal... Veja bem: a creatinina sérica é inversamente proporcional à TFG. Se a TFG diminui para a metade, a creatinina sérica tem que aumentar o dobro. Neste caso, se, por exemplo, o nível de creatinina basal for de 0,6 mg/dl (paciente magro), o aumento será para 1,2 mg/dl, ainda dentro dos valores de referência. Portanto, os estágios iniciais da disfunção renal podem não ser detectados pela dosagem de creatinina sérica. Lembre-se que atualmente dispomos de terapias que retardam a progressão da insuficiência renal crônica (IECA e ant. angio II). Deixar pra começar o tratamento somente quando houver azotemia pode significar a perda de uma grande "janela de oportunidade"... É válido lembrar que algumas drogas e substâncias podem aumentar a creatinina sérica sem que haja queda na TFG. Certos medicamentos competem com a creatinina pela secreção no túbulo proximal (os principais são: penicilina, probenecida, cimetidina e trimetoprim), o que faz seus níveis aumentarem. Por exemplo: o uso regular de cimetidina pode elevar a creatinina sérica em até 0,4-0,5 mg/dl! O acetoacetato (presente em altas concentrações na cetoacidose diabética) interfere com os ensaios de mensuração da creatinina sérica, dando um resultado falsamente alto (aumento de 0,5 mg/dl até > 2 mg/dl). Nestes casos, a insulinoterapia traz os níveis de creatinina de volta ao normal... Drogas como a cefoxitina (antimicrobiano) e a flucitocina (antineoplásico) também geram artefatos nos exames bioquímicos, elevando falsamente o valor da creatinina sérica. Lembre-se que na rabdomiólise a creatinina pode estar desproporcionalmente alta em relação ao grau de injúria renal, por aumento de sua liberação a partir do músculo lesado! QUADRO DE CONCEITOS II CLEARANCE DE CREATININA Clearance, em inglês, significa depuração. Por definição, é o volume de plasma que fica "livre" da substância a ser eliminada a cada minuto. Por exemplo, o clearance da ureia é de apenas 50-70 ml/min. Como uma parte da ureia é reabsorvida e retorna ao plasma, seu clearance acaba ficando menor que a taxa de filtração glomerular. A creatinina, por sua vez, não é reabsorvida – tudo o que é filtrado no glomérulo é excretado na urina e, portanto, depurado do plasma. Podemos dizer que o clearance de creatinina (ClCr) é uma razoável estimativa da TFG, apesar de superestimá-la um pouco (costuma ser 10-15% maior que a TFG real). O valor normal do clearance de creatinina é de 91-130 ml/min. O motivo da discreta superestimativa da TFG pelo ClCr é o fato de cerca de 10-15% da creatinina ser eliminada por secreção tubular, e não pela filtração glomerular. Como medir o ClCr na prática médica? O paciente deve coletar TODA a urina durante 24h e levá-la ao laboratório. Determina-se a concentração urinária de creatinina (Cru) e o volume urinário em 24h (V, em ml). Sabendo-se a concentração de creatinina sérica (Cr), calcula-se o clearance de creatinina (ClCr) pela fórmula a seguir: Obs.: 1.440 é o número de minutos em 24h. O clearance de creatinina é o exame mais utilizado para diagnosticar o estágio inicial da injúria renal, particularmente quando a creatinina sérica ainda não se elevou acima dos valores de referência (não há azotemia). Na injúria renal avançada, isto é, quando a TFG se encontra muito reduzida, o clearance de creatinina progressivamente perde sua precisão, pois passa a superestimar a TFG de uma forma exagerada, uma vez que até 35% da creatinina pode estar sendo eliminada por secreção tubular! Alguns estudos mostraram que o Clcr mensurado na vigência de franca insuficiência renal pode representar, falsamente, o DOBRO da verdadeira TFG, conforme medido por métodos mais fidedignos (ex.: clearance de inulina)... Teoricamente, este problema poderia ser amenizado administrando-se cimetidina (um inibidor da secreção tubular de creatinina). O protocolo clássico utiliza doses de 1.200 mg (dia 1) e 400 mg/dia (dias 2, 3 e 4) antes da coleta urinária... Contudo, pelo fato de algumas evidências terem sugerido que o bloqueio na secreção de creatinina pela cimetidina seja, na verdade, inconstante – pois varia de um paciente a outro, dificultando a padronização do teste – tal método não é mais preconizado... Nas últimas décadas, diversos trabalhos desenvolveram fórmulas matemáticas para estimar o clearance de creatinina sem necessitar da urina de 24h (que é sujeita a erros de coleta). Dentre as várias fórmulas que foram desenvolvidas, daremos destaque a somente três: (1) fórmula de Cockcroft-Gault; (2) fórmula do estudo MDRD; (3) fórmula do CKD-EPI. Uma creatinina sérica de 1,3 mg/dl pode ser normal para um paciente jovem e musculoso, mas pode representar uma grave redução da função renal em uma paciente idosa e magra. Telegram: @kiwifz - Site: medvideos.tech Tais fórmulas nos dão um ótimo exemplo de como a concentração sérica de creatinina deve sempre ser interpretada à luz de outras variáveis clínicas (idade, sexo, peso)... Como você acabou de ver, um mesmo valor de creatinina (1,2 mg/dl) corresponde a uma função renal reduzida numa senhora de 70 anos pesando 60 kg, mas se relaciona a uma função renal normal em um homem jovem com 70 kg... A fórmula mais utilizada nas provas de residência é a de Cockcroft-Gault, por ser a mais fácil de memorizar e calcular... Contudo, é importante conhecer suas limitações: (1) ela superestima a TFG em pessoas extremamente obesas, já que parte considerável do peso desses indivíduos não é de massa muscular, e sim tecido adiposo (que não secreta creatinina); (2) desnutridos, amputados, paraplégicos e tetraplégicos, além de pacientes muito idosos, crianças e gestantes também apresentam maior chance de resultados irreais com o uso desta fórmula, devido às variações na proporção de massa muscular em relação ao peso corpóreo total... Em todos estes casos, recomenda-se lançar mão de métodos DIRETOS de aferição da TFG, como o clearance de creatinina na urina de 24h, ou mesmo o clearance de radiotraçadores (ver adiante). Na prática médica, graças ao advento de calculadoras online e aplicativos para dispositivos móveis eletrônicos, a fórmula de Cockcroft-Gault é menos utilizada... De acordo com a literatura, a de escolha na atualidade é a fórmula CKD-EPI, que se mostrou mais acurada que as demais. MAS AGORA CUIDADO: nenhuma dessas fórmulas deve ser utilizada nos casos de injúria renal aguda!!! Elas foram desenvolvidas somente para pacientes com função renal estável... Na IRA, a creatinina sérica leva de 48-72h para se elevar por completo após uma queda na TFG. Desse modo, estimar o clearance de creatinina através de fórmulas, num momento em que a creatinina sérica ainda não tenha atingido seu valor máximo, inevitavelmente resulta numa superestimativa da TFG... OUTROS MARCADORES DA FUNÇÃO EXCRETÓRIA RENAL Protocolos utilizando radiotraçadores como o Cr51-EDTA, o I125- Iotalamato, o Tc99m-DTPA ou o iohexol costumam ser utilizados em estudos científicos para avaliar a TFG com grande precisão, sendo, entretanto, raramente empregados na prática clínica (são métodos caros e pouco disponíveis). Já o clearance de inulina é considerado o "padrão-ouro" para a mensuração exata da TFG, uma vez que esta molécula (polímero da frutose) é um "marcador ideal de filtração glomerular": a inulina é inerte (ou seja, não é sintetizada nem metabolizada no organismo), não se liga a nenhuma proteína plasmática e é inteiramente filtrada nos glomérulos, sem ser reabsorvida, secretada ou modificada pelas células tubulares, apenas filtradas... Entretanto, o clearance de inulina também não é feito de rotina! São dois os principais empecilhos: (1)baixa disponibilidade da molécula (o que torna seu custo muito elevado); (2) técnica extremamente complexa para sua realização... Para medir o clearance de inulina é necessário administrá-la em infusão contínua, realizar coletas seriadas de sangue e cateterizar a bexiga do paciente para quantificação precisa do fluxo urinário! Logo, não é um exame muito prático... A cistatina C é uma proteína de baixo peso molecular (13 kDa) produzida por todas as células nucleadas do organismo. Ela é livremente filtrada pelo glomérulo, não sendo reabsorvida pelos túbulos. Sabemos que sua secreção tecidual sofre influência de fatores como idade, sexo, raça e variáveis antropométricas (peso, altura, quantidade de tecido adiposo), entre outros. Logo, a cistatina C NÃO é superior à creatinina como marcador de função renal! Além do mais, a cistatina C é parcialmente metabolizada pelo rim, o que invalida a medida direta de seu clearance urinário. Não obstante, estudos recentes demonstram que a combinação SAIBA MAIS... Estimativa do clearance de creatinina em CRIANÇAS! Para a população pediátrica existe uma fórmula especial para estimativa do Clcr: trata-se da fórmula de Schwartz. TFG = K x altura (em cm)/Cr K é uma constante que varia conforme a faixa etária. Representa uma "correção" para as diferentes proporções de massa muscular em relação ao peso corpóreo total, de acordo com a idade... Seus valores são: (1) bebês prematuros = 0.33; (2) bebês normais = 0.45; (3) crianças > 1 ano e adolescentes do sexo feminino = 0.55; (4) adolescentes masculinos = 0.7. Telegram: @kiwifz - Site: medvideos.tech de ambas (creatinina + cistatina C) permite uma estimativa mais acurada da TFG do que a utilização de cada uma delas isoladamente... Existe uma variante da fórmula CKD-EPI que combina as dosagens séricas de creatinina e cistatina C, sendo esta fórmula bastante precisa em comparação com métodos diretos de aferição da TFG (ex.: clearance de iotamalato). Até o momento, porém, não há comprovação de que seu uso leve a melhores desfechos clínicos no manejo dos pacientes nefropatas, em comparação com as fórmulas que utilizam apenas a dosagem de creatinina. Por este motivo, apesar de precisa, tal fórmula não é considerada a "de escolha" para estimativa da TFG na prática! Seu emprego, inclusive, é limitado pelo maior custo e menor disponibilidade da dosagem de cistatina C... REGULAÇÃO HIDRO ELETRO LÍTICA E ACIDOBÁSICA Os níveis séricos de potássio, sódio, a osmolaridade e o pH extracelular necessitam de uma precisa regulação renal. Este controle é feito através da reabsorção e secreção tubular, porém, depende de uma filtração glomerular mínima para garantir a eliminação dos eletrólitos administrados e do H+ produzido. Por esta razão, a injúria renal leva a uma série de distúrbios hidroeletrolíticos e acidobásicos, tais como hipervolemia, hipercalemia, hiponatremia, acidose metabólica, hipocalcemia, hiperfosfatemia e hipermagnesemia. Este assunto será abordado com detalhes adiante. VIDEO_03_NEF4 Cap. 2 INJÚRIA RENAL AGUDA VIDEO_01_NEF4 Um quadro de insuficiência renal é dito agudo (IRA) quando sua evolução é rápida, ao longo de horas ou dias. Na maioria das vezes este é um diagnóstico puramente laboratorial, feito pelo reconhecimento da elevação da ureia e creatinina plasmáticas (azotemia), na ausência de sintomas. Contudo, quando a disfunção renal for grave (Crpl > 4,0 mg/dl, geralmente com TFG < 15-30 ml/min), os sinais e sintomas da síndrome urêmica já podem aparecer. Estima-se que cerca de 5-7% das admissões hospitalares, e 30-70% das internações em UTI, cursem com algum grau de insuficiência renal aguda! Por definição, insuficiência renal é a queda na Taxa de Filtração Glomerular (TFG). Entretanto, a azotemia (Crpl ≥ 1,5 mg/dl em homens e ≥ 1,3 mg/dl em mulheres) costuma aparecer somente quando a TFG está pelo menos 50% abaixo do valor normal. Logo, podemos deduzir que mesmo um paciente SEM AZOTEMIA já pode apresentar perda significativa da função renal (veremos isso com calma adiante). Nos dias de hoje, o termo "injúria renal aguda" tem sido preferido por representar melhor o amplo espectro de apresentação da doença, uma vez que a terminologia antiga descreve bem somente um subgrupo desses pacientes, que são aqueles que necessitam de suporte dialítico de emergência... Há muito se tenta padronizar a definição de IRA, mas ainda não há consenso absoluto na literatura! Uma das definições mais utilizadas na atualidade é aquela proposta pela KDIGO (Kidney Disease Improving Global Outcomes) – Tabela 1. Tab. 1 Na Tabela 2, colocamos o estadiamento da injúria renal aguda conforme proposto pela mesma referência. Tab. 2 DEFINIÇÕES DE INJÚRIA RENAL AGUDA (KDIGO – 2012) ● Aumento da creatinina sérica ≥ 0,3 mg/dl dentro de 48h; OU ● Aumento da creatinina sérica ≥ 1,5x o valor de base, ocorrendo nos últimos sete dias; OU ● Débito urinário < 0,5 ml/kg/h por mais do que 6h. ESTADIAMENTO DE GRAVIDADE DA IRA (KDIGO – 2012) ESTÁGIO 1 ● Aumento da creatinina sérica ≥ 0,3 mg/dl; OU ● Aumento da creatinina 1,5 a 1,9 vezes o valor de base; OU ● Telegram: @kiwifz - Site: medvideos.tech Note que, apesar do destaque dado à OLIGÚRIA na definição acima, na verdade a IRA pode ser dividida em três subtipos, de acordo com o débito urinário: (1) IRA oligúrica, quando o débito urinário for inferior a 500 ml/24h, ou 400 ml/24h, dependendo da referência; (2) IRA não oligúrica, quando a diurese for maior que 400-500 ml/24h; e (3) IRA anúrica, para débitos urinários inferiores a 50 ml/24h ou 100 ml/24h (novamente existe divergência na literatura)... O fato é que mais de 50% das IRA cursa com a forma não oligúrica, com volume urinário normal em torno de 1 a 2 L/dia! Eventualmente, um débito urinário acima do normal (poliúria = mais de 3 L/dia), pode ser observado em pacientes com injúria renal aguda... A ocorrência de injúria renal aguda (em qualquer grau) está associada a um importante aumento da morbimortalidade intra-hospitalar. Dependendo do contexto clínico (ex.: idade avançada, presença de outras disfunções orgânicas) a mortalidade da IRA pode variar entre 30-86%. ETIOPATOGENIA A injúria renal aguda pode ser causada por três mecanismos básicos: (1) hipofluxo renal (azotemia pré-renal); (2) lesão no próprio parênquima renal (azotemia renal intrínseca) e (3) obstrução do sistema uroexcretor (azotemia pós-renal). A causa de azotemia renal intrínseca mais comum é a NTA (Necrose Tubular Aguda), responsável por cerca de 90% dos casos neste grupo etiopatogênico. Mas considerando todos os mecanismos, o mais comum parece ser o pré-renal, e o menos comum, o pós-renal. Veja os percentuais: 1. Pré-renal (hipofluxo) – 55-60%; 2. NTA (Necrose Tubular Aguda) – 35-40%; 3. Pós-renal (obstrutiva) – 5-10%. Analisando especificamente a população de doentes críticos (isto é, aqueles internados no CTI), observa-se uma proporção diferente, com a NTA sendo responsável por 50% dos casos de insuficiência renal aguda, seguida pela pré-renal (35%) e pós-renal (10%). Outras causas de injúria renal intrínseca correspondem a menos de 10% do total de casos. AZOTEMIA PRÉ-RENAL Azotemia pré-renal é a elevação das "escórias nitrogenadas" causada pela redução do fluxo sanguíneo renal. É o tipo mais comum de injúria renal aguda (55-60% dos casos). Caracteriza-se clinicamente pela reversibilidade, uma vez restaurado o fluxo renal. As principais causas são: (1) hipovolemia; (2) estados de choque; (3) insuficiência cardíaca; (4) cirrose hepática com ascite. O que todas estas entidades possuem em comum é a queda do chamado volume circulante efetivo, ou seja, aquele que preenche o leito arterial e perfunde nossos órgãos. Em situações normais, este volume corresponde a 30% do volume sanguíneo total. Na insuficiência cardíaca e na cirrose com ascite, esta proporção pode cair para menos de 10%, pois ocorre represamento do fluido intravascular, respectivamente, no territóriovenoso e esplâncnico. FISIOPATOLOGIA Felizmente, os vasos renais possuem um mecanismo de proteção contra alterações deletérias do fluxo renal e da taxa de filtração glomerular, o que denominamos autorregulação do fluxo renal e da filtração glomerular. Quando a Pressão Arterial Média (PAM) cai, as arteríolas aferentes vasodilatam, reduzindo a resistência vascular do rim, evitando o hipofluxo renal. Em condições normais, o fluxo sanguíneo renal é preservado até uma PA sistólica de 80 mmHg. Caso a pressão caia abaixo desse limite, a autorregulação não será mais capaz de evitar o hipofluxo, pois as arteríolas já estarão em seu máximo de vasodilatação!!! Neste ponto, instala-se a azotemia pré-renal. É importante ressaltar que indivíduos com um "desajuste" da autorregulação renal podem desenvolver azotemia pré- renal mesmo quando a PA sistólica está um pouco acima de 80 mmHg. É o caso dos idosos, hipertensos crônicos e diabéticos de longa data (condições que comumente lesam a arteríola aferente). O mecanismo de vasodilatação aferente depende de dois fatores: (1) estímulo direto de barorreceptores de estiramento da própria musculatura lisa arteriolar (reflexo miogênico) e (2) liberação intrarrenal de vasodilatadores endógenos (prostaglandina E2, sistema calicreína-cinina, óxido nítrico) que agem predominantemente na arteríola aferente. A TFG ainda pode ser regulada de forma independente do fluxo renal, por ação da angiotensina II, um potente vasoconstritor da arteríola eferente. Ao agir sobre esta arteríola, a angiotensina II promove um aumento da pressão de filtração glomerular, contribuindo para a manutenção da TFG. Veja a importância desses conceitos... Os AINE (inibidores da formação de prostaglandinas), os inibidores da ECA e os antagonistas do receptor de angiotensina II prejudicam a autorregulação do fluxo renal e da TFG!!! Estes fármacos podem precipitar azotemia pré-renal em pacientes com baixo fluxo renal, como aqueles com hipovolemia moderada a grave, ICC descompensada, nefropatia crônica ou estenose bilateral de artéria renal. A redução do volume circulante efetivo é um forte estímulo para a ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, do sistema adrenérgico e para a liberação de ADH (vasopressina). A angiotensina II, as catecolaminas e a vasopressina promovem vasoconstrição periférica de Débito urinário < 0,5 ml/kg/h por 6-12h. ESTÁGIO 2 ● Aumento da creatinina 2,0 a 2,9 vezes o valor de base; OU ● Débito urinário < 0,5 ml/kg/h por ≥ 12h. ESTÁGIO 3 ● Aumento da creatinina para um valor ≥ 4,0 mg/dl; OU ● Aumento da creatinina 3,0 vezes o valor de base; OU ● Débito urinário < 0,3 ml/kg/h por ≥ 24h; OU ● Anúria ≥ 12h; OU ● Início da terapia de substituição renal; OU ● (Pacientes com < 18 anos): queda na TFG estimada para < 35 ml/min/1.73 m² . Telegram: @kiwifz - Site: medvideos.tech modo a desviar o fluxo sanguíneo para os órgãos "nobres". Quando o estímulo é intenso, a vasoconstrição acomete também os vasos renais, contribuindo para a azotemia prérenal. O uso de drogas com efeito vasoconstritor renal, tais como a noradrenalina, adrenalina, dopamina (em dose alfa), ergotamina, ciclosporina e contraste iodado, pode também precipitar uma azotemia pré-renal. Na tentativa de conservação hidrossalina, a angiotensina II aumenta a reabsorção de sódio e água pelo néfron proximal, enquanto a aldosterona aumenta a reabsorção de sódio e água no néfron distal. A vasopressina aumenta a reabsorção de água livre no néfron distal. Resultado final: oligúria, urina hiperconcentrada e pobre em sódio. ETIOLOGIA A Tabela 3 reúne as principais causas de injúria pré-renal. Tab. 3: Causas de azotemia pré-renal. A redução do volume circulante efetivo é a causa mais comum de injúria pré-renal e, portanto, de injúria renal aguda. Pode ser devida à hemorragia externa ou interna, diarreia, vômitos, fístulas digestivas, poliúria, sudorese intensa ou perda para o terceiro espaço (retroperitôneo – pancreatite; peritôneo – ascite; luz intestinal – obstrução intestinal aguda, isquemia intestinal, íleo paralítico; tecido muscular – rabdomiólise). Devemos estar atentos para não "deixar passar" o diagnóstico de hemorragias internas, como hemotórax, hemoperitôneo e hematoma muscular da coxa, todos consequentes a trauma. A musculatura da coxa traumatizada pode armazenar até 12 L de líquido, só de edema... O estado de choque é acompanhado pela redução generalizada do fluxo orgânico. Um dos órgãos mais afetados é o rim. Os choques hipovolêmicos, cardiogênico, séptico e obstrutivo, são os tipos descritos. A causa mais comum de choque cardiogênico é o infarto agudo do miocárdio. A insuficiência cardíaca descompensada pode causar redução importante do fluxo renal, pelo baixo débito cardíaco. Na insuficiência cardíaca, a ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona promove retenção hidrossalina que inicialmente é benéfica, por aumentar o retorno venoso e manter, até certo ponto, um débito cardíaco satisfatório. Contudo, no estado mais avançado da cardiopatia, a retenção de sódio e água pelo rim torna-se excessiva, sobrecarregando o ventrículo doente e levando a congestão pulmonar e sistêmica. A cirrose hepática com ascite é um estado de hipovolemia relativa, pois estes pacientes apresentam uma intensa vasodilatação esplâncnica, reduzindo a quantidade de fluido no leito arterial. A hipertensão porta, em associação com a disfunção hepatocelular, prejudica a depuração do óxido nítrico (NO) produzido pelo endotélio da circulação mesentérica. O óxido nítrico é um potente vasodilatador local. A nefropatia isquêmica é uma situação especial de azotemia pré-renal. Ocorre na estenose bilateral de artéria renal (ou estenose arterial em rim único). Geralmente são pacientes previamente hipertensos e com aterosclerose em vários territórios vasculares. O mecanismo da isquemia aguda pode ser trombose sobre a placa de ateroma, hipovolemia ou uso de inibidores da ECA/AINE em pacientes com estenose bilateral grave. No caso dos inibidores da ECA e AINE, a IRA geralmente é reversível após a retirada da droga. QUADRO DE CONCEITOS I IRA pré-renal. SÍNDROME HEPATORRENAL A síndrome hepatorrenal (SHR) é uma forma peculiar de IRA pré-renal que acomete cerca de 20-40% dos portadores de cirrose hepática avançada, mas também pode surgir no contexto da insuficiência hepática fulminante (particularmente na hepatite alcoólica). Apesar de ser uma IRA "pré-renal", a SHR não pode ser resolvida apenas com a normalização da volemia... Em termos histológicos, caracteriza-se pela ausência de alterações estruturais no parênquima renal, sendo o mecanismo da IRA uma intensa vasoconstrição nas artérias e arteríolas pré-glomerulares (isquemia do córtex), o que configura um tipo de IRA "funcional" potencialmente reversível. Acontece que essa reversibilidade depende única e exclusivamente da normalização da função hepática, seja de maneira espontânea (ex.: cura da hepatite aguda), ou após transplante de fígado (ex.: cirrose avançada)... Um curioso fato nos ajuda a entender que o problema da SHR "não está nos rins do paciente": se o rim de um portador de SHR for transplantado num indivíduo não hepatopata, a vasoconstrição se desfaz espontaneamente, e a função renal se restabelece de maneira paulatina... Mas por qual motivo ocorre essa vasoconstrição renal tão intensa? A SHR representa, na verdade, o evento terminal de um continuum de alterações hemodinâmicas induzidas pela disfunção hepática! Nas fases iniciais de qualquer hepatopatia grave podemos notar uma progressiva VASODILATAÇÃO ESPLÂNCNICA, cuja principal consequência é a redução da resistência vascular sistêmica (tendência à hipotensão). Todavia, inicialmente não ocorre hipotensão arterial, pois o volume circulante efetivo consegue ser mantido à custa de aumentos no débito cardíaco, na vasoconstrição periférica (desvio de sangue de órgãos "menos nobres", como pele e musculatura esquelética)e retenção renal de sódio e Redução do volume circulante efetivo. Estados de choque. Insuficiência cardíaca descompensada. Cirrose hepática com ascite. Nefropatia isquêmica. AINE. Inibidores da ECA/antagonistas de angio II. A injúria pré-renal geralmente se instala assim que a pressão arterial média cai abaixo de 80 mmHg, porém, em alguns idosos, hipertensos crônicos e diabéticos de longa data, o hipofluxo renal poderá se instalar com uma PAM um pouco acima deste valor, devido à disfunção crônica da arteríola aferente (menor capacidade de vasodilatação). Telegram: @kiwifz - Site: medvideos.tech água. Tais respostas são mediadas pela ativação de dois importantes sistemas: (1) adrenérgico e (2) renina-angiotensina-aldosterona. Entretanto, a piora da função hepática leva a um aumento absurdo da vasodilatação esplâncnica, promovendo uma queda tão acentuada da resistência vascular sistêmica que os mecanismos compensatórios não conseguem mais manter a homeostase circulatória e, por fim, acabam se tornando eles mesmos deletérios. Vamos entender isso com calma... Olha só: o aumento do tônus adrenérgico promove vasoconstrição inicialmente periférica, mas quando exagerado também promove vasoconstrição renal direta! Já o excesso de angiotensina II, além de contribuir para o estímulo vasoconstritor, também induz hipersecreção de aldosterona, o que por sua vez faz os rins reabsorverem sódio com uma avidez extrema (justificando o clássico achado de Nau < 10 mEq/L na SHR). O aumento do sódio corporal total leva ao estado hipervolêmico (aumento do volume de fluido extracelular), que neste caso se expressa como edema periférico e, principalmente, ascite volumosa, não raro refratária ao tratamento clínico. Existe ainda um terceiro mecanismo compensatório que será ativado nos casos extremos, numa última tentativa de normalizar o volume circulante efetivo: a secreção "não osmótica" de vasopressina (AVP ou ADH). Este hormônio aumenta a retenção renal de água livre (causando hiponatremia dilucional) e possui efeito vasoconstritor direto (mais um fator aumentando a vasoconstrição renal). Lembre-se que a hiponatremia é um marcador de péssimo prognóstico na cirrose hepática justamente por traduzir a existência de doença muito avançada... Enfim, como você já deve ter percebido, tanto a queda inexorável do volume circulante efetivo (por "roubo" da circulação esplâncnica) quanto os fenômenos compensatórios exageradamente intensos (causando vasoconstrição renal) levam a uma profunda redução na taxa de filtração glomerular e no ritmo de produção de urina, o que resulta em oligúria (débito urinário < 500 ml/dia ou < 400 ml/dia, dependendo da referência) e azotemia (Cr > 1,5 mg/dl), ou seja, um quadro de injúria renal grave!!! Mas o que explica a vasodilatação esplâncnica? Tudo leva a crer que a vasodilatação no território esplâncnico é secundária ao fenômeno da translocação bacteriana, isto é, bactérias presentes no lúmen intestinal conseguem ultrapassar a mucosa (danificada pela hipertensão porta) e alcançar os linfonodos mesentéricos. Neste local, leucócitos mononucleares iniciam a produção de citocinas pró- inflamatórias – como TNF-alfa e IL-6 – induzindo hipersecreção pelo endotélio de mediadores como óxido nítrico, monóxido de carbono e canabinoides endógenos, que promovem vasodilatação local e "roubo de sangue" para a circulação esplâncnica! E como se diagnostica a SHR? Em primeiro lugar, precisamos reconhecer que a síndrome pode cursar com dois padrões evolutivos: ● Tipo 1 – a creatinina sérica dobra de valor (ficando > 2,5 mg/dl) em menos de duas semanas. Apesar de poder surgir de maneira espontânea, em geral se identifica um evento deflagrador (o mais comum é a peritonite bacteriana espontânea). O prognóstico é péssimo (mortalidade > 90%) caso a disfunção hepática não possa ser corrigida (o melhor tratamento é o transplante ortotópico de fígado). O quadro clínico é de IRA oligúrica; ● Tipo 2 – a creatinina sérica aumenta de maneira lenta e gradual, levando mais do que duas semanas para dobrar e ultrapassar o valor de 2,5 mg/dl. Geralmente não há fatores agudos desencadeantes (trata-se de uma evolução natural da doença de base). O prognóstico de curto prazo é um pouco melhor que o da SHR tipo 1, porém o tratamento definitivo é o mesmo. O quadro clínico é de ascite refratária. Em segundo lugar, precisamos reconhecer que a SHR é um diagnóstico de exclusão! Por conta das alterações hemodinâmicas próprias das hepatopatias graves (já descritas), os hepatopatas são naturalmente propensos ao desenvolvimento de injúria renal aguda, em face de qualquer insulto que altere sua homeostase circulatória... Infelizmente, tais insultos são comuns nesse tipo de paciente (ex.: hemorragia digestiva alta, peritonite bacteriana espontânea, uso excessivo de diuréticos de alça), o que faz a IRA ser um problema bastante frequente. É preciso identificar todos os fatores que possam contribuir para a IRA, e tratá-los de forma direcionada. Antes de prosseguir, devemos esclarecer um ponto que sempre gera confusão... Como você deve ter reparado, ainda há pouco dizíamos que um dos principais deflagradores da SHR tipo 1 é a Peritonite Bacteriana Espontânea (PBE), mas agora acabamos de afirmar que a SHR é um diagnóstico de exclusão... Isso não é contraditório??? Não se você entender o seguinte: já vimos que na vigência de uma infecção grave (como a PBE), o cirrótico tem grande chance de desenvolver injúria renal aguda. Neste caso, num momento inicial não temos como dizer se ele entrou ou não em SHR (ainda que o quadro clínico seja de IRA oligúrica)... Como a PBE é um "deflagrador" da SHR, mesmo após a cura dessa infecção o doente pode permanecer com oligúria e piora progressiva da azotemia, quando então teremos certeza de que ele realmente entrou em SHR... Assim, fica fácil compreendermos os critérios diagnósticos da SHR, propostos pelo International Ascites Club: VIDEO_04_NEF4 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DA SÍNDROME HEPATORRENAL ● Hepatopatia grave, aguda ou crônica, com hipertensão porta. ● Cr > 1,5 mg/dl. ● Ausência de melhora da creatinina sérica após expansão volêmica com albumina IV (1 g/kg), passados pelo menos dois dias sem administrar diuréticos. ● Ausência de choque circulatório. ● Ausência de uso atual ou recente de drogas nefrotóxicas (ex.: aminoglicosídeos, AINE). ● Ausência de sinais de doença parenquimatosa renal, particularmente: (1) proteinúria < 500 mg/dia; (2) presença de < 50 hemácias por campo de grande aumento no sedimento urinário; (3) USG de rins e vias urinárias normal (descartando lesões no parênquima e obstrução do trato urinário). Telegram: @kiwifz - Site: medvideos.tech Mais detalhes serão vistos no módulo de Hepatologia. AZOTEMIA RENAL INTRÍNSECA A azotemia renal intrínseca, ou IRA por lesão intrínseca, é a disfunção renal aguda causada por lesão no próprio parênquima renal. É responsável por 35-40% dos casos de injúria renal aguda. Pode cursar com oligúria (necrose tubular aguda isquêmica, rabdomiólise, glomerulonefrites ou nefropatias microvasculares), anúria (necrose cortical aguda, algumas glomerulonefrites) ou não oligúria/poliúria (necrose tubular aguda por aminoglicosídeos). A injúria renal aguda por lesão renal intrínseca é uma entidade comum entre os pacientes com patologias graves internados em CTI. Nessas circunstâncias, está associada a uma alta letalidade (até 80%), mas não por causa da insuficiência renal propriamente dita, e sim devido à gravidade da doença de base (ex.: sepse com falência orgânica múltipla). Enquanto o comprometimento glomerular (glomerulopatias) predomina entre as causas de lesão renal intrínseca crônica, a causa mais comum de lesão renal intrínseca aguda é o comprometimento tubular! O tipo mais comum de IRA intrínseca é a Necrose Tubular Aguda (NTA) que responde por cerca de 90% dos casos. A Tabela 4 mostra as principais causas de injúria renal aguda intrínseca.Vamos aproveitar para rever os pontos mais importantes de cada uma delas... Tab. 4: Causas de IRA por lesão intrínseca. NECROSE TUBULAR AGUDA ISQUÊMICA A Necrose Tubular Aguda (NTA) isquêmica é uma causa frequente de IRA oligúrica em pacientes internados, especialmente na UTI. Em geral são pacientes em estado crítico (choque, sepse, pancreatite aguda necrosante, politrauma, grande queimado, pós- operatório). As cirurgias mais associadas à NTA isquêmica são: (1) cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea > 2h; (2) correção de aneurisma de aorta abdominal com clampeamento aórtico acima das renais > 60min; e (3) cirurgia biliar em pacientes ictéricos. O sistema tubular é mais sensível à lesão isquêmica ou hipóxica do que o glomérulo, pois (1) tem um gasto energético maior e (2) recebe menor vascularização. A parte reta do túbulo proximal e a porção ascendente espessa da alça de Henle são especialmente suscetíveis (são os segmentos que gastam mais energia). Para levar à NTA, a isquemia renal deve ser grave ou prolongada, mas se o paciente for nefropata crônico ou estiver tomando medicamentos nefrotóxicos, a NTA pode ocorrer com graus menos severos de isquemia... No caso da sepse, o principal mecanismo é a combinação de vasoconstrição renal + vasodilatação sistêmica, com a endotoxina também exercendo um efeito tóxico direto sobre os túbulos renais. A NTA isquêmica, na verdade, faz parte de um continuum: o paciente com isquemia renal evolui de imediato com azotemia pré- renal. Se esta não for corrigida precocemente (ex.: reposição de fluidos), a tendência será a evolução para NTA isquêmica. Se isso acontecer, a azotemia e a oligúria não mais responderão à reposição volêmica! Por que a NTA cursa com IRA (queda na TFG)? (1) feedback tubuloglomerular – a mácula densa recebe mais sódio e cloreto, pela menor reabsorção no túbulo proximal, o que induz vasoconstrição da arteríola aferente; (2) obstrução do sistema tubular por plugs epiteliais; (3) vazamento de escórias nitrogenadas pela parede tubular desnuda, com retorno das mesmas ao plasma. A lesão do epitélio tubular prejudica a reabsorção, levando à formação de uma urina rica em sódio e água (diluída). As células epiteliais se desprendem para o lúmen, aderindo-se à proteína de Tamm-Horsfall e formando os cilindros epiteliais. Ao se degenerarem, tais células acumulam pigmentos, formando cilindros granulosos pigmentares ("cilindros marrons"). O prognóstico da NTA isquêmica é ruim... O paciente não morre da IRA (pois deverá ser dialisado), e sim da disfunção orgânica múltipla subjacente! Quando o paciente sobrevive à fase aguda, a evolução natural é a regeneração do epitélio tubular dentro de 7-21 dias, sobrevindo uma fase poliúrica e paulatina recuperação da TFG. Necrose Tubular Aguda ● Isquêmica (choque, sepse, SIRS, pós-operatório). ● Rabdomiólise. ● Hemólise intravascular. ● Medicamentos (aminoglicosídeos, anfotericina B, contraste iodado, ciclosporina, aciclovir, foscarnet, pentamidina, cisplatina, ifosfamida). ● Venenos: etilenoglicol, Bothrops (jararaca), Loxosceles sp. (aranha marrom). ● Síndrome da lise tumoral (ácido úrico). Leptospirose Nefrite intersticial aguda "alérgica" ● Penicilinas, cefalosporinas, sulfas, tetraciclinas, rifampicina, etambutol, diuréticos, alopurinol, AINE, ranitidina, captopril. Glomerulonefrite difusa aguda Glomerulonefrite rapidamente progressiva Nefroesclerose hipertensiva maligna Ateroembolismo por colesterol Síndrome hemolítico-urêmica Crise renal da esclerodermia Trombose de veia renal bilateral Telegram: @kiwifz - Site: medvideos.tech RABDOMIÓLISE Rabdomiólise significa lesão muscular extensa, liberando na circulação enzimas musculares (CPK, TGO, LDH, aldolase), eletrólitos (potássio, fosfato), ácidos (ácido láctico) e pigmentos (mioglobina). As causas mais comuns de rabdomiólise são: trauma (especialmente o esmagamento muscular), isquemia muscular (síndrome compartimental e da reperfusão muscular), imobilização prolongada, grande mal epiléptico, hipertermia maligna, exercício físico extenuante, hipocalemia ou hipofosfatemia graves, infecções (influenza, tétano), intoxicações (etanol, cocaína, anfetamina, ecstasy) e envenenamentos (Crotalus sp. – cobra cascavel). A grande quantidade de mioglobina liberada pelo tecido muscular lesado é filtrada pelo glomérulo e alcança os túbulos. Com um baixo fluxo tubular (componente pré-renal associado: sequestro de líquidos no "terceiro espaço" – tecido muscular lesado), a concentração deste pigmento no lúmen torna-se muito alta, podendo, então, promover NTA. O grupamento heme contido na mioglobina é o grande pivô da lesão celular (por causar estresse oxidativo)... Além de lesar diretamente os túbulos renais, a mioglobina também possui efeito vasoconstritor, por depletar o óxido nítrico intrarrenal. O diagnóstico é dado pela história clínica, pela elevação das enzimas musculares e pela mioglobinúria no EAS. Entretanto, na urinálise convencional, a mioglobina é interpretada como hemoglobina e o resultado mostrará "hemoglobinúria". A bioquímica urinária é variável, sendo a presença de cilindros granulosos pigmentados comum. Nas primeiras 24-48h a diurese do paciente deve ser forçada por uma vigorosa hidratação com salina isotônica (SF 0,9%). Quando o débito urinário chega a 3 ml/kg/h (cerca de 200 ml/h), a maioria dos autores recomenda administrar manitol e bicarbonato de sódio com salina 0,45%. O manitol mantém um alto fluxo tubular, lavando a mioglobina, e reduz o edema do epitélio tubular e o sequestro de líquidos no músculo lesado. Acredita-se que o manitol também possua efeito antioxidante direto (neutraliza radicais livres)... O bicarbonato de sódio serve para alcalinizar a urina, reduzindo a toxicidade da mioglobina e impedindo a formação de cilindros com a proteína de Tamm-Horsfall... Tais medidas visam prevenir ou reverter as fases precoces da NTA! Surgindo oligúria refratária, deve-se realizar hemodiálise de urgência!!! NEFROTOXICIDADE POR AMINOGLICOSÍDEOS Algum grau de IRA ocorre em cerca de 15-30% dos pacientes que usam aminoglicosídeos. De todos os medicamentos nefrotóxicos, este é o grupo responsável pelo maior número de casos de NTA. Hipovolemia, ICC, idade avançada e nefropatia crônica são os principais fatores de risco. Estas drogas, quando administradas em doses elevadas, mais de uma vez ao dia e por um período > 10 dias, são altamente nefrotóxicas. O fármaco é endocitado pelas células do túbulo proximal, promovendo injúria celular direta. Como o principal defeito está na reabsorção tubular, a IRA geralmente é não oligúrica. A NTA por aminoglicosídeos é uma das causas de IRA associada à hipocalemia e hipomagnesemia. A perda de potássio ocorre por lesão tubular proximal, enquanto a perda de magnésio se dá por lesão da alça de Henle. A bioquímica urinária é típica de NTA (rica em sódio e água). O sedimento pode mostrar cilindros epiteliais e granulosos. Aqui é importante o entendimento do seguinte aspecto: como é possível insuficiência renal sem oligúria? Por definição, na insuficiência renal há redução significativa da TFG. Com a queda na filtração glomerular, espera-se que haja uma redução proporcional do débito urinário, levando à oligúria. Entretanto, nas doenças tubulares, o débito urinário pode não diminuir (ou até aumentar), apesar de haver queda da TFG e injúria renal grave. A explicação é a seguinte: na tubulopatia, há uma queda desproporcional da reabsorção tubular! No néfron normal, cerca de 98% do que é filtrado é reabsorvido. Com o túbulo muito doente, a reabsorção pode cair, por exemplo, para 85%. Assim, mesmo com uma filtração glomerular reduzida (ex.: 10 ml/min ou 12 L/dia), se a reabsorção for de apenas 85% (10 L/dia), o débito urinário poderá se manter em 2 L/dia. Se a reabsorção piora (ex.: 9 L/dia), o paciente urina cerca de 3 L/dia. Como toda NTA, a lesão renal por aminoglicosídeos tende a ser autolimitada,havendo recuperação paulatina da função renal após a suspensão da droga, pelo mecanismo de regeneração tubular. NEFROTOXICIDADE POR OUTROS MEDICAMENTOS Os mecanismos de nefrotoxicidade dos medicamentos que levam à NTA são: (1) toxicidade tubular direta; (2) vasoconstrição arteriolar; (3) obstrução tubular por depósitos ou cristais. Contraste iodado: a toxicidade ocorre principalmente nos nefropatas crônicos, que já tinham creatinina > 1,5 mg/dl... A coexistência de desidratação, diabetes, ICC e mieloma múltiplo potencializa o risco! A expansão volêmica é indicada para a prevenção da nefropatia induzida por radiocontraste nos pacientes de alto risco!!! O esquema mais usado em exames eletivos consiste na infusão de soro fisiológico 1 ml/kg/h nas 12h que antecedem o exame, mantendo a mesma taxa de infusão nas 12h posteriores ao exame. A insuficiência renal começa a se desenvolver dentro das primeiras 48h após o exame e reverte após sete dias, em média. Apesar de haver lesão tubular direta (formação de radicais livres pela molécula de contraste), o principal mecanismo fisiopatológico é a vasoconstrição da arteríola aferente, mediada pela liberação renal de endotelina. A IRA pode ser tanto oligúrica quanto não oligúria (dependendo da gravidade do processo), o sedimento urinário é inocente e a bioquímica urinária é do tipo pré-renal (sódio baixo e concentrado). Os contrastes não iônicos e hipo-osmolares possuem menor chance de causar NTA. Telegram: @kiwifz - Site: medvideos.tech Ciclosporina: imunossupressor utilizado na prevenção da rejeição após transplante renal. Esta droga é reconhecidamente nefrotóxica, promovendo lesão tubular isquêmica por vasoconstrição da arteríola aferente e contração do mesângio (daí a oligúria). Para evitar seu efeito tóxico, os níveis séricos devem ser monitorizados de rotina. O perfil da bioquímica urinária é semelhante ao da toxicidade pelo contraste iodado (pré-renal: pouco sódio e pouca água). Anfotericina B: antifúngico potente, é bastante nefrotóxico, levando à lesão tubular direta e promovendo uma IRA não oligúrica com importante perda de potássio e magnésio. O quadro se assemelha à NTA por aminoglicosídeos. Outras: aciclovir (por formação de cristais), pentamidina, foscarnet, cisplatina, ifosfamida (esta última pode causar a síndrome de Fanconi), etc. OUTRAS CAUSAS DE NECROSE TUBULAR AGUDA Variadas substâncias químicas podem ser nefrotóxicas, promovendo NTA. As principais são os metais pesados (chumbo, mercúrio), os inseticidas (paraquat), o etilenoglicol e o envenenamento por cobras (Bothrops – jararaca) ou aranhas (Loxosceles sp. – aranha marrom). No caso específico do etilenoglicol, o mecanismo é o acúmulo de cristais de oxalato no interior dos túbulos. Além da mioglobina, outro pigmento pode levar à IRA por NTA: a hemoglobina. Portanto, as hemoglobinúrias maciças podem cursar com injúria renal!!! O efeito tóxico da hemoglobina é semelhante ao da mioglobina (incluindo a vasoconstrição arteriolar pela depleção renal de óxido nítrico). O exemplo mais comum (e grave) é a reação hemolítica transfusional por incompatibilidade ABO. Outros exemplos clássicos de hemólise intravascular: malária falciparum, deficiência de G6PD. O diagnóstico é suspeitado pelo achado de anemia e hemoglobinúria no sedimento urinário, sem a presença de hemácias (hematúria), descartada a rabdomiólise (níveis de CPK normais). SÍNDROME DA LISE TUMORAL A terapia de tumores de alto grau de malignidade, especialmente linfomas e leucemias, pode aumentar abruptamente os níveis séricos de ácido úrico (liberado pela lise de células tumorais), que será filtrado pelo glomérulo e atingirá o lúmen tubular, onde poderá formar cristais obstrutivos que destroem o epitélio (NTA). A pista diagnóstica é uma relação urinária ácido úrico/creatinina > 1,0. A prevenção deve ser feita de acordo com o risco do paciente (variável em função da neoplasia subjacente), e envolve medidas como a hidratação vigorosa com cristaloide, o alopurinol e a rasburicase (urato-oxidase recombinante). Uma síndrome idêntica pode ocorrer espontaneamente em portadores de tumores hematológicos de crescimento rápido, sendo denominada nefropatia aguda pelo ácido úrico ou "lise tumoral espontânea". LEPTOSPIROSE "Devemos pensar na possibilidade de leptospirose para todo paciente febril que desenvolva injúria renal aguda com potássio sérico baixo". A leptospirose é uma doença febril aguda de origem infecciosa, causada pela espiroqueta Leptospira interrogans, com 23 sorotipos identificados no Brasil. O agente da leptospirose possui uma forma peculiar de patogenicidade: pode provocar disfunção celular grave, sem necrose ou inflamação significativas. A virulência deste micro- organismo provém da liberação de toxinas... A mais conhecida é uma glicolipoproteína (GLP) capaz de produzir "capilarite" generalizada, levando ao extravasamento de líquido e sangue para os tecidos. Seu espectro clínico é extremamente variável, podendo cursar com uma forma oligossintomática, conhecida como "forma anictérica" (90% dos casos), até uma forma caracterizada por manifestações multissistêmicas graves – a "forma íctero- hemorrágica", também conhecida como síndrome de Weil, caracterizada por icterícia, hemorragia pulmonar e insuficiência renal aguda, cuja letalidade pode alcançar 40%. As alterações renais são incomuns na forma anictérica, exceto pela presença de leptospirúria prolongada (até três meses) durante a fase imune e algumas alterações na sedimentoscopia (micro- hematúria, cilindrúria). Em contrapartida, na síndrome de Weil a injúria renal aguda, por ser tão comum, é considerada parte integrante da síndrome. Vamos compreender a lesão renal da leptospirose... Os rins são afetados na síndrome de Weil por três processos: (1) capilarite, provocando edema renal e formação de petéquias corticais; (2) nefrite tubulointersticial aguda, com infiltrado mononuclear e áreas focais de necrose tubular aguda; e (3) disfunção das células tubulares (desproporcional ao grau de necrose), especialmente no túbulo proximal. Estas últimas sofrem atuação direta da toxina GLP, inibindo a Na-K ATPase, de forma a prejudicar a reabsorção tubular de sódio. O paciente desenvolve Injúria Renal Aguda (IRA) com rápida elevação das escórias nitrogenadas. Na maioria das vezes, a ureia e a creatinina não ultrapassam os valores de 100 mg/dl e 8 mg/dl, respectivamente. Entretanto, nos casos mais graves, as escórias alcançam valores acima de 300 mg/dl para ureia e 18 mg/dl para creatinina, com o paciente desenvolvendo síndrome urêmica e necessitando de diálise. A IRA relacionada à leptospirose é não oligúrica em 65% dos casos, e oligúrica ou oligoanúrica nos 35% restantes. O predomínio da forma não oligúrica vem do aumento da fração excretória de sódio, pelo distúrbio tubular proximal. Um fato muito interessante deve ser comentado: a IRA da leptospirose cursa com níveis Telegram: @kiwifz - Site: medvideos.tech séricos de potássio baixos ou normais, mesmo quando há oligúria. Como há um prejuízo à reabsorção de sódio no túbulo proximal, chega mais sódio ao túbulo coletor (néfron distal). É exatamente neste segmento tubular que o sódio é reabsorvido em troca da secreção de potássio! Portanto, mais sódio chegando ao coletor, mais sódio é reabsorvido, promovendo mais excreção de potássio na urina. Em outras palavras: na nefropatia da leptospirose, o aumento da fração excretória de sódio acaba por aumentar também a fração excretória de potássio. As anormalidades urinárias mais comuns são inespecíficas e incluem colúria, como resultado da hiperbilirrubinemia direta (bilirrubina conjugada); piúria; hematúria; cilindrúria e proteinúria em níveis variados. Todas essas alterações renais são reversíveis, desaparecendo gradualmente com a melhora do quadro clínico sistêmico. Apesar de lesão tubulointersticial ser um evento frequente na leptospirose grave, foi percebidoque boa parte dos casos de insuficiência renal oligúrica podia ser prevenida através de reposição hídrica generosa. Este fato evidencia a grande importância do componente pré-renal na gênese da IRA da leptospirose, provavelmente resultante dos seguintes fenômenos: a) existência de episódios eméticos intensos associados à redução da ingesta de líquidos; b) presença de quadro diarreico; c) perdas insensíveis aumentadas pela existência de febre alta; d) ocorrência de sangramentos, justificados pela diátese hemorrágica (presente na leptospirose grave) e, principalmente, pela queda da pressão de perfusão tecidual (e renal), consequente ao extravasamento de líquidos para o terceiro espaço, fenômeno deflagrado pela capilarite. Tab. 5: Causas clássicas de IRA com hipocalemia. A lesão muscular, típica de um quadro de leptospirose, costuma ser evidenciada pela intensa mialgia, classicamente referida nas panturrilhas, e pode contribuir para o dano renal na medida em que libera mioglobina na circulação. O tratamento da IRA na leptospirose visa a instituição precoce das medidas de suporte, em especial a hidratação venosa (que deve ser iniciada imediatamente após suspeita clínica). Antibioticoterapia também está indicada em todos os casos. De um modo geral, pacientes que não respondem de forma consistente à hidratação venosa são submetidos à hemodiálise precoce antes que a síndrome urêmica se instale e ponha em risco a vida do doente. Por exemplo: sobreposição de disfunção plaquetária pela uremia + diátese hemorrágica da própria leptospirose (capilarite). NEFRITE INTERSTICIAL AGUDA (NIA) O quadro clinicolaboratorial costuma ser suficiente para o diagnóstico (não precisa de biópsia renal), como no caso da forma farmacoinduzida (nefrite alérgica)... A coexistência de febre, rash cutâneo eritematoso, eosinofilia significativa (em 50% dos casos) e, caracteristicamente, eosinofilúria, hematúria, proteinúria e cilindros piocitários, permite o diagnóstico em pacientes que iniciaram um medicamento novo sabidamente implicado no quadro... Lembre-se que o sedimento urinário deve ser feito "por quem sabe", utilizando-se colorações especiais para a pesquisa de eosinófilos (ex.: Hansel). Geralmente há oligúria (pelo edema intersticial e compressão extrínseca dos túbulos). As causas mais comuns de NIA são: penicilinas, cefalosporinas, sulfas, quinolonas, rifampicina, diuréticos, alopurinol e ranitidina. O tratamento pode ser apenas a suspensão da droga implicada e suporte para a insuficiência renal. Os corticoides podem acelerar a resolução nos casos mais graves. A pielonefrite aguda é uma causa de NIA (piogênica). GNDA (SÍNDROME NEFRÍTICA) Em geral se trata de uma reação autoimune, levando à inflamação glomerular, disfunção renal e oligúria. Nos casos mais graves a proliferação inflamatória atinge a cápsula de Bowman, originando estruturas com formato de "crescentes", que podem se expandir e comprimir as alças glomerulares, o que provoca uma rápida deterioração da função renal – uma síndrome chamada glomerulonefrite rapidamente progressiva (GNRP). As principais causas de GNDA que podem cursar com GNRP são: glomerulonefrite pós-estreptocócica (pp. adultos), LES, síndrome de Goodpasture, granulomatose de Wegner, poliangeíte microscópica e angeíte de Churg-Strauss. O diagnóstico é suspeitado pela clínica de síndrome nefrítica: oligúria, hipertensão, proteinúria e sedimento mostrando hematúria dismórfica, cilindros hemáticos e piocitários. Como vimos no volume I, a GNRP pode ser do grupo ANCA positivo (pauci-imune), C3 baixo (imunocomplexos) ou anticorpo anti-MBG positivo (Goodpasture). A confirmação diagnóstica se dá pela biópsia renal (imunofluorescência), e o tratamento é feito com corticoide (metilprednisolona) + imunossupressores (ciclofosfamida) e, nas formas anti-MBG positivas (ex.: Goodpasture), associação de plasmaférese. Duas glomerulopatias crônicas, a nefropatia por lesão mínima e a doença de Berger (nefropatia por IgA), raramente podem evoluir com insuficiência renal aguda; a primeira, por hipovolemia grave, relacionada à síndrome nefrótica; a segunda, durante a hematúria macroscópica maciça, pela lesão tubular hemoglobínica. NEFROESCLEROSE HIPERTENSIVA MALIGNA Esta síndrome é o protótipo das doenças microvasculares agudas do rim, um grupo formado pela nefroesclerose hipertensiva maligna, ateroembolismo por colesterol, síndrome hemolítico-urêmica e crise renal da esclerodermia. É uma importante causa de azotemia renal intrínseca, induzida pelo aumento exagerado e súbito da pressão arterial sistêmica, geralmente acima de 220 x 120 mmHg. A maioria ● Leptospirose. ● Lesão renal por aminoglicosídeos. ● Lesão renal pela anfotericina B. ● Nefroesclerose hipertensiva maligna. Telegram: @kiwifz - Site: medvideos.tech dos pacientes é da raça negra ou branca com hipertensão secundária. A fundoscopia revela sinais de hipertensão acelerada maligna: hemorragias, exsudatos e/ou papiledema. A lesão histopatológica característica é a necrose fibrinoide arteriolar e a arteriosclerose hiperplásica em "bulbo de cebola". O controle da PA pode reverter, pelo menos em parte, a injúria renal, a despeito de uma leve piora da azotemia nos primeiros dias de tratamento. ATEROEMBOLISMO É uma causa de IRA a ser considerada em indivíduos que apresentam aterosclerose aórtica e foram submetidos a um procedimento intravascular (cateterismo, angioplastia), ou foram vítimas de trauma torácico fechado. Pequenos fragmentos de colesterol se desprendem da placa ateromatosa e obstruem a microvasculatura renal (arteríolas e capilares glomerulares). O quadro clínico é de IRA oligúrica, associada à febre, eosinofilia, livedo reticularis, isquemia de dígitos ("síndrome do dedo azul"), mialgia intensa, com aumento importante da CPK total e hipocomplementemia. Quase todos os pacientes evoluem com perda definitiva da função renal!!! O diagnóstico depende da biópsia (cutânea, muscular ou renal), que irá revelar um achado patognomônico: as fissuras biconvexas vasculares. Não há tratamento específico, e o prognóstico é péssimo... SÍNDROME HEMOLÍTICO-URÊMICA (SHU) Caracteriza-se pela seguinte associação: (1) anemia hemolítica microangiopática; (2) trombocitopenia; (3) insuficiência renal aguda oligúrica. Há uma hiperativação plaquetária, com formação de agregados de plaquetas e fibrina (trombose) nos capilares glomerulares. As hemácias, ao passarem em alta velocidade por esses microtrombo, são fragmentadas e dão origem aos "esquizócitos" visualizados no sangue periférico. A SHU é mais comum em crianças pequenas (1-4 anos), manifestando-se geralmente 7-15 dias após uma disenteria por E. coli êntero- hemorrágica sorotipo O157:H7 (produtora da verotoxina), bem como em gestantes e puérperas. Trata-se de uma síndrome autolimitada e a conduta deve ser apenas de suporte, não raro com diálise. Alguns casos evoluem para necrose cortical aguda (5%) – especialmente gestantes e puérperas. CRISE RENAL DA ESCLERODERMIA Devemos suspeitar desta grave síndrome em pacientes esclerodérmicos difusos que apresentam hipertensão acelerada maligna associada à: IRA oligúrica, anemia hemolítica microangiopática e plaquetopenia. Esses pacientes têm, na verdade, uma endarterite interlobular crônica pela esclerodermia que, subitamente, desenvolve vasoespasmo arteriolar renal difuso, necrose fibrinoide e arterioloesclerose hiperplásica. Os inibidores da ECA reduzem a mortalidade destes pacientes de 80% para menos de 30%, inclusive permitindo a recuperação da função renal! NECROSE CORTICAL AGUDA A Necrose Cortical Aguda (NCA) é uma entidade relacionada à sepse grave e, principalmente, as complicações obstétricas (descolamento prematuro de placenta, aborto retido, etc.). Cerca de 5% dos casos de síndrome hemolítico-urêmica evolui com NCA. Sua gênese se baseia no processo de Coagulação Intravascular Disseminada (CIVD), determinando uma lesão endotelial extensanos vasos do parênquima renal. Quando devemos suspeitar de NCA? Quando o paciente com complicação obstétrica ou sepse grave evolui para anúria, ou quando a "suposta NTA" não se recupera no período esperado – o paciente permanece oligúrico e dependente de diálise. O prognóstico da NCA é sempre ruim – em geral, o paciente se torna agudamente um "renal crônico" (pois perde de forma abrupta e irreversível um grande número de néfrons). TROMBOSE DE VEIA RENAL A trombose de veia renal bilateral pode levar à insuficiência renal aguda. Uma causa comum é a desidratação grave de uma criança pequena ou lactente. Faz diagnóstico diferencial com IRA pré-renal e com a síndrome hemolítico-urêmica, causas comuns de IRA nesta faixa etária. Outras causas de trombose de veia renal são as síndromes de hipercoagulabilidade, especialmente a síndrome nefrótica. O quadro clínico inclui lombalgia, hematúria e proteinúria importantes. A ultrassonografia mostra aumento no tamanho renal, e o diagnóstico pode ser confirmado pela angio-TC ou angio-RM. O tratamento deve ser feito com anticoagulantes. AZOTEMIA PÓS-RENAL VIDEO_05A_NEF4 A azotemia pós-renal, ou injúria pós-renal, é uma disfunção renal causada por obstrução aguda do sistema uroexcretor. É responsável por apenas 5- 10% dos casos de injúria renal aguda, embora, no subgrupo dos idosos, esta proporção se torne um pouco maior devido à elevada prevalência de doença prostática... CAUSAS DE NECROSE CORTICAL AGUDA 1. Descolamento prematuro de placenta. 2. Aborto retido. 3. Síndrome HELLP – complicação da pré-eclâmpsia. 4. Sepse grave. 5. Envenenamento por cobra ou aranha. 6. Síndrome hemolítico-urêmica. Telegram: @kiwifz - Site: medvideos.tech Um conceito fundamental: a azotemia pós-renal só irá se desenvolver nas obstruções com repercussão renal bilateral, como ocorre na obstrução uretral, do colo vesical, ureteral bilateral ou ureteral em rim único. Uma obstrução renal unilateral, mesmo que completa, geralmente não causa azotemia, pois o rim contralateral (se for normofuncionante) é capaz de suprir a falta do outro. Entretanto, se o paciente já for um nefropata crônico (ex.: IRC em tratamento conservador) mesmo a obstrução de um único ureter pode desencadear um quadro de uremia, pois o rim não obstruído pode não ser capaz de manter a homeostase... Tab. 6: Causas de azotemia pós-renal. A hiperplasia prostática benigna é a causa mais comum de injúria pós- renal. Nesta doença, o tecido prostático que cresce é o interno, comprimindo, assim, em graus variados, a uretra prostática. Eventualmente, a obstrução pode se agravar de maneira súbita ("retenção urinária aguda"), por edema da glândula, espasmo do colo vesical ou disfunção aguda do músculo detrusor, levando à retenção urinária. Os fatores precipitantes mais frequentes são: uso de medicamentos com efeito anticolinérgico (disfunção do detrusor) ou simpatomimético (espasmo do colo vesical) – Tabela 7, infecção prostática (prostatite) ou do trato urinário e infarto prostático. Clinicamente, o paciente apresenta-se com oligoanúria, desconforto hipogástrico e "bexigoma". Alguns evoluem com síncope vasovagal, desencadeada reflexamente pela distensão aguda da bexiga. Lembre-se que a presença de diurese de modo algum descarta a hipótese de obstrução, pois o fluxo de urina pode estar ocorrendo por "transbordamento" em uma bexiga repleta... A passagem de um cateter de Foley costuma resolver a obstrução e, portanto, a azotemia. Quando a retenção vesical for maior que 900 ml, a chance do paciente voltar a urinar espontaneamente é pequena (em torno de 15%), necessitando de cirurgia prostática desobstrutiva. Vale ressaltar que um "bexigoma" muito volumoso, ao ser rapidamente esvaziado, pode levar à hematúria macroscópica, pela rotura de pequenos vasos da parede vesical. As outras causas menos comuns de obstrução do sistema uroexcretor devem ser divididas em: (1) congênitas e (2) adquiridas. Exemplos de uropatia obstrutiva bilateral congênita: valva uretral posterior, estenose uretral, fimose. Das patologias adquiridas, destacam-se: câncer de próstata, câncer de bexiga, bexiga neurogênica, cálculo uretral, cálculo ureteral bilateral ou em rim único, carcinoma metastático para pelve (mais comum: Ca de colo uterino), linfoma pélvico, fibrose retroperitoneal, ligadura cirúrgica acidental dos ureteres. Tab. 7 Quando suspeitar de IRA pós-renal? Naquele paciente idoso com história de prostatismo e que repentinamente ficou anúrico (por obstrução Obstrução uretral ● Congênita: valva uretral posterior, estenose, fimose. ● Estenose iatrogênica (ex.: cateter de Foley por tempo prolongado). ● Cálculo uretral. Obstrução do colo vesical e uretra prostática ● Hiperplasia prostática benigna (principal). ● Câncer de próstata. ● Câncer de bexiga. Obstrução dos óstios vesicais ● Câncer de bexiga. Obstrução ureteral ● Bilateral: ➤ Carcinoma metastático (colo uterino – principal); ➤ Linfoma pélvico; ➤ Fibrose retroperitoneal; ➤ Cálculo bilateral (raro). ● Unilateral em rim único: ➤ Cálculo; ➤ Papila necrosada; ➤ Coágulo; ➤ Inflamação; ➤ Tumor. Funcional ● Bexiga neurogênica (ex.: neuropatia diabética). ● Medicamentos. ● Mielopatia (ex.: traumatismo raquimedular). DROGAS QUE PODEM CAUSAR RETENÇÃO URINÁRIA AGUDA Alfa-adrenérgicos (descongestionantes nasais): ● Sulfato de efedrina; ● Pseudoefedrina; ● Fenilefrina; ● Fenilpropanolamina. Anticolinérgicos: ● Metaproterenol; ● Terbutalina; ● Antidepressivos: imipramina, nortriptilina, amitriptilina; ● Antiarrítmicos: quinidina, procainamida; ● Anticolinérgicos: atropina, escopolamina, oxibutina; ● Antiparkinsonianos: bromocriptina, levodopa; ● Reposição hormonal: progesterona, testosterona; ● Antipsicóticos: haloperidol, clorpromazina; ● Anti-histamínicos: difenidramina, hidroxizina; ● Anti-hipertensivos: hidralazina, nifedipina; ● Outros: diazepam, indometacina, morfina, anestésicos. Telegram: @kiwifz - Site: medvideos.tech completa da uretra prostática). Insuficiência renal com anúria pode ser encontrada eventualmente na necrose cortical aguda e na glomerulonefrite rapidamente progressiva, mas deve sempre nos fazer pensar em obstrução do trato urinário! Como dissemos, nem toda azotemia pós-renal é anúrica... Quando a obstrução é parcial ou funcional, o paciente urina, apresentando oligúria, débito urinário normal ou até mesmo poliúria! A poliúria, neste caso, deve-se à perda da capacidade de concentrar a urina, resultado da nefropatia obstrutiva crônica (uma nefrite tubulointersticial crônica). Muitos pacientes têm obstrução parcial de longa data, e apenas "agudizam" a disfunção renal. Fisiopatologia da IRA pós-renal Após um quadro de obstrução urinária aguda, a pressão no interior dos túbulos renais aumenta de maneira súbita. Curiosamente, a filtração glomerular não se reduz nas primeiras horas e, muito pelo contrário, aumenta. Este fato deve-se à produção inicial excessiva de prostaglandinas pelo parênquima renal. Tais substâncias promovem vasodilatação da arteríola aferente, o que aumenta de forma importante a pressão hidrostática no tufo glomerular, aumentando, por conseguinte, a filtração. Chamamos esta fase de "hiperêmica". Após as primeiras horas do início da obstrução (12 a 24h), observamos a síntese progressiva de substâncias vasoconstritoras, como angiotensina II e tromboxane A2, que levam a uma diminuição da filtração glomerular. Se a obstrução (mesmo que parcial) for persistente, o epitélio tubular, sob efeito da maior pressão luminal, libera substâncias quimiotáxicas que atraem células inflamatórias. O resultado a médio e longo prazo será uma nefrite tubulointersticial crônica (nefropatia obstrutiva). Os monócitos e macrófagos infiltrantes secretam citocinas que promovem fibrose tecidual. Parece que um dos fatores mais importantes neste processo é o TGF-beta (Transforming Growth Factor-beta). QUADRO DE CONCEITOS II-A IRA pós-renal. QUADRO DECONCEITOS II-B IRA pós-renal. O grande risco em um paciente com obstrução urinária é o surgimento de infecção. Na presença de obstrução, a pielonefrite leva à perda renal em poucos dias, tornando a desobstrução um procedimento de emergência!!! Sem infecção associada, leva mais tempo para que tenhamos uma nefropatia tubulointersticial irreversível, talvez duas a quatro semanas (dependendo do grau de obstrução e da reserva renal prévia). Quanto mais tempo obstruído, maior o número de néfrons perdidos... A nefropatia obstrutiva crônica leva à fibrose intersticial e atrofia do sistema tubular, cursando com poliúria (perda da concentração urinária) e acidose tubular hipercalêmica (tipo IV). O exame de urina na azotemia pós-renal pode ser inocente, mas também pode revelar hematúria, piúria e discreta proteinúria (lesão da mucosa). A bioquímica urinária é variável. VIDEO_05B_NEF4 QUADRO CLÍNICO: A SÍNDROME URÊMICA AGUDA Na maioria das vezes, a injúria renal aguda é um diagnóstico laboratorial feito em um paciente que apresenta uma das condições clínicas descritas anteriormente. Portanto, em geral, os sinais e sintomas são devidos à condição clínica causal, como hipovolemia, insuficiência cardíaca, sepse, síndrome nefrítica, etc., e não à injúria renal em si. Nas azotemias mais graves aparecem sinais e sintomas de insuficiência renal, que juntos compõem a chamada síndrome urêmica aguda ou uremia aguda. Esta síndrome é composta por três distúrbios básicos: (1) acúmulo de toxinas nitrogenadas dialisáveis; (2) hipervolemia; (3) desequilíbrio hidroeletrolítico e acidobásico. Os sinais e sintomas que definem a síndrome urêmica são provocados pelo acúmulo no organismo de grande quantidade de "escórias nitrogenadas", que são substâncias tóxicas, contendo nitrogênio, derivadas do metabolismo proteico. Como já ressaltado, a maioria dessas substâncias não é conhecida, porém, quando elas estão em níveis elevados, há um aumento paralelo da ureia e da creatinina sérica. Na IRA, para se desenvolver a síndrome urêmica, geralmente a creatinina está acima de 4,0 mg/dl e a ureia acima de 120 mg/dl. Como já mencionado, a síndrome urêmica é também chamada de "uremia", um nome com significado errôneo, dado na época em que se acreditava que a síndrome era causada pelo acúmulo de ureia. De fato, a ureia realmente contribui para alguns sinais e sintomas da síndrome urêmica, mas somente quando em níveis muito altos (> 380 mg/dl), relacionando-se especialmente ao desenvolvimento de náuseas, vômitos, anorexia e sangramentos. Neste capítulo falaremos apenas das manifestações tipicamente AGUDAS da síndrome urêmica. As demais manifestações serão abordadas no próximo capítulo (doença renal crônica). Deixamos claro, entretanto, que esta é apenas uma divisão didática para facilitar o aprendizado do tema, mesmo porque o paciente "renal crônico", com quadro clínico dominado apenas pelas manifestações decorrentes do A injúria pós-renal aguda geralmente se instala quando ocorre obstrução total ou quase total com repercussão bilateral. A condição de base mais frequentemente encontrada é a hiperplasia prostática benigna, que promove obstrução ao nível do colo vesical. Tais indivíduos geralmente referem sintomas prévios de prostatismo, sendo a "retenção urinária aguda" precipitada por drogas com efeito anticolinérgico ou simpatomimético, prostatite infecciosa, infecção do trato urinário ou infarto prostático. A obstrução urinária aguda inicialmente produz vasodilatação arteriolar renal pela liberação de prostaglandinas, o que aumenta a TFG ("fase hiperêmica"). Em seguida, substâncias vasoconstritoras são produzidas, reduzindo significativamente a TFG. Se a obstrução permanecer por mais de 2-4 semanas, o paciente evolui com fibrose intersticial e atrofia tubular progressiva, a chamada nefropatia obstrutiva crônica. Na vigência de infecção renal, a perda renal se acelera (dias), tornando-se a desobstrução um procedimento emergencial nesses casos! Telegram: @kiwifz - Site: medvideos.tech estado crônico de falência renal, também pode experimentar um episódio de "agudização", superpondo os sinais agudos da síndrome urêmica. Tab. 8: Principais sinais e sintomas da uremia aguda. Para facilitar o entendimento, dividiremos as manifestações por órgãos e sistemas. MANIFESTAÇÕES CARDIOPULMONARES A insuficiência renal aguda oligúrica ou anúrica pode causar retenção importante de líquidos e sódio, aumentando a volemia. Os sinais e sintomas de hipervolemia aguda são: (1) Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS); (2) Edema Agudo de Pulmão (EAP); e (3) edema periférico. A hipertensão arterial sistêmica é encontrada na IRA oligúrica ou anúrica das glomerulonefrites, nefrite intersticial aguda, nefroesclerose hipertensiva maligna, ateroembolismo por colesterol, síndrome hemolítico-urêmica, crise renal da esclerodermia e obstrução urinária aguda. A hipertensão, quando presente, pode ser grave e refratária ao tratamento medicamentoso, só respondendo à diálise. O procedimento dialítico deve ter como meta, nesta situação, não apenas a redução dos compostos azotêmicos, mas sim um processo conhecido como ultrafiltração (que na prática quer dizer "retirada de líquido"), movido por um gradiente pressórico. Na hemodiálise, isso é feito pelo aumento da pressão hidrostática no capilar do filtro; na diálise peritoneal, aumenta-se simplesmente a osmolaridade da solução de diálise ("puxa mais líquido"). Além da retenção hidrossalina, a insuficiência renal predispõe à vasoconstrição arteriolar sistêmica, talvez pela depleção de substâncias endógenas vasodilatadoras, como o óxido nítrico. A retenção hidrossalina também promove congestão e edema pulmonar cardiogênico, levando à dispneia, ortopneia ou até insuficiência respiratória. As toxinas urêmicas podem aumentar a permeabilidade capilar pulmonar, levando a um componente não cardiogênico de edema pulmonar, do tipo SDRA ("pulmão urêmico"). A ultrafiltração é mandatória nesses casos, reduzindo o edema pulmonar e melhorando a troca gasosa e a mecânica ventilatória. O edema periférico está presente na síndrome nefrítica e no renal crônico com insuficiência renal agudizada. É do tipo periorbitário, das serosas (derrame pleural, pericárdico, ascite) e de regiões dependentes de gravidade (membros inferiores). A pericardite urêmica manifesta-se com dor torácica pleurítica, associada a atrito pericárdico e/ou alterações eletrocardiográficas de pericardite aguda (taquicardia sinusal + pequeno supradesnível de ST de formato côncavo em várias derivações). Provém de uma inflamação pericárdica hipervascularizada, predispondo à rotura de capilares e sangramento. Por isso, o líquido pericárdico geralmente é hemorrágico. O tamponamento cardíaco é uma das complicações mais temíveis da uremia, pois pode ser fatal. Ocorre pelo acúmulo muito rápido de líquido na cavidade pericárdica, elevando subitamente a pressão intrapericárdica. A causa mais comum é o sangramento pericárdico, o que pode ser precipitado pelo uso de heparina na hemodiálise. Como prevenção, a hemodiálise deve ser realizada sem heparina nos pacientes com pericardite urêmica, ou então, deve-se preferir a diálise peritoneal. MANIFESTAÇÕES HEMATOLÓGICAS A anemia pode ocorrer, porém costuma ser menos acentuada que a anemia da uremia crônica. Diversos podem ser os fatores que causam anemia no paciente com uremia aguda, muitos deles não diretamente associados à insuficiência renal. Anemia é um achado muito frequente em pacientes graves e pode ser consequente à infecção, perda sanguínea, hemodiluição, hemólise, etc. A uremia aguda cursa com um distúrbio da hemostasia, devido à disfunção plaquetária. As plaquetas no paciente urêmico têm menor capacidade de adesão e agregação. O Tempo de Sangramento (TS) está caracteristicamente prolongado. O fator de von Willebrand, elemento importante para a adesão plaquetária ao colágeno, está disfuncionante. As plaquetas encontram-se
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