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POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA AULA 5 ProfaThaise Kemer CONVERSA INICIAL A presente aula trabalha a política externa brasileira no período compreendido entre os anos de 1985 e 2002, analisando as iniciativas internacionais do Brasil ao longo dos governos de José Sarney (1985-1990), Fernando Collor (1990-1992), Itamar Franco (1992-1994) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). No Governo Sarney, a despeito do quadro de profunda crise econômica do país, houve avanços importantes em termos da integração regional. Nesse sentido, o estreitamento da parceria entre o Brasil e a Argentina teve papel fundamental na consolidação do Mercosul, criado em 1991, durante o Governo Collor. Este, por sua vez, trouxe grande ênfase à agenda neoliberal, defendendo a maior aproximação do Brasil com países do “Primeiro Mundo” e a adoção de medidas preconizadas pelo chamado Consenso de Washington, entendido como um conjunto de medidas que pregava, entre outros, a abertura econômica, as privatizações e a reforma da Previdência. Nos governos de Itamar Franco e de Fernando Henrique Cardoso, por sua vez, houve tanto a continuidade dos esforços de integração regional quanto uma ampliação da adesão do Brasil a regimes internacionais. Nesse sentido, o Brasil aderiu a tratados de proteção aos direitos humanos e, ainda, consolidou sua participação em diversos foros multilaterais internacionais. Assim, a análise da política externa brasileira do Governo Sarney ao Governo Fernando Henrique Cardoso fornece um rico panorama histórico da redemocratização do Brasil. TEMA 1 – A POLÍTICA EXTERNA DO GOVERNO SARNEY: CONTINUIDADE E TRANSIÇÃO (1985 – 1990) Conforme estudamos, o Governo do Presidente João Batista Figueiredo (1979-1985) deu continuidade à política do Presidente Ernesto Geisel (1974- 1979) de promover uma abertura do regime militar brasileiro. Nesse contexto, em 1984, foram realizadas campanhas em todo o país para que houvesse eleições diretas. Contudo, a emenda Dante de Oliveira não foi aprovada. Assim, foram realizadas eleições indiretas, por meio da formação de um Colégio Eleitoral, e Tancredo Neves foi o escolhido. Ele, porém, faleceu após sua eleição, de forma que seu vice-presidente, José Sarney, assumiu, em 1985, a presidência do Brasil. 3 O Governo de José Sarney ocorreu durante uma profunda crise econômica do país, que enfrentava elevados índices de inflação. O cenário de explicava-se não apenas por questões internas, mas também do contexto internacional, em razão do choque do petróleo, de 1979, e da crise nos países da América Latina, para a qual os anos de 1980 se tornaram conhecidos como a “década perdida”. Para tentar solucionar a situação, Sarney promoveu uma sucessão de planos econômicos que envolveram o tabelamento de preços internos como meio de controle inflacionário, mas eles falharam. Nesse contexto, a política externa brasileira foi utilizada como meio para enfrentar a crise econômica, por meio da busca da diversificação de parcerias. Para tanto, o Brasil procurou fortalecer suas relações com os países da região, a exemplo das seguintes iniciativas: em 1985, o Brasil apoiou as iniciativas do Grupo de Contadora1 para promover a paz na América Central; em 1986, Brasil, Argentina, Peru e Uruguai criaram o Grupo de Apoio a Contadora, formado por países que, assim como o Brasil, apoiavam a solução pacífica dos conflitos da América do Norte (Vidigal; Doratioto, 2014, p. 105). Em 1986, houve a fusão entre os Grupos de Contadora e de Apoio à Contadora, o que originou o Grupo do Rio, cujo propósito era funcionar como um foro de concertação política e diplomática para os países da América do Sul. TEMA 2 – GOVERNO SARNEY E AS RELAÇÕES COM A ARGENTINA Com relação a Brasil e Argentina, houve, também, uma importante aproximação das relações diplomáticas. De fato, após a solução do contencioso de Itaipú, em 1979, ambos os países buscaram o reforço da integração regional como meio de responder aos desafios internacionais dos anos 1980. Nesse contexto, uma série de iniciativas bilaterais teve papel fundamental para reforçar os laços entre Brasil e Argentina, como as seguintes: em 1985, Brasil e Argentina assinaram a Ata de Iguaçu, que teve o objetivo de ampliar a cooperação entre os países e aprofundar o processo de integração econômica; em 1988, foi estabelecido o Programa de Integração e Cooperação Econômica (PICE), cuja finalidade era promover a ampliação da integração entre as duas economias; em 1988, foi assinado o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, que 1 O Grupo de Contadora foi formado em 1983 por Colômbia, México, Panamá e Venezuela, e seu objetivo era solucionar de forma pacífica os conflitos que estavam em curso em alguns países da América Central, como El Salvador, Guatemala e Honduras (Vidigal; Doratioto, 2014, p. 104). 4 previu a criação de um mercado comum em 10 anos. Assim, o Governo Sarney contribuiu para o fortalecimento das relações entre o Brasil e a Argentina na década de 1980, o que teve papel central no estabelecimento do Mercosul. TEMA 3 – O GOVERNO SARNEY E AS RELAÇÕES COM EUA, CHINA E ÁFRICA No que concerne às relações entre o Brasil e os EUA, houve divergências diplomáticas. Um dos fatores que contribuíram para esse quadro foi a crise da dívida externa brasileira, haja vista que os EUA têm grande peso em bancos credores internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, os quais estavam diretamente envolvidos nas negociações dessa dívida. Em 1987, Sarney decretou a moratória parcial da dívida, com a suspensão do pagamento dos juros aos bancos privados. Em 1988, após negociações do Brasil com o FMI, essa moratória foi revogada. Outro fator que contribuiu para as divergências entre o Brasil e os EUA foram desentendimentos na área de informática. Como pano de fundo dos atritos, em 1984, o Congresso brasileiro havia criado a Política Nacional de Informática. Segundo esta, o suprimento interno de computadores de pequeno porte ficou reservado a produtores nacionais. Então, em 1985, os EUA abriram investigações contra o Brasil para saber se a Lei de Informática era contrária ao livre comércio internacional (Ricupero, 2017, p. 569). Nas relações entre o Brasil e a China, houve um estreitamento de laços diplomáticos e comerciais. Em 1985, o primeiro-ministro chinês, Zhao Ziyang, visitou o Brasil, e foi assinado um memorando de entendimento sobre cooperação entre os países. Em 1988, Brasil e China anunciaram o Programa China-Brazil Earth Resource Satellites (CBERS), cujo objetivo era a construção conjunta de satélites. Em 1988, o Presidente Sarney visitou a China (MRE, [s.d.]). No tocante às relações entre o Brasil e países africanos, observou-se que se, por um lado, o Brasil promoveu um distanciamento com relação à África do Sul, em razão de seu regime do apartheid, por outro, houve esforços importantes de aproximação do Brasil com os demais países do continente africano. Nesse contexto, em 1986, o Brasil obteve a aprovação nas Nações Unidas de sua proposta de criação da Zona de Paz e de Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS). Segundo o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, o objetivo da ZOPACAS é “(...) articular ações em benefício da paz, da estabilidade e do 5 desenvolvimento sustentável do Atlântico Sul, por meio do fortalecimento da coordenação e cooperação entre seus Estados-membros”. (MRE, [s.d.] b). Além disso, em 1989, o Brasil promoveu, em São Luís do Maranhão, o Encontro dos Chefes de Estado de Países de Língua Oficial Portuguesa, que contou com a participação de países africanos lusófonos, como Angola e Moçambique, e resultou na criação do Instituto Internacional de Língua Portuguesa. Assim, o GovernoSarney contribuiu para o fortalecimento dos laços diplomáticos do Brasil no plano internacional, por meio do estabelecimento tanto de diálogos diplomáticos quanto de acordos de cooperação em áreas diversas. TEMA 4 – A POLÍTICA EXTERNA DOS GOVERNOS DE FERNANDO COLLOR E DE ITAMAR FRANCO Segundo Vidigal e Doratioto (2014, p. 114), a política externa do governo de Fernando Collor esteve alinhada com os preceitos neoliberais que estavam em alta no início dos anos 1990 e que preconizavam, entre outros, a abertura econômica, as privatizações e a reforma da Previdência, entre outros2. Nesse contexto, duas iniciativas da política externa do Governo Collor devem ser destacadas: a criação do Mercosul e a participação do Brasil na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Em 1991, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai uniram-se para a formação do Mercado Comum do Sul, ou Mercosul. De acordo com Vidigal e Doratioto (2014, p. 115), como resultado da criação do Mercosul, o comércio entre esses países cresceu 300%, em um intervalo de seis anos. Em 1992, o Brasil sediou a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, na qual estiveram presentes mais de cem chefes de Estado e de Governo. Nessa conferência, houve grande destaque ao conceito de desenvolvimento sustentável (Vidigal; Doratioto, 2014, p. 116), que relaciona o desenvolvimento ao atendimento das necessidades das gerações futuras. 2 Segundo Doratioto e Vidigal (2014, p. 116), o Governo Collor apresentou temas relevantes para sua política externa no contexto da abertura da XLV Assembleia Geral das Nações Unidas, entre os quais seu alinhamento com países de Primeiro Mundo e sua adesão ao chamado Consenso de Washington. Segundo os autores, o Consenso de Washington foi um conjunto de preceitos econômicos definido no contexto de uma reunião internacional de economistas em 1989. Esses economistas defenderam que países da América Latina deveriam aplicar em suas economias princípios neoliberais, como as privatizações, a flexibilização das leis do trabalho e o rigor fiscal, entre outros. 6 Com o impeachment de Fernando Collor, em 1992, Itamar Franco assumiu a Presidência da República e deu prioridade tanto à integração regional do Brasil quanto à ampliação da participação do país em foros multilaterais. De fato, no âmbito regional, além de dar continuidade ao Mercosul, Itamar propôs, em 1993, a criação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCSA), cujo objetivo seria estabelecer uma área de livre comércio entre as economias da América do Sul. A criação da ALCSA deve ser compreendida no contexto da proposta dos Estados Unidos para a criação da Área de Livre Comércio das Américas, feita em 1994. A proposta da ALCA era criar uma área de livre comércio que incluísse os países da América. A despeito de serem projetos ambiciosos, a ALCSA e a ALCA não lograram êxito. A respeito da agenda comercial, estavam em curso as negociações da Rodada Uruguai, que era uma das rodadas de negociação no contexto do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT). No contexto da Rodada Uruguai, o Brasil defendeu o multilateralismo e o abandono do protecionismo no comércio internacional. TEMA 5 – GOVERNO CARDOSO E A DIPLOMACIA PRESIDENCIAL De acordo com Sérgio Danese (2017), o governo de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) foi, junto com o governo de Lula da Silva (2003-2010), um dos principais expoentes em termos da chamada “diplomacia presidencial”. Segundo Danese (2017), a diplomacia presidencial é um conceito que envolve a participação ativa do presidente na condução de assuntos de política externa, por meio da condução pessoal de temas diversos da pauta diplomática do país. De fato, o Presidente Fernando Henrique fez, ao longo de seus dois mandatos, 96 viagens e visitou 44 países, o que constitui um indicativo da relevância atribuída por ele aos temas da agenda internacional. Nesse contexto, um dos focos da política externa brasileira foi o âmbito regional, com grande espaço dedicado ao Mercosul e ao estreitamento de laços com outros países da América do Sul. No âmbito do Mercosul, ocorreu, em 1999, uma crise de grandes proporções, porque, naquele ano, o Brasil promoveu a desvalorização do real perante o dólar como forma de conter desequilíbrios econômicos internos. Como consequência dessa política, a economia da Argentina foi impactada negativamente, pois seus produtos se tornaram comparativamente mais caros do que os produtos brasileiros. Assim, as vendas 7 de produtos da Argentina para o Brasil sofreram uma importante redução, o que abriu uma crise no Mercosul. Como um meio para solucionar essa crise, o Brasil organizou, no ano de 2000, a Primeira Cúpula de Presidentes da América do Sul, em Brasília, a qual contou com a participação de 12 presidentes de nações vizinhas e teve o propósito de aprofundar a cooperação e a integração entre os países da região. Na Cúpula, ocorreu o lançamento da IIRSA, a Iniciativa para Integração e Infraestrutura Regional Sulamericana, cuja ênfase recaiu na integração da infraestrutura entre os países da América do Sul, sobretudo nas áreas de transportes, energia e comunicações. No âmbito multilateral, o Brasil ampliou sua participação em foros internacionais, de forma a substituir a “autonomia pela distância” pela “autonomia pela participação” (Fonseca Jr., 1998, p. 359 e p. 363). De fato, durante o Governo Cardoso, o Brasil aumentou a participação em conferências internacionais e aderiu a diversos tratados multilaterais, como foi o caso do Tratado de Não Proliferação, em 1998. Por fim, deve-se destacar que, embora o governo do Presidente Fernando Henrique tenha apresentado um relativo distanciamento com relação à cooperação com países africanos, houve, em 1996, a criação da Comunidade dos Países Africanos Lusófonos (CPLP), com o objetivo de promover a concertação político-diplomática, a cooperação entre seus membros e a promoção da língua portuguesa (MRE, [s.d.]c). NA PRÁTICA Para compreender o posicionamento externo dos governos trabalhados nesta aula, é necessário considerar o contexto do Brasil no período, caracterizado pela redemocratização. De fato, o estabelecimento da Constituição de 1988 (Brasil, 1988) constitui marco fundamental para compreender a política externa brasileira, haja vista que ela trouxe, em seu art. 4º, os princípios que regem as relações internacionais do Brasil, quais sejam: 1. a independência nacional; 2. a prevalência dos direitos humanos; 3. a autodeterminação dos povos; 4. a não intervenção; 5. a igualdade entre os Estados; 6. a defesa da paz; 7. a solução pacífica dos conflitos; 8. o repúdio ao terrorismo e ao racismo; 9. a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; 10. a concessão de asilo político (Brasil, 1988). Além disso, o 8 parágrafo único do art. 4º afirma que o Brasil buscará a integração com os povos da América Latina (Brasil, 1988). Assim, a presente aula evidencia que os diferentes presidentes brasileiros do período trabalhado buscaram avançar os princípios contidos na Constituição Federal, de maneira a: ampliar a adesão do Brasil a regimes internacionais relacionados à proteção e à promoção dos direitos humanos; ampliar a integração regional; na esteira do parágrafo único do art. 4º; repudiar o racismo, conforme foi evidenciado na postura de recusa do Brasil ao regime de apartheid promovido pela África do Sul; promover a paz internacional, a exemplo das iniciativas do Brasil para a criação da Zona de Paz e de Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS), em 1986; ampliar os laços diplomáticos e comerciais do Brasil com outros países, o que guarda relação direta com o princípio da cooperação do Brasil com outros países. FINALIZANDO Ao longo destaaula, observamos que o período entre os governos de Sarney e de Fernando Henrique Cardoso consolidou diversos princípios que estão presentes no art. 4º da Constituição Federal de 1988. De fato: 1. o Mercosul constituiu um exemplo de notável fortalecimento da integração regional; 2. a cooperação entre os povos foi explicitada em diversos momentos do período, por exemplo no estreitamento das relações do Brasil com parceiros como a China, a Índia e os países africanos lusófonos, no contexto da CPLP; 3. a criação das ZOPACAS, em 1986, simbolizou os esforços do Brasil para promover a paz e defender a solução pacífica de controvérsias. Além disso, na década de 1990, o Brasil ampliou sua participação em foros multilaterais, como no âmbito das Nações Unidas. Em razão desse fato, Fonseca Júnior (1998) afirmou que a política externa brasileira passou a ser pautada não mais pela "autonomia pelo distanciamento", mas, sim, por uma "autonomia pela participação", no sentido de que o Brasil ampliou seu nível de envolvimento em foros internacionais e, também, sua adesão a regimes internacionais, sobretudo no âmbito dos direitos humanos. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. DANESE, S. Diplomacia presidencial: história e crítica. 2. ed. rev. Brasília: FUNAG, 2017. FONSECA JR, G. A legitimidade e outras questões internacionais. São Paulo: Paz e Terra, 1998. MRE – MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. República Popular da China. [s.d.]. Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/ficha- pais/4926-republica-popular-da-china>. Acesso em: 4 dez. 2018. _____. Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul. [s.d.]b. Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/paz-e-seguranca- internacionais/151-zona-de-paz-e-cooperacao-do-atlantico-sul>. Acesso em: 4 dez. 2018. _____. Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. [s.d.]c. Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/mecanismos-inter- regionais/3676-comunidade-dos-paises-de-lingua-portuguesa-cplp>. Acesso em: 4 dez. 2018. RICUPERO, R. A diplomacia na construção do Brasil: 1750-2016. Rio de Janeiro: Versal, 2017. SILVA, A. L. R. da. Geometria variável e parcerias estratégicas: a diplomacia multidimensional do governo Lula (2003-2010). Contexto int., Rio de Janeiro, v. 37, n. 1, p. 143-184, 2015. VIDIGAL, C. E.; DORATIOTO, F. F. M. História das Relações Internacionais do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2014.
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