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Eti-II-U3

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ÉTICA MODERNA: HUME E KANT
1. OBJETIVOS
•	 Compreender	a	proposta	do	empirista	David	Hume	so-
bre	a	moral.
•	 Analisar	a	concepção	de	moral	no	criticismo	de	Immanuel	
Kant.
2. CONTEÚDOS
•	 O	método	empirista	de	David	Hume.
•	 O	criticismo	de	Immanuel	Kant.
3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE
Antes	de	iniciar	o	estudo	desta	unidade,	é	importante	que	
você	leia	as	orientações	a	seguir:
1)	 Como	forma	de	sensibilização	ao	conteúdo	tratado	nes-
ta	unidade,	indicamos	que	assista	os	seguintes	filmes:
•	 Amadeus,	de	1984,	com	direção	de	Milos	Forman.
•	 Barry Lyndon,	 de	 1975,	 com	 direção	 de	 Stanley	
Kubrick.
•	 Danton, o processo da Revolução,	de	1982,	com	di-
reção	de	Andrzej	Wajda.
UNIDADE 3
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UNIDADE 3 – ÉTICA MODERNA: HUME E KANT
2)	 Para	iniciar	nossa	especulação	sobre	Kant	e	Hume,	in-
dicamos	os	vídeos	a	seguir:
•	 SAVATER,	F.	La Aventura del Pensamiento	–	Immanuel	
Kant.	 Disponível	 em:	 <https://www.youtube.com/
watch?v=jNPRlhJlj2A>.	Acesso	em:	25	ago.	2015.
•	 ______. La Aventura del Pensamiento – David 
Hume.	Disponível	em:	<https://www.youtube.com/
watch?v=vHUNfRLZKhA>.	Acesso	em:	23	abr.	2015.
•	 GHIRALDELLI,	P. Kant e a subjetividade moderna 1.	
Disponível	 em:	 <http://www.youtube.com/watch
?v=SGPK7tGiXg0&feature=relmfu>.	 Acesso	 em:	 25	
ago.	2015.
•	 ______. Kant e a subjetividade moderna 2.	
Disponível	 em:	 <http://www.youtube.com/
watch?v=3gQamHOPtn4>.	Acesso	em:	25	ago.	2015.
4. INTRODUÇÃO
Entre	os	anos	de	1680	e	1715,	verifica-se	uma	crise	cultural	
na	Europa.	Tudo	que	constituía	a	base	da	sociedade	tradicional	
será	passado	sob	o	crivo	da	razão.	É	o	Século	das	Luzes	(Iluminis-
mo),	movimento	intelectual,	social	e	político	de	todas	as	classes	
cultas.
São	características	desse	movimento:
1)	 O	método	da	observação	controlada	dos	fatos	em	bus-
ca	de	leis	universais,	modelo	de	investigação	inspirado	
na	construção	da	Física	de	Newton.
2)	 Crítica	ao	racionalismo	dogmático	que	concebe	a	razão	
como	detentora	de	todo	conhecimento.	A	razão	pode	
tudo	conhecer,	desde	que	bem	conduzida.
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3)	 Herança	de	Descartes:	só	o	que	for	reconhecido	legí-
timo	pela	razão	do	sujeito	individual	deve	e	pode	ser	
considerado	como	tal.
4)	 Início	da	era	industrial,	com	o	crescimento	do	interesse	
pelos	fenômenos	econômicos.
5)	 A	salvação	passa	a	não	mais	depender	de	Deus,	mas	
da	boa	vontade	de	cada	um:	a	origem	do	mal	está	na	
intenção	daquele	que	age;	o	homem,	ao	contrário	do	
que	ensinava	a	religião,	não	é	incapaz,	por	sua	queda	
ou	pecado	original,	de	chegar	à	verdade	e	ao	bem.
6)	 Em	política,	a	 legitimidade	do	poder	não	é	mais	atri-
buída	 a	 uma	 ordem	 divina	 ou	 natural,	mas	 fundada	
na	vontade	dos	 indivíduos.	Duas	grandes	revoluções,	
a	americana	e	a	francesa,	resultam	desse	processo	de	
emancipação.
7)	 A	visão	do	ser	humano,	que,	no	século	16,	se	caracte-
rizava	por	uma	profunda	relação	com	a	natureza,	tor-
na-se	predominantemente	histórica.	Cada	vez	mais,	a	
humanidade	se	volta	para	uma	existência	baseada	em	
projetos	e	não	na	 repetição	de	 ideias,	hábitos	e	cos-
tumes	 tradicionais,	 visualizando-se	 como	 passível	 de	
constante	aperfeiçoamento,	por	meio	da	educação	e	
da	história.
a)	 Na	segunda	metade	do	século	18,	o	progresso	no	
campo	da	difusão	do	conhecimento	levará	à	for-
mação	de	uma	opinião	pública	mais	esclarecida,	o	
que	permitirá	reformas	do	estado	social	e	político.
b)	 Grande	progresso	das	ciências	e	técnicas.
c)	 A	burguesia	foi	a	principal	responsável	pelo	movi-
mento	resultou	na	globalização	da	economia.
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d)	 Grande	preocupação	com	o	conhecimento,	incidin-
do	sobre	ele	a	chamada	interpretação	fenomenista,	
presente	na	história	da	Filosofia	desde	a	Antiguida-
de	(por	exemplo,	os	céticos)	e	que,	como	já	disse-
mos,	consiste	(no	caso	do	conhecimento)	em	negar	
a	possibilidade	de	conhecimento	de	todo	"em	si".
8)	 No	campo	das	questões	filosóficas	propriamente	ditas,	
temos	o	desenvolvimento	do	empirismo	na	Inglaterra,	
sua	introdução	na	França,	o	desenvolvimento	do	racio-
nalismo	na	Alemanha	culminando	com	a	superação	de	
si	mesmo,	 tornando-se,	 como	 consequência	 do	pen-
samento	 kantiano,	 uma	 filosofia	 transcendental	 (no	
sentido	de	uma	filosofia	que	submete	tudo	ao	crivo	da	
razão).
9)	 No	 que	 diz	 respeito	 à	moral,	 surgem	 inúmeras	 posi-
ções,	pois	o	desenvolvimento	do	empirismo	abala	de	
maneira	significativa	o	caráter	absoluto	que	era	confe-
rido	à	moral	até	então,	relativizando-a.	Temos:
a)	 Jeremy	 Bentham	 (1748-1832),	 defensor	 de	 uma	
moral	utilitarista,	segundo	a	qual	o	fundamento	da	
moral	 é	 a	 felicidade	 dos	 indivíduos	 sem	prejuízo	
para	o	bem-estar	coletivo.	Sistematizou	o	princípio	
da	utilidade.	Trata-se	de	uma	doutrina	para	a	qual	
toda	ação	ou	inação	deverá	promover	o	bem-estar	
de	todos	os	seres.	Observemos	que	tal	posição	já	
se	encontra	na	Filosofia	Antiga	em	Epicuro.
•	 Importante	para	o	utilitarismo	não	são	os	agen-
tes	 morais	 (se	 são	 bons,	 generosos	 ou	 não),	
mas	as	consequências	dos	atos,	uma	vez	que,	
dentro	de	circunstâncias	diferentes,	um	mesmo	
ato	pode	ser	moral	ou	imoral,	dependendo	de	
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suas	 consequências	 boas	 ou	más.	 É	 o	 que	 se	
denomina	 de	 "consequencialismo":	 agir	 sem-
pre	de	forma	a	produzir	a	maior	quantidade	de	
bem-estar	possível.
•	 O	 critério	para	 classificar	o	 ato	 como	bom	ou	
mau	 seriam	os	 resultados	em	 todos	os	 indiví-
duos	afetados	pela	ação,	ou	seja,	a	quantidade	
total	de	bem-estar	produzida.	Assim,	é	válido	sa-
crificar	uma	minoria,	pois	o	bem-estar	de	cada	
indivíduo	 tem	o	mesmo	peso,	com	relação	ao	
bem-estar	geral.	Em	outras	palavras,	atribuem-
-se	 valores	 ao	bem-estar,	 independentemente	
de	indivíduos	e	culturas.	Há,	dessa	maneira,	um	
universalismo.
b)	 Temos,	ainda,	como	representante	da	posição	uti-
litarista,	 James	Mill	 (1733-1836),	 filósofo	e	histo-
riador	escocês.
c)	 Bernard	 de	Mandeville	 (1670-1733),	 filósofo	 ho-
landês,	segundo	o	qual	não	há	princípios	morais	de	
valor	absoluto	que	fundamentem	os	atos	sociais.	
Os	homens	agem	de	acordo	com	seus	 interesses	
individuais;	portanto,	a	moral	se	basearia	em	fato-
res	referentes	aos	interesses	dos	indivíduos,	expe-
rimentalmente	comprovados.
d)	 Adam	 Smith	 (1723-1790),	 filósofo	 e	 economista	
escocês,	 concebe	 a	 moral	 também	 baseada	 na	
experiência.	Para	ele,	a	"simpatia"	seria	o	critério	
da	moralidade.	Por	simpatia	entendia	a	comunica-
ção	à	nossa	alma	das	emoções	de	outrem.	Agimos	
bem	quando	o	que	fazemos	merece	a	simpatia	a	
mais	universal	possível.
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10)	 Como	 reação	ao	empirismo,	 temos	a	 chamada	Escola	
Escocesa.	 Origina-se	 na	 Sociedade Filosófica	 fundada	
pelo	filósofo	escocês	Thomas	Reid	(1710-1796).	É	tam-
bém	chamada	Escola do Senso Comum.	Um	de	seus	re-
presentantes	principais	foi	Anthony	A.	C.	Shaftesbury,	fi-
lósofo	inglês,	cuja	posição	sobre	a	moral	é	denominada	
de	moral	do	sentimento.	Baseia	sua	concepção	de	moral	
nos	juízos	do	senso	comum	e	também	na	existência	de	
Deus,	uma	vez	que	o	senso	comum	seria	inspirado	por	
Deus.	Para	ele,	embora	a	fonte	comum	do	conhecimen-
to	seja	a	experiência,	existem	algumas	ideias	peculiares	
que	acompanham	as	sensações,	como	as	ideias	do	bem	
e	do	belo,	que	são	inatas,	não	resultam	da	experiência.	
Surgem	 como	 uma	 disposição	 especial	 da	 alma.	 São	
imediatas,	universais,	desinteressadas.	Trata-se	de	uma	
faculdade	moral	que	tem	por	objeto	a	bondade	moral.
Na	presente	unidade,	selecionamos,	para	um	estudo	mais	
aprofundado,	dois	dos	mais	influentes	representantes	das	posi-
ções	empirista	e	racionalista	no	século	18	e	que	são,	respectiva-
mente,	David	Hume	e	Immanuel	Kant.
5. DAVID HUME (1711-1776)
Nascido	em	Edimburgo	(Escócia),	Hume	lutou,	desde	o	iní-
cio,	para	poder	se	dedicar	à	 literatura	e	à	Filosofia,	opondo-se	
à	 própria	 família,	 quedesejava	 vê-lo	 seguir	 a	 carreira	 jurídica.	
Também	o	sucesso	demorou	a	acontecer.
Com	 o	 sucesso,	 porém,	 sua	 filosofia	 é	 ainda	 hoje	 consi-
derada	 como	uma	das	 grandes	 influências	 sobre	o	pensamen-
to	contemporâneo,	tanto	no	que	concerne	à	chamada	Filosofia	
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Analítica	(que	reduz	a	Filosofia	a	uma	pesquisa	sobre	a	 lingua-
gem)	quanto	no	que	se	refere	a	filosofias	como	a	Fenomenologia	
de	Edmund	Husserl,	que	busca	 levar	a	atitude	de	Descartes	às	
suas	últimas	consequências,	visando	a	uma	fundação	radical	do	
conhecimento.
A	primeira	e	mais	detalhada	explicação	da	teoria	moral	de	
Hume	encontra-se	no	livro	3,	intitulado	"Da	Moral',	de	sua	obra	
Tratado da natureza humana.
O	fenômeno	da	moralidade,	segundo	Hume,	surge	no	rela-
cionamento	dos	indivíduos	entre	si.	Para	Hume,	não	é	concebível	
que	 todos	 os	 atos	 das	 pessoas	 sejam	 tidos	 como	moralmente	
equivalentes,	que	todos	os	atos	sejam	igualmente	dignos	de	es-
tima	e	consideração.	As	distinções	morais	são	para	ele	uma	rea-
lidade.	Seu	objetivo	é	descobrir	quais	são	os	princípios	univer-
sais	dos	quais	deriva	toda	censura	ou	aprovação	e	quais	tipos	de	
percepções	nos	permitem	 fazer	distinções	morais,	 como	entre	
o	bem	e	o	mal,	entre	o	certo	e	o	errado	etc.	Busca,	igualmente,	
saber	em	quais	circunstâncias	essas	percepções	surgem.
Hume	entende	a	questão	moral	como	uma	questão	de	leis	
e	regras	de	funcionamento	da	natureza	humana:	nenhuma	ação	
pode	ser	virtuosa	ou	moralmente	boa,	a	menos	que	haja	na	na-
tureza	humana	algum	motivo	que	a	produza.
A	teoria	moral	de	Hume	não	tem,	pois,	como	referência	um	
transcendente	independente	da	experiência	dos	sentidos,	como	
a	vontade	de	Deus	ou	uma	razão	a priori.	Volta	sua	reflexão	para	
a	 interioridade	pura,	pressupondo	que	a	 alma	 seja	um	campo	
de	percepções,	impressões	e	ideias.	Para	o	filósofo,	nada	existe	
previamente	no	nosso	pensamento.	Tudo	vem	da	experiência	e	
é,	portanto,	de	natureza	sensível.
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A questão moral está fundada no movimento emotivo ou 
"emoção" e não no entendimento
A	primeira	questão	colocada	por	Hume	é	a	de	saber	se	as	
distinções	morais	são	derivadas	da	razão.	Entende	a	razão	como	
um	puro	cálculo	de	meios,	capaz	apenas	de	avaliar	os	melhores	
meios	para	um	determinado	fim,	mas	sem	o	poder	de	demons-
trar	o	caráter	desejável	ou	não	desses	fins	em	si	mesmos.	Uma	
ação	não	é	 virtuosa	ou	 viciosa	pelo	 fato	de	obedecer	 à	 razão,	
mas	pelo	fato	de	nos	proporcionar	uma	sensação	agradável	ou	
desagradável.
Ao	 entender	 a	 razão	 teórica	 como	 um	 puro	 cálculo	 de	
meios,	Hume	postula	uma	moral	fundada	inteiramente	em	uma	
capacidade	"emotiva",	ou	seja,	na	capacidade	humana	de	agir	
impulsionada	por	um	"motivo",	por	"algo	que	move",	ou	"que	
causa	ou	dá	origem	a	algo".
Para	Hume,	a	ação	é	apenas	um	sinal	externo,	pois	a	ava-
liação	moral	diz	respeito	ao	motivo	que	produziu	a	ação.	A	ação	
moralmente	correta,	segundo	o	filósofo,	seria	aquela	na	qual	o	
agente	age	movido	por	um	motivo	virtuoso,	mesmo	no	caso	de	
não	realização	da	ação	em	razão	de	outras	causas.	É	o	que	vere-
mos	no	texto	do	filósofo	a	seguir:
2.	É	evidente	que,	quando	elogiamos	uma	determinada	ação,	
consideramos	apenas	os	motivos	que	a	produziram,	e	tomamos	
a	ação	como	signo	ou	indicador	de	certos	princípios	da	mente	
e	do	caráter.	A	realização	externa	não	tem	nenhum	mérito.	Te-
mos	de	olhar	para	o	interior	da	pessoa	para	encontrar	a	quali-
dade	moral.	Ora,	como	não	podemos	fazê-lo	diretamente,	fixa-
mos	nossa	atenção	na	ação,	como	signo	externo.	Mas	a	ação	é	
considerada	apenas	um	signo;	o	objeto	último	de	nosso	elogio	
e	aprovação	é	o	motivo	que	a	produziu.
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3.	Do	mesmo	modo,	sempre	que	exigimos	que	uma	pessoa	rea-
lize	uma	ação,	ou	a	censuramos	por	não	realizá-la,	estamos	su-
pondo	que	alguém	nessa	situação	deveria	ser	influenciado	pelo	
motivo	próprio	dessa	ação,	e	 consideramos	vicioso	que	o	 te-
nha	desconsiderado.	Se	após	investigarmos	melhor	a	situação,	
descobrimos	 que	 o	 motivo	 virtuoso	 estava	 presente	 em	 seu	
coração,	embora	sua	operação	tenha	sido	 impedida	por	algu-
ma	circunstância	que	nos	era	desconsiderada,	retiramos	nossa	
censura	e	passamos	a	ter	pela	pessoa	a	mesma	estima	que	te-
ríamos	se	houvesse	de	fato	realizado	a	ação	que	dela	exigíamos	
(HUME,	2009,	Livro	III,	Parte	2,	Seção	1).
Segundo	Hume,	portanto,	 a	 razão	 tem	apenas	um	papel	
instrumental,	o	papel	de	ser	apenas	guia	da	ação:	a	razão	não	
diz	quais	devem	ser	os	nossos	objetivos,	apenas	o	que	devemos	
fazer	para	atingi-los;	pode	nos	dizer	em	que	acreditamos,	mas	
não	pode	nos	dizer	no	que	devemos	acreditar.
A	 aprovação	moral,	 logo,	 não	é	um	 juízo	da	 razão	 sobre	
conceitos	ou	fatos.	Em	outras	palavras,	não	basta	conhecer	o	ca-
ráter	de	virtude	de	uma	ação,	o	sentido	de	sua	dimensão	moral;	
é	necessário	agir	movido	por	um	motivo	virtuoso.	A	ação	moral-
mente	virtuosa	não	é	aquela	em	que	o	agente	é	simplesmente	
movido	pelo	caráter	de	virtude	da	ação,	mas,	aquela	em	que	o	
agente	é	movido	por	um	motivo	virtuoso.
Vejamos	um	texto	de	Hume	a	esse	respeito:
4.	Vemos,	portanto,	que	todas	as	ações	virtuosas	derivam	seu	
mérito	unicamente	de	motivos	 virtuosos,	 sendo	 tidas	apenas	
como	signos	desses	motivos.	Desse	princípio,	concluo	que	o	pri-
meiro	motivo	virtuoso,	que	confere	mérito	a	uma	ação,	nunca	
pode	ser	uma	consideração	pela	virtude	dessa	ação,	devendo	
ser	antes	algum	outro	motivo	ou	princípio	natural.	Supor	que	
a	mera	consideração	pela	virtude	da	ação	possa	ser	o	primeiro	
motivo	que	produziu	a	ação	e	a	tornou	virtuosa	é	um	raciocínio	
circular.	Pra	que	possamos	ter	tal	consideração,	a	ação	tem	de	
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ser	realmente	virtuosa;	e	essa	virtude	tem	de	ser	derivada	de	
algum	motivo	virtuoso;	conseqüentemente,	o	motivo	virtuoso	
precisa	 ser	diferente	da	consideração	pela	virtude	da	ação.	É	
preciso	 um	motivo	 virtuoso	 para	 que	uma	 ação	 se	 torne	 vir-
tuosa.	Uma	ação	 tem	de	 ser	 virtuosa	para	que	possamos	 ter	
consideração	por	sua	virtude.	Portanto,	algum	motivo	virtuoso	
tem	de	anteceder	essa	consideração.	[...]
7.	Em	resumo,	podemos	estabelecer	como	uma	máxima	indu-
bitável	 que	nenhuma	ação	pode	 ser	 virtuosa	ou	moralmente	
boa,	a	menos	que	haja	na	natureza	humana	algum	motivo	que	
a	produza,	distinto	do	sentido	de	sua	moralidade	(HUME,	2009,	
Livro	III,	Parte	2,	Seção	1).
Hume	dá	como	exemplo	uma	ação	de	honestidade,	e	faz	a	dis-
tinção	entre	o	simples	conhecimento	do	caráter	de	virtude	de	uma	
ação	de	honestidade	e	a	existência	ou	não	de	um	motivo	virtuoso	
propriamente	dito.	Mostra	que	não	é	simplesmente	o	agir	por	con-
siderar	a	honestidade	uma	virtude	que	torna	a	ação	honesta,	mas	o	
motivo	virtuoso	presente	ou	não	no	interior	da	natureza	do	agente.
9.	Agora	apliquemos	tudo	isso	ao	caso	presente.	Suponhamos	
que	uma	pessoa	tenha	me	emprestado	uma	soma	em	dinheiro,	
sob	a	condição	de	que	eu	lhe	restituísse	essa	soma	em	alguns	
dias;	 suponhamos	 também	que,	no	 fim	do	prazo	combinado,	
ela	me	peça	o	dinheiro	de	volta.	Pergunto:	que	razão	ou	motivo	
tenho	para	devolver-lhe	o	dinheiro?	Dir-se-á,	talvez,	que	meu	
respeito	pela	justiça	e	minha	repulsa	à	vilania	e	à	desonestida-
de	são	para	mim	razões	suficientes,	se	possuo	um	mínimo	de	
honestidade	ou	sentido	do	dever	e	da	obrigação.	Sem	dúvida,	
essa	resposta	é	correta	e	satisfatória	para	o	homem	em	seu	es-
tado	de	civilização,	e	quando	 formado	segundo	certa	discipli-
na	e	educação.	Mas,	em	sua	condição	rude	e	mais	natural	(se	
quereis	chamar	de	natural	tal	condição),	essa	resposta	seria	re-
jeitada	como	completamente	ininteligível	e	sofística.	Pois	uma	
pessoa	que	se	encontrasse	nessa	situação	imediatamente	vos	
perguntaria:	 em	que	 consiste	 essa	 honestidade	 e	 justiça	 que	
encontrais	na	restituição	de	um	empréstimo	e	na	abstenção	da	
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conseguinte,	 tem	de	estar	no	motivo	de	que	essa	externa	 foi	
derivada.	Esse	motivo	nunca	poderia	 ser	a	 consideração	pela	
honestidade	da	ação,	pois	é	uma	clara	falácia	dizer	que	é	preci-
so	um	motivo	virtuoso	para	tornar	uma	ação	honesta,	e	ao	mes-
mo	tempo	em	que	a	consideração	pela	honestidade	é	o	moti-
vo	da	ação.	Só	podemos	ter	consideração	pela	virtude	de	uma	
ação	se	a	ação	for	de	antemão	virtuosa.	Ora,	uma	ação	só	pode	
ser	virtuosa	se	procede	de	um	motivo	virtuoso.	Um	motivo	vir-
tuoso,	portanto,	deve	anteceder	a	consideração	pela	virtude;	é	
impossível	que	o	motivo	virtuoso	e	a	consideração	pela	virtude	
sejam	a	mesma	coisa	(HUME,	2009,	Livro	III,	Parte	2,	Seção	1).
Quando	o	motivo	de	uma	ação	for	tão	somente	o	sentido	
da	moralidade	ou	do	dever,	ela	pode	estar	expressando	uma	ca-
rência.	É	o	que	diz	Hume:
8.	Mas	será	que	o	sentido	da	moralidade	ou	do	dever	não	pode	
produzir	uma	ação	sem	qualquer	outro	motivo?	Respondo	que	
sim,	mas	que	isso	não	constitui	uma	objeção	à	presente	doutri-
na.	Quando	um	motivo	ou	princípio	virtuoso	é	comum	na	na-
tureza	humana,	uma	pessoa	que	sente	seu	coração	desprovido	
desse	motivo	pode	odiar	a	si	mesma	por	essa	razão,	e	pode	rea-
lizar	a	ação	sem	o	motivo,	apenas	por	certo	sentido	do	dever,	ao	
menos	para	disfarçar	para	si	mesma,	tanto	quanto	possível,	sua	
carência.	Um	homem	que	não	sente	de	fato	nenhuma	gratidão	
em	seu	íntimo	pode,	apesar	disso,	ter	prazer	em	praticar	cer-
tos	atos	de	gratidão,	pensando	desse	modo	ter	realizado	o	seu	
dever.	As	ações	 inicialmente	são	consideradas	somente	como	
signos	de	motivos;	mas	o	que	 costuma	ocorrer,	nesse	 caso	e	
em	 todos	os	demais,	 é	que	acabamos	 fixando	nossa	 atenção	
apenas	nos	signos,	negligenciando	em	parte	a	coisa	significada	
(HUME,	2009,	Livro	III,	Parte	2,	Seção	1).
E	Hume	conclui:
10.	É	preciso	encontrar,	portanto,	para	os	atos	de	justiça	e	ho-
nestidade,	 algum	motivo	distinto	de	nossa	 consideração	pela	
honestidade;	e	é	nisso	que	está	a	grande	dificuldade.	Porque	
152 © ÉTICA II
UNIDADE 3 – ÉTICA MODERNA: HUME E KANT
se	disséssemos	que	a	preocupação	com	nosso	interesse	priva-
do	ou	com	a	nossa	reputação	é	o	motivo	legítimo	de	todas	as	
ações	honestas,	seguir-se-ia	que	sempre	que	cessa	tal	preocu-
pação,	a	honestidade	não	poderia	mais	ter	lugar.	Mas,	é	certo	
que	o	amor	a	si	próprio,	quando	age	livremente	em	vez	de	nos	
levar	 a	 ações	 honestas,	 é	 fonte	 de	 toda	 injustiça	 e	 violência;	
e	 ninguém	pode	 corrigir	 esses	 vícios	 sem	 corrigir	 e	 restringir	
os	movimentos	naturais	desse	apetite	 (HUME,	2009,	Livro	 III,	
Parte	2,	Seção	1).
Essa capacidade "emotiva" que propicia ações moralmente vir-
tuosas é, para Hume, uma "percepção"
Por	influência	da	"teoria	do	senso	comum"	dos	moralistas	
ingleses	e	escoceses	(de	que	falamos	na	introdução	desta	unida-
de),	Hume	concebe	essa	capacidade	emotiva	como	sendo	uma	
faculdade	de	percepção	moral,	imediata	e	desinteressada,	simi-
lar	às	faculdades	de	percepção	sensorial,	uma	faculdade	que	de-
tectaria	qualidades	morais	em	pessoas,	ações,	comportamentos	
e	situações,	tal	como	nossos	sentidos	externos	captam	qualida-
des	nos	objetos	externos.	Ao	examinar	o	que	nos	motiva	a	agir	
de	certa	maneira,	podemos	determinar	a	natureza	de	uma	virtu-
de,	especificamente	se	ela	é	natural	ou	artificial.
Virtudes naturais e artificiais
As	virtudes	naturais	seriam	aquelas	"naturalmente"	apro-
vadas:	a	benevolência,	a	humildade,	a	caridade,	a	generosidade.
As	virtudes	artificiais,	por	sua	vez,	seriam	as	mais	necessá-
rias,	porque,	segundo	Hume,	os	valores	morais	mais	importantes	
são	uma	questão	de	convenção	social.	São	elas:	a	justiça,	o	cum-
primento	de	promessas,	a	lealdade,	a	modéstia	etc.	
153© ÉTICA II
UNIDADE 3 – ÉTICA MODERNA: HUME E KANT
No homem, observa-se uma conjunção antinatural de fragilida-
de e de necessidade
Hume	afirma:
2.	De	todos	os	animais	que	povoam	nosso	planeta,	à	primeira	
vista	parece	ser	o	homem	aquele	contra	o	qual	a	natureza	foi	
mais	 cruel,	 dadas	 as	 inúmeras	 carências	 e	 necessidades	 com	
que	o	cobriu	e	os	escassos	meios	que	lhe	fornece	para	aliviar	
essas	necessidades.	Em	outras	criaturas,	esses	dois	pontos	em	
geral	 se	 compensam	 mutuamente.	 Se	 considerarmos	 que	 o	
leão	é	um	animal	voraz	e	carnívoro,	descobriremos	que	é	cheio	
de	necessidades;	mas	se	prestarmos	atenção	em	sua	constitui-
ção	e	temperamento,	sua	agilidade,	sua	coragem,	suas	armas	
e	sua	força,	veremos	que	nele	as	vantagens	são	proporcionais	
às	carências.	O	carneiro	e	o	boi	carecem	de	todas	essas	vanta-
gens,	mas	seus	apetites	são	moderados	e	seu	alimento	é	fácil	
de	obter.	Apenas	no	homem	se	pode	observar,	em	toda	a	sua	
perfeição,	essa	conjunção	antinatural	de	fragilidade	e	necessi-
dade.	Não	somente	o	alimento	necessário	para	sua	subsistência	
escapa	a	seu	cerco	e	aproximação,	ou,	ao	menos,	exige	traba-
lho	para	ser	produzido,	como,	além	disso,	o	homem	precisa	de	
roupas	e	abrigo	para	se	defender	das	intempéries.	Entretanto,	
considerado	apenas	em	si	mesmo,	ele	não	possui	armas,	força	
ou	qualquer	outra	habilidade	natural	que	seja	em	algum	grau	
condizente	com	as	necessidades	(HUME,	2009,	Livro	 III,	Parte	
2,	Seção	2).
Pela sociedade e pela formação da família, o homem se torna 
superior às demais criaturas
Para	o	filósofo:
3.	Somente	pela	sociedade	ele	é	capaz	de	suprir	suas	deficiên-
cias,	igualando-se	às	demais	criaturas,	e	até	mesmo	adquirindo	
uma	superioridade	sobre	elas.	Pela	sociedade,	todas	as	suas	de-
bilidades	são	compensadas;	embora,	nessa	situação,	suas	ne-
cessidades	se	multipliquem	a	cada	instante,	suas	capacidades	
154 © ÉTICA II
UNIDADE 3 – ÉTICA MODERNA: HUME E KANT
se	ampliam	ainda	mais,	deixando-o,	em	todos	os	aspectos,	mais	
satisfeito	e	mais	feliz	do	que	jamais	poderia	se	tornar	em	sua	
condição	selvagem	e	solitária.	Quando	cada	indivíduo	trabalha	
isoladamente,	e	apenas	para	si	mesmo,	sua	força	é	limitada	de-
mais	para	executar	qualquer	obra	considerável;	tem	de	empre-
gar	seu	trabalho	para	suprir	as	mais	diferentes	necessidades,	e	
sua	força	e	seu	sucesso	não	são	iguais	o	tempo	todo,	a	menor	
falha	em	um	dos	dois	deve	inevitavelmente	trazer	a	ruína	e	a	
infelicidade.	A	sociedade	fornece	um	remédio	para	esses	três	
inconvenientes.	A	conjunção	de	 forças	amplia	nosso	poder;	a	
divisão	de	trabalho	aumenta	nossa	capacidade;	e	o	auxílio	mú-
tuo	nos	deixa	menos	expostos	à	 sorte	e	aos	acidentes.	É	por	
essa	força,	capacidade	e	segurança	adicionais	que	a	sociedade	
se	torna	vantajosa.
4.	Mas	para	que	a	sociedade	se	forme,	não	basta	que	ela	seja	
vantajosa;	 os	 homens	 também	 têm	 de	 se	 dar	 conta	 de	 suas	
vantagens.	Entretanto,	em	seu	estado	selvagem	e	inculto	[...]	é	
impossível	que	os	homens	alguma	vez	cheguem	a	adquirir	esse	
conhecimento.	Felizmente,	junto	com	essas	necessidades	cujos	
remédios	são	remotos	e	obscuros	existe	uma	outra	necessida-
de,	que,	por	ter	um	remédio	mais	imediato	e	evidente,	pode	ser	
legitimamente	 considerada	 o	 princípio	 primeiro	 e	 original	 da	
sociedade	humana.	Essa	necessidade	não	é	outra	senão	aquele	
apetite	natural	que	existe	entre	os	sexos,	unindo-os	e	preser-
vando	sua	união	até	o	surgimento	de	um	outro	 laço,	ou	seja,	
a	preocupação	com	sua	prole	comum.	Essa	nova	preocupação	
também	se	torna	um	princípio	de	união	entre	os	pais	e	os	filhos,	
formando	uma	sociedade	mais	numerosa,	em	que	os	pais	go-
vernam	em	virtude	da	superioridade	de	sua	força	e	sabedoria,	
e,	ao	mesmo	tempo,	têm	o	exercício	de	sua	autoridade	limitado	
pela	afeição	natural	que	sentem	por	seus	filhos.	Em	pouco	tem-
po,	o	costume	e	o	hábito,	agindo	sobre	as	tenras	mentes	dos	
filhos,	tornam-nos	sensíveis	às	vantagens	que	podem	extrair	da	
sociedade,	além	de	gradualmente	formá-los	para	essa	socieda-
de,	aparando	as	duras	arestas	e	afetos	adversos	que	impedem	
sua	coalizão	(HUME,	2009,	Livro	III,	Parte	2,	Seção	2).
155© ÉTICA II
UNIDADE 3 – ÉTICA MODERNA: HUME E KANT
O poder das paixões pode ser um obstáculo ao exercícioda ge-
nerosidade advinda do convívio social
Hume	diz:
6.	Entretanto,	embora	devamos	reconhecer,	em	honra	da	na-
tureza	humana,	a	existência	dessa	generosidade,	podemos	ao	
mesmo	 tempo	observar	 que	 essa	 paixão	 tão	 nobre,	 em	 vez	
de	preparar	os	homens	para	a	vida	em	sociedades,	é	quase	
tão	 contrária	 a	 estas	 quanto	 o	mais	 acirrado	 egoísmo.	 Pois,	
enquanto	cada	pessoa	amar	a	si	mesma	mais	que	a	qualquer	
outro,	e,	em	seu	amor	pelos	demais,	sentir	maior	afeição	por	
seus	parentes	e	amigos,	essa	situação	deve	necessariamente	
produzir	uma	oposição	de	paixões	e,	conseqüentemente,	uma	
oposição	 de	 ações;	 e,	 para	 uma	 união	 recém-estabelecida,	
isso	só	pode	ser	perigoso.
7.	Note-se,	entretanto,	que	essa	contrariedade	de	paixões	se-
ria	pouco	perigosa	se	não	coincidisse	com	uma	peculiaridade	
nas	circunstâncias	externas,	que	dá	a	ela	oportunidade	de	se	
exercer.	Os	bens	que	possuímos	podem	ser	de	três	espécies	
diferentes:	a	satisfação	interior	do	espírito,	as	qualidades	ex-
teriores	de	nosso	corpo	e	a	fruição	dos	bens	que	adquirimos	
com	 o	 nosso	 trabalho	 e	 nossa	 boa	 sorte.	 Podemos	 usufruir	
dos	primeiros	com	plena	segurança,	os	segundos	podem	nos	
ser	tomados,	mas	não	beneficiam	em	nada	a	quem	deles	nos	
priva.	Apenas	os	últimos	podem	ser	 transferidos	 sem	sofrer	
alguma	perda	ou	alteração;	além	disso,	não	existem	em	quan-
tidade	suficiente	para	suprir	os	desejos	e	as	necessidades	de	
todas	 as	 pessoas.	 Por	 isso,	 assim	 como	 o	 aperfeiçoamento	
desses	bens	é	a	principal	vantagem	da	sociedade,	assim	tam-
bém	a	 instabilidade	de	sua	posse,	 justamente	com	a	sua	es-
cassez,	é	seu	maior	impedimento	(HUME,	2009,	Livro	III,	Parte	
2,	Seção	2).
156 © ÉTICA II
UNIDADE 3 – ÉTICA MODERNA: HUME E KANT
A solução são as virtudes artificiais: a necessidade de uma con-
venção social
O	filósofo	afirma:
9.	O	remédio,	portanto,	não	vem	da	natureza,	mas	do	artifício;	
ou,	mais	corretamente	 falando,	a	natureza	 fornece,	no	 juízo	
e	no	entendimento,	um	remédio	para	o	que	há	de	irregular	e	
inconveniente	nos	afetos.	Porque	quando	os	homens,	em	sua	
primeira	educação	na	sociedade,	tornam-se	sensíveis	às	infi-
nitas	vantagens	que	dela	resultam,	e,	além	disso,	adquiriram	
um	novo	 gosto	 pelo	 convívio	 e	 pela	 conversação;	 e	 quando	
observam	que	a	principal	perturbação	da	sociedade	se	deve	a	
esses	bens	que	denominamos	externos,	a	sua	mobilidade	e	à	
facilidade	com	que	se	transmitem	de	uma	pessoa	a	outra,	en-
tão	precisam	buscar	um	remédio	que	ponha	esses	bens,	tanto	
quanto	possível,	em	pé	de	igualdade	com	as	vantagens	firmes	
e	constantes	da	mente	e	do	corpo.	Ora,	o	único	meio	de	rea-
lizar	 isso	é	por	uma	convenção,	de	que	participam	 todos	os	
membros	da	sociedade,	para	dar	estabilidade	à	posse	desses	
bens	externos,	permitindo	que	todos	gozem	pacificamente	da-
quilo	que	puderam	adquirir	por	trabalho	ou	boa	sorte.	Desse	
modo,	cada	qual	sabe	aquilo	que	pode	possuir	com	segurança	
e	as	paixões	têm	restringidos	seus	movimentos	parciais	e	con-
traditórios.	Tal	restrição	não	é	contrária	às	paixões;	se	o	fosse,	
jamais	poderia	 ser	 feita,	nem	mantida.	É	 contrária	apenas	a	
seu	movimento	 cego	 e	 impetuoso.	 Em	 vez	 de	 abrir	mão	de	
nossos	interesses	próprios,	ou	do	interesse	de	nossos	amigos	
mais	próximos,	abstendo-nos	dos	bens	alheios,	não	há	melhor	
meio	de	atender	a	ambos	que	por	essa	convenção,	porque	é	
desse	modo	que	mantemos	a	sociedade,	tão	necessária	a	seu	
bem-estar	e	subsistência,	como	também	aos	nossos	(HUME,	
2009,	Livro	III,	Parte	2,	Seção	2).
157© ÉTICA II
UNIDADE 3 – ÉTICA MODERNA: HUME E KANT
A ideia de justiça é uma virtude artificial, porque é obtida por 
uma convenção social e funda e explica as ideias de proprieda-
de, de direito e de obrigação
Hume	prossegue:
11.	Uma	vez	firmada	essa	convenção	sobre	a	abstinência	dos	bens	
alheios,	 e	uma	vez	 todos	 tendo	adquirido	uma	estabilidade	em	
suas	posses,	surgem	imediatamente	as	 idéias	de	 justiça	e	de	 in-
justiça,	bem	como	as	de	propriedade,	direito	e	obrigação.	Essas	
últimas	são	absolutamente	ininteligíveis	sem	a	compreensão	das	
primeiras.	Nossa	propriedade	não	é	senão	aqueles	bens	cuja	posse	
constante	é	estabelecida	pelas	leis	da	sociedade,	isto	é,	pelas	leis	
da	justiça.	Portanto,	aqueles	que	utilizam	as	palavras	propriedade,	
direito	ou	obrigação	sem	ter	antes	explicado	a	origem	da	justiça,	
ou	que	fazem	uso	daquelas	para	explicar	essa	última,	estão	come-
tendo	uma	falácia	grosseira,	mostrando-se	incapazes	de	raciocinar	
sobre	um	fundamento	sólido.	A	propriedade	de	uma	pessoa	é	um	
objeto	a	ela	relacionado;	essa	relação	não	é	natural,	mas	moral,	e	
fundada	na	 justiça.	É	absurdo,	portanto,	 imaginar	que	podemos	
ter	uma	idéia	de	propriedade	sem	compreender	completamente	a	
natureza	da	justiça	e	mostrar	sua	origem	no	artifício	e	na	invenção	
humana.	A	origem	da	justiça	explica	a	da	propriedade.	Ambas	são	
geradas	pelo	mesmo	artifício.	Como	nosso	primeiro	e	mais	natural	
sentimento	moral	está	fundado	na	natureza	de	nossas	paixões,	e	
dá	preferência	a	nós	e	a	nossos	amigos	sobre	estranhos,	é	impos-
sível	que	exista	naturalmente	algo	como	um	direito	ou	uma	pro-
priedade	estabelecida,	enquanto	as	paixões	opostas	dos	homens	
impelem	em	direções	contrárias	e	não	são	restringidas	por	nenhu-
ma	convenção	ou	acordo	(HUME,	2009,	Livro	III,	Parte	2,	Seção	2).
Um ato isolado de justiça não atinge a sua finalidade porque, sendo 
isolado e único, é frequentemente contrário ao interesse público
Sendo	 a	 justiça	 produto	 de	 uma	 convenção	 social,	 tem	
como	fim	o	interesse	público.	Portanto,	um	ato	isolado	e	privado	
de	justiça	não	atingiria	a	sua	finalidade.
158 © ÉTICA II
UNIDADE 3 – ÉTICA MODERNA: HUME E KANT
22.	Quando	um	homem	de	mérito,	dado	à	caridade	restitui	uma	
grande	fortuna	a	um	avaro	ou	a	um	enganador	desleal,	ele	agiu	
de	maneira	justa	e	louvável,	mas	o	grupo	sofrerá	as	conseqüên-
cias.	 Todo	 ato	 isolado	 de	 justiça,	 considerado	 separadamente,	
não	contribui	nem	ao	interesse	privado	nem	ao	interesse	público	
e	poderemos	facilmente	conceber	de	que	maneira	alguém	pode	
empobrecer	em	conseqüência	de	um	caso	isolado	de	integridade	
e	em	razão	de	desejar	que	por	um	só	ato,	as	leis	da	justiça	sejam,	
em	 todo	o	universo,	 suspensas	por	um	 instante.	Mas,	embora	
os	atos	 isolados	de	 justiça	sejam	contrários	ao	 interesse	públi-
co	e	privado,	é	certo	que	um	plano	ou	esquema	de	vários	atos	
contribuem	altamente,	através	da	verdade,	e	são	absolutamente	
necessários	à	sustentação	da	sociedade	e	um	benefício	para	cada	
indivíduo.	É	impossível	separar	o	bem	do	mal.	[...]	Ainda	que	um	
grupo	sofra	em	determinado	caso,	este	mal	temporário	é	grande-
mente	compensado	pela	obediência	constante	à	regra	e	pela	paz	
e	ordem	que	ela	institui	na	sociedade	(HUME,	1991,	p.	98-99).
Considerações finais
Finalizando,	 gostaríamos	de	 assinalar	 que	o	 afastamento	
de	 uma	 razão	 abstrata	 e	 conceitual	 como	 fonte	 ética	 da	 ação	
moral	conduz	Hume	na	direção	do	que	entendemos	como	sen-
do	 uma	 das	 facetas	 essenciais	 do	 ético	 propriamente	 dito,	 tal	
como	o	estamos	compreendendo	nesta	obra,	e	que	consiste	em	
contemplar	o	caráter	intencional,	singular	de	cada	ato,	compor-
tamento	 e	 situação.	 Contemplar	 o	 caráter	 intencional	 de	 uma	
ação,	 comportamento	 ou	 situação	 é	 contemplar	 sua	 "morada	
interior"	e	não	a	"morada	exterior",	ou	o	fato	da	ação	em	si:	"A	
realização	externa	não	tem	nenhum	mérito",	diz	Hume.
Vimos	 como	 o	 filósofo	 descreve	 essa	 "morada	 interior",	
fundamentando-a	 na	 "motivação".	 O	 que	 importa	 é	 o	 caráter	
"emotivo"	da	ação,	aquilo	que	a	move	e	que	a	distingue	da	"mo-
rada	exterior",	que	é	a	ação	apenas	como	puro	sinal.
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UNIDADE 3 – ÉTICA MODERNA: HUME E KANT
No	tópico	seguinte	a	este,	trabalharemos	a	posição	do	filóso-
fo	Immanuel	Kant,	cujas	reflexões	sobre	a	moral	receberam,	como	
ele	mesmo	diz,	grande	influência	do	pensamento	de	Hume,	a	quem	
atribui	o	despertar	do	"sono	dogmático"	em	que	se	encontrava.
6. IMMANUEL KANT (1724-1804)Kant	nasceu,	viveu	e	morreu	em	Königsberg	(Prússia	Oriental,	
atual	Alemanha).	Nasceu	em	uma	família	de	poucos	recursos	finan-
ceiros.	Recebeu	uma	educação,	particularmente	de	sua	mãe,	fun-
dada	nos	princípios	do	pietismo	(corrente	radical	do	protestantismo	
prussiano,	originário	de	um	movimento	da	Igreja	Luterana	alemã	do	
século	18),	lutou	sempre	com	dificuldades	tanto	materiais	quanto	
no	que	se	refere	à	compreensão	de	sua	proposta	filosófica	inovado-
ra.	Manteve-se,	porém,	firme	em	seu	trabalho	de	grande	rigor.
A	época	em	que	viveu	Kant,	o	século	18,	como	foi	dito	na	
introdução	desta	unidade,	é	chamada	de	Século	das	Luzes	ou	Ilu-
minismo,	ou	ainda,	Era	da	Razão,	época	da	qual	é	um	dos	maio-
res	representantes	e	que	tinha	por	objetivo	principal	reformar	a	
sociedade	contra	a	intolerância	da	Igreja	e	do	Estado.
Kant	não	nega	a	importância	da	religião,	que	tem,	segundo	
ele,	sua	razão	de	ser,	uma	vez	que	existe	todo	um	mundo	que	
escapa	às	capacidades	da	razão.	Porém,	quer	mostrar	que	o	fun-
damento	do	conhecimento	e	da	moral	pode	ser	encontrado	fora	
da	religião,	que	até	então	dominara.
Segundo	Kant,	não	podemos	pretender	conhecer	realida-
des	transcendentes,	às	quais	não	temos	acesso.	Devemos	nos	li-
mitar	a	buscar	conhecer	a	realidade	que	é	objeto	de	experiência	
para	nós.	E,	para	tanto,	faz-se	necessário	esclarecer	qual	seria	a	
estrutura	de	nossas	capacidades	cognitivas,	aquelas	que	não	de-
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correm	de	experiências	individuais	e	particulares,	mas	que	dizem	
respeito	a	toda	a	humanidade	como	tal.
A	conclusão	a	que	chega	é	que	as	duas	fontes	do	conheci-
mento	(sensibilidade	e	entendimento)	estão	no	sujeito	e	não	no	
mundo	(leia	o	tópico	"Kant	e	o	Iluminismo"	desta	mesma	unidade).
Kant e a moral
As	quatro	principais	obras	de	Kant	em	que	a	moral	é	trata-
da	mais	longamente	são:
•	 Fundamentação da metafísica dos costumes	(1785);
•	 Crítica da razão prática	(1788);
•	 Crítica da faculdade de julgar	(1790);
•	 A paz perpétua: um projeto filosófico	(1795).
A teoria da "boa vontade"
Kant	 começa	afirmando	que	a	única	 coisa	que	merece	a	
denominação	de	 "bem"	e	de	 "bom"	é	o	que	 chamou	de	 "boa	
vontade".	A	"boa	vontade"	é,	no	dizer	de	Kant,	o	que	é	possí-
vel	 conceber	no	ou	 fora	do	mundo	 como	bom,	 sem	 restrição.	
Os	diversos	talentos	do	espírito,	como	inteligência,	capacidade	
de	 julgar,	coragem,	decisão,	perseverança	e	temperança,	serão	
coisas	boas	ou	 ruins,	dependendo	das	disposições	próprias	ou	
do	"caráter"	da	vontade	que	os	esteja	usando.	Poderíamos	dizer	
o	mesmo	de	dons	como	poder,	riqueza,	felicidade.	Tais	talentos	
ou	dons	trazem,	segundo	o	 filósofo,	uma	confiança	em	si	que,	
frequentemente,	na	ausência	de	uma	boa	vontade,	 se	conver-
tem	em	presunção.
NÃO	É	POSSÍVEL	conceber	coisa	alguma	no	mundo,	ou	mesmo	
fora	do	mundo,	que	sem	restrição	possa	ser	considerada	boa,	a	
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não	ser	uma	só:	uma	BOA	VONTADE.	A	inteligência,	o	dom	de	
apreender	as	semelhanças	das	coisas,	a	faculdade	de	julgar,	e	
os	demais	talentos	do	espírito,	seja	qual	for	o	nome	que	se	lhes	
dê,	 ou	 a	 coragem,	 a	 decisão,	 a	 perseverança	 nos	 propósitos,	
como	qualidades	do	temperamento,	são	sem	dúvida,	sob	múl-
tiplos	respeitos,	coisas	boas	e	apetecíveis;	podem,	entretanto,	
estes	dons	da	natureza	tornar-se	extremamente	maus	e	preju-
diciais,	se	não	for	boa	vontade	que	deles	deve	servir-se	e	cuja	
especial	disposição	se	denomina	caráter.	O	mesmo	se	diga	dos	
dons	da	fortuna.	O	poder,	a	riqueza,	a	honra,	a	própria	saúde	e	
o	completo	bem-estar	e	satisfação	do	próprio	estado,	em	resu-
mo	o	que	se	chama	felicidade,	geram	uma	confiança	em	si	mes-
mo	que	muitas	vezes	se	converte	em	presunção,	quando	falta	a	
boa	vontade	para	moderar	e	fazer	convergir	para	fins	universais	
tanto	a	imprudência	que	tais	dons	exercem	sobre	a	alma	como	
também	o	princípio	da	ação.	Isto,	sem	contar	que	um	especta-
dor	razoável	e	imparcial	nunca	lograria	sentir	satisfação	em	ver	
que	tudo	corre	ininterruptamente	segundo	os	desejos	de	uma	
pessoa	 que	 não	 ostenta	 nenhum	 vestígio	 de	 verdadeira	 boa	
vontade;	donde	parece	que	a	boa	vontade	constitui	a	condição	
indispensável	para	ser	feliz	(KANT,	1994,	p.	4).	
A	boa	vontade	é	boa	em	si	mesma,	não	está	condicionada	
a	circunstâncias.	O	homem	é	regido	por	ele	mesmo,	é	criador	de	
valores	morais.	Essa	consciência	moral	não	é	nem	instintiva	nem	
emotiva.	É	a	própria	razão.
Kant e Hume
Para	Kant,	a	razão	não	tem	apenas	um	papel	instrumental,	
como	para	Hume.	Toda	moralidade	funda	sua	autoridade	apenas	
na	razão.	Só	a	razão	determina	se	uma	ação	é	boa	ou	má,	inde-
pendentemente	de	nossos	desejos.
Enquanto	seres	sensíveis,	estamos	submissos	ao	mecanis-
mo	natural,	porém,	como	seres	dotados	de	inteligência,	somos	
162 © ÉTICA II
UNIDADE 3 – ÉTICA MODERNA: HUME E KANT
capazes	de	pensar,	conhecer	a	nós	mesmos	e	emitir	juízos	mo-
rais,	 o	 que	nos	 torna	 capazes	 de	 escapar	 ao	 determinismo	da	
natureza.
Apenas	em	alguns	casos,	nossas	ações	podem	ser	produ-
zidas	por	desejos	e	crenças.	 Isso	acontece	quando	agimos	por	
inclinação.	Quando	nossas	ações	são	guiadas	por	considerações	
morais,	a	 razão	determina	não	apenas	os	meios,	mas	 também	
os	fins	de	nossas	ações.	A	questão	que	se	coloca	é,	então,	a	se-
guinte:	que	razão	é	essa	que,	por	si	mesma,	ordena	"o	que	deve"	
acontecer,	independentemente	de	todo	e	qualquer	fenômeno	e,	
portanto,	universalmente,	a	todo	ser	humano?
Propõe	Kant	a	si,	então,	a	tarefa	de	circunscrever	os	limites	
de	possibilidade	tanto	da	razão	responsável	pelo	conhecimento	
(a	especulativa)	quanto	da	razão	responsável	pela	moral.
A razão responsável pela moral é a razão prática
Ao	tentar	fundamentar	a	moral,	Kant	é	levado	à	proposi-
ção	de	uma	razão	distinta	da	razão	especulativa.	É	a	razão	que	
denominou	de	"prática".	A	consciência	moral	é	a	razão	prática,	
segundo	Kant.	Como	observa	García	Morente,	em	Fundamentos 
da filosofia (1980),	Kant	vai	buscar	em	Aristóteles	essa	denomi-
nação,	em	cuja	também	a	moral	significa	"razão	prática".	Razão	
prática	quer	dizer	que,	na	consciência	moral,	atua	algo	que	se	
assemelha	à	razão,	mas	não	é	a	razão	especulativa.
A	 consciência	 moral	 ou	 razão	 prática	 contém	 princípios	
racionais,	 em	 virtude	 dos	 quais	 nós,	 seres	 humanos,	 regemos	
nossa	vida.	É	a	razão	aplicada	à	ação.	Essa	razão	prática	contém	
qualificativos	como	bom,	mal,	moral,	imoral	etc.	Não	tendo	a	ra-
zão	prática	(como	tem	a	razão	especulativa,	que	rege	o	conheci-
163© ÉTICA II
UNIDADE 3 – ÉTICA MODERNA: HUME E KANT
mento)	por	meta	determinar	a	essência	das	coisas,	seus	qualifi-
cativos	não	se	aplicam	a	coisas	(as	coisas	não	são	boas	ou	más,	
morais	ou	imorais),	mas	só	se	aplicam	ao	homem.	Os	qualificati-
vos	morais	se	aplicam	ao	que	o	homem	"quer	fazer",	ou	seja,	ao	
exercício	da	vontade.	Assim,	por	exemplo,	se	alguém	comete	um	
erro	involuntariamente,	não	podemos	qualificá-lo	nem	de	bom,	
nem	de	mau,	nem	de	moral,	nem	de	imoral,	porque	o	ato	não	foi	
cometido	no	exercício	de	sua	vontade.
As três grandes dimensões da consciência moral ou razão 
prática
Trabalharemos	 a	 noção	 de	 razão	 prática	 ou	 consciência	
moral	 em	Kant,	 a	 partir	 de	 três	 grandes	dimensões	 a	 ela	 con-
feridas	pelo	filósofo.	São	elas:	a	dimensão	da	universalidade,	a	
dimensão	da	autonomia	e	a	dimensão	da	liberdade.
A dimensão da universalidade: a razão pura prática ou 
consciência moral determina a vontade a partir de imperativos
O	critério	 fundamental	 racional	para	qualificar	uma	ação	
como	ação	moral,	 isto	é,	como	ação	universalmente	válida,	se-
ria,	segundo	Kant,	a	existência	dessa	razão	pura	prática	capaz	de	
estabelecer	uma	universalidade	no	que	se	refere	à	moral,	assim	
como	a	razão	pura	especulativa	ou	teórica	estabelece	uma	uni-
versalidade	no	que	diz	respeito	ao	conhecimento.	Temos,	então,	
uma	razão	pura	universal	que	se	diferencia	em	razão	pura	espe-
culativa	e	razão	pura	prática.	A	razão	pura	especulativa	possuiriaa	capacidade	de	determinar	a priori	o	conhecimento	do	sujeito	
cognoscitivo	e	a	razão	pura	prática	possuiria	essa	mesma	capaci-
dade	de	determinar	a priori	a	vontade	do	sujeito	agente.
164 © ÉTICA II
UNIDADE 3 – ÉTICA MODERNA: HUME E KANT
A	razão	pura	prática	daria	à	vontade	de	cada	um	(vontade	
subjetiva	particular)	ordenamentos	objetivos.	Esses	ordenamen-
tos	seriam	"imperativos".	Diz	Kant:
A	 representação	de	um	princípio	 objectivo,	 enquanto	obrigante	
para	uma	vontade,	chama-se	um	mandamento	(da	razão),	e	a	fór-
mula	do	mandamento	chama-se	imperativo	(KANT,	1960,	p.	48).
Em	outras	palavras,	todo	ato	voluntário	se	apresenta	à	ra-
zão	na	forma	de	um	imperativo,	ou	seja,	todo	ato,	ao	se	realizar,	
aparece	à	consciência	à	maneira	de	um	mandamento	(faça	isto;	
não	aja	assim).
Os	 imperativos,	diz	Kant,	podem	ser	hipotéticos	ou	cate-
góricos.	Os	imperativos	hipotéticos	sujeitam	o	mandamento	em	
questão	a	uma	condição	(se	queres	obter	x,	faça	y).	Nos	impe-
rativos	 categóricos,	 ao	 contrário,	 o	mandamento	não	está	 sob	
nenhuma	condição,	impera	de	maneira	absoluta.	Vejamos,	a	res-
peito,	um	texto	de	Kant:
Ora	todos	os	 imperativos	ordenam	ou	hipotética	ou	categori-
camente.	 Os	 hipotéticos	 representam	 a	 necessidade	 prática	
de	uma	acção	possível	como	meio	de	alcançar	qualquer	outra	
coisa	que	se	quer	(ou	que	é	possível	que	se	queira).	O	impera-
tivo	categórico	seria	aquele	que	nos	representasse	uma	acção	
como	 objectivamente	 necessária	 por	 si	 mesma,	 sem	 relação	
com	qualquer	outra	finalidade	(KANT,	1960,	p.	48-51).
O	imperativo	da	moralidade	é	um	imperativo	categórico
Toda	ação	moral	indica	que	a	referida	ação	é	objetivamen-
te	 necessária	 e	 boa	 em	 si	 mesma;	 portanto,	 o	 imperativo	 da	
"moralidade"	é	um	imperativo	categórico.
Há	por	fim	um	imperativo	que,	sem	se	basear	como	condição	
em	qualquer	outra	intenção	a	atingir	por	um	certo	comporta-
mento,	ordena	 imediatamente	este	comportamento.	Este	 im-
165© ÉTICA II
UNIDADE 3 – ÉTICA MODERNA: HUME E KANT
perativo	é	categórico.	Não	se	relaciona	com	a	matéria	da	acção	
e	com	o	que	dela	deve	resultar,	mas	com	a	forma	e	o	princípio	
de	que	ela	mesma	deriva;	 e	o	essencialmente	bom	na	acção	
reside	na	disposição	Gesinnung,	seja	qual	for	o	resultado.	Este	
imperativo	pode-se	chamar	o	imperativo	da	moralidade (KANT,	
1960,	p.	52,	grifo	nosso).
A	lei	moral,	enquanto	imperativo	categórico,	é	universal
O	 imperativo	 categórico	 é	 universal	 porque	 contém,	 ao	
mesmo	tempo,	a	lei	e	o	princípio	da	necessidade	de	se	confor-
mar	com	essa	lei.	Como	não	há	condição	que	limite	a	lei,	todo	
imperativo	categórico	é	universal.
Vejamos	o	texto	de	Kant	a	esse	respeito:
Quando	penso	um	imperativo	hipotético	em	geral,	não	sei	de	an-
temão	o	que	ele	poderá	conter.	Só	o	saberei	quando	a	condição	
me	seja	dada.	Mas	se	pensar	um	imperativo	categórico,	então	sei	
imediatamente	o	que	é	que	ele	contém.	Porque,	não	contendo	
o	imperativo,	além	da	lei,	senão	a	necessidade	da	máxima	que	
manda	conformar-se	com	esta	lei,	e	não	contendo	a	lei	nenhuma	
condição	que	a	limite,	nada	mais	resta	senão	a	universalidade	de	
uma	lei	em	geral	à	qual	a	máxima	da	acção	//	deve	ser	conforme,	
conformidade	essa	que	só	o	imperativo	nos	representa	propria-
mente	como	necessária	(KANT,	1960,	p.	58-59).
Consequentemente,	a	vontade	divina	e	a	vontade	santa	não	são	
passíveis	de	imperativos
Querer	o	bem	ou	a	busca	do	bem	não	poderia,	portanto,	
segundo	Kant,	fazer	parte	da	moralidade,	pois	o	princípio	moral	
é,	por	sua	própria	natureza,	independente	de	crenças,	culturas	
e	tradições.	Fundamenta-se	em	algo	universal,	a	lei.	Assim,	uma	
vontade	perfeitamente	boa,	como	seriam	a	vontade	divina	e	a	
vontade	santa,	não	são	passíveis	de	imperativos,	não	se	apresen-
tam	como	obrigadas	a	leis.	Diz	Kant	que:
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UNIDADE 3 – ÉTICA MODERNA: HUME E KANT
Uma	vontade	perfeitamente	boa	estaria,	portanto,	igualmente	
submetida	a	leis	objectivas	(do	bem),	mas	não	se	poderia	repre-
sentar	como	obrigada	a	acções	conformes	à	lei,	pois	que	pela	
sua	constituição	 subjectiva	ela	 só	pode	 ser	determinada	pela	
representação	do	bem.	Por	isso	os	imperativos	não	valem	para	
a	vontade	divina	nem,	em	geral,	para	uma	vontade	santa;	o	de-
ver	(Sollen)	não	está	aqui	no	seu	lugar,	porque	o	querer	coincide	
já	por	si	necessariamente	com	a	lei	(KANT,	1960,	p.	48-51).
A dimensão da autonomia: toda ação moral é uma ação 
autônoma
As	 leis	morais	 seriam,	segundo	Kant,	destituídas	de	 todo	
valor	moral	se	seu	princípio	determinante	tivesse	outra	origem	
que	não	fosse	a	lei	que	traz	nela	mesma	essa	certeza	apodítica	
(certeza	evidente).
Assim,	ao	contrário	da	ação	heterônoma,	que	é	instintiva	e	
não	decorre	da	vontade	do	agente,	como	seria	o	caso	da	moral	
aristocrática,	 que	 depende	de	 ideais	 transcendentes	 e	 da	mo-
ral	utilitarista	(que	depende	de	ideais	que	emanam	de	coisas),	a	
ação	moral,	segundo	Kant,	é	uma	ação	autônoma.
Esse	princípio	de	autonomia	da	ação	moral	consiste	no	fato	
de	as	regras	ou	máximas	serem	compreendidas	como	leis	univer-
sais,	que	não	advêm	da	experiência,	que	são	absolutamente	in-
dependentes	e	necessárias,	que	comandam	apoditicamente	(de	
maneira	necessariamente	verdadeira),	opondo-se	ao	empírico	(o	
que	vem	da	experiência),	que	é	contingente	e	generalizável.
O	indivíduo	deve	estar	livre	para	agir,	ou	seja,	não	obede-
cer	a	outra	lei	senão	àquela	que	ele	mesmo	simultaneamente	se	
dá,	enquanto	possuidor	de	uma	vontade,	e	não	em	virtude	de	
qualquer	outro	motivo	prático	ou	de	qualquer	vantagem	futura.	
Por	essa	razão,	o	princípio	que	rege	a	ação	de	uma	vontade	li-
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vre	legisladora	universal,	que	é	a	ação	moral,	é,	como	vimos,	um	
imperativo	categórico	que,	por	ser	universal,	não	se	 funda	em	
nenhuma	condição,	em	nenhuma	hipótese.
Assim	o	princípio,	segundo	o	qual	toda	a	vontade	humana	seria	
uma	vontade	legisladora	universal	por	meio	de	todas	as	suas	má-
ximas,	se	fosse	seguramente	estabelecido,	conviria	perfeitamente	
ao	imperativo	categórico	no	sentido	de	que,	exactamente	por	cau-
sa	da	idéia	da	legislação	universal,	ele	se	não	funda	em	nenhum	
interesse,	e	portanto,	de	entre	todos	os	imperativos	possíveis,	é	o	
único	que	pode	ser	incondicional;	ou,	melhor	ainda,	invertendo	a	
proposição:	se	há	um	imperativo	categórico	(isto	é	uma	lei	para	a	
vontade	de	todo	o	ser	racional),	ele	só	pode	ordenar	que	tudo	se	
faça	em	obediência	à	máxima	de	uma	vontade	que	simultanea-
mente	se	possa	ter	a	si	mesma	por	//	objecto	como	 legisladora	
universal;	pois	só	então	é	que	o	princípio	prático	e	o	imperativo	a	
que	obedece	podem	ser	incondicionais,	porque	não	têm	interesse	
algum	sobre	que	se	fundem	(KANT,	1960,	p.	74).
Trata-se	de	uma	Ética	"deontológica"
A	Ética	de	Kant	é,	portanto,	"deontológica",	ou	seja,	defen-
de	que	o	valor	moral	de	uma	ação	reside	na	própria	ação	e	não	
em	 suas	 consequências.	 É	 o	 que	 veremos,	mais	 claramente,	 a	
seguir	a	partir	da	noção	kantiana	de	"Dever".
Deontologia	é	um	termo	criado	pelo	filósofo	inglês	Jeremy	
Bentham	(1748-1832)	e	se	refere	à	ética	como	tendo	por	objeto	
de	estudo	os	fundamentos	do	dever	e	das	normas	enquanto	de-
correntes	de	uma	ação	considerada	em	si	mesma.	Compreende,	
por	exemplo,	o	 conjunto	de	princípios	e	 regras	de	conduta	ou	
deveres	decorrentes	de	uma	determinada	ação	profissional.	O	
primeiro	Código	de	Deontologia	foi	da	área	da	medicina	e	foi	fei-
to	nos	Estados	Unidos	da	América	do	Norte.	A	palavra	é	formada	
por	"deon"	(dever,	obrigação	em	grego)	e	logos	(ciência).
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UNIDADE 3 – ÉTICA MODERNA: HUME E KANT
O	Dever
Este	agir	sem	qualquer	motivação,	livre	de	interesses,	subordi-
nando	a	vontade	a	uma	legislação	universal,	eis	o	"dever".	Diz	Kant:
Pois	o	dever	deve	ser	a	necessidade	prática-incondicionada	da	ac-
ção;	tem	de	valer	portanto	para	todos	os	seres	racionais	(os	únicos	
aos	quais	se	pode	aplicar	sempre	um	imperativo),	e	só	por	isso	pode	
ser	lei	também	para	toda	a	vontade	humana	(KANT,	1960,	p.	64).Na	moralidade,	o	"dever"	não	é,	porém,	a	mera	conformidade	
com	o	que	prescreve	a	lei
Na	moralidade,	o	dever	é	essencialmente	impulso	para	o	
dever,	o	dever	pelo	dever,	inexiste	qualquer	outro	motivo.	O	va-
lor	moral	de	um	ato	funda-se	na	pureza	de	intenção,	na	medida	
em	que	ela	independe	de	qualquer	outro	motivo	que	não	seja	o	
cumprimento	do	dever	pelo	dever.
Vejamos	o	que	diz	Kant:
É	na	verdade	conforme	ao	dever	que	o	merceeiro	não	suba	os	
preços	ao	comprador	inexperiente,	e,	quando	o	movimento	do	
negócio	é	grande,	o	comerciante	esperto	também	não	faz	se-
melhante	coisa,	mas	mantém	um	preço	fixo	geral	para	toda	a	
gente,	de	 forma	que	uma	criança	pode	 comprar	na	 sua	mer-
cearia	tão	bem	como	qualquer	outra	pessoa.	É-se,	pois,	servido	
honradamente;	mas	 isso	 ainda	não	é	bastante	para	 acreditar	
que	o	comerciante	tenha	assim	procedido	por	dever	e	princí-
pios	de	honradez;	o	seu	interesse	assim	o	exigia;	mas	não	é	de	
aceitar	que	ele	além	disso	tenha	tido	uma	inclinação	imediata	
para	os	seus	fregueses,	de	maneira	a	não	fazer,	por	amor	deles,	
preço	mais	vantajoso	a	um	do	que	a	outro.	A	acção	não	foi,	por-
tanto,	praticada	nem	por	dever	nem	por	 inclinação	 imediata,	
mas	somente	com	intenção	egoísta	(KANT,	1960,	p.	27).
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E	isto	porque	uma	ação	só	é	moral	quando	realizada	"por	dever"	
e	não	"conforme	ao	dever"
Diz	Kant:
Pelo	contrário,	conservar	cada	qual	a	sua	vida	é	um	dever,	e	é	
além	disso	uma	coisa	para	que	toda	a	gente	tem	inclinação	ime-
diata.	Mas	por	isso	mesmo	é	que	o	cuidado,	por	vezes	ansioso,	
que	a	maioria	dos	homens	lhe	dedicam	não	tem	nenhum	valor	
intrínseco	e	a	máxima	que	o	exprime	nenhum	conteúdo	moral.	
Os	homens	conservam	a	 sua	vida	conforme //	ao	dever,	 sem	
dúvida,	mas	não	por dever.	Em	contraposição,	quando	as	con-
trariedades	e	o	desgosto	sem	esperança	roubaram	totalmente	
o	gosto	de	viver;	quando	o	infeliz,	com	fortaleza	de	alma,	deseja	
a	morte,	e	conserva	contudo	a	vida	sem	a	amar,	não	por	inclina-
ção	ou	medo,	mas	por	dever,	então	a	sua	máxima	tem	conteúdo	
moral	(KANT,	1960,	p.	27).
Fazer	a	caridade	não	por	inclinação,	mas	"por	dever"
O	filósofo	alemão	afirma:
Ser	caritativo	quando	se	pode	sê-lo	é	um	dever,	e	há	além	disso	
muitas	almas	de	disposição	tão	compassiva	que,	mesmo	sem	ne-
nhum	outro	motivo	de	vaidade	ou	interesse,	acham	íntimo	prazer	
em	espalhar	alegria	à	sua	volta	e	se	podem	alegrar	com	o	conten-
tamento	dos	outros,	enquanto	este	é	obra	sua.	Eu	afirmo	porém	
que	neste	caso	uma	tal	acção,	por	conforme	ao	dever,	por	amável	
que	ela	seja,	não	tem	contudo	nenhum	verdadeiro	valor	moral,	
mas	vai	emparelhar	com	outras	inclinações,	por	exemplo	o	amor	
das	honras	que,	quando	por	feliz	acaso	topa	aquilo	que	efectiva-
mente	é	de	interesse	geral	e	conforme	ao	dever,	é	consequente-
mente	honroso	e	merece	louvor	e	estímulo,	mas	não	estima;	pois	
à	sua	máxima	falta	o	conteúdo	moral	que	manda	que	tais	acções	
se	pratiquem,	não	por	inclinação,	mas	por	dever.	Admitindo,	pois,	
que	o	ânimo	desse	filantropo	estivesse	velado	pelo	desgosto	pes-
soal	que	apaga	toda	//	a	compaixão	pela	sorte	alheia,	e	que	ele	
continuasse	a	ter	a	possibilidade	de	fazer	bem	aos	desgraçados,	
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mas	que	a	desgraça	alheia	o	não	tocava	porque	estava	bastante	
ocupado	com	a	sua	própria;	se	agora,	que	nenhuma	inclinação	o	
estimula	já,	ele	se	arrancasse	a	esta	mortal	insensibilidade	e	prati-
casse	a	acção	sem	qualquer	inclinação,	simplesmente	por	dever,	só	
então	é	que	ela	teria	o	seu	autêntico	valor	moral.	Mais	ainda:	–	Se	
a	natureza	tivesse	posto	no	coração	deste	ou	daquele	homem	pou-
ca	simpatia,	se	ele	(homem	honrado	de	resto)	fosse	por	tempera-
mento	frio	e	indiferente	às	dores	dos	outros	por	ser	ele	mesmo	
dotado	especialmente	de	paciência	e	capacidade	de	resistência	às	
suas	próprias	dores	e	por	isso	pressupor	e	exigir	as	mesmas	quali-
dades	dos	outros;	se	a	natureza	não	tivesse	feito	de	um	tal	homem	
(que	em	boa	verdade	não	seria	o	seu	pior	produto)	propriamente	
um	filantropo,	–	não	poderia	ele	encontrar	ainda	dentro	de	si	um	
manancial	que	lhe	pudesse	dar	um	valor	muito	mais	elevado	do	
que	o	dum	temperamento	bondoso?	Sem	dúvida!	–	É	exactamen-
te	aí	é	que	começa	o	valor	do	carácter,	que	é	moralmente	sem	
qualquer	comparação	o	mais	alto,	e	que	consiste	em	fazer	o	bem,	
não	por	inclinação,	mas	por	dever	(KANT,	1960,	p.	28).
Portanto,	a	essência	do	cumprimento	"por	dever"	estaria	
na	capacidade	da	vontade	de	contrariar	as	tendências	naturais,	
não	se	deixando	causar	por	fatores	externos,	mas	atender	a	im-
perativos	como:	agir como se o princípio de nossa ação pudesse 
ser erigido em lei universal da natureza.
Essa	autonomia	da	razão	prática	ou	consciência	moral	é	o	fun-
damento	da	dignidade	da	natureza	humana	e	de	toda	natureza	
racional,	tornando-as	um	fim	e	não	um	meio
Diz	Kant:
Ora	digo	eu:	–	O	homem,	e,	duma	maneira	geral,	todo	o	ser	racio-
nal,	existe	como	fim	em	si	mesmo,	não	só	como	meio	para	o	uso	
arbitrário	desta	ou	daquela	vontade.	Pelo	contrário,	em	todas	as	
suas	acções,	tanto	nas	que	se	dirigem	a	ele	mesmo	como	nas	que	
se	dirigem	//	a	outros	seres	racionais,	ele	tem	sempre	de	ser	con-
siderado	simultaneamente	como	fim	(KANT,	1960,	p.	68).
171© ÉTICA II
UNIDADE 3 – ÉTICA MODERNA: HUME E KANT
O	imperativo	é:	aja	de	tal	maneira	que	a	humanidade	seja	
tratada	tão	bem	na	nossa	pessoa	como	na	pessoa	de	qualquer	
outro	e	sempre	como	um	fim	e	nunca	como	meio.
A terceira dimensão da ação moral: a da "liberdade"
A	possibilidade	da	moral,	segundo	Kant,	não	depende	nem	
da	ciência,	nem	da	religião,	nem	da	metafísica;	ela	está	fundada	
na	ideia	de	uma	vontade	livre.
A	vontade,	segundo	Kant,	é	um	"poder	agir"	ou	um	"poder	
causar",	ou,	ainda,	um	"poder	querer"	livres,	porque	possui	justa-
mente	esta	propriedade	de	ser	a	sua	própria	lei,	uma	vez	que	não	
é	determinada	por	causas	estranhas,	como	influências	e	interes-
ses	sensíveis;	do	contrário,	não	se	trataria	de	um	ato	de	vontade.
A	liberdade,	portanto,	embora	não	seja	uma	propriedade	
da	vontade	segundo	leis	naturais	(na	natureza,	nos	seres	irracio-
nais,	impera	e	domina	a	necessidade),	é	propriedade	da	vontade	
nos	seres	racionais.
Sobre	a	vontade	enquanto	"poder	causador",	próprio	aos	
seres	racionais,	e	a	 liberdade	como	propriedade	desse	mesmo	
"poder	causador",	independentemente	de	causas	estranhas,	diz	
Kant:
[...]	é	uma	espécie	de	causalidade	dos	seres	vivos,	enquanto	ra-
cionais,	e liberdade seria	a	propriedade	desta	causalidade,	pela	
qual	ela	pode	ser	eficiente,	independentemente	de	causas	estra-
nhas	que	a	determinem;	assim	como	a	necessidade	é	a	proprie-
dade	dos	 seres	 irracionais	 de	 serem	determinados	 à	 atividade	
pela	influência	de	causas	estranhas	(KANT,	1960,	p.	93-94,	grifo	
nosso).
172 © ÉTICA II
UNIDADE 3 – ÉTICA MODERNA: HUME E KANT
Mas	a	 liberdade,	enquanto	propriedade	da	vontade,	não	 seria	
desprovida	de	lei
A	liberdade	não	seria	desprovida	de	lei,	pois	é	a	proprieda-
de	de	um	"poder	causador"	(vontade),	ou	seja,	de	uma	relação	
de	causa	e	efeito	e,	como	tal,	é	baseada	em	leis	imutáveis.
Diz	Kant:
Como	o	conceito	de	uma	causalidade	traz	consigo	o	de	leis	se-
gundo	as	quais,	por	meio	de	uma	coisa	a	que	chamamos	causa,	
tem	de	ser	posta	outra	//	coisa	que	se	chama	efeito,	assim	a	
liberdade,	se	bem	que	não	seja	uma	propriedade	da	vontade	
segundo	leis	naturais,	não	é	por	isso	desprovida	de	lei,	mas	tem	
antes	de	ser	uma	causalidade	segundo	leis	imutáveis,	ainda	que	
de	uma	espécie	particular;	pois	de	outro	modo	uma	vontade	
livre	seria	absurdo	(KANT,	1960,	p.	93-94).
Isso	porque	uma	vontade	só	é	livre	quando	regida	por	leis	
imutáveis,	independentes	de	circunstâncias	particulares.
Trata-se,	portanto,	de	uma	"liberdade	transcendental",	se-
gundo	a	expressão	de	Kant,	em	que	o	"poder	querer"	ou	a	von-
tade	antecede	a	experiência	e	independe	dela.
A	moral	 kantiana	é	uma	moral	não	eudaimônica,	ou	 seja,	não	
tem	por	meta	a	"felicidade"
Eudaimonia: palara de origemgrega (eu = bem + daimon = es-
pírito), significando "felicidade" não no sentido de uma emoção 
ou de uma visão utilitarista, mas no sentido em que foi empre-
gada no pensamento grego antigo: "bem-viver", "prosperidade".
Embora	Kant	considere	que	o	fim	do	homem	seja	a	procura	
da	felicidade	(como	Platão	e	Aristóteles),	distingue	felicidade	de	
moralidade.	A	 razão	prática	não	nos	pode	ensinar	e	nem	defi-
173© ÉTICA II
UNIDADE 3 – ÉTICA MODERNA: HUME E KANT
nir	o	que	é	a	felicidade,	apesar	desta	ser	a	finalidade	dos	seres	
racionais.
Observa	que,	 embora	 "estar	 bem"	não	 se	oponha	 a	 "fa-
zer	bem",	o	fato	de	"se	estar	bem",	não	significa	"fazer	bem".	A	
moral	nos	ensina	ou	nos	 leva	a	ser	merecedores	da	felicidade,	
porém	não	nos	torna	felizes.
O	caminho	para	a	 felicidade,	 segundo	Kant,	é	o	dever.	O	
cumprimento	do	dever,	embora	consista	em	obediência	incondi-
cional,	não	significa	renunciar	à	felicidade,	porém	também	não	
significa	subordinação	à	procura	da	felicidade.
Na	obra	Crítica da Razão Prática,	Kant	observa	que	a	feli-
cidade	não	seria	o	objetivo	e	fundamento	da	moralidade,	pois	é	
um	conceito	empírico,	consistindo	em	um	sentimento	do	agen-
te.	Para	Kant,	a	felicidade	provém	da	satisfação	dos	nossos	dese-
jos,	e,	por	essa	razão,	ela	não	depende	de	nós,	uma	vez	que	esse	
satisfazer	nossos	desejos	se	subordina	a	circunstâncias	externas	
à	nossa	vontade.	O	homem	é	um	ser	que	pertence	à	natureza,	
sua	felicidade	escapa	à	sua	vontade.	E,	se	escapa	à	vontade	do	
agente,	como	poderia	ser	um	objetivo	da	moralidade?
Relacionada	à	alegria	e	aos	prazeres,	a	felicidade	não	dis-
tingue	entre	prazeres	superiores	e	inferiores.	Em	outras	palavras,	
não	é	possível	definir	racionalmente	a	felicidade,	independente-
mente	da	experiência.	A	felicidade	de	cada	um	depende	de	sua	
sensibilidade	aos	diferentes	prazeres	da	vida.	Assim,	pode-se	ser	
feliz	com	a	riqueza,	beleza,	inteligência	etc.
Não	há	conexão	necessária	no	homem	entre	a	moralidade	
e	a	felicidade,	uma	vez	que	a	felicidade	é	dependente	de	bens	
contingentes.	O	 cumprimento	 das	 exigências	 da	 lei	moral	 não	
174 © ÉTICA II
UNIDADE 3 – ÉTICA MODERNA: HUME E KANT
nos	concederá,	por	si	só,	nenhuma	felicidade,	a	não	ser	em	uma	
situação	absolutamente	contingente.	Diz	Kant:
A	felicidade	é	o	estado	no	mundo	de	um	ser	racional	para	o	qual,	
na	totalidade	da	sua	existência,	tudo corre segundo o seu desejo 
e a sua vontade	e	funda-se,	pois,	na	harmonia	da	natureza	com	
o	fim	integral	desse	ser	e	igualmente	com	o	principio	determi-
nante	essencial	da	sua	vontade.	Ora,	a	lei	moral,	enquanto	lei	da	
liberdade,	ordena	por	princípios	determinantes	que	devem	ser	
totalmente	independentes	da	natureza	e	da	sua	harmonia	com	
a	nossa	faculdade	de	desejar	(como	móbeis);	mas	o	ser	racional	
agente	no	mundo	não	é,	contudo,	simultaneamente	causa	do	
mundo	e	da	própria	natureza.	Portanto,	não	existe	na	lei	moral	
a	menor	conexão	necessária	entre	moralidade	e	felicidade	a	ela	
proporcionada	de	um	ser	que,	fazendo	parte	do	mundo	e,	por-
tanto,	dele	dependendo,	não	pode	por	isso	mesmo	ser	pela	sua	
vontade	causa	desta	natureza	e	fazê-la	por	suas	próprias	forças	
coadunar-se	inteiramente	[...]	(KANT,	1994,	p.	143).
A	razão	é	contrária	à	felicidade
Segundo	Kant,	podemos	mesmo	dizer	que	a	razão	é	con-
trária	à	felicidade.
[...]	quanto	mais	uma	razão	cultivada	se	consagra	ao	gozo	da	
vida	e	da	felicidade,	tanto	mais	o	homem	se	afasta	do	verda-
deiro	contentamento;	e	daí	provém	que	em	muitas	pessoas,	e	
nomeadamente	nas	mais	experimentadas	no	uso	da	razão,	se	
elas	quiserem	ter	a	sinceridade	de	o	//	confessar,	surja	um	cer-
to	grau	de	misologia,	quer	dizer	de	ódio	à	razão.	E	isto	porque,	
uma	vez	feito	o	balanço	de	todas	as	vantagens	que	elas	tiram,	
não	digo	já	da	invenção	de	todas	as	artes	do	luxo	vulgar,	mas	
ainda	das	ciências	(que	a	elas	 lhes	parecem	no	fim	e	ao	cabo	
serem	também	um	luxo	do	entendimento),	descobrem	contu-
do	que	mais	se	sobrecarregaram	de	fadigas	do	que	ganharam	
em	felicidade,	e	que	por	isso	finalmente	invejam	mais	do	que	
desprezam	os	homens	de	condição	inferior	que	estão	mais	pró-
ximos	do	puro	instinto	natural	e	não	permitem	à	razão	grande	
175© ÉTICA II
UNIDADE 3 – ÉTICA MODERNA: HUME E KANT
influência	sobre	o	que	fazem	ou	deixam	de	fazer	(KANT,	1960,	
p.	24-26).	
Enfim,	o	supremo	destino	da	razão	prática	é	a	fundação	de	uma	
vontade	e	não	da	felicidade
Kant	afirma:
[...]	 Portanto,	 se	 a	 razão	não	é	 apta	bastante	para	 guiar	 com	
segurança	a	vontade	no	que	respeita	aos	seus	objectos	//	e	à	
satisfação	de	todas	as	nossas	necessidades	(que	ela	mesma	–	a	
razão	–	em	parte	multiplica),	visto	que	um	instinto	natural	inato	
levaria	com	muito	maior	certeza	a	este	fim,	e	se,	no	entanto,	a	
razão	nos	foi	dada	como	faculdade	prática,	isto	é,	como	facul-
dade	que	deve	exercer	influência	sobre	a	vontade,	então	o	seu	
verdadeiro	 destino	 deverá	 ser	 produzir	 uma	 vontade,	 não	 só	
boa	quiçá	como	meio	para	outra	 intenção,	mas	uma	vontade	
boa	em	si	mesma,	para	o	que	a	razão	era	absolutamente	neces-
sária,	uma	vez	que	a	natureza	de	resto	agiu	em	tudo	com	acerto	
na	repartição	das	suas	faculdades	e	talentos.	Esta	vontade	não	
será	na	verdade	o	único	bem	nem	o	bem	total,	mas	terá	de	ser	
contudo	o	bem	supremo	e	a	condição	de	tudo	o	mais,	mesmo	
de	toda	a	aspiração	de	felicidade.	E	neste	caso	é	fácil	de	conci-
liar	com	a	sabedoria	da	natureza	o	facto	de	observarmos	que	a	
cultura	da	razão,	que	é	necessária	para	a	primeira	e	incondicio-
nal	 intenção,	de	muitas	maneiras	restringe,	pelo	menos	nesta	
vida,	 a	 consecução	 da	 segunda,	 que	 é	 sempre	 condicionada,	
quer	dizer,	da	felicidade,	e	pode	mesmo	reduzi-la	a	menos	de	
nada,	sem	que	com	isto	a	natureza	falte	à	sua	finalidade,	por-
que	a	razão,	que	reconhece	o	seu	supremo	destino	prático	na	
fundação	duma	boa	vontade,	ao	alcançar	esta	intenção	é	capaz	
duma	só	satisfação	conforme	à	sua	própria	índole,	isto	é	a	que	
pode	achar	ao	atingir	um	fim	que	só	ela	(a	razão)	//	determina,	
ainda	que	isto	possa	estar	ligado	a	muito	dano	causado	aos	fins	
da	inclinação	(KANT,	1960,	p.	24-26).
176 © ÉTICA II
UNIDADE 3 – ÉTICA MODERNA: HUME E KANT
Kant e o Iluminismo
Em	seu	texto	sobre	o	Iluminismo,	respondendo,	em	1784,	
à	pergunta	de	uma	revista	alemã	de	Berlim,	Kant	expõe	seu	ideal	
de	apelo	ao	exercício	autônomo	da	razão	aqui	descrito.
Reflete	 sobre	o	momento	 social	e	político	de	 sua	época,	
visando	à	elevação	do	homem	à	sua	condição	singular	e	única	
de	ser	livre.	Cada	um	é	responsável	por	essa	liberação	da	"me-
noridade".	Somente	cada	um,	com	liberdade,	pode	dela	se	livrar.	
Essa	 liberação	 só	 é	 possível	 com	 o	 esclarecimento	 do	 próprio	
pensar,	esclarecimento	que	deve	ser	contínuo,	de	maneira	a	po-
der	ver	o	mundo	com	outros	olhos,	livres	de	conceitos	e	normas	
estabelecidos.
A	liberdade	de	fazer	uso	público	do	pensar	esclarecido	per-
mite,	por	sua	vez,	a	discussão	e	o	intercâmbio	de	ideias,	o	qual	
fundamentará	a	realização	da	ação	transformadora.
Ético	é,	pois,	para	Kant,	conquistar	deliberadamente	a	pró-
pria	liberdade	incondicionada,	servindo-se	de	sua	capacidade	ra-
cional.	Este	seria	o	caráter	singular	e	único	de	toda	ação	humana.
Observação: a palavra alemã Aufklärung é traduzida por escla-
recimento, ilustração, Iluminismo.
Diz	Kant	(2015,	p.	1-2):
lluminismo é a saída do homem da sua menoridade de que ele 
próprio é culpado.	A	menoridade	é	a	incapacidade	de	se	servir	
do	entendimento	sem	a	orientação	de	outrem.	Tal	menorida-
de	é	por	culpa própria,	se	a	sua	causa	não	residir	na	carência	
de	entendimento,	mas	na	falta	de	decisão	e	de	coragem	em	se	
servir	de	si	mesmo,	sem	a	guia	de	outrem.	Sapere aude!	Tem	
a	 coragem	de	 te	 servires	do	 teu	próprio	entendimento!	Eis	 a	
palavra	de	ordem	do	Iluminismo.
177© ÉTICA II
UNIDADE 3 – ÉTICA MODERNA: HUME E KANT
A	preguiça	e	 a	 cobardia	 são	as	 causas	de	os	homens	em	 tão	
grande	parte,	após	a	natureza	os	ter	há	muito	libertado	do	con-
trole	alheio	(naturaliter maiorennes),	[482]	continuarem,	toda-via,	de	bom	grado	menores	durante	toda	a	vida;	e	também	de	
a	outros	se	tornar	tão	fácil	assumir-se	como	seus	tutores.	É	tão	
cómodo	ser	menor.	Se	eu	tiver	um	livro	que	tem	entendimento	
por	mim,	um	director	espiritual	que	em	vez	de	mim	tem	cons-
ciência	moral,	um	médico	que	por	mim	decide	da	dieta,	etc.,	
então	não	preciso	de	eu	próprio	me	esforçar.	Não	me	é	forçoso	
pensar,	quando	posso	simplesmente	pagar;	outros	empreende-
rão	por	mim	essa	tarefa	aborrecida.	Porque	a	 imensa	maioria	
dos	homens	(inclusive	todo	o	belo	sexo)	considera	a	passagem	
à	maioridade	difícil	e	também	muito	perigosa	é	que	os	tutores	
de	bom	grado	tomaram	a	seu	cargo	a	superintendência	deles.	
Depois	 de	 terem,	primeiro,	 embrutecido	os	 seus	 animais	 do-
mésticos	 e	 evitado	 cuidadosamente	 que	 estas	 criaturas	 pací-
ficas	ousassem	dar	um	passo	para	 fora	da	carroça	em	que	as	
encerraram,	mostram-lhes	em	seguida	o	perigo	que	as	ameaça,	
se	tentarem	andar	sozinhas.	Ora,	este	perigo	não	é	assim	tão	
grande,	 pois	 acabariam	por	 aprender	muito	 bem	a	 andar.	 Só	
que	um	tal	exemplo	 intimida	e,	em	geral,	gera	pavor	perante	
todas	as	tentativas	ulteriores.
É,	pois,	difícil	a	cada	homem	desprender-se	da	menoridade	que	
para	ele	se	tomou	[483]	quase	uma	natureza.	Até	lhe	ganhou	
amor	e	é	por	agora	realmente	incapaz	de	se	servir	do	seu	pró-
prio	entendimento,	porque	nunca	se	lhe	permitiu	fazer	seme-
lhante	tentativa.
Regras	e	fórmulas	"são	laços	de	uma	menoridade	eterna":
Preceitos	e	fórmulas,	instrumentos	mecânicos	do	uso	racional,	
ou	antes,	do	mau	uso	dos	seus	dons	naturais	 são	os	grilhões	
de	uma	menoridade	perpétua.	Mesmo	quem	deles	se	soltasse	
só	daria	um	salto	 inseguro	 sobre	o	mais	pequeno	 fosso,	por-
que	não	está	habituado	ao	movimento	 livre.	São,	pois,	muito	
poucos	apenas	os	que	conseguiram	mediante	a	transformação	
do	seu	espírito	arrancar-se	à	menoridade	e	encetar	então	um	
andamento	seguro	(KANT,	2015,	p.	2).
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Com	liberdade	é	possível	sair	do	estado	de	"menoridade":
Mas	é	perfeitamente	possível	que	um	público	a	 si	mesmo	se	
esclareça.	Mais	ainda,	é	quase	inevitável,	se	para	tal	lhe	for	con-
cedida	a	 liberdade.	Sempre	haverá,	de	facto,	alguns	que	pen-
sam	por	 si,	mesmo	entre	os	 tutores	 estabelecidos	da	 grande	
massa	que,	após	terem	arrojado	de	si	o	 jugo	da	menoridade,	
espalharão	à	sua	volta	o	espírito	de	uma	estimativa	racional	do	
próprio	valor	e	da	vocação	de	cada	homem	para	pensar	por	si	
mesmo.	Importante	aqui	é	que	o	público,	antes	por	eles	sujeito	
a	este	jugo,	os	obriga	doravante	a	permanecer	sob	ele	quando	
por	alguns	dos	seus	tutores,	pessoalmente	incapazes	de	qual-
quer	ilustração,	é	a	isso	[484]	incitado.	Semear	preconceitos	é	
muito	danoso,	porque	acabam	por	se	vingar	dos	que	pessoal-
mente,	 ou	os	 seus	predecessores	 foram	os	 seus	 autores.	 Por	
conseguinte,	um	público	só	muito	lentamente	consegue	chegar	
à	ilustração.	Por	meio	de	uma	revolução	talvez	se	possa	levar	a	
cabo	a	queda	do	despotismo	pessoal	e	da	opressão	gananciosa	
ou	dominadora,	mas	nunca	uma	verdadeira	reforma	do	modo	
de	 pensar.	 Novos	 preconceitos,	 justamente	 como	 os	 antigos,	
servirão	de	rédeas	à	grande	massa	destituída	de	pensamento	
(KANT,	2015,	p.	2).
A	liberdade	em	que	se	funda	a	ação	moral	é	aquela	que	faz	
uso	público	da	própria	razão	em	todos	os	campos.
Mas,	para	esta	ilustração	[leia-se	esclarecimento],	nada	mais	se	
exige	do	que	a	liberdade;	e,	claro	está,	a	mais	inofensiva	entre	
tudo	o	que	se	pode	chamar	liberdade,	a	saber,	a	de	fazer	um	
uso	público	da	 sua	 razão	em	 todos	os	elementos.	Agora,	po-
rém,	de	todos	os	lados	ouço	gritar:	não	raciocines!	Diz	o	oficial:	
não	raciocines,	mas	faz	exercícios!	Diz	o	funcionário	de	Finan-
ças:	não	raciocines,	paga!	E	o	clérigo:	não	raciocines,	acredita!	
(Apenas	um	único	senhor	no	mundo	diz:	raciocinai	tanto	quan-
to	quiserdes	e	sobre	o	que	quiserdes,	mas	obedecei!)	Por	toda	
a	parte	se	depara	com	a	restrição	da	 liberdade.	Mas	qual	é	a	
restrição	que	 se	opõe	ao	 Iluminismo?	Qual	 a	 restrição	que	o	
não	impede,	antes	o	fomenta?
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Respondo:	o	uso	público	da	própria	razão	deve	sempre	ser	livre	
e	só	ele	pode,	entre	os	homens,	levar	a	cabo	a	ilustração	[485];	
mas	 o	 uso	 privado	 da	 razão	 pode,	 muitas	 vezes,	 coarctar-se	
[restringir-se]	fortemente	sem	que,	no	entanto,	se	entrave	as-
sim	notavelmente	o	progresso	da	ilustração	(KANT,	2015,	p.	3).
Kant	(2015,	p.	3-4)	distingue	o	uso	público	do	uso	privado	
da	razão:
Por	uso	público	da	própria	razão	entendo	aquele	que	qualquer	
um,	 enquanto	 erudito,	 dela	 faz	 perante	 o	 grande	 público	 do	
mundo	 letrado.	Chamo	uso	privado	àquele	que	alguém	pode	
fazer	da	sua	razão	num	certo	cargo	público	ou	função	a	ele	con-
fiado.	Ora,	em	muitos	assuntos	que	têm	a	ver	com	o	interesse	
da	comunidade,	é	necessário	um	certo	mecanismo	em	virtude	
do	qual	alguns	membros	da	comunidade	se	comportarão	de	um	
modo	puramente	passivo	com	o	propósito	de,	mediante	uma	
unanimidade	 artificial,	 serem	 orientados	 pelo	 governo	 para	
fins	públicos	ou	de,	pelo	menos,	serem	impedidos	de	destruir	
tais	 fins.	Neste	caso,	não	é	decerto	permitido	 raciocinar,	mas	
tem	 de	 se	 obedecer.	 Na	medida,	 porém,	 em	 que	 esta	 parte	
da	máquina	se	considera	também	como	elemento	de	uma	co-
munidade	total,	e	até	da	sociedade	civil	mundial,	portanto,	na	
qualidade	de	um	erudito	que	se	dirige	por	escrito	a	um	público	
em	 entendimento	 genuíno,	 pode	 certamente	 raciocinar	 sem	
que	assim	sofram	qualquer	dano	os	negócios	a	que,	em	parte,	
como	membro	passivo,	se	encontra	sujeito.	Seria,	pois,	muito	
pernicioso	se	um	oficial,	a	quem	o	seu	superior	ordenou	algo,	
quisesse	em	serviço	sofismar	em	voz	alta	[486]	acerca	da	incon-
veniência	ou	utilidade	dessa	ordem;	tem	de	obedecer,	mas	não	
se	lhe	pode	impedir	de	um	modo	justo,	enquanto	perito,	fazer	
observações	sobre	os	erros	do	serviço	militar	e	expô-las	ao	seu	
público	para	que	as	 julgue.	O	 cidadão	não	pode	 recusar-se	a	
pagar	os	impostos	que	lhe	são	exigidos;	e	uma	censura	imperti-
nente	de	tais	obrigações,	se	por	ele	devem	ser	cumpridas,	pode	
mesmo	punir-se	como	um	escândalo	(que	poderia	causar	uma	
insubordinação	geral).	Mas,	apesar	disso,	não	age	contra	o	de-
ver	de	um	cidadão	se,	como	erudito,	ele	expuser	as	suas	idéias	
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contra	a	inconveniência	ou	também	a	injustiça	de	tais	prescri-
ções.	Do	mesmo	modo,	um	clérigo	está	obrigado	a	ensinar	os	
instruídos	de	catecismo	e	a	sua	comunidade	em	conformidade	
com	o	 símbolo	da	 Igreja,	 a	 cujo	 serviço	 se	encontra,	pois	ele	
foi	admitido	com	esta	condição.	Mas,	como	erudito,	tem	plena	
liberdade	e	até	a	missão	de	participar	ao	público	todos	os	seus	
pensamentos	cuidadosamente	examinados	e	bem-intenciona-
dos	sobre	o	que	de	erróneo	há	naquele	símbolo,	e	as	propostas	
para	uma	melhor	regulamentação	das	matérias	que	respeitam	
à	religião	e	à	Igreja.	Nada	aqui	existe	que	possa	constituir	um	
peso	na	consciência.	Com	efeito,	o	que	ele	ensina	em	virtude	
da	sua	função,	como	ministro	da	Igreja,	expõe-no	como	algo	em	
relação	[487]	ao	qual	não	tem	o	livre	poder	de	ensinar	segun-
do	a	sua	opinião	própria,	mas	está	obrigado	a	expor	segundo	
a	prescrição	e	em	nome	de	outrem.	Dirá:	a	nossa	Igreja	ensina	
isto	ou	aquilo;	são	estes	os	argumentos	comprovativos	de	que	
ela	se	serve.	Em	seguida,	ele	extrai	toda	a	utilidade	prática	para	
a	 sua	 comunidade	de	preceitos	que	ele	próprio	não	 subscre-
veria	com	plena	convicção,	mas	a	cuja	exposição	se	pode,	no	
entanto,	comprometer,	porque	não	é	de	 todo	 impossível	que	
neles	resida	alguma	verdade	oculta.	De	qualquer	modo,	porém,	
não	deve	neles	 haver	 coisa	 alguma	que	 se	 oponha	 à	 religião	
interior,	pois	se	julgasse	encontrar	aí	semelhante	contradição,	
então	não	poderia	em	consciência	desempenhar	o	seu	ministé-
rio;	teria	de	renunciar.	Por	conseguinte,	o	uso	que	um	professor	
contratado	faz	da	sua	razão	perante	a	sua	comunidadeé	apenas	
um	uso	privado,	porque	ela,	por	maior	que	seja,	é	sempre	ape-
nas	uma	assembleia	doméstica;	e	no	tocante	a	tal	uso,	ele	como	
sacerdote	não	é	livre	e	também	o	não	pode	ser,	porque	exerce	
uma	incumbência	alheia.	Em	contrapartida,	como	erudito	que,	
mediante	escritos,	fala	a	um	público	genuíno,	a	saber,	ao	mun-
do,	por	conseguinte,	o	clérigo,	no	uso	público	da	sua	razão,	goza	
de	uma	liberdade	ilimitada	de	se	servir	da	própria	razão	e	de	
falar	em	seu	nome	próprio.
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O	 avanço	 progressivo	 no	 esclarecimento	 é	 uma	 deter-
minação	original	da	natureza	humana	e	um	sagrado	direito	da	
humanidade.
A	pedra	de	toque	[489]	de	tudo	o	que	se	pode	decretar	como	
lei	sobre	um	povo	reside	na	pergunta:	poderia	um	povo	impor	
a	si	próprio	essa	lei?	Seria	decerto	possível,	na	expectativa,	por	
assim	dizer,	 de	 uma	 lei	melhor,	 por	 um	determinado	 e	 curto	
prazo,	 para	 introduzir	 uma	 certa	 ordem.	 Ao	 mesmo	 tempo,	
facultar-se-ia	a	 cada	 cidadão,	em	especial	 ao	 clérigo,	na	qua-
lidade	de	erudito,	 fazer	publicamente,	 isto	é,	 por	escritos,	 as	
suas	observações	 sobre	o	que	há	de	erróneo	nas	 instituições	
anteriores;	entretanto,	a	ordem	introduzida	continuaria	em	vi-
gência	até	que	o	discernimento	da	natureza	de	 tais	 coisas	 se	
tivesse	de	tal	modo	difundido	e	testado	publicamente	que	os	
cidadãos,	unindo	as	suas	vozes	(embora	não	todas),	poderiam	
apresentar	a	sua	proposta	diante	do	trono	a	fim	de	protegerem	
as	comunidades	que,	de	acordo	com	o	seu	conceito	do	melhor	
discernimento,	se	teriam	coadunado	numa	organização	religio-
sa	modificada,	sem	todavia	impedir	os	que	quisessem	ater-se	à	
antiga.	Mas	é	de	todo	interdito	coadunar-se	numa	constituição	
religiosa	pertinaz,	 por	ninguém	posta	publicamente	em	dúvi-
da,	mesmo	só	durante	o	tempo	de	vida	de	um	homem	e	deste	
modo	aniquilar,	por	assim	dizer,	um	período	de	tempo	no	pro-
gresso	da	humanidade	para	 o	melhor	 e	 torná-lo	 infecundo	 e	
prejudicial	para	a	posteridade.	Um	homem,	para	a	sua	pessoa,	
[490]	e	mesmo	então	só	por	algum	tempo,	pode,	no	que	 lhe	
incumbe	saber,	adiar	a	ilustração;	mas	renunciar	a	ela,	quer	seja	
para	si,	quer	ainda	mais	para	a	descendência,	significa	lesar	e	
calcar	aos	pés	o	sagrado	direito	da	humanidade.	O	que	não	é	
lícito	a	um	povo	decidir	em	relação	a	si	mesmo	menos	o	pode	
ainda	um	monarca	decidir	sobre	o	povo,	pois	a	sua	autorida-
de	legislativa	assenta	precisamente	no	facto	de	na	sua	vontade	
unificar	a	vontade	conjunta	do	povo.	Quando	ele	vê	que	toda	
a	melhoria	verdadeira	ou	presumida	coincide	com	a	ordem	ci-
vil,	pode	então	permitir	que	em	tudo	o	mais	os	seus	súbditos	
façam	por	si	mesmos	o	que	julguem	necessário	fazer	para	a	sal-
vação	da	sua	alma.	Não	é	isso	que	lhe	importa,	mas	compete-
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-lhe	obstar	a	que	alguém	impeça	à	força	outrem	de	trabalhar	
segundo	toda	a	sua	capacidade	na	determinação	e	fomento	da	
mesma	(KANT,	2015,	p.	5).
Considerações finais
Vimos	que	Kant,	ao	se	ocupar	do	fundamento	da	moral,	é	
levado	a	postular	outra	razão	distinta	da	razão	teórica	ou	espe-
culativa	(própria	do	conhecimento	científico),	razão	que	chamou	
de	 "razão	prática".	A	moralidade	não	decorreria	das	 regras	de	
um	código	de	conduta,	não	se	limitaria	em	agir	de	acordo	com	
normas.	Para	Kant,	regras	morais	se	identificam	facilmente	com	
causas	exteriores	à	razão.	São	do	domínio	das	leis	enquanto	con-
venções	sociais	e	do	Direito	positivo.	Variam	segundo	as	culturas	
e	épocas.
Não	são	os	hábitos	de	conduta	e	de	comportamento	que	
nos	levam	a	optar	pelo	cumprimento	do	dever	ou	decisões	con-
duzidas	pela	boa	vontade.	Em	outras	palavras,	não	são	a	trans-
missão	e	o	respeito	a	um	código	de	conduta	que	nos	levarão	a	
um	comportamento	moral.
Propõe,	 assim,	 uma	 moralidade	 autônoma,	 fundada	 na	
teoria	 dos	 imperativos	 categóricos	 essencialmente	 universais.	
Daí	o	nome	de	"universalismo	ético",	dado	à	posição	kantiana.	
Uma	moralidade	dependente	inteiramente	de	uma	razão	práti-
ca,	ou	seja,	independente	de	condicionamentos	externos,	sejam	
eles	históricos,	étnicos,	sociais	etc.
A	 razão	prática	 é	 a	 razão	que	 guia	 a	 ação.	 É	 uma	 forma	
pura	que	pode	ser	aplicada	a	qualquer	situação.	Tem	a	validade	
universal	das	leis	que	regem	a	natureza.	Assumida	como	algo	ab-
soluto,	não	pode	ser	exercida	sob	condições.	Sua	inteligibilidade	
pode	ser	alcançada,	porém	não	pela	razão	teórica.
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A	razão	prática	não	depende	de	nada,	a	não	ser	de	si	mes-
ma,	é	absolutamente	livre	e	nisso	é	o	contrário	da	natureza:	esta	
atua	segundo	leis;	a	razão	prática,	que	é	a	vontade	racional	hu-
mana,	"atua	segundo	a	ideia	de	lei",	ultrapassando	tudo	o	que	
seja	 sensível	 para	 ser	 ela	mesma.	 Causa	 incondicionada	 de	 si	
mesma,	é	a	manifestação	da	 "razão"	 como	 tal,	 em	 toda	a	 sua	
força	e	superioridade.
Embora	considere	as	leis	morais	semelhantes	às	leis	cien-
tíficas,	 porque,	 como	 estas,	 são	 igualmente	 universais	 e	 im-
pessoais	 (não	 se	 referem	 a	 pessoas,	 lugares	 ou	 épocas),	 Kant	
assinala	uma	diferença	essencial	entre	esses	dois	tipos	de	 leis:	
enquanto	o	conceito	científico	se	funda	em	uma	universalidade	
"mediata",	ou	seja,	é	construído	"mediante"	uma	generalização	
de	conteúdos	advindos	da	experiência	empírica,	a	máxima	em	
que	se	baseia	a	 lei	moral	não	decorre	de	nenhum	processo	de	
generalização,	não	contém	conteúdo	empírico,	mas	é	de	nature-
za	imediata.
Reencontramos	 aqui	 o	 que	 temos	 buscado	mostrar,	 por	
meio	do	pensamento	de	diferentes	filósofos,	a	presença	de	uma	
dimensão	ética	propriamente	dita,	não	passível	de	ser	trabalha-
da	à	luz	da	razão	especulativa	generalizante.	Um	saber	daquela	
"morada	 interior"	 singular	e	única,	e	nem	por	 isso	menos	uni-
versal,	provida	de	uma	inteligibilidade	pura,	isenta	de	conteúdos	
sensíveis,	saber	que	nos	põe	em	contato	com	uma	dimensão	hu-
mana	não	cognoscitiva,	mas	de	natureza	"valorizadora".
7. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Confira,	a	seguir,	as	questões	propostas	para	verificar	o	seu	
desempenho	no	estudo	desta	unidade:
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1)	 Com	base	no	trecho	de	Hume	a	seguir,	presente	em	sua	célebre	obra	in-
titulada	Tratado da natureza humana,	 redija	um	comentário,	procuran-
do	sinalizar	em	que	medida	está	presente	na	reflexão	humeana	o	ético,	
"morada	interior",	e	o	moral,	"morada	exterior",	na	forma	como	estamos	
tentando	encontrar	essa	distinção	na	História	da	Filosofia.
2.	É	evidente	que,	quando	elogiamos	uma	determinada	ação,	
consideramos	apenas	os	motivos	que	a	produziram,	e	tomamos	
a	ação	como	signo	ou	indicador	de	certos	princípios	da	mente	
e	do	caráter.	A	realização	externa	não	tem	nenhum	mérito.	Te-
mos	de	olhar	para	o	interior	da	pessoa	para	encontrar	a	quali-
dade	moral.	Ora,	como	não	podemos	fazê-lo	diretamente,	fixa-
mos	nossa	atenção	na	ação,	como	signo	externo.	Mas	a	ação	é	
considerada	apenas	um	signo;	o	objeto	último	de	nosso	elogio	
e	aprovação	é	o	motivo	que	a	produziu.
3.	Do	mesmo	modo,	sempre	que	exigimos	que	uma	pessoa	re-
alize	uma	ação,	ou	a	 censuramos	por	não	 realizá-la,	 estamos	
supondo	que	 alguém	nessa	 situação	deveria	 ser	 influenciado	
pelo	motivo	próprio	dessa	ação,	e	consideramos	vicioso	que	o	
tenha	desconsiderado.	Se	após	 investigarmos	melhor	a	 situa-
ção,	 descobrimos	 que	 o	motivo	 virtuoso	 estava	 presente	 em	
seu	 coração,	 embora	 sua	 operação	 tenha	 sido	 impedida	 por	
alguma	 circunstância	 que	 nos	 era	 desconsiderada,	 retiramos	
nossa	censura	e	passamos	a	ter	pela	pessoa	a	mesma	estima	
que	teríamos	se	houvesse	de	fato	realizado	a	ação	que	dela	exi-
gíamos	(HUME,	2009,	Livro	III,	Parte	2,	Seção	1).
2)	 De	que	forma	Kant	une	a	vontade	livre	a	uma	causalidade	da	vontade?
a)	 Para	Kant,	a	causalidade	é	uma	propriedade	apenas	da	natureza,	em	
que	um	objeto	determina	o	outro	necessariamente.	Nesse	sentido,	a	
causalidade	da	vontade	determinaria	um	outro	objeto	a	agir

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