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SEGURANÇA PÚBLICA E TRÂNSITO AULA 1 Prof. Diego Nogueira 2 CONVERSA INICIAL O objetivo desta aula é apresentar a você o panorama histórico do trânsito e sua atual sistematização na legislação do país. A Constituição de 1988, extremamente analítica, define a competência para tratar do assunto e a Lei nacional n. 9.503, de 23 de setembro de 1997, apresenta os padrões de segurança, eficiência e fluidez do trânsito, além de estabelecer os órgãos de regulamentação e fiscalização destes elementos. São temas desta aula: 1. Histórico do trânsito; 2. O trânsito em nossa atual Constituição; 3. Introdução ao Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97); 4. Esferas administrativa, penal e cível; 5. Principais conceitos. TEMA 1 – HISTÓRICO DO TRÂNSITO Natural aos semoventes, o caminhar é o meio de locomoção mais antigo e rudimentar. O homem, ser habilidoso por excelência, inova para facilitar seus deslocamentos e sobrevivência no meio natural. Desde o início da história do homem, os veículos têm auxiliado no transporte de alimentos, pertences e do próprio ser. A invenção da roda impulsiona a trajetória de desenvolvimento tecnológico, contribuindo para acelerar o crescimento urbano, poupando energia e tempo daqueles que desfrutavam de seu auxílio. A prova mais antiga de seu uso data de cerca de 3.500 a.C. Uma placa de argila encontrada na cidade de Ur, na região da antiga Suméria, na Mesopotâmia (atual Iraque), mas é certo que sua utilização venha de períodos ainda mais remotos. Além dos meios de locomoção, a melhoria dos caminhos foi fundamental para as civilizações. A construção de estradas impulsionou o desenvolvimento de impérios, como o persa, o romano e o inca, pois os caminhos de pedras garantiram a expansão dos territórios, facilitando o sistema de comunicação, tributação, logística, e mobilização de tropas. Os romanos são considerados os grandes peritos da Antiguidade em construção de estradas de pedras, possuindo uma extensa rede de estradas e já apresentavam sinalizações, marcos quilométricos, indicadores de sentido e http://www.infoescola.com/historia/civilizacao-sumeria/ http://www.infoescola.com/historia/mesopotamia/ 3 as primeiras regulamentações de tráfego. Na Grécia Antiga surgem os primeiros relatos de congestionamentos. Reclamações sobre a largura insuficiente das ruas para o número de pessoas e veículos eram frequentes. O vapor, a eletricidade e as máquinas de combustão iniciam um novo ciclo. E até o fim do século XIX, as estradas que mais se desenvolveram no mundo foram às estradas de ferro. O surgimento do primeiro carro a motor foi inventado pelo francês Nicholas-Joseph Cugnot, em 1769. O veículo se deslocava a uma velocidade de 4 km/h e nesse mesmo ano, acontece o primeiro acidente automobilístico registrado. O próprio inventor perdeu o controle da direção ao tentar fazer uma curva e, por não ter freio, destruiu um muro no pátio de manobras no Quartel Real de Vicenes, na França. O primeiro registro de acidente fatal no trânsito acontece em 1869 no Condado de Offaly na Irlanda. A vítima foi arremessada e atropelada pelo próprio veículo a uma velocidade aproximada de 6 km/h A Inglaterra registra em 1836 a primeira lei de trânsito para automóvel, conhecida popularmente como a lei da “Bandeira Vermelha”. Ela limitava em 10 km/h a velocidade máxima e obrigava que um homem precedesse o veículo com uma bandeira vermelha soprando uma corneta para alertar os pedestres, sendo suprimida apenas em 1896 Além de leis, surgem meios para sinalizar e disciplinar o uso das vias. O primeiro semáforo também nasce no berço da Revolução Industrial, em 1868, um dispositivo com luzes coloridas que funcionava a gás para controle do tráfego noturno. O sinal de três cores que temos hoje foi inventado e instalado pelo policial William Potts, em 1920, em Detroit. A produção em larga escala idealizada por Henry Ford populariza os automóveis, barateando-os. No Brasil, o primeiro carro, um Peugeot, foi trazido de Paris para São Paulo por Henrique Santos Dumont em 1891. Já o primeiro acidente automobilístico aconteceu em 1897, no Rio de Janeiro. Olavo Bilac, não habilitado, bateu em uma árvore na Estrada Velha da Tijuca Segundo Pires (1998, p.282), a Postura Municipal do Rio de Janeiro, nº 858, de 15 de abril de 1902, estabeleceu que a velocidade do automóvel na zona urbana do Distrito Federal não podia ser superior a 10 km/h. (PERKONS, S.d.). O presidente Nilo Peçanha, em 1910, edita o Decreto n. 8.324/1910, demonstrando a preocupação com a segurança de trânsito, exigindo fiscalização do veículo e o uso do sistema de freios pelo condutor como forma de se evitar acidentes (Pires, 1998, p. 282). O Decreto Legislativo n. 18.323/1928, aparece como a primeira sistematização sobre o tema, com 93 artigos, dispondo sobre sinalização, segurança e policiamento das estradas. A referida regulamentação perdurou até a edição do 4 primeiro Código de Trânsito do Brasil, o Decreto-Lei nº 3.671 de 25 de setembro de 1941, substituído pela Lei n º 5.108 de 21 de setembro de 1966. E, hoje, encontra-se em vigor, o Código de Trânsito Brasileiro instituído pela Lei nº 9.503 de 23 de setembro de 1997. (PERKONS, S.d.). Conforme dados do Departamento Nacional de Trânsito (2016), “o país conta com uma frota de mais de 51 milhões de automóveis, 20 milhões de motocicletas, 2 milhões de caminhões e 600 mil ônibus”. O Ministério da Saúde informa que no ano de 2015 tivemos 37.306 óbitos e mais de 204 mil feridos hospitalizados no Brasil. A temática, portanto, afeta diariamente a saúde e a segurança pública, sendo regrada pela legislação nacional. TEMA 2 – O TRÂNSITO EM NOSSA ATUAL CONSTITUIÇÃO A Constituição escrita é um documento próprio da Era Moderna, e como expressa Konrad Hesse, possui força normativa, implicando em prescrições. Há condicionamento entre o que está escrito nesta carta e a realidade político- social. Seus destinatários devem ter consciência da necessidade e do valor de uma ordem normativa perene, mas em constante processo de legitimação (Chueiri, 2012, p. 12-13). Contemporaneamente contém, além de regras que regulam o funcionamento e organização do Estado, princípios e políticas públicas1 (normas programáticas). Nossa carta promulgada em 1988 é extremamente analítica, preocupando-se em atender os reclames democráticos, detalha conteúdos amplos, inclusive ditando ações de governo (Chueiri, 2012, p. 13). O tema trânsito, por exemplo, está previsto em nossa Constituição vigente. Em seu art. 22, inciso XI, há a previsão de que a competência legislativa sobre trânsito e transporte é privativa da União. Pode, portanto, ser delegada aos Estados membros, por lei complementar e de forma equânime. 1 O conceito de políticas públicas, aqui utilizado, foi extraído do Dicionário de Políticas Públicas organizado pela Universidade do Estado de Minas Gerais (2012). “São decisões que envolvem questões de ordem pública com abrangência ampla e que visam à satisfação do interesse de uma coletividade. Podem também ser compreendidas como estratégias de atuação pública, estruturadas por meio de um processo decisório composto de variáveis complexas que impactam na realidade. São de responsabilidade da autoridade formal legalmente constituída para promovê-las, mas tal encargo vem sendo cada vez mais compartilhado com a sociedade civil por meio do desenvolvimento de variados mecanismos de participação no processo decisório”, definição de Antônio Eduardo de Noronha Amabile. 5 Já estabelecer e implantar as políticas de educação para a segurança do trânsito é definido como competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 23, inciso XII). A polícia rodoviária federal é um dos órgãos desegurança pública e possui sua competência prevista expressamente na Constituição, no art. 144, parágrafo 2º, qual seja, o patrulhamento ostensivo das rodovias federais. O parágrafo 10 do mesmo dispositivo, acrescentado pela Emenda nº 82 de 2014, evidencia que a segurança viária preocupou o constituinte reformador. A regra constitucional expressa que a educação, engenharia e fiscalização de trânsito devem ser exercidas para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas. É o que se traduz no princípio da mobilidade urbana eficiente. TEMA 3 – INTRODUÇÃO AO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO (LEI Nº 9.503/97) A Lei Nacional n. 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), tem como principal objetivo regrar os três grandes elementos de risco no trânsito: o homem (condutor ou pedestre), o veículo e a via. O código estabelece que “o trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito” (art. 1º, parágrafo 2º, CTB). Conforme definição do próprio código, “considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga” (parágrafo 1º). A aplicabilidade da legislação especial é para o trânsito em vias terrestres do território nacional (superfícies por onde se transita, compreendendo a pista, a calçada, o acostamento, ilha e canteiro central, conforme Anexo I do CTB), abertas à circulação, portanto, públicas (art. 1º, caput). As vias terrestres, que podem classificadas em urbanas e rurais, são as ruas, as avenidas, os logradouros, os caminhos, as passagens, as estradas e as rodovias (art. 2º, CTB). O parágrafo único do art. 2º do CTB amplia a 6 aplicabilidade, considerando também vias terrestres pela legislação (1) as praias abertas à circulação pública, (2) as vias internas pertencentes aos condomínios constituídos por unidades autônomas e (3) as vias e áreas de estacionamento de estabelecimentos privados de uso coletivo (incluído pela Lei n. 13.146/2015). Importante esclarecer que a fiscalização de trânsito, no âmbito da competência do órgão de trânsito do município, será limitada, tão somente, à verificação da utilização das vagas especiais de estacionamento. TEMA 4 – ESFERAS ADMINISTRATIVA, PENAL E CÍVEL A Lei n. 9.503/1997 (CTB) possui característica híbrida. Seus dispositivos tratam de temas referentes ao Direito Administrativo, como infrações administrativas de trânsito, licença para conduzir veículo, competência das autoridades e agentes de trânsito, como também de legislação penal especial, quando estipula crimes de trânsito (capítulo XIX). A separação entre dispositivos de repreensão administrativos ou penais estão afetos ao interesse da sociedade e Estado. Quanto maior ou menor o grau de ofensa à moralidade de determinado corpo social teremos o enquadramento como ilícito administrativo ou penal. O ilícito administrativo resulta da falta de observância e cooperação com a atividade administrativa do Estado. Subsidiariamente, a proteção dos bens jurídicos mais valiosos é resguardada pela sociedade pelo Direito Penal. Cada organização social possui sua hierarquia de valores e os ramos do direito operam em escalas para solucionar as rupturas da ordem social. Quando outros ramos do direito (administrativo, civil etc.) não são suficientes para tutelar os bens jurídicos mais fundamentais (vida, liberdade, entre outros garantidos pela Constituição), o legislador criminaliza a conduta humana. O Estado, por exemplo, impõe como necessária para a condução de veículo automotor a Permissão para Dirigir ou Habilitação. A ausência deste pressuposto, mesmo que a pessoa efetivamente saiba dirigir, implica na penalidade administrativa. Porém, para que haja crime, além da não observância da exigência estatal de ter a licença, há necessidade de que o condutor esteja “gerando perigo de dano” ao patrimônio ou à integridade física de alguém, como dirigindo em zigue-zague, frenando bruscamente etc. 7 A conduta humana pode ser enquadrada ao mesmo tempo, portanto, como ilícito penal, administrativo e civil. No mesmo exemplo acima, o condutor inabilitado que causa um acidente com danos materiais poderá responder pelo crime previsto no art. 309 do CTB, ser autuado administrativamente pelo agente da autoridade de trânsito pelo art. 162, inciso I, do CTB, e ainda ter que arcar com o ressarcimento pecuniário do acidente (arts. 186 e 927 do Código Civil). TEMA 5 – PRINCIPAIS CONCEITOS O Anexo I do CTB traz um rol de expressões utilizadas pela legislação. Conhecer o significado desta linguagem é importante para o processo de aprendizagem e qualificação do debate. As diferenças entre patrulhamento e policiamento de trânsito, autoridade e agente de trânsito, passagem e ultrapassagem podem ser esclarecidas pela leitura deste glossário, facilitando o entendimento das próximas aulas. Exemplo de conceitos (Anexo I, CTB): Agente da autoridade de trânsito – pessoa, civil ou policial militar, credenciada pela autoridade de trânsito para o exercício das atividades de fiscalização, operação, policiamento ostensivo de trânsito ou patrulhamento. Autoridade de trânsito – dirigente máximo de órgão ou entidade executivo integrante do Sistema Nacional de Trânsito ou pessoa por ele expressamente credenciada. Esses conceitos extraídos do Anexo I do CTB serão imprescindíveis para o estudo da aplicação de penalidade (Art. 256) e adoção de medidas administrativas (Art. 269) do CTB. NA PRÁTICA O CTB vigente aplica-se às vias terrestres abertas à circulação. Em ambientes privados não abertos à coletividade não têm atualmente abrangência. Administrativamente o Estado não pode exigir a prévia habilitação para direção de veículo automotor, como trator, em um caminho de uma fazenda privada, por exemplo. Civil e trânsito. Trator. Condução. Habilitação. Necessidade. Limites. (...) 1. Para a condução de tratores em via pública, o art. 144 do CTB exige habilitação em categorias especiais, destinadas a veículos com maior capacidade de carga ou de lotação. 2. A ressalva, no entanto, vale apenas para a condução de tratores em vias públicas, nada 8 dispondo o CTB acerca da operação desses veículos em áreas privadas. (...)” (STJ, Resp 1248760, ministra Nancy Andrighi, DJe 23.09.2011). FINALIZANDO Nesta aula tivemos um breve contato com o histórico da legislação de trânsito e sua atual previsão no ordenamento normativo brasileiro. Vimos, também, que as condutas humanas de um condutor são regradas especialmente pelo Código de Transito Brasileiro e podem ter consequências na esfera penal, administrativa e cível. http://www.jusbrasil.com/legislacao/1027029/c%C3%B3digo-de-tr%C3%A2nsito-brasileiro-lei-9503-97 9 REFERÊNCIAS ARAUJO, J. M. de. Código de trânsito brasileiro: anotado e comentado. São Paulo: Letras Jurídicas, 2016. BAIL, O. Policiamento de trânsito urbano e rodoviário. São José dos Pinhais: APMG, 2012. CHUEIRI, V. K. de. Fundamentos de direito constitucional. Curitiba: IESDE, 2012. NOGUEIRA, D. Embriaguez versus direção. Curitiba: AVM, 2009. PERKONS. Breve história do trânsito. Trânsito ideal. Disponível em <http://www.transitoideal.com/pt/artigo/4/educador/66/breve-historia-do- transito>. Acesso em: 24 out. 2017. PIRES, A. de C. Crimes de trânsito na Lei nº 9.503/97. Belo Horizonte: Del Rey, 1998.
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