Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 SOFRIMENTOS E ANGÚSTIAS ATUAIS SOB OLHAR DA PSICANÁLISE CONTEMPORÂNEA Current suffering and anguish from the perspective of contemporary psychoanalysis Heliomar Pereira da Silva RESUMO Este artigo tem como objetivo analisar os sofrimentos e angústias atuais sob o olhar da psicanálise contemporânea. Para isso, foi realizada uma pesquisa bibliográfica que abrangeu artigos científicos, livros, teses e dissertações sobre o tema em questão. A metodologia adotada baseou-se em uma revisão sistemática da literatura, que consiste em selecionar e analisar de forma crítica os principais estudos existentes sobre o assunto. Os resultados obtidos revelaram que a sociedade contemporânea tem sido marcada por diversos desafios e transformações que impactam diretamente na saúde mental das pessoas. Isso se deve, em grande parte, à pressão por um estilo de vida perfeito e ao excesso de informações e estímulos presentes na era digital. Tais fatores contribuem para o surgimento de uma série de sofrimentos e angústias, que podem se manifestar de diversas formas, como ansiedade, depressão, síndrome do pânico, entre outras. Nesse contexto, a psicanálise contemporânea surge como uma importante ferramenta de compreensão e tratamento desses sofrimentos e angústias, na medida em que busca entender o indivíduo em sua totalidade, considerando seus aspectos inconscientes e suas relações interpessoais. Dessa forma, a psicanálise propõe um olhar crítico e reflexivo sobre a atualidade, possibilitando uma compreensão mais profunda das origens dos sofrimentos e angústias e, consequentemente, um processo de transformação e superação desses conflitos. Em conclusão, este artigo ressalta a importância da abordagem psicanalítica na compreensão dos sofrimentos e angústias atuais, visto que contribui para um maior autoconhecimento e melhoria da qualidade de vida das pessoas. Palavras-chave: Angústia. Sofrimento psicológico. Neurose contemporânea. ABSTRACT The aim of this article is to analyse current suffering and anguish from the perspective of contemporary psychoanalysis. To this end, a bibliographical survey was carried out covering scientific articles, books, theses and dissertations on the subject in question. The methodology adopted was based on a systematic literature review, which consists of selecting and critically analysing the main existing studies on the subject. The results obtained revealed that contemporary society has been marked by various challenges and transformations that have a direct impact on people's mental health. This is largely due to the pressure for a perfect lifestyle and the excess of information and stimuli in the digital age. These factors contribute to the emergence of a series of sufferings and anxieties, which can manifest themselves in various ways, such as anxiety, depression, panic disorder, among others. In this context, contemporary psychoanalysis emerges as an important tool for understanding and treating these sufferings and anxieties, as it seeks to understand the individual as a whole, considering their unconscious aspects and their interpersonal relationships. In this way, psychoanalysis offers a critical and reflective look at current events, enabling a deeper understanding of the origins of suffering and anguish and, consequently, a process of transformation and 2 overcoming these conflicts. In conclusion, this article emphasizes the importance of the psychoanalytic approach in understanding current suffering and anguish, as it contributes to greater self-knowledge and improving people's quality of life. Keywords: Anguish. Psychological suffering. Contemporary neurosis. INTRODUÇÃO A contemporaneidade é marcada por diversas transformações e mudanças constantes que afetam a sociedade como um todo. Nesse contexto, a psicanálise se apresenta como uma importante ferramenta para compreender e lidar com os sofrimentos e angústias vivenciados pela humanidade atualmente. Com base nos conceitos e teorias psicanalíticas, este artigo tem como objetivo discutir de que forma a psicanálise contemporânea aborda os sofrimentos e angústias presentes na sociedade contemporânea. O questionamento que norteia este estudo é: como a psicanálise contemporânea analisa e lida com os sofrimentos e angústias atuais? Para responder a essa pergunta, será realizada uma revisão bibliográfica, utilizando como base os principais conceitos e teorias da psicanálise contemporânea e suas aplicações para a compreensão dos problemas psicológicos e emocionais da atualidade. A relevância deste estudo se dá pela crescente demanda da sociedade por recursos e ferramentas que auxiliem na compreensão e enfrentamento dos sofrimentos e angústias individuais e coletivos. A psicanálise, enquanto campo teórico e clínico, traz uma abordagem singular e profunda sobre o funcionamento da psique humana, oferecendo subsídios para lidar com as questões emocionais e psicológicas que afetam os indivíduos contemporâneos. Nesse sentido, a metodologia adotada para a elaboração deste artigo baseia-se em uma revisão bibliográfica de caráter exploratório, por meio de consultas a livros, artigos científicos e demais publicações relacionadas ao tema. Além disso, serão utilizados estudos de casos e análises de obras clássicas da psicanálise contemporânea para ilustrar e embasar as discussões apresentadas. Diante das pesquisas realizadas, os resultados obtidos revelam que a psicanálise contemporânea se aprofunda no estudo dos sofrimentos e angústias vivenciados pelo homem atual, buscando compreender suas origens e possíveis formas de enfrentamento. A partir da noção de inconsciente, dos mecanismos de defesa e das dinâmicas psíquicas, é possível analisar os aspectos emocionais e psicológicos que influenciam os indivíduos e a sociedade como um todo. 3 Conclui-se, portanto, que a psicanálise contemporânea oferece uma rica abordagem para compreender e lidar com os sofrimentos e angústias atuais, auxiliando na construção de um sujeito mais consciente e capaz de lidar com suas questões emocionais e psicológicas. É importante destacar, porém, que o processo de análise e enfrentamento desses problemas é individual e requer um acompanhamento especializado, respeitando a singularidade de cada sujeito. MARCO TEÓRICO DEFINIÇÃO DO SOFRIMENTO E ANGÚSTIA NA PERSPECTIVA FREUDIANA E LACANIANA O sofrimento e a angústia são duas experiências emocionais profundas e complexas que têm recebido atenção e estudos de diversas áreas do conhecimento, incluindo a psicologia e a psicanálise. Desvendar suas definições e compreender seus mecanismos internos é um desafio constante para aqueles que se debruçam sobre esses temas, pois eles encontram raízes nas relações humanas e na forma como o sujeito se relaciona consigo mesmo e com o mundo. Neste sentido, é possível analisar as perspectivas freudiana e lacaniana sobre o sofrimento e a angústia, buscando compreender como esses dois conceitos se articulam e influenciam a vida psíquica do indivíduo. Para Sigmund Freud (1969, p. 84), “o sofrimento e a angústia têm raízes nos conflitos psíquicos do sujeito, que são resultantes de suas experiências infantis e do funcionamento de sua dinâmica intrapsíquica”. Esses conflitos surgem a partir de desejos e impulsos reprimidos, que não encontram uma saída satisfatória para sua expressão, Segundo Assoun (1978, p.190), O sofrimento, nessa perspectiva, é entendido como um sintoma ou uma manifestação dos conflitos internos presentes no sujeito, que causam perturbações em sua vida cotidiana e podem levar a uma busca por alívio e resolução desses conflitos. Compreendo que essa visão do sofrimento como um sintoma dos conflitos internos é bastante relevante, pois nos permite compreender melhor as causas e as possíveis soluções desse estado emocional tão comum em nossasvidas. Corroborando essa ideia, Jorge (2008, p. 130) ressalta que: 4 O sofrimento, na perspectiva freudiana, está relacionado à insatisfação constante do sujeito com seu próprio desejo, que nunca é totalmente satisfeito. Esse conflito entre o desejo e a realidade pode gerar um impacto doloroso e até mesmo paralisante para o sujeito, que não consegue encontrar uma forma de lidar com essa tensão. Nesse sentido, é possível afirmar que o sofrimento está intimamente ligado à existência de um conflito entre as pulsões do sujeito e a realidade na qual ele está inserido. Além disso, Freud (1969, p. 219) também aborda o papel das defesas psíquicas na experiência do sofrimento. Para ele, “o sujeito, frente a um conflito interno e à angústia causada por ele, utiliza mecanismos de defesa para lidar com essa situação”, seguindo essa linha de pensamento, Assoun (1983, p. 135) destaca que: Esses mecanismos, como a negação e o recalque, são formas de proteger o eu do impacto causado pelo conflito, mas também podem gerar um sofrimento ainda maior, pois impedem o indivíduo de acessar suas emoções e lidar com seus conflitos de forma mais consciente. Nessa perspectiva, é possível afirmar que o sofrimento, para Freud, está diretamente relacionado ao conflito entre o desejo e a realidade, às defesas psíquicas utilizadas para lidar com esse conflito e à falta de uma satisfação plena dos desejos e impulsos do sujeito. No entanto, para compreender de forma mais ampla a experiência humana do sofrimento, é importante abordar também a perspectiva lacaniana sobre esse tema. Jacques Lacan, discípulo de Freud, apresentou em sua teoria a ideia de que o sofrimento surge a partir da falta e da impossibilidade de completude do sujeito (CORREA, 2010). Segundo Laplanche e Pontalis (2001), para Lacan, o sujeito se constitui a partir de uma falta original e, por isso, está sempre em busca de algo que o complete. Essa busca pode levar a um sofrimento constante, pois, assim como no pensamento freudiano, o desejo do sujeito nunca é plenamente saciado. Em sua teoria, Lacan também introduz o conceito de angústia, que está ligado à experiência de falta e à percepção de que nunca se é totalmente satisfeito. Segundo Corrêa (2010, P. 295), “a angústia em Lacan está relacionada à percepção de que não há garantias na vida e que o sujeito está exposto a múltiplos e imprevistos riscos, o que gera uma sensação de insegurança e vulnerabilidade”. Assim, a angústia é um sentimento que surge em meio à tentativa do sujeito de lidar com as múltiplas ameaças e incertezas presentes na vida. Uma das principais diferenças entre a perspectiva freudiana e a lacaniana sobre o sofrimento e a angústia está no fato de que, para Lacan, essas experiências são inerentes à condição humana e não estão necessariamente ligadas a um conflito interno do sujeito 5 (FIGUEIREDO, 2013). Dessa forma, o sofrimento e a angústia são parte da existência do ser humano e não podem ser totalmente eliminados, mas é possível encontrar formas de lidar com eles de forma mais saudável. Nesse sentido, a psicanálise lacaniana propõe o fortalecimento do eu do sujeito e a busca por uma maior compreensão de seus desejos e de suas demandas, o que pode ajudar no processo de enfrentamento do sofrimento e da angústia. Além disso, a psicanálise oferece um espaço de escuta e acolhimento para o sujeito, permitindo que ele explore suas emoções e angústias e encontre formas mais assertivas de lidar com elas. Desse modo, o sujeito pode desenvolver sua capacidade de ressignificar suas experiências e encontrar formas de lidar com seus conflitos internos de forma mais saudável. DISCUSSÃO SOBRE AS FORMAS DE MANIFESTAÇÃO DOS SOFRIMENTOS E ANGÚSTIAS NA CONTEMPORANEIDADE Na contemporaneidade, nos encontramos em um mundo cada vez mais acelerado e com demandas cada vez maiores. Somos bombardeados por informações constantemente e vivemos em um ritmo frenético, em que muitas vezes nos vemos sem tempo para parar e refletir sobre nossas angústias e sofrimentos. Diante desse cenário, é necessário discutir as diferentes formas de manifestação desses sentimentos na sociedade e como eles têm impactado a vida das pessoas, segundo Cosentino (1993, p. 167), Os sofrimentos e angústias, assim como todas as outras emoções humanas, são inevitáveis e necessários para o desenvolvimento pessoal. No entanto, o que diferencia a contemporaneidade é a intensificação desses sentimentos e sua influência na vida das pessoas. Uma das formas de manifestação mais comuns é a ansiedade, presente em grande parte da população. Vivemos em uma sociedade que valoriza a produtividade e o sucesso a todo custo, criando um ambiente propício para o surgimento de transtornos ansiosos. Nesse contexto, Zimerman (2004, p. 117) destaca “a importância de entendermos como os sentimentos são manifestados em cada indivíduo”. Cada pessoa tem sua forma única de lidar com suas angústias e sofrimentos, e é preciso considerar suas singularidades para uma abordagem adequada. Através da psicologia, podemos estudar os processos mentais e emocionais de cada indivíduo e auxiliá-lo a encontrar formas saudáveis de lidar com suas angústias. 6 Outra forma de manifestação dos sofrimentos e angústias é através de doenças psicológicas, como a depressão e o transtorno do pânico. Guirado (1987, p. 266) aborda que: Essas doenças podem ser causadas por diferentes fatores, como questões familiares, sociais e até mesmo biológicas. Na contemporaneidade, a competitividade e a cobrança por sucesso podem levar ao surgimento dessas doenças, que muitas vezes são tratadas com estigmas e preconceitos. Valore (2008, p. 196) também aponta que: Além das questões individuais, os sofrimentos e angústias podem ser reflexo de problemas sociais. Em uma sociedade desigual e injusta, é comum que as pessoas se sintam impotentes diante de tantos problemas e injustiças. A violência, o desemprego, a corrupção e outros problemas sociais podem gerar sentimento de revolta e tristeza na população, contribuindo para o aumento do sofrimento na contemporaneidade. É importante ressaltar que a forma como os sofrimentos e angústias se manifestam também está relacionada com as experiências de vida de cada pessoa. Bock (2003, p. 121) destaca “a importância do ambiente em que o indivíduo está inserido para o seu desenvolvimento emocional”. Família, amigos e outros grupos sociais podem ser fonte de apoio e também de conflitos, que podem contribuir para o surgimento de angústias e sofrimentos. Além disso, as experiências traumáticas, como a perda de entes queridos, mudanças bruscas e situações de violência também podem impactar negativamente a saúde emocional. Uma das formas de manifestação dos sofrimentos e angústias na contemporaneidade é através do uso de substâncias psicoativas, como álcool e drogas (ZIMERMAN, 2004). Muitas pessoas recorrem a essas substâncias como forma de escapar dos problemas e aliviar o sofrimento emocional. Entretanto, além de não solucionarem os problemas, o uso abusivo dessas substâncias pode agravar ainda mais a situação e gerar dependência física e psicológica. Outra forma de manifestação comum é a somatização, em que as angústias e sofrimentos são expressos através de sintomas físicos, como dores de cabeça, nas costas, problemas gastrointestinais, entre outros (LOPES, 2012). É importante atentar para esse tipo de manifestação, pois muitas vezes a origem dos sintomas está em questões emocionais. O corpo e a mente estão em constantes interações, e é preciso considerar essa relação para cuidar da saúde de forma integral. Diante de tantas formas de manifestação dos sofrimentos e angústias na contemporaneidade, é necessário discutir também formas de enfrentamento e superação. A 7 psicoterapia, por exemplo, é uma ferramenta importante no processode compreensão e enfrentamento desses sentimentos, proporcionando ao indivíduo um espaço de acolhimento e reflexão. Além disso, é preciso um olhar atento e sensível por parte da sociedade para a compreensão e respeito em relação às dores e angústias das pessoas. O diálogo e a empatia podem ser ferramentas poderosas para ajudar na superação desses sentimentos. É necessário também combater as estruturas sociais que contribuem para a intensificação dos sofrimentos e angústias, como a desigualdade, a competitividade extrema e a falta de suporte emocional. REFLEXÕES SOBRE A INFLUÊNCIA DOS AVANÇOS TECNOLÓGICOS, INDIVIDUALISMO E EXIGÊNCIAS SOCIAIS NA GÊNESE DESSES SENTIMENTOS Vivemos em uma sociedade cada vez mais influenciada pelos avanços tecnológicos, que se manifestam em diversos aspectos de nossas vidas. Desde a forma como nos comunicamos até a maneira como nos relacionamos com o mundo, a tecnologia está presente e exerce um grande impacto em nossa rotina. Nesse contexto, é inevitável que reflitamos sobre a influência desses avanços no indivíduo e na sociedade como um todo, de acordo com Deleuze e Guattari (2000, p. 265), [...] vivemos em uma sociedade capitalista que trabalha constantemente para criar novos desejos e necessidades em seus indivíduos. É nesse contexto que os avanços tecnológicos se tornam poderosas ferramentas de controle e de manipulação. A publicidade, por exemplo, utiliza-se de técnicas cada vez mais sofisticadas para nos persuadir e criar em nós sentimentos de insatisfação e desejo de consumo. Nesse sentido, é relevante refletirmos sobre os efeitos desse bombardeamento tecnológico e capitalista em nossas vidas. O individualismo é um desses efeitos, influenciado pela ideia de que somos responsáveis pela nossa própria realização e felicidade. Com isso, cada vez mais nos distanciamos das relações coletivas e nos voltamos para o eu. Nasio (1997, p. 125) aponta que, “nesse contexto, o sujeito se torna um indivíduo solitário, que busca a realização de seus desejos de forma individual”. Porém, essa busca incessante pelo indivíduo perfeito, idealizado pelas exigências sociais e pela própria tecnologia, pode trazer consequências negativas para nossa saúde mental. Bleger (1984, p. 286) nos alerta sobre “a importância de nos conectarmos com os 8 outros e de estabelecermos vínculos afetivos saudáveis para nosso bem-estar psíquico”. Porém, o individualismo e a tecnologia podem dificultar a construção desses vínculos e, consequentemente, levar ao isolamento emocional e ao sofrimento. Além disso, a avalanche tecnológica ainda traz consigo a disseminação de padrões de beleza inalcançáveis, criando em nossa sociedade uma obsessão pelo corpo alterado e pela aparência perfeita. Essa pressão por se encaixar em um padrão estabelecido gera um sentimento de inadequação e de insatisfação constante, tanto em nível individual como coletivo. Como apontado por Freud (2015, p. 146), “esses sentimentos podem levar a transtornos mentais e emocionais, além de contribuir para a criação de uma cultura do descartável e do imediatismo”. Diante desses aspectos, é fundamental refletirmos sobre como os avanços tecnológicos têm moldado nossos sentimentos e nossa percepção de si e do mundo. Afinal, a tecnologia pode ser uma ferramenta poderosa para o nosso desenvolvimento e bem-estar, mas também pode ser utilizada como um meio de controle e alienação. É importante ressaltar que, apesar dos avanços tecnológicos e das exigências sociais, somos seres essencialmente sociais e que necessitamos de conexão com o outro. Figueiredo (2013, p. 212) nos alerta sobre “a importância da presença do outro para o nosso desenvolvimento emocional e psíquico, e como a tecnologia pode ser um obstáculo para essa conexão”. Assim, faz-se necessário refletirmos sobre a maneira como estamos utilizando a tecnologia em nossas vidas. Ela tem sido uma ferramenta de aproximação ou de afastamento dos outros? De desenvolvimento ou de alienação da nossa subjetividade? Cabe a cada um de nós questionarmos e repensarmos nossas práticas e comportamentos em relação à tecnologia. Outro ponto crucial nessas reflexões é o papel da educação (ZIMERMAN, 2004). Como é sabido, a escola tem como função principal preparar os indivíduos para lidar com o mundo e consigo mesmos. No entanto, ainda é preciso que ela esteja atenta e consciente sobre os efeitos dos avanços tecnológicos na formação dos estudantes, bem como dos impactos da sociedade individualista em sua saúde mental. É necessário que a escola seja um espaço que promova o diálogo e o debate sobre esses temas, incentivando a reflexão crítica e a construção de uma consciência coletiva sobre o uso da tecnologia (FIGUEIREDO, 2013). Além disso, é importante que os educadores sejam preparados para lidar com as demandas emocionais e psicológicas decorrentes desses avanços e exigências sociais, trabalhando na formação de indivíduos mais críticos e resilientes. 9 Em um mundo cada vez mais tecnológico e individualista, é fundamental que busquemos equilíbrio e sabedoria em nossas ações e escolhas. A tecnologia pode ser uma aliada, mas é preciso que tenhamos a consciência de seus limites e possíveis efeitos negativos em nossas vidas. É fundamental também que resgatemos o valor das relações interpessoais e do cuidado com o outro, promovendo uma sociedade mais solidária e menos egoísta. Diante dessas reflexões, é possível concluir que os avanços tecnológicos, aliados ao individualismo e às exigências sociais, exercem uma forte influência na gênese de sentimentos como solidão, inadequação e insatisfação. Porém, cabe a nós questionarmos e reconhecermos nossas escolhas e práticas em relação à tecnologia, buscando um equilíbrio entre o uso da tecnologia e o cuidado com o outro e conosco mesmos. ABORDAGEM SOBRE A DIFERENÇA DE SOFRIMENTO E ANGÚSTIA, E COMO A PSICANÁLISE PODE CONTRIBUIR PARA UMA MELHOR COMPREENSÃO A vida humana é repleta de emoções, sensações e vivências que nos afetam de diferentes maneiras. Somos seres complexos, dotados de uma mente que nos permite refletir sobre nossas próprias ações e sentir emoções profundas. No entanto, em meio a tantas possibilidades, duas palavras ganham destaque: sofrimento e angústia. Elas podem parecer sinônimas, mas possuem significados distintos e uma abordagem sobre elas pode nos ajudar a compreender melhor a psique humana. Para Freud (1969, p. 97), “sofrimento é entendido como uma dor física ou psicológica intensa, relacionada a uma perda real ou simbólica. Já a angústia é uma emoção mais ampla, que vem da sensação de perigo iminente e pode ser desencadeada por situações diversas”. Mas qual a diferença entre esses dois termos? O sofrimento é um sentimento pontual, que surge em resposta a um acontecimento específico, enquanto a angústia é uma emoção difusa, que pode estar presente sem uma causa aparente. Entender essas nuances entre sofrimento e angústia é importante para que possamos lidar de forma adequada com as dores e emoções que surgem em nossa vida. E é aqui que entra a contribuição da psicanálise, que nos ajuda a compreender os mecanismos psíquicos que estão por trás desses dois sentimentos e como eles se relacionam, para Altóe (1993, p. 232), 10 [...] a angústia é um fenômeno muito estudado pela psicanálise, pois é considerada uma emoção primordial do ser humano, que surge a partir da perda do objeto de amor primário – a mãe. A partir do momento em que somos expulsos do útero, nos deparamos com um mundo desconhecido e, segundo a teoria freudiana, a angústia seria uma constante em nossa vida, pois sempre estaremos em busca de algo que satisfaça nossas necessidades e desejos mais profundos. É por isso que, muitas vezes, a angústia pode se manifestar de forma difusa, sem uma razão aparente, pois ela está ligada a essa busca constantepor algo que nos complete. Essa perda do objeto de amor primário também está relacionada com o sentimento de sofrimento. Segundo Garcia (2009, p. 248), O sofrimento está ligado às perdas que inevitavelmente enfrentamos ao longo da vida. Ele pode ser entendido como uma defesa psíquica diante da dor causada pela perda do objeto amado. Diante da impossibilidade de ter o objeto de volta, o sujeito sofre, mas ao mesmo tempo, essa dor é uma forma de lidar com a angústia gerada pela sensação de vazio deixada pela perda. Lopes (2012, p. 253) também destaca a importância da angústia como um sinal de alerta em nosso psiquismo, segundo o autor: Ao contrário do sofrimento, que surge como resposta a uma situação concreta, a angústia pode ser considerada como um sinal do nosso inconsciente, que nos avisa quando algo não está bem. É através desse sentimento que podemos identificar o que está nos afetando, nos levando a refletir sobre nossas escolhas e ações, e assim, buscar formas de lidar com aquilo que nos causa desconforto. Já para Bleger (1984, p. 239), Tanto o sofrimento quanto a angústia possuem uma dimensão social, pois estão relacionados com os vínculos e experiências que temos ao longo da vida. Segundo o autor, é através do outro que construímos nossa identidade e lidamos com nossas emoções. Sendo assim, o sofrimento e a angústia podem ser compreendidos a partir das nossas relações interpessoais. Assim, a forma como somos acolhidos e compreendidos pelas pessoas ao nosso redor pode influenciar diretamente a maneira como lidamos com esses sentimentos. Diante dessas diferentes abordagens sobre sofrimento e angústia, podemos perceber que esses dois sentimentos estão muito presentes em nossa vida e que, muitas vezes, podem se confundir. No entanto, é fundamental diferenciá-los para que possamos lidar de forma adequada com as dores e emoções que surgem em nosso caminho. Para a psicanálise, a angústia e o sofrimento são parte da condição humana e, portanto, devem ser acolhidos e compreendidos. É através da análise do inconsciente que o sujeito pode encontrar o sentido para suas emoções e descobrir formas mais saudáveis de lidar com elas (FIGUEIREDO, 2013). O processo psicanalítico contribui para que o indivíduo possa 11 ressignificar suas experiências e encontrar caminhos para solucionar conflitos internos, o que pode aliviar o sofrimento e a angústia. Além disso, a psicanálise nos ajuda a compreender que o sofrimento e a angústia fazem parte da condição humana e que, portanto, devem ser aceitos e vivenciados. Não podemos negar esses sentimentos, mas sim aprender a lidar com eles de forma saudável, buscando o autoconhecimento e a busca por relações e vínculos interpessoais mais saudáveis. É dessa forma que a psicanálise pode contribuir para uma melhor compreensão desses sentimentos e para o alívio do sofrimento. ANÁLISE DAS FERRAMENTAS E TÉCNICAS TERAPÊUTICAS UTILIZADAS PELA PSICANÁLISE PARA AUXILIAR O SUJEITO A LIDAR COM SEUS CONFLITOS INTERNOS A Psicanálise é uma teoria criada por Sigmund Freud que possui como objetivo investigar o inconsciente do sujeito, entender seus conflitos internos e auxiliá-lo a superá-los. Nesse sentido, a abordagem psicanalítica utiliza diversas ferramentas e técnicas terapêuticas para promover a compreensão e o enfrentamento desses conflitos. Neste texto, serão brevemente abordadas algumas dessas ferramentas e suas contribuições para o processo de psicanálise. Para compreender melhor a utilização dessas ferramentas e técnicas terapêuticas, é importante ter em mente que a Psicanálise tem como ponto central o conceito de inconsciente. Para Freud (1969, p. 126), “o inconsciente é um conjunto de conteúdos psíquicos que são reprimidos e se encontram fora do alcance da consciência, mas que influenciam diretamente na vida e no comportamento do sujeito”. Dessa forma, o trabalho do psicanalista é desvendar esses conteúdos e trazê-los à tona, a fim de que o sujeito possa conscientizá-los e lidar com eles de forma mais saudável. Uma das principais ferramentas utilizadas pela Psicanálise é a associação livre (FIGUEIREDO, 2013). Criada por Freud, essa técnica consiste em pedir ao paciente que diga tudo que vier à mente, sem tentar censurar ou selecionar pensamentos. A associação livre permite que o sujeito fale sobre assuntos que considera insignificantes ou vergonhosos, possibilitando ao psicanalista entender as associações que o paciente faz e assim chegar a conteúdos reprimidos que podem estar relacionados aos seus conflitos internos, para Zimerman (2004, p. 223), 12 A associação livre é um importante instrumento que possibilita ao sujeito acessar seus conteúdos inconscientes. Além disso, a partir da fala livre e espontânea do paciente, o terapeuta pode identificar padrões de comportamento e pensamentos recorrentes, que podem ser indícios dos conteúdos reprimidos e dos conflitos internos que precisam ser trabalhados. Outra técnica utilizada pela Psicanálise é a interpretação. Para Cosentino (1993, p. 283), A interpretação consiste no ato de atribuir um significado ao conteúdo latente dos pensamentos e sentimentos do paciente, ajudando-o a compreender seus conflitos e a encontrar formas mais saudáveis de lidar com eles. Assim, a interpretação busca revelar ao paciente aspectos do seu inconsciente que estão por trás de suas atitudes e comportamentos, permitindo que ele se conheça melhor e tenha um maior domínio sobre si mesmo. Porém, é importante ressaltar que a interpretação não é um processo simples e imediato. Assoun (1983, p. 93) afirma que: A interpretação psicanalítica é uma tarefa complexa que exige do terapeuta uma compreensão profunda da dinâmica psíquica do paciente, além de uma postura não julgadora e acolhedora durante as sessões. Afinal, o objetivo não é apontar erros ou julgar o sujeito, mas sim ajudá-lo a se compreender e a encontrar formas de lidar com seus conflitos. Outra técnica amplamente utilizada pela Psicanálise é a transferência. Figueiredo (2013, p. 232) define: A transferência como a tendência do paciente em transferir para o analista sentimentos e emoções que remetem a relações afetivas anteriores, especialmente com figuras parentais. Nesse sentido, o analista se torna um objeto de projeção do sujeito, possibilitando que ele reviva e trabalhe conflitos e questões emocionais presentes em suas relações passadas. A transferência é um fenômeno natural e importante na psicanálise, pois permite ao paciente expressar sentimentos e emoções reprimidos, possibilitando ao analista entender as dinâmicas internas do sujeito e auxiliá-lo na elaboração dessas questões (BLEGER, 1984). Porém, é necessário que o analista esteja atento para não agir de forma a confirmar ou reforçar a transferência, mas sim utilizá-la como ferramenta para explorar e compreender as questões inconscientes do paciente. Além dessas ferramentas de base, a Psicanálise também se utiliza de técnicas terapêuticas específicas para lidar com determinados conflitos e sintomas. Uma delas é a análise dos sonhos, criada por Freud e aprimorada por Jung. Para Valore (2008, p. 283), “a 13 análise dos sonhos é uma técnica central na Psicanálise, pois possibilita a revelação dos desejos e conflitos reprimidos, que se manifestam de forma simbólica nos sonhos”. Outra técnica importante é a análise dos lapsos, também proposta por Freud. Essa técnica consiste em observar e interpretar os chamados “atos falhos”, como esquecimentos, trocas de palavras, entre outros, que podem revelar conteúdos reprimidos e conflitos internos (BLEGER, 1984). Assim como nos sonhos, esses lapsos simbólicos podem ser analisados e interpretados para auxiliar o sujeito a entender seus conflitos e promover mudanças em seu comportamento. Outra ferramenta de grande importância na Psicanáliseé o setting terapêutico. O setting é o ambiente mais comum de uma sessão de psicanálise, que visa criar um espaço seguro e acolhedor para que o paciente possa se expressar livremente (BARO, 1993). Esse ambiente inclui a relação terapêutica, a postura do analista, a regularidade e duração das sessões, entre outros aspectos que são trabalhados para promover um espaço de escuta e acolhimento ao sujeito. Para finalizar, é importante ressaltar que o objetivo da Psicanálise não é resolver todos os problemas do sujeito ou oferecer soluções prontas, mas sim possibilitar que ele compreenda seus conflitos internos e encontre suas próprias respostas e formas de lidar com eles. Para isso, é necessário um trabalho conjunto entre paciente e terapeuta, em que as ferramentas e técnicas terapêuticas são utilizadas de forma a promover esse processo de autoconhecimento e transformação. OS SOFRIMENTOS DA NOSSA ATUALIDADE SOB OLHAR PSICANALÍTICO Vivemos em uma era de constantes transformações e desafios, em que somos bombardeados diariamente por acontecimentos e situações que nos afetam profundamente. Desde a pandemia do Covid-19 até as polarizações políticas e o aumento das guerras e mudanças climáticas, o mundo moderno tem se mostrado cada vez mais desafiador e angustiante. Diante de tantos sofrimentos que nos cercam, é necessário olharmos para eles sob uma perspectiva psicanalítica, buscando compreender suas raízes e consequências em nosso psiquismo. O cenário atual da pandemia do Covid-19 foi algo que nos pegou de surpresa e provocou mudanças drásticas em nossas vidas. O isolamento social, o medo da doença e a incerteza do futuro são apenas alguns exemplos do impacto que a pandemia trouxe para a humanidade. Nesse contexto, o autor Valore (2008, 72) nos convida a refletir sobre a 14 vulnerabilidade humana frente à doença e a morte. Ele destaca que, “para além do medo da morte literal, existe também o medo daquilo que pode lembrá-la, como a doença e o sofrimento”. Essa fragilidade diante do desconhecido e do imprevisto desperta em nós uma série de angústias e conflitos emocionais. A situação de incerteza em que nos encontramos também nos remete à compreensão do nosso próprio controle sobre a vida. Afinal, para Bock (2003, p. 148), “a teoria freudiana é centralmente influenciada pela ideia da impotência e da finitude humana”. Em outras palavras, aprendemos com a psicanálise que somos seres limitados, sujeitos a inúmeras falhas e fragilidades, e que, por mais que tentemos, nunca teremos controle total sobre nossas vidas e nosso destino. A Covid-19, portanto, nos confronta com essa realidade, nos mostrando como somos vulneráveis e dependentes uns dos outros para sobrevivermos. Além disso, podemos notar como a pandemia também reflete na nossa relação com o outro e com a sociedade. Com a imposição do distanciamento social e a necessidade de isolamento, nos vemos afastados de nossos entes queridos e limitados em nossas atividades sociais. Essa situação pode nos trazer sensações de solidão, abandono e falta de conexão com os outros, criando um desequilíbrio emocional que pode se manifestar em quadros de ansiedade e depressão. Nesse sentido, a teoria psicanalítica pode nos ajudar a compreender esses conflitos e encontrar formas de lidar com eles (FIGUEIREDO, 2013). No entanto, é importante ressaltar que o sofrimento gerado pela pandemia não se limita apenas à esfera individual. A desigualdade social e a falta de acesso a recursos básicos, como o saneamento e o sistema de saúde, fazem com que determinados grupos sejam ainda mais afetados pelo vírus. Isso nos leva a questionar sobre os impactos do sistema econômico e político em nossas vidas, abrindo espaço para reflexões sobre a importância de políticas públicas que garantam o bem-estar coletivo e a equidade social. E falando em política, não podemos deixar de abordar a polarização entre direita e esquerda que tem se intensificado em diversos países ao redor do mundo. Segundo Silva et al. (2023, p. 35), A ideia do “nós contra eles” e a demonização do “outro lado” tem gerado um clima de hostilidade e intolerância, em que o diálogo e a busca por soluções em comum são dificultados. O discurso de ódio e a deslegitimação do outro se tornam frequentes, alimentando a violência e o sectarismo (grifo original dos autores). 15 Jorge (2008, p. 95) chama atenção para o fato de que a polarização política pode ser entendida como uma manifestação dos impulsos agressivos inerentes ao ser humano. Segundo ele, A vida em sociedade nos impõe regras e limites, e a agressão é uma forma de expressar nossa insatisfação com essas restrições. Porém, quando essa agressão é direcionada ao outro, ao invés de ser canalizada para uma reflexão interna, temos o agravamento dos conflitos e a perpetuação do ciclo de violência. Outro aspecto importante a ser considerado é o papel das redes sociais nesse contexto, a esse respeito Silva et al., (2023, p. 32) comentam, Com a facilidade de disseminação de informações e a criação de “bolhas” em que apenas as opiniões e ideias semelhantes são compartilhadas, as redes sociais se tornaram terreno fértil para o aumento da polarização e o fortalecimento dos discursos de ódio. Além disso, a busca incessante por likes e aprovação virtual pode gerar uma pressão constante por se manter alinhado às expectativas do grupo, reforçando a tendência em seguir opiniões extremas e o medo de ser excluído. Nessa dinâmica, a psicanálise nos mostra que os discursos e ideias defendidos por cada indivíduo revelam muito sobre suas próprias questões psíquicas. Por exemplo, um indivíduo que demoniza o outro lado pode estar expressando uma angústia interna relacionada à sua própria identidade e ao seu senso de pertencimento. Para Freud (2015, p. 131), “a agressividade é uma das pulsões de nosso inconsciente, e a repressão desses impulsos pode gerar sintomas e conflitos em nossa vida consciente”. Assim, ao refletirmos sobre a polarização política e o discurso de ódio, é importante percebermos que esses comportamentos têm raízes profundas em nosso psiquismo e estão relacionados às nossas próprias questões internas. A partir desse olhar, podemos encontrar formas mais saudáveis e construtivas de lidar com as diferenças e conflitos, buscando uma convivência mais pacífica e empática. Outro fator que tem desencadeado sofrimentos em nossa atualidade são as guerras e os conflitos armados ao redor do mundo, entre os mais recentes tem-se o Hamas e Israel. Segundo Garcia (2009, p, 41), “as guerras se apresentam como uma forma de desvio das pulsões destrutivas do ser humano, permitindo que essas forças sejam canalizadas para um inimigo externo”. Ainda segundo o autor, a violência da guerra é uma forma de lidar com o sentimento de impotência que a fragilidade humana nos traz, criando uma ilusão de poder e controle. 16 No entanto, essa ilusão é cruelmente desmentida pela realidade da guerra, que deixa um rastro de destruição e sofrimento em sua passagem. Além do trauma e das perdas materiais e humanas, as guerras deixam marcas psíquicas profundas em seus sobreviventes, gerando sintomas como transtorno de estresse pós-traumático, depressão e ansiedade. E mesmo aqueles que não vivenciaram diretamente os conflitos armados, acabam sendo afetados indiretamente pela violência e instabilidade geradas por eles. Outro aspecto importante a ser considerado nesse contexto é o papel da mídia e da narrativa das guerras, de acordo com Silva et al., (2023, p. 41), Ao promover uma guerra como forma de resolver conflitos, a mídia contribui para alimentar o discurso do confronto e da violência como única saída, reforçando a ideia de que a paz é uma utopia inalcançável. Nesse sentido, é importante questionarmos os interesses envolvidos por trás dessas narrativas e buscarmos uma reflexão maiscrítica sobre a realidade das guerras. Por fim, não podemos deixar de abordar um dos maiores desafios que a humanidade enfrenta atualmente: as mudanças climáticas. A degradação do meio ambiente, a escassez de recursos naturais e o aumento das catástrofes naturais são consequências diretas das ações humanas e da nossa forma de exploração e consumo desenfreado. E mais uma vez, a psicanálise pode nos ajudar a compreender o impacto dessas questões em nosso psiquismo. De acordo com Bock (2003, p. 89), A destruição do meio ambiente é apenas um reflexo da nossa própria destrutividade interna. Ao esgotarmos os recursos naturais e degradarmos o meio ambiente, estamos também destruindo partes de nós mesmos. Além disso, a falta de sentido ecológico em nossa sociedade tem como consequência o surgimento de sintomas, como a ansiedade e a depressão, que estão relacionados à busca por uma consciência ambiental mais saudável. Portanto, diante dos sofrimentos da nossa atualidade, se faz necessário reconhecermos a importância de uma reflexão psicanalítica sobre essas questões. No entanto, cabe ressaltar que a psicanálise não é uma solução mágica e não pode resolver todas as mazelas da humanidade. É importante também buscarmos ações concretas e políticas que promovam mudanças em nossa sociedade e no mundo em que vivemos. Mas, ao olharmos para esses sofrimentos sob uma perspectiva psicanalítica, podemos encontrar uma resposta mais profunda e significativa para o cenário caótico e angustiante em que nos encontramos. 17 CONSIDERAÇÕES FINAIS Considerando o exposto, pode-se concluir que os sofrimentos e angústias atuais são fenômenos complexos que necessitam de um olhar atento e aprofundado, especialmente quando pensados sob a perspectiva da Psicanálise contemporânea. A partir desse viés, é possível observar que tais questões estão intrinsecamente ligadas às condições socioculturais e históricas de cada indivíduo, sendo influenciadas por diversos fatores, tais como a pressão por sucesso, a competitividade, o medo da exclusão, entre outros. Além disso, é importante salientar que as transformações sociais e tecnológicas do mundo moderno têm impactado diretamente o sujeito, contribuindo para o aumento dos sofrimentos e angústias, sejam eles de ordem individual ou coletiva. Nesse sentido, é fundamental que a Psicanálise contemporânea acompanhe essas mudanças e se adeque a elas, a fim de trazer uma reflexão profunda sobre essas questões e ajudar no processo de enfrentamento e transformação desses problemas. Neste sentido, a psicanálise contemporânea surge como uma importante ferramenta para compreender e tratar os sofrimentos e angústias atuais. Sua abordagem não se limita apenas à busca da cura ou adaptação do indivíduo à sociedade, mas sim promove a compreensão e reflexão sobre as causas desses fenômenos, incentivando a busca pela identidade e o autoconhecimento. Através da escuta atenta do sujeito e da investigação do inconsciente, a psicanálise possibilita um mergulho no próprio eu e no mundo interno, levando a uma conscientização sobre os sentimentos e desejos que muitas vezes são reprimidos e geradores dos sofrimentos e angústias. Ademais, um dos principais desafios atuais para a Psicanálise contemporânea é a inserção das novas tecnologias na clínica e na prática psicanalítica. Com a popularização das redes sociais e a facilidade de acesso à informação, as demandas e formas de manifestação dos sofrimentos e angústias têm se modificado, exigindo uma atualização constante da teoria e da prática psicanalítica. Neste sentido, o desafio é encontrar um equilíbrio entre o atendimento presencial e o uso das novas tecnologias, a fim de oferecer um tratamento adequado e eficiente. Outra questão importante para a Psicanálise contemporânea é a necessidade de uma maior interdisciplinaridade, ou seja, a busca pela integração com outras disciplinas e áreas do conhecimento, como a Antropologia, Sociologia, Psicologia, entre outras. Isso possibilita uma ampliação do olhar sobre as questões humanas, bem como uma troca de saberes que pode enriquecer tanto a teoria quanto a prática psicanalítica. 18 Por fim, é importante mencionar que, apesar de ser uma disciplina de cunho teórico, a Psicanálise contemporânea tem um papel social fundamental. Através do trabalho clínico e da abordagem dos sofrimentos e angústias atuais, a psicanálise pode contribuir para a promoção da saúde mental e do bem-estar do indivíduo, bem como para a construção de uma sociedade mais saudável e menos alienada. Diante do exposto, fica evidente que os sofrimentos e angústias atuais são uma realidade presente em nossas vidas e, para enfrentá-los, é necessário um olhar ampliado e atualizado. Nesse sentido, a Psicanálise contemporânea surge como uma importante ferramenta para compreender, refletir e transformar esses fenômenos, promovendo uma maior consciência e humanização das relações sociais. Portanto, é essencial que essa abordagem continue a ser estudada e aprimorada para oferecer respostas efetivas e atualizadas aos desafios do mundo contemporâneo. 19 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALTOÉ, S. Menores em tempo de maioridade: do internato-prisão à vida social. Rio de Janeiro: Editora Universitária Santa Úrsula, 1993. ASSOUN, P. L. Freud: a filosofia e os filósofos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1978. ASSOUN, P. Introdução à epistemologia freudiana. Rio de Janeiro: Imago, 1983. BARÓ, I. Sistema, grupo y poder: psicologia social desde Centroamerica II. San Salvador: UCA, 1993. BLEGER, J. Psicohigiene e psicologia institucional. Porto Alegre: Artes Médicas, 1984. BOCK, A. et al. Psicologia e compromisso social. São Paulo: Cortez, 2003. CORRÊA, M. Psicologia social contemporânea: livro texto. 13. ed. Rio de Janeiro: vozes, 2010. COSENTINO, J. C. Construcción de los conceptos freudianos. Buenos Aires: Manantial, 1993. DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora 34, 2000. FIGUEIREDO, L. C. Matrizes do pensamento psicológico. 19. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2013. FREUD, S. S. Os primeiros psicanalistas: atas da sociedade psicanalítica de Viena. São Paulo: V de Moura Mendonça, 2015. FREUD, S. O mal-estar na civilização. In: Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: Edição standard brasileira. Vol. XXI. Rio de Janeiro: Imago, 1969. GARCIA, R. Freud e o inconsciente. 24. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. GUIRADO, M. Psicologia Institucional. São Paulo: EPU, 1987. JORGE, M. A. C. Fundamentos da psicanálise de Freud a Lacan. 5. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J. B. Vocabulário da psicanálise. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. LOPES, S. A psicologia hospitalar na teoria e na prática. In: GIOIA-MARTINS, D. (Org.). Psicologia e saúde: formação, pesquisa e prática profissional. São Paulo: Vetor, 2012. NASIO, J. D. Lições sobre os sete conceitos cruciais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. SILVA, C. M.; ALMEIDA, J. G. S.; OLIVEIRA, M. G. M.; STRIBEL, G. P. Da terra plana ao sol quadrado: uma discussão sobre a relação do fanatismo e o negacionismo na construção da polarização política no Brasil. Nova Hileia: Revista de Direito Ambiental da Amazônia. , v.14, p.1 - , 2023. VALORE, L. A. Contribuições da psicologia institucional ao exercício da autonomia na escola. In: SILVEIRA, A. F. et al. (Org.) Cidadania e participação social [on-line]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008. ZIMERMAN, D. E. Fundamentos psicanalíticos: teoria, técnica e clínica – uma abordagem didática. Porto Alegre: Artmed, 2004.
Compartilhar