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INTRODUÇÃO AO JORNALISMO Guaracy Carlos Revisão técnica: Deivison Campos Bacharel em Filosofia Mestre em Sociologia da Educação Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin CRB -10/2147 S581i Silveira, Guaracy Carlos da. Introdução ao jornalismo / Guaracy Carlos da Silveira, Letícia Sangaletti, Cristina Wagner ; [revisão técnica: Deivison Campos]. – Porto Alegre : SAGAH, 2018. 258 p. : il. ; 22,5 cm ISBN 978-85-9502-336-9 1. Jornalismo. I. Sangaletti, Letícia. II. Wagner, Cristina. III. Título. CDU 070 A apuração da notícia III: a informação em off Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Distinguir entre os diferentes conceitos de off. � Explicar o conceito de off the record. � Justificar a manutenção do sigilo da fonte. Introdução Por utilizarmos o termo inglês de forma indiscriminada, muitas vezes o conceito de informação em off pode se tornar confuso para o estudante de jornalismo. Quando se trata de uma reportagem, o termo off the record designa a parte da matéria gravada na voz do repórter, editor ou locutor, em que a informação está sendo contada. Quando relacionado à atividade jornalística, significa fora dos registros. Dessa maneira, refere-se à informação obtida cuja fonte não é revelada. Neste capítulo, vamos esclarecer melhor esse conceito e ainda falar sobre o sigilo da fonte e como protegê-la. Conceito de off no jornalismo Quando falamos de off no jornalismo precisamos compreender que este termo surge de diferentes formas e tem significados distintos. No que diz respeito a produções televisivas, o off é o texto narrado pelo jornalista que não aparece na reportagem, ou seja, corresponde a uma locução coberta por imagens. Geralmente é o complemento da informação que a sonora não apresentou. Xavier (1983, p. 459) nos apresenta o conceito de off da seguinte forma: No Brasil, como na França, usa-se em geral a expressão voz-off para toda e qualquer situação em que a fonte emissora da fala não é visível no momento em que a ouvimos. Nos Estados Unidos, há uma distinção entre: (1) voz-off, usada especificamente para a voz de uma personagem de ficção que fala sem ser vista mas está presente no espaço da cena; (2) voz-over, usada para aquela situação onde existe uma descontinuidade entre o espaço da imagem e o espaço de onde emana a voz, como acontece, por exemplo, na narração de muitos documentários (voz autoral que fala do estúdio) ou mesmo em filme de ficção quando a imagem corresponde a um flashback, ou outra situação, onde a voz de quem fala vem de um espaço que não corresponde ao da cena imediatamente vista. No jornalismo, o off aparece atrelado às fontes de notícias. Quando inserido nesse contexto, o off ganha característica de proteger a fonte, algo como off the record. Traduzido ao pé da letra significa “fora do registro”. Sugere que toda e qualquer informação privilegiada pode ser publicada desde que não seja imputada à fonte. Esta técnica é utilizada quando a fonte não quer ou não pode ser identificada. Dessa forma, o nome e a imagem da pessoa são preservados na reportagem. Existem casos em que o off deve ser empregado de forma mais rigorosa. Conforme destaca o artigo 7, inciso IV do Código de Ética dos Jornalistas, o profissional não pode: [...] expor pessoas ameaçadas, exploradas ou sob risco de vida, sendo vedada a sua identificação, mesmo que parcial, pela voz, traços físicos, indicação de locais de trabalho ou re- sidência, ou quaisquer outros sinais [...] (FEDERAÇÃO NACIONAL DOS JORNALISTAS, 2014, documento on-line). Assim, preservar a fonte sempre que preciso é uma questão de ética. A informação em off se materializa em reportagens, matérias e entrevistas, nas quais predominam o anonimato da fonte, principal regra do off. Segundo Bucci (2000, p. 136): [...] o único segredo específico da profissão de jornalista se refere ao sigilo de fonte – ele não é obrigado a revelar sua fonte quando julgar que deve preservá- -la, o que é assegurado na legislação das democracias contemporâneas [...]. A apuração da notícia III: a informação em off168 Para entender um pouco mais sobre o conceito off the record, conheça a história do filme Faces da verdade. Pensando no Prêmio Pulitzer e na possibilidade de derrubar um presidente, a colunista política de Washington Rachel Armstrong (Kate Beckinsale) escreve que o presidente ignorou as descobertas de uma operação secreta da CIA ao ordenar ataques aéreos contra a Venezuela. Rachel nomeia a agente Erica Van Doren (Vera Farmiga), uma mulher cuja filha mais nova estuda na mesma turma do filho de Rachel. O governo logo pressiona Rachel a dizer quem foi a sua fonte. Ela é detida por desobediência quando se recusa. Ela não muda de ideia e os dias seguem. Da mesma forma, o caos domina a vida de Van Doren. A Primeira Emenda versus a segurança nacional, casamento e maternidade versus separação. Qual é o valor de um princípio? Fonte: As faces da verdade (2008). Off the record Conforme dito antes, off the record corresponde a toda e qualquer informa- ção obtida de forma privilegiada pelo jornalista. Se publicada, não deve ser creditada à fonte. O jornalista pode dizer que teve acesso a “uma fonte”, ou 169A apuração da notícia III: a informação em off a “uma fonte privilegiada”, etc. Também há a possibilidade de utilizar um pseudônimo para garantir uma boa história. No entanto, em se tratando de off the record, a informação em off pode ser preservada integralmente. Em casos assim, a identidade da fonte e a in- formação não podem ser expostas em hipótese alguma. Isso ocorre quando o jornalista recebe uma informação privilegiada, porém não pode divulgar a fonte que a forneceu, menos ainda a informação. Neste caso, “[...] a fonte pede mais do que a omissão de seu nome. Exige, como condição para a conversa, que o assunto não seja publicado [...]” (DIMENSTEIN; KOTSCHO, 1990, p. 52). Esta situação é comum no jornalismo investigativo. Por outro lado, é importante destacar que nem toda informação desse tipo, que chega ao jornalista, deve ser tratada como informação off the record. Isso só ocorre quando a notícia apresenta valor jornalístico e é de interesse público. Nesse sentido, Fidalgo (1998) alerta que: As informações prestadas off the record são, por natureza, informações passíveis de serem publicadas. Normalmente até são aquelas que o jornalista mais gostaria de publicar, não só porque o fruto proibido é o mais apetecido, mas, sobretudo, porque são sempre informações em primeira mão. Em termos puramente materiais, de conteúdo, nada distingue uma informação em off de uma informação destinada à publicação. De tal maneira é assim que qualquer informação em off se pode transformar em notícia, seja pela anuência da fonte a retirar a restrição de publicação, seja pela infração do jornalista ao off. Nessa perspectiva, interesse público é definido por Carvalho (1999, p. 92) como sendo: A soma daqueles interesses superiores de uma dada sociedade na consecução dos objetivos comuns por ela tracejados em sua Constituição, no seu sistema legal e na sua cultura, no funcionamento normal e correto dos órgãos públi- cos a quem cometeu o exercício de funções para o alcance daquele fim e no regular exercício dos direitos consagrados aos cidadãos. Dessa forma, uma notícia apenas será qualificada de off the record quando apresentar uma grande repercussão na vida pública, ou se o fato envolver todo o corpo social. Por outro lado, existem informações destituídas de interesse público. Neste caso, o off the record não deve ser assumido, como sugere Fidalgo (1998): A apuração da notícia III: a informação em off170 O que sucede em tais situações é um condicionamento pessoal do jornalista, torná-lo participante de um segredo e criar cumplicidades. Uma situação gene- ralizada de informações off avulsas e arbitrárias conduz inevitavelmente a uma promiscuidade entre fontes e jornalistas em quese perde completamente de vista a informação do público como razão última da informação do jornalista. Vale questionar: se o papel do jornalista é informar, como é possível manter em sigilo informações de interesse público? Ao se deparar com um fato de interesse público, na qual a fonte exige sigilo absoluto, o jornalista deve abrir mão do furo jornalístico em respeito à condição exigida pela fonte? Se estabelecermos uma resposta afirmativa, outro questionamento se faz necessário: qual o sentido de um jornalista obter qualquer tipo de informação se não for para veicular? Se pensarmos nas etapas de apuração da notícia, especialmente na pré- -produção que envolve a pesquisa da pauta, o jornalista certamente vai se deparar com documentos, provas e até outras fontes que confirmem a infor- mação dada em off. Assim ele não vai ter dificuldades para publicar. Mas, se durante a apuração dos fatos, o mesmo não se confirmar, é questão de ética o jornalista assumir o compromisso com a fonte. Em seu estudo acerca da questão das fontes nos códigos deontológicos dos jornalistas, Fidalgo (2000, p. 333) afirma: O jornalista não é um mero “correio” entre uma fonte que lhe fornece de- terminados dados e um público a quem ele, diligentemente, a transmite. Se é verdadeiramente o responsável pela informação que difunde, é também responsável pela escolha das fontes a que recorre, pela confirmação dos dados junto de fontes diversas, pela análise da veracidade e fiabilidade da informa- ção, pela ponderação de eventuais interesses em jogo, pela prudência face a hipotéticas manipulações. E é, naturalmente, responsável pelos riscos que decide correr ao “ficar nas mãos” de uma só fonte, para mais confidencial, ao dar crédito a alguém que eventualmente pouco conhece, ao tomar como boa uma informação que não é possível confirmar factual ou documentalmente. Se decide, apesar de tudo, confiar e publicar, então deve estar preparado para assumir todas as consequências – e nunca transferi-las para os ombros de terceiros (as fontes). Muito menos penalizar uma fonte – e a penalização pode ser muito grave, pois uma fonte confidencial exposta na praça pública ou denunciada ao tribunal arrisca-se a sofrer danos importantes – pelo facto de ela, alegadamente, o ter enganado. 171A apuração da notícia III: a informação em off A informação em off de acordo com o Manual da Folha: Off the record — Designa informação de fonte que se mantém anônima. No Brasil, a maioria das informações off the record são publicadas. A Folha trabalha com três tipos de informação off the record: 1. Off simples — Obtido pelo jornalista e não cruzado com outras fontes indepen- dentes. Se tiver relevância jornalística pode ser publicado em coluna de bastidores, com indicação explícita de que se trata de informação ainda não confirmada. 2. Off checado — Informação off cruzada com o outro lado ou com pelo menos duas outras fontes independentes [...] Admite-se que o texto indique a origem aproximada da informação: “A Folha apurou junto a médicos do manicômio Santa Izildinha que o ministro está internado para tratamento de psicose maníaco-depressiva”. 3. Off total — Informação que, a pedido da fonte, não deve ser publicada de modo algum, mesmo que se mantenha o anonimato de quem passa a informação. O off total serve só para nortear o trabalho jornalístico. Exemplo: um assessor da prefeitura diz, em off total, que um novo sistema de multas de trânsito será implantado na cidade e já está em estudos na secretaria de transportes. O jornalista não publica a informação, mas começa a investigar, na secretaria, o teor das mudanças. Veja cruzar informação; classificação de fontes. Fonte: Folha de S. Paulo (1996). Sigilo da fonte Conforme vimos, o off the record estabelece o sigilo da fonte, exigindo seu anonimato, embora a informação possa ser publicada. Várias questões éticas envolvem a relação do jornalista com a fonte sigilosa, tais como: o repórter deve proteger a identidade de seu informante? Até aonde esta proteção vai? Como diferenciar a fonte verdadeira de outras inescrupulosas que usam o sigilo para difamar e caluniar? O repórter está utilizando o recurso da fonte sigilosa para dar sua própria opinião? No que diz respeito ao sigilo é preciso que o jornalista seja prudente na publicação da informação, devendo assim buscar outras fontes que confirmem o fato inicial e que possam ser citadas. Em situações assim é melhor que o jornalista dê preferência a uma fonte nominativa a uma anônima. A apuração da notícia III: a informação em off172 De acordo com Goodwin, (1993, p. 141) o sigilo da fonte deve ser mantido quando existir pelo menos um dos seguintes fatores: � a fonte poderá perder o emprego; � é possível que a fonte sofra agressão física, caso seu nome apareça no texto noticioso; � quando a fonte corre perigo de vida; � se houver possibilidade da fonte perder a confiança daqueles de quem estão obtendo as informações que passam ao jornalista. Nesse contexto é pertinente dizer que, na maioria das vezes, a discussão sobre o sigilo da fonte não deve ser nem cogitada, porque a confidência está intimamente ligada à ética da profissão e do jornalista. Fidalgo (1998, docu- mento on-line) declara o seguinte: A obtenção dessas informações foi feita sob o compromisso de que não as publicaria e de que só as obteria sob esse compromisso. A justificação ética da retenção de informação reside, portanto, no compromisso assumido com a fonte [...]. No entanto, existem profissionais contrários a essa postura. É o caso do repórter Macedo (2000?, documento on-line), que diz: A fonte deve ser tratada com respeito, o profissional deve fazer de tudo para preservá-la. Mas creio que um furo não pode deixar de ser dado para não ferir uma fonte. Nessa hora, é preciso avaliar bem. Se a notícia é boa, de interesse público, vale a pena arriscar um eventual rompimento [...]. Conforme aponta Karam (2010, p. 179): Sob a ótica funcional, um depende do outro, e ambos querem algo que o outro possui. A fonte tem a informação, que o jornalista pode transformar em notícia. Portanto, essa relação está imbricada num processo complexo, simultaneamente conflitante e conveniente a ambos. Manter o sigilo da fonte, acima de qualquer outra coisa, é questão de ética. É preciso que o jornalista/repórter tenha discernimento para lidar com a situação. Pesquisar mais sobre o assunto e buscar novas fontes de informação são apenas algumas das alternativas para tornar uma notícia pública. Tenha 173A apuração da notícia III: a informação em off sempre a consciência de que um ato despropositado pode gerar consequências futuras, como um processo por parte da fonte, ou até mesmo de quem está envolvido com a notícia, caso essa seja inverídica. Nas redações, a maioria dos jornalistas e até o veículo defendem que o compromisso assumido com a fonte deve sempre ser respeitado, mesmo que a informação concedida seja de interesse público. Dessa maneira, ressaltamos que o off necessita ser o ponto de partida para a construção de uma matéria e não a sua espinha dorsal. Portanto, sempre que o jornalista/repórter receber uma informação off the record, a apuração deve ser feita o quanto antes para confirmar a veracidade dos fatos. Outras fontes, documentos e elementos necessários para tornar a notícia publicável também devem ser utilizados. A apuração da notícia III: a informação em off174 AS FACES da verdade. Direção: Rod Lurie. Produção: Marc Frydman. Intérpretes: Kate Beckinsale; Vera Farmiga; Matt Dillon; Noah Wyle; Vera Farmiga. Los Angeles: Yari Film Group, 2008. 1 DVD (108 min), son., color. BUCCI, E. Sobre ética e imprensa. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. CARVALHO, L. G. G. C. Direito de informação e liberdade de expressão. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. DIMENSTEIN, G.; KOTSCHO, R. A aventura da reportagem. 2. ed. São Paulo: Summus, 1990. FEDERAÇÃO NACIONAL DOS JORNALISTOS. Código de ética dos jornalistasbra- sileiros. Brasília: FENAJ, 2014. Disponível em: <http://fenaj.org.br/wp-content/ uploads/2014/06/04-codigo_de_etica_dos_jornalistas_brasileiros.pdf>. Acesso em: 19 dez. 2017. FIDALGO, A. A ética e o off the record. Revista Brotéria, Jan. 1998. Disponível em: <http:// bocc.ubi.pt/pag/fidalgo-offrecord.html>. Acesso em: 20 dez. 2017. FIDALGO, J. 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Profissão: jornalista de TV, telejornalismo aplicado na era digital. Rio de Janeiro: Ciência Moderna, 2008. 176A apuração da notícia III: a informação em off Conteúdo: