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Como citar este material: FONTOURA, Yuna; JABOB FILHO, Jorge Rodrigues; ARAÚJO, Anelise Machado de. Gestão de serviços. Rio de Janeiro: FGV, 2022. Todos os direitos reservados. Textos, vídeos, sons, imagens, gráficos e demais componentes deste material são protegidos por direitos autorais e outros direitos de propriedade intelectual, de forma que é proibida a reprodução no todo ou em parte, sem a devida autorização. INTRODUÇÃO O crescimento acelerado da comercialização de serviços ao redor do mundo vem impondo às empresas um desafio: explorar novas formas de lidar com esse transitório e complexo ambiente de negócios cujos contornos ainda estão sendo definidos. Se, antigamente, os bens tangíveis ditavam as estratégias comerciais das empresas, hoje os chamados bens intangíveis desempenham um papel primordial na criação dessas estratégias. Desse modo, para garantir a vantagem competitiva, os gestores devem estar preparados para gerenciar práticas inovadoras, aprimorando cada vez mais as suas habilidades – principalmente, a criatividade e a flexibilidade. Um gestor eficaz deve, portanto, desenvolver uma percepção sistêmica do processo de planejamento estratégico e desenhar a visão estratégica desse novo tipo de comércio. Considerando esse contexto, na apostila Gestão de serviços e endomarketing, analisaremos os processos e modelos trabalhados pelos gestores ao buscarem a efetividade na administração das mudanças nas organizações e o alcance dos objetivos no contexto do marketing de serviços. Para tanto, analisaremos alguns conceitos fundamentais das áreas de gestão de serviços e gestão de bens, identificaremos os principais desafios encontrados na gestão de serviços e veremos a importância do endomarketing como estratégia para essa área de gestão. Todo esse conteúdo foi estruturado em quatro módulos. No módulo I, veremos os conceitos relacionados ao marketing de serviços e apresentaremos as características-chave da sua gestão. Para tanto, trataremos das principais diferenças entre o comércio de bens e de serviços, trazendo à tona todas as novas dificuldades impostas pelo último. Destacaremos ainda os principais pontos relativos à gestão e mensuração da qualidade no âmbito dos serviços. No módulo II, discutiremos os pontos-chave para a garantia da produtividade em empresas de serviços. Falaremos também sobre a importância da gestão da capacidade e da demanda como meio de elevar as receitas sem gerar desconforto para os clientes. Ainda sobre essa questão, faremos uma análise da gestão da qualidade e da produtividade em serviços. No módulo III, identificaremos a importância do marketing de relacionamento no comércio de serviços e abordaremos a estratégia de tratar os funcionários como ativos essenciais à redução das incertezas inerentes a esse ramo de comércio. Analisaremos ainda as reclamações dos clientes como uma oportunidade de melhoria dos serviços. No módulo IV, trataremos do endomarketing como instrumento de competitividade em serviços, definiremos o conceito de empowerment e estabeleceremos diretrizes gerais para a sua implementação em uma organização de serviços. Abordaremos, por fim, a estratégia em organizações de serviço. SUMÁRIO MÓDULO I – FUNDAMENTOS DO MARKETING DE SERVIÇOS ......................................................... 9 PRINCIPAIS DIFERENÇAS ENTRE BENS E SERVIÇOS ....................................................................... 9 CARACTERÍSTICAS DOS SERVIÇOS ................................................................................................. 12 Comercialização de serviços................................................................................................... 13 Venda intangível ....................................................................................................................... 14 CARACTERÍSTICAS DO MARKETING DE SERVIÇOS ....................................................................... 15 O “momento da verdade” e a sua importância ................................................................... 17 Momento zero da verdade ................................................................................................ 18 Primeiro momento da verdade ........................................................................................ 21 Segundo momento da verdade ........................................................................................ 22 Terceiro momento da verdade ......................................................................................... 23 GESTÃO DA QUALIDADE EM SERVIÇOS ......................................................................................... 23 Importância da qualidade ....................................................................................................... 23 Como atingir a qualidade em serviços .................................................................................. 26 Modelo ServQual...................................................................................................................... 27 Mensuração da qualidade: modelo dos cinco hiatos ......................................................... 28 MÓDULO II – OFERTA DE SERVIÇOS .............................................................................................. 35 CONCEITO DE SERVIÇOS SUPLEMENTARES.................................................................................. 35 DESENVOLVENDO SERVIÇOS .......................................................................................................... 36 Design de Serviços .................................................................................................................... 38 Introdução ao conceito de blueprint...................................................................................... 39 Elementos de um blueprint de serviços ................................................................................ 39 Etapas de um blueprint de serviços ....................................................................................... 40 Incorporação da experiência .................................................................................................. 41 GESTÃO DA CAPACIDADE E GESTÃO DA DEMANDA ................................................................... 42 Gestão da demanda .................................................................................................................. 42 Suavização da demanda ...................................................................................................... 42 Gestão da capacidade ............................................................................................................... 43 Equilíbrio entre demanda e capacidade disponível....................................................... 44 Políticas de adaptação da capacidade ............................................................................. 46 TRADE-OFF QUALIDADE VERSUS PRODUTIVIDADE ........................................................................ 46 Expectativas e percepções dos consumidores – Modelo 4Q ............................................. 46 Qualidade versus quantidade ............................................................................................ 48 FATORES-CHAVE DE SUCESSO DA PREPARAÇÃO DE SERVIÇOS................................................. 49 Conflitos éticos em serviço................................................................................................ 50 MÓDULO III – ENTREGA DE SERVIÇOS ........................................................................................... 53 MARKETING DE RELACIONAMENTO EM SERVIÇOS ..................................................................... 53 Breve história do marketing de relacionamento ................................................................. 55 Plano demarketing de relacionamento ............................................................................... 55 Personalização do relacionamento .................................................................................. 56 Incremento do serviço ....................................................................................................... 56 Preços de relacionamento ................................................................................................ 56 Benefícios do marketing de relacionamento ....................................................................... 57 Benefícios para a empresa ................................................................................................ 57 Benefícios para o consumidor .......................................................................................... 58 IMPORTÂNCIA CRÍTICA DOS EMPREGADOS ................................................................................. 59 Importância da performance individual ............................................................................... 61 Utilização de técnicas do marketing ...................................................................................... 61 Implementação de programas internos de marketing: de quem é a responsabilidade? .................................................................................................................................................... 62 Relação entre a satisfação dos clientes e a dos colaboradores ........................................ 63 Papel dos consumidores na entrega dos serviços .............................................................. 64 Fontes de conflito .................................................................................................................... 65 PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO DA ESPERA .............................................................................. 66 Tipos de espera ........................................................................................................................ 69 ENTREGA DOS SERVIÇOS POR MEIO DE INTERMEDIÁRIOS ........................................................ 69 TANGIBILIDADE EM SERVIÇOS........................................................................................................ 70 Composto Ciume ..................................................................................................................... 71 Conveniência ....................................................................................................................... 71 Imagem ................................................................................................................................ 71 Utilidade ............................................................................................................................... 72 Mordomia ............................................................................................................................ 72 Estimativa ............................................................................................................................ 72 Experiência do consumidor e gerenciamento de intangíveis ............................................ 73 MÓDULO IV – ENDOMARKETING E ESTRATÉGIA EM SERVIÇOS .................................................... 75 RECLAMAÇÕES: PROBLEMA OU OPORTUNIDADE? ..................................................................... 75 IMPACTO DA FALHA E DA RECUPERAÇÃO DO SERVIÇO ............................................................. 76 Redesenho do processo de serviço por meio do blueprint .......................................... 78 FONTES DE ERROS DOS PROVEDORES DE SERVIÇO ................................................................... 79 Estratégias para execução eficiente de serviços por provedores de serviço ............. 80 FONTES DE ERROS DOS CONSUMIDORES DE SERVIÇO .............................................................. 80 Prevenção das falhas dos clientes ................................................................................... 82 ESTRATÉGIA EM ORGANIZAÇÕES DE SERVIÇO ............................................................................. 83 Objetivos possíveis e formas de planejamento ................................................................... 84 Dimensões estratégicas .......................................................................................................... 86 BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................................ 90 PROFESSORES-AUTORES ................................................................................................................ 92 Neste módulo, veremos os conceitos relacionados ao marketing de serviços e apresentaremos as características-chave da sua gestão. Para tanto, trataremos das principais diferenças entre o comércio de bens e de serviços, trazendo à tona todas as novas dificuldades impostas pelo último. Destacaremos ainda os principais pontos relativos à gestão e mensuração da qualidade no âmbito dos serviços. Principais diferenças entre bens e serviços A natureza dos serviços é debatida por pesquisadores há muito tempo. Entre o final do século XVIII e o início do século XIX, os serviços eram definidos, principalmente, pela natureza da propriedade e pela capacidade de criação de riqueza. No entanto, no decorrer da história, as definições de serviço passaram a ser apresentadas a partir das suas diferenças em relação ao produto. Para os economistas clássicos, por exemplo, a característica que diferencia, fundamentalmente, bens e serviços é a possibilidade de posse. Segundo tais economistas, os bens seriam objetos de valor sobre os quais os direitos de propriedade poderiam ser estabelecidos e trocados. Sendo assim, a propriedade do bem implicaria a posse de um objeto tangível. Essa posse poderia ocorrer por meio de compra, troca ou doação de um produtor ou de um proprietário anterior. De acordo com os economistas clássicos, bens e serviços se diferenciam pelo fato de a compra de um serviço não envolver a troca de propriedade. MÓDULO I – FUNDAMENTOS DO MARKETING DE SERVIÇOS 10 Ainda considerando os serviços como aquilo que “os produtos tangíveis não são”, Wirtz e Lovelock (2016) os definiram como um processo. Também de forma comparativa, Hole e Bhaskar (2018) definiram o marketing de serviços como a comercialização de atividades e processos, e não de objetos. Existem, pelo menos, quatro características que fazem da comercialização de serviços uma atividade bem diferente da comercialização de produtos físicos. Serviços são intangíveis, e por isso, sua gestão fica ainda mais complexa, já que há uma subjetividade muito grande na sua prestação e na avaliação pelo cliente. Além disso, é impossível separar o prestador do serviço por ele oferecido, já que o seu trabalho faz parte do serviço. Por esse motivo, na maioria das vezes, as empresas não conseguem fornecer um serviço exatamente igual todas as vezes que ele for contratado. Uma outra característica dos serviços é que eles não podem ser estocados. Por exemplo, uma sala de cinema que não teve a venda de ingressos esgotada para uma determinada sessão, não vai poder realizar essa venda no dia seguinte. Essa característica traz desafios para os gestores de serviços diferentes dos desafios enfrentados pelos gestores de produtos físicos. Seguindo essa abordagem, apresentamos, no quadro a seguir, os principais pontos em que os serviços se diferem dos produtos físicos. 11 Quadro 1 – Bens e serviços tema característica exemplos serviços bens serviços bens tangibilidade intangível tangível Viajar em um assento de uma companhia aérea. O assento do avião em si. tempo entre produção e consumo simultâneo não simultâneo Cortar ocabelo em um salão de beleza. Produtos de beleza. reprodução e similaridade única reproduzível Ter investimentos e obter cuidados médicos. Joias e medicamentos. interação do cliente alta limitada Obter serviços de consultoria ou educação. Livros e apostilas (envolvimento limitado do cliente na produção). transferência de conhecimento alta limitada Obter serviços legais, educacionais, médicos e outros difíceis de automatizar. Celulares e tablets (produtos tangíveis viabilizam a automação). produção/ execução locais diversos instalações fixas Obter assessoria jurídica em um escritório, em domicílio ou via internet. Carros e eletroeletrônicos. avaliação da qualidade mais difícil mais fácil Assistir a uma palestra (dificuldade de apontar os aspectos a serem avaliados). Livros e apostilas (muitos aspectos podem ser avaliados). revenda incomum comum Ir a uma consulta médica. Cosméticos (o produto tem, geralmente, um valor residual). Fonte: Adaptado de Heizer, J. (2016). 12 Apesar de reconhecerem essa tendência à comparação entre bens e serviços, muitos pesquisadores argumentam que bens e serviços não são mutuamente exclusivos, pois são subconjuntos de um domínio comum: uma produção (tangível ou intangível) ofertada. Características dos serviços Em meados do século XX, os pesquisadores começaram a reconhecer os serviços como uma categoria com características próprias, e não apenas como uma categoria que se explica por contraste à dos produtos físicos. Esse reconhecimento desencadeou uma mudança na forma como os serviços eram definidos. Nesse momento, os serviços começaram a ser vistos como uma ação, um processo ou uma performance que ocorre por meio de interações com uma pessoa ou uma máquina e que proporciona satisfação ao consumidor. Embora ainda não exista um consenso quanto à definição de serviço, Hole e Bhaskar (2018) notaram que a grande maioria dos pesquisadores concorda em relação a dois importantes pontos: a) Os serviços são atividades econômicas ou processos intangíveis oferecidos por uma das partes: Isso significa realizar alguma atividade em benefício de alguém ou alguma entidade. Essas atividades são realizadas com recursos individuais ou organizacionais, com habilidades e competências pessoais. Sendo assim, a maioria dos pesquisadores concorda que o serviço é a aplicação de competências especializadas (habilidades e conhecimentos) por meio de ações, processos e desempenhos em benefício de outra entidade ou da própria entidade e 13 b) A experiência do consumidor é o “coração” dos serviços: Por meio de um processo interativo, o prestador de serviços tem o potencial de criar os benefícios desejados e, posteriormente, reconhecidos pelo consumidor como uma experiência positiva. A construção de uma boa experiência para o consumidor faz com que o marketing de serviços seja tão importante a ponto de ser estudado à parte do marketing tradicional de produtos. Um serviço consiste, portanto, em qualquer atividade ou benefício que uma parte possa oferecer à outra, que não resulte em transferência de propriedade e cuja produção pode ou não estar vinculada a um produto físico. Comercialização de serviços A comercialização de um serviço é bastante diferente da comercialização de um produto físico e, consequentemente, o gerenciamento de serviços é tarefa diferente do gerenciamento de bens físicos. Sendo assim, é muito importante que compreendamos as características específicas dos serviços que podem impactar a forma de geri-los. Por exemplo, suponhamos que um turista esteja pensando em alugar uma bicicleta para fazer um passeio na cidade que está visitando. Quando da decisão do aluguel, ele poderá considerar elementos como: o atendimento dos funcionários, a localização da loja, os horários de funcionamento, a aparência das instalações ou a cobertura do seguro da bicicleta. 14 Agora, suponhamos que esse mesmo indivíduo decida comprar uma bicicleta. Provavelmente, os fatores que acabamos de ver terão pouca relevância e darão lugar a outros, como tamanho, qualidade das peças e dos materiais, design e quantidade de marchas, todas características do produto em si. Venda intangível Kotler e Armstrong (2017) destacam quatro características principais na esfera dos serviços, sejam eles públicos ou privados, com ou sem fins lucrativos: intangibilidade; inseparabilidade, também chamada de simultaneidade; heterogeneidade ou variabilidade e perecibilidade. Neste ponto do nosso estudo, vamo-nos ater à intangibilidade, conceito fundamental para o entendimento dos serviços. Diferentemente dos bens físicos, os serviços não são tangíveis ou palpáveis, mas correspondentes a ideias e conceitos – ou seja, são intangíveis. Essa característica traz desafios importantes para o marketing de serviços, pois apesar de deverem ser comercializados pelas empresas, os serviços não podem ser sentidos, vistos, provados, testados, tocados, embrulhados ou carregados. Justamente por esse motivo, geralmente, os clientes de serviços buscam formas alternativas de julgá-los, o que é feito, muitas vezes, de forma inconsciente. Desse modo, acabam focando fatores mais tangíveis e associando-os à prestação de serviços. Por exemplo, é comum um cliente utilizar a reputação da empresa ou as características do ambiente onde o serviço é prestado como variável de decisão. No exemplo em que comparamos o aluguel e a compra de uma bicicleta, vimos que a intangibilidade do serviço de aluguel fez com que a avaliação do seu valor e dos seus benefícios fosse realizada de forma muito mais subjetiva do que a avaliação realizada quando da compra do produto em si. 15 Características do marketing de serviços Quando um consumidor quer ter acesso a um serviço, geralmente, ele tem a expectativa de obter também acesso a um bem, a locais, a uma mão de obra especializada, a habilidades profissionais, mas não de apropriar-se de nenhum desses elementos físicos envolvidos. Dessa forma, no marketing de serviços, aspectos como a experiência do cliente e a execução do serviço na forma e no prazo acordados ganham especial relevância. Como vimos, a venda de um serviço é muito parecida com uma promessa, ou seja, o prestador do serviço promete cumprir o acordado exatamente da forma contratada e atendendo às expectativas do cliente. Pela natureza da comercialização dos serviços, podemos entender a dimensão da importância dos funcionários como representantes motivados da empresa. Os funcionários são, portanto, o capital humano essencial para a criação de uma relação com credibilidade e vínculos estreitos junto aos clientes. 16 Para cumprirem a função de ponto de contato direto da empresa com o consumidor, os funcionários devem ter um conjunto de atitudes (empatia, atenção, comunicabilidade, flexibilidade) e determinada postura (discrição, elegância, sinceridade, humildade). A empresa, por sua vez, precisa ser capaz de motivá-los para atuarem como verdadeiros embaixadores da marca. Ainda por conta de o serviço ser comparado a uma promessa, é imprescindível que a empresa só prometa entregar algo que realmente consiga realizar, ou seja, algo realista e compatível com a expectativa do cliente. Isso deve ser feito por meio de uma comunicação clara e de uma promoção de venda precisa. 17 Grönroos (1983, 1984, 1995) e Normann (1977, 1993) são os principais pesquisadores teóricos do marketing de serviços. Baseado nas pesquisas realizadas por eles, o marketing de serviços é hoje considerado uma função organizacional e um conjunto de processos utilizado para identificar ou criar, comunicar e entregar valor aos clientes, gerando um relacionamento que venha a beneficiar a organização e as partes interessadas. Essa definição é apresentada pela AmericanMarketing Association e defendida pelos principais pesquisadores do tema, como Lovelock e Wirtz (2016). No plano empresarial, a difusão da importância do marketing de serviços foi mais fortemente influenciada por Carlzon (1990), autor que difundiu o conceito de “momento da verdade” de Normann. Veremos esse conceito a seguir. Gestores de marketing de serviços devem desenvolver uma estratégia cujo planejamento seja claro e determine como atingir as metas e os objetivos estabelecidos. A formulação dessa estratégia envolve a alocação apropriada de recursos para alcançar as metas. O “momento da verdade” e a sua importância Um fabricante de um produto tangível, tal como um ferro de passar roupas ou uma geladeira, consegue controlar a qualidade do produto final de modo mais preciso, garantindo que ele possa chegar em perfeitas condições e de forma planejada nas mãos dos consumidores. Isso não acontece com os serviços, já que, como vimos, eles são “produzidos” durante o ato de entrega. Por exemplo, um corte de cabelo, o conserto de um pneu ou a estadia em um hotel podem ser “produzidos e entregues” várias vezes ao longo de um mesmo dia, para vários clientes diferentes e, dificilmente, de forma exatamente igual. Isso significa que os métodos tradicionais de controle de qualidade – verificação efetuada ao longo do processo ou centralizada na inspeção final – não são adequados para serviços. É necessário, portanto, um conceito de qualidade mais amplo, que também leve em conta o processo humano de geração e entrega desse "produto". Nesse sentido, o funcionário de uma empresa tem importância central na qualidade do serviço, pois, na maioria das vezes, é ele quem está na linha de frente da empresa. Em outras palavras, o funcionário é o principal contato entre a empresa e o cliente, o que o leva, de certa forma, a trazer ares de tangibilidade para o serviço executado. Segundo Carlzon (1990), esse contato entre o fornecedor do serviço e o cliente é chamado de "momento da verdade", isto é, o momento em que o cliente entra em contato com algum aspecto da organização (pessoas, instalações ou equipamentos) e molda a sua impressão acerca da qualidade do serviço. O momento da verdade se subdivide em: momento zero da verdade; primeiro momento da verdade; 18 segundo momento da verdade e terceiro momento da verdade. Veremos cada um deles a seguir. Momento zero da verdade Geralmente, os clientes buscam informações antes de entrar no ponto de compra, o que evidencia a existência de um momento zero da verdade (zerot moment of truth – ZMOT). Esse momento é anterior à compra e define a primeira interação entre um comprador e um produto ou serviço. Ele foi introduzido por um livro homônimo lançado pela Google, em 2011, explicando como o influxo de tecnologias digitais e canais de mídia social estavam mudando processo de tomada de decisão dos consumidores (LECINKSI, 2011). O momento zero da verdade surge da busca inicial por informação para resolver um problema. Ocorre, por exemplo, quando pegamos nosso dispositivo móvel (tablet, celular, notebook) e, intencionalmente ou não, obtemos informações a respeito de um produto ou serviço pelo qual possamos vir a ter algum interesse no futuro. A massificação da internet e, com ela, a grande popularização das redes sociais, das mídias eletrônicas e dos dispositivos móveis criaram momentos zero de verdade que não eram conhecidos no passado. O profissional de marketing deve, portanto, estar alerta a essa constante criação de novos tipos de momentos zero de verdade para o seu cliente potencial. 19 Atualmente, os consumidores conhecem um novo serviço ou produto por meio de vídeos on- line, programas patrocinados, sites especializados no tema, sites de busca, análises de personalidades influenciadoras, comentários de amigos em mídias sociais etc. Isso pode ocorrer tanto no ponto de venda (na loja física ou on-line) quanto no caminho para casa, no trabalho ou durante a espera de uma consulta médica, por exemplo. As fontes de informação e motivação para uma compra estão crescendo fortemente. Essa tendência sugere a importância de maiores esforços de marketing para assegurar que uma marca ou oferta de uma empresa faça parte do escopo da pesquisa on-line do maior número possível de clientes. 20 Bicer (2020) reforça a relevância do momento zero da verdade no seu estudo dos impactos dos momentos da verdade na decisão de compra de um smartphone na Turquia. No estudo, o ZMOT foi identificado como a fase mais importante entre os entrevistados independente de gênero, idade ou estado civil, sendo a relevância dessa fase diretamente proporcional ao número de horas dispendidas navegando na internet. No quadro a seguir, veremos alguns exemplos de momentos zero da verdade. Quadro 2 – Exemplos de Momentos zero da verdade (ZMOT) Conversou com amigos/familiares sobre o produto. Procurou na Internet, usou mecanismos de busca. Fez comparações de produtos comprados na internet. Buscou informações sobre a marca de um produto/site do fabricante. Leu análises ou recomendações do produto na internet. Buscou informações de site de um varejista/loja. Leu comentários após um artigo/opinião na internet. Tornou-se amigo/seguidor/ “curtiu” uma marca. Assistiu a vídeos on-line sobre o produto. Leu/visitou um blog que discutia o produto. Pesquisou informações na internet com o celular antes de comprar. Conversou com um representante do atendimento ao cliente on-line. Pesquisou informações na internet com o celular na loja. Viu o produto mencionado em um site de rede social como o Facebook. Recebeu uma recomendação de um amigo on-line. Comentou sobre o produto mencionado em um site de rede social como o Facebook. Recebeu um cupom ou informação de preço de alguém em um site de rede social. Comentou em um blog que discutia o produto. 21 Procurou um cupom com o celular antes da compra. Viu um anúncio/cupom enviado para o celular. Procurou cupons em um site de varejo/loja. Recebeu um texto de uma marca/fabricante pelo celular. Procurou um cupom com o celular na loja. Procurou cupons em um site do fabricante/marca do produto. Participou de um bate-papo ou discussão on-line sobre o produto. Usou o celular para verificar códigos de barra 2D/código QR na loja. Fonte: Lecinksi, 2011. Primeiro momento da verdade O jornal americano The Wall Street Journal publicou, em 2005, uma reportagem que tratou da importância dos primeiros sete segundos após o primeiro contato do consumidor com um produto na prateleira de uma loja, que, possivelmente, está cheia de produtos similares de concorrentes. O termo "primeiro momento zero da verdade" (fist moment of truth – FMOT) foi então descrito como o momento em que o consumidor está diante da prateleira e precisa decidir qual produto vai levar. É quando o consumidor está olhando todas as opções de sucos de fruta, desodorantes, sabonetes e, ao mesmo tempo, está buscando informações que, para ele, são mais salientes ou relevantes. “As melhores marcas ganham consistentemente dois momentos da verdade. O primeiro momento ocorre na prateleira da loja quando um consumidor decide comprar uma marca ou outra. O segundo ocorre em casa, quando ele usa a marca — e fica encantado ou não.” (A. G. Lafley, ex-CEO da Procter & Gamble) O primeiro momento da verdade é considerado uma das oportunidades de marketing mais importantes para uma marca, pois representa o momento em que o cliente é confrontado com o produto e as opções a ele relacionadas. Vejamos, no quadro a seguir, alguns exemplos. 22 Quadro 3 – Exemplos de primeiro momento da verdade (FMOT) Falou com um vendedor ou funcionário da loja. Falou com um representante do serviço ao cliente pelo telefone. Analisou o pacote do produto na loja. Leu o livreto/panfleto sobre o produto na loja.Usou o cupom do produto que pegou na loja. Usou o computador na loja para procurar informações sobre o produto. Usou um cartão de comprador frequente/fidelidade. Resgatou um cartão de presentes/cartão de gratificação. Experimentou uma amostra ou o produto em uma loja. Fonte: Lecinksi, 2011. Segundo momento da verdade O segundo momento da verdade (second moment of truth – SMOT) refere-se ao momento em que o consumidor experimenta o produto ou o serviço após a decisão de compra. Isso determinará a percepção da marca por parte do consumidor e as suas futuras decisões de compra. Uma boa experiência de uso levará, provavelmente, o consumidor a escolher a mesma marca quando chegar a hora de tomar uma nova decisão de compra. Além disso, levará o consumidor a se pronunciar favoravelmente sobre o produto ou serviço em conversas ou comentários on-line. 23 Vejamos alguns exemplos no quadro a seguir. Quadro 4 – Exemplos de segundo momento da verdade (FMOT) Mencionou para um colega de trabalho. Participou de uma pesquisa. Escreveu uma análise do cliente em um site. Escreveu sobre ele em uma página do Facebook. Postou tweets sobre ele. Escreveu sobre ele em um blog. Mencionou para amigos/familiares. Fonte: Lecinksi, 2011. Terceiro momento da verdade O terceiro momento da verdade (third moment of truth – TMOT) acontece após o uso do produto ou serviço, quando o cliente passa a ser um verdadeiro fã, um propagador e divulgador de uma marca. Isso pode acontecer por meio de um boca a boca positivo e de boas avaliações. Alguns exemplos desse momento são os posts em redes sociais, como o Instagram e o Facebook, após a conclusão ou uso de um serviço e os comentários (reviews) feitos pelos clientes no site da empresa ou em sites especializados em comentários sobre serviços, como o Yelp. Para garantir que o terceiro momento da verdade funcione para a empresa, o gestor deve estar disposto a estimular os seus clientes a agirem como divulgadores da sua marca, encorajando-os a compartilhar a sua experiência e a manterem-se fiéis à empresa. Gestão da qualidade em serviços Importância da qualidade Três características bem documentadas dos serviços devem ser reconhecidas para uma compreensão completa da importância da qualidade em serviços: intangibilidade; heterogeneidade ou variabilidade e inseparabilidade, também chamada de simultaneidade. 24 A intangibilidade, por exemplo, faz com que a qualidade da prestação de um serviço seja especialmente importante. Essa importância se deve a três motivos principais. O primeiro deles, como já vimos, refere- se ao fato de a venda de um serviço ser, na verdade, a venda de uma promessa. Isso, muitas vezes, dificulta a experiência prévia do consumidor com o serviço a ser prestado, não permitindo que ele o avalie antes do consumo. Em outras palavras, o consumidor confia na promessa de venda baseando-se na observação de um serviço similar ou no fato de conhecidos e influenciadores terem realizado uma indicação. O segundo motivo diz respeito ao fato de, por ser intangível, a maioria dos serviços não poder ser contada, medida, inventariada, testada ou verificada antes da venda, o que dificulta a da qualidade. 25 O terceiro e último motivo tem relação com a dificuldade de padronização. Especificações de fabricação precisas sobre a qualidade uniforme de um serviço raramente podem ser definidas. Além disso, a produção e o consumo de serviços, como já vimos, são inseparáveis, o que também dificulta a padronização da produção como em uma linha de montagem. Há ainda o impacto humano na interação comprador-vendedor. Por esse motivo, os serviços com elevada interação ou relacionamento comprador-vendedor são ainda mais heterogêneos, ou seja, o seu desempenho varia ainda mais de prestador para prestador, de cliente para cliente e de dia para dia. De fato, a consistência do comportamento dos funcionários é difícil de garantir, e o que a empresa pretende entregar pode ser inteiramente diferente do que o consumidor recebe. O comportamento dos clientes durante a prestação do serviço também não pode ser padronizado. Nos serviços em que a participação do consumidor é intensa, como na construção de uma casa ou de um salão beleza, a qualidade daquilo que é executado pode até ser prejudicada, devido ao menor controle gerencial por parte do prestador do serviço. Em resumo, a qualidade de um serviço não pode ser comparada à de um bem que é projetado na fábrica, antes de ser entregue ao consumidor, pois a situação em que um serviço é prestado pode variar muito. Dessa forma, prover um serviço com qualidade contínua, considerando a heterogeneidade da equipe, dos clientes e do momento, consiste em um enorme desafio para as empresas de serviços. No entanto, os esforços empreendidos para prover um serviço com qualidade parecem recompensar a maioria das empresas. Uma grande quantidade de estudos empíricos realizados na literatura de marketing de serviços mostra que a melhoria na qualidade do serviço aumenta, significativamente, a rentabilidade e a competitividade econômica da empresa no longo prazo. Em outras palavras, um negócio cujo serviço é de alta qualidade tende a permanecer economicamente competitivo enquanto atender ou exceder as expectativas dos clientes. 26 Como atingir a qualidade em serviços Melhorias na qualidade do serviço podem ser alcançadas por meio da eficiência dos processos operacionais, o que inclui: identificação de problemas de forma rápida e sistemática; estabelecimento de medidas de desempenho de serviço válidas e confiáveis, e medição da satisfação do cliente e de outros resultados de desempenho. Uma cultura organizacional com foco na qualidade, que orienta toda a empresa para a oferta de um bom serviço, consegue mostrar aos funcionários como eles devem responder a possíveis situações imprevistas. Estudos empíricos têm mostrado que esse posicionamento tem forte impacto na forma de atuação dos funcionários como representantes da empresa e também no modo como o serviço é prestado. Além disso, pesquisadores e gerentes de empresas de serviços concordam que a percepção da qualidade envolve uma comparação entre as expectativas do cliente e o desempenho do serviço, ou seja, um serviço de qualidade deve estar em conformidade com as expectativas dos clientes de forma consistente. Empresas prestadoras de serviços devem adicionar benefícios que não só satisfaçam o cliente mas também o surpreendam, excedendo as suas expectativas. 27 Modelo ServQual Berry e Parasuraman (1992) definiram cinco dimensões da percepção da qualidade de um serviço que devem ser priorizadas para influenciar a percepção do cliente positivamente. São elas: confiabilidade; garantia; tangibilidade; empatia e capacidade de resposta. Essas são as cinco dimensões do chamado ServQual e representam os componentes da qualidade do serviço em vários setores de atividade comercial. O ServQual, abreviação de service quality (qualidade do serviço), é a tentativa mais completa de conceituar e medir a qualidade do serviço de uma empresa. O modelo tem sido utilizado por muitos pesquisadores em uma ampla gama de indústrias e contextos: serviços bancários, financeiros, de entretenimento, de beleza, administrativos, educacionais etc. Geralmente, as empresas usam um questionário baseado no ServQual para medir possíveis problemas de qualidade no serviço e para ajudar a diagnosticar as possíveis causas desses problemas. No quaro a seguir, apresentamos a definição de cada uma das dimensões do ServQual. Quadro 5 – Descrição das dimensões do ServQual dimensão definição confiança Capacidade de realizar o serviço prometido de forma confiável e com precisão. garantia Treinamento e conhecimento dos funcionários, e a sua capacidade de transmitir confiançacom simpatia. tangibilidade Aparência das instalações físicas, dos equipamentos, da equipe de funcionários e dos materiais de comunicação. empatia Prestação de um serviço cuidadoso e individualizado, com dedicação ao cliente. capacidade de resposta Disposição para ajudar os clientes e fornecer um serviço rápido. O modelo ServQual se baseia no paradigma da expectativa de confirmação, o que sugere que os consumidores analisam a qualidade em termos da percepção de como a entrega de determinado serviço atendeu às expectativas que tinham em relação a essa entrega. 28 Bebko (2000) analisou até que ponto o grau de intangibilidade de um serviço influencia a criação de expectativas e a percepção da qualidade, independentemente do local, do segmento de mercado ou do momento de consumo. Os resultados da sua pesquisa acabaram confirmando o que Berry e Parasuraman (1992) já haviam apresentado em relação às cinco dimensões da percepção da qualidade. Vejamos: credibilidade – capacidade de prestar o serviço prometido de modo confiável e com precisão, buscando o "erro zero" (esse é o mais importante critério pelo qual os clientes julgam a qualidade de um serviço); tangibilidade – aparência física das instalações, do pessoal, dos equipamentos e do material de comunicação; prestatividade/proatividade – funcionários e empresa com disposição para ajudar o cliente e com presteza na execução do serviço; segurança – cortesia, competência e capacidade de confiança e credibilidade, e empatia – atenção ao cliente, procurando assumir o ponto de vista dele. Mensuração da qualidade: modelo dos cinco hiatos A expectativa de um cliente em relação a determinado serviço é determinada por fatores diversos, como recomendações, necessidades pessoais e experiências passadas. Por conta disso, é muito importante que a empresa esteja sempre interessada em conhecer melhor o seu cliente e a sua percepção em relação ao serviço prestado, evitando assim que ele deixe a sua base de consumidores. O gestor de uma empresa de serviços pode usar as seguintes principais fontes de informação a respeito do cliente: pesquisas próprias para entender a satisfação dos clientes, tendo o cliente atual como respondente; pesquisas próprias para entender a satisfação dos clientes, tendo os funcionários que têm contato com o cliente como respondentes; pesquisas de terceiros, da concorrência ou de dados secundários do mercado; bancos de dados com histórico de contatos com os clientes; bancos de dados com reclamações apresentadas pelos clientes; canais de comunicação direta com os funcionários (ex.: "pontos de escuta") que permitam que estes contatem a administração, sem a necessidade de uma pesquisa, para passar informações sobre o dia a dia da prestação do serviço, com as principais falhas ou pontos positivos que verificam, ou os pontos negativos ou positivos apontados informalmente pelos clientes; comentários dos próprios clientes, que, muitas vezes, manifestam-se sem o intuito de reclamar, apontando possíveis melhorias ou apenas fazendo elogios e 29 auditorias de qualidade para investigar ou simular a prestação dos serviços feitos por pessoas contratadas para fazer o papel de um cliente (“cliente misterioso”). Os gestores de empresas prestadoras de serviço devem atentar para as dificuldades inerentes à prestação de um serviço de qualidade, analisando possíveis falhas e tendo como foco a adoção de medidas preventivas. Mesmo que a empresa tenha conhecimento a respeito do seu cliente, o serviço esperado e o serviço percebido podem não ser iguais, deixando assim uma lacuna a ser preenchida. Para medir essa lacuna entre a expectativa e a experiência do cliente, foi desenvolvido um modelo de qualidade de serviço chamado modelo dos cinco hiatos. Desenvolvido em 1985, esse modelo destaca os principais requisitos para oferecer alta qualidade em um serviço por meio da identificação de cinco possíveis hiatos ou lacunas que possam causar a entrega malsucedida e fazer com que os clientes tenham uma percepção de baixa qualidade do serviço. São eles: gap 1 – hiato/lacuna entre as expectativas dos usuários e as percepções dos gerentes; gap 2 – hiato/lacuna entre a percepção dos gestores sobre as expectativas dos usuários e a especificação de qualidade nos serviços; gap 3 – hiato/lacuna entre a especificação da qualidade dos serviços e o que é ofertado; gap 4 – hiato/lacuna entre o que é informado ao usuário e a real qualidade do serviço e gap 5 – hiato/lacuna entre o que o usuário espera receber e a percepção que ele tem dos serviços oferecidos. 30 Quadro 6 – Cinco hiatos do marketing de serviços descrição possíveis causas gap 1 de conhecimento Diferença entre o serviço esperado do mercado alvo e as percepções da administração sobre o serviço esperado do mercado-alvo. pesquisa de marketing insuficiente comunicações ascendentes inadequadas muitas camadas de gerenciamento gap 2 de padrões Diferença entre as percepções da administração sobre as expectativas dos clientes e a tradução para os procedimentos e especificações do serviço. falta de compromisso de gerenciamento com a qualidade do serviço percepções dos funcionários sobre a infeasibilidade configuração de metas inadequadas padronização da tarefa inadequada gap 3 de entrega Diferença entre as especificações de qualidade do serviço e o serviço realmente entregue. falhas técnicas ou avarias conflito de função / ambiguidade falta de controle percebido empregado-trabalho fora de forma pobre tecnologia pobre supervisão ou treinamento 31 descrição possíveis causas gap 4 de comunicação Diferença entre intenções de entrega de serviços e o que é comunicado ao cliente. falta de comunicações horizontais pobre comunicação com a agência de publicidade comunicações inadequadas entre vendas e operações diferenças nas políticas e procedimentos entre agências ou divisões de uma entidade propensão de superar gap 5 de satisfação Diferença entre a percepção do que pode garantir a satisfação do cliente e o que, de fato, constrói essa satisfação. pesquisa de marketing insuficiente gestão por meio de conceitos preestabelecidos Nesse modelo, o gap 5 é o intervalo de qualidade do serviço e é o único que pode ser medido diretamente. Já os gaps de 1 a 4 não podem ser medidos, mas têm valor para o diagnóstico. O modelo de lacunas ou hiatos de qualidade evoluiu para a conhecida escala ServQual, um instrumento de medida da qualidade percebida de serviços (JAGWAN, 2017). O instrumento ServQual é a soma dos gaps 1, 2, 3 e 4, e foi projetado especificamente para capturar o gap 5. Várias replicações foram realizadas em diversos países e subsetores de serviços, adaptando e testando a escala ServQual (JAGWAN, 2017). 32 Figura 1 – Modelo de falha na qualidade dos serviços Fonte: adaptado de Zeithaml, Berry e Parasuraman, 1993 e Jagwan, 2017. Quando as expectativas dos clientes são maiores que as suas percepções de entrega recebida, a qualidade do serviço é considerada baixa. Quando as percepções excedem as expectativas, a qualidade do serviço é considerada como alta. A figura abaixo mostra a relação entre o modelo de hiatos e o instrumento SERVQUAL. Ela mostra como as dimensões do ServQual atuam para reduzir impactos negativos entre a expectativa do consumidor e a percepção do serviço prestado. 33 Figura 2 – Relação entre os cinco hiatos e o ServQual Fonte: adaptado de Zeithaml, Berry e Parasuraman, 1993 e Jagwan, 2017. 34 Neste módulo, discutiremos o conceito de serviços suplementares, bem como os pontos- chave para o planejamento e a estruturação de um serviço, ao abordar o conceito de design de serviços,introduzindo a ferramenta de blueprint e os seus elementos para garantir experiências positivas e satisfatórias na prestação de serviço. Falaremos também sobre a importância da gestão da capacidade e da demanda como meio de elevar as receitas sem gerar desconforto para os clientes. Ainda sobre essa questão, faremos uma análise da gestão da qualidade e da produtividade em serviços. Conceito de serviços suplementares Lovelock, Wright e Hemzo (2011) afirmaram que, ao projetar uma proposta de serviço, os gestores de serviços precisam lançar um olhar mais abrangente a todo o processo de entrega para que haja um impacto positivo nos seus usuários. Para isso, o projeto do serviço deve abordar três componentes: o serviço principal, que fornece os benefícios principais na resolução que os clientes buscam; os serviços suplementares, que são os elementos que ampliam o serviço principal, que favorecem ou destacam o valor ao principal; e o processo de entrega, que se refere a todas as ações necessárias para entregar tanto o serviço principal, como os serviços suplementares. Ao descrever os serviços suplementares, Lovelock et al. (2011) apresentam o conceito da “flor de serviço”. São oito grupos de serviços, que formam a esfera dos serviços suplementares: informações, consultoria, tomada do pedido, hospitalidade, salvaguarda, exceções, faturamento e pagamento. A satisfação do consumidor é consequência da qualidade das interações do serviço principal com esses oito grupos, que, por sua vez, estão agrupados em dois tipos de serviços: os suplementares facilitadores e os realçadores. MÓDULO II – OFERTA DE SERVIÇOS 36 Para os autores desse conceito, os serviços suplementares facilitadores, como o próprio nome diz, facilitam o uso do produto básico ou que são necessários para a entrega do serviço. Nessa categoria, são incluídos os serviços de informações, que dizem respeito a informações acerca do produto ou serviço a que os clientes têm acesso; os serviços de tomada de pedido, que remetem a aspectos como agilidade, cordialidade e assertividade no recebimento dos pedidos de clientes; a cobrança, que se trata da exatidão das informações de faturamento; e os serviços de pagamento, que dizem respeito à esfera de informações de pagamento, prazos, formas, entre outras. Quanto aos serviços suplementares realçadores, Lovelock, Wirtz e Hemzo (2011) os categorizam como aqueles serviços que adicionam valor para os clientes. Nesse grupo, são considerados os serviços de consultoria, que orientam o cliente, por meio de conversas, a obter a melhor solução para o seu problema; os serviços relacionados com hospitalidade, no sentido de empatia e consideração às necessidades dos clientes; os serviços de salvaguarda, que dizem respeito à disponibilização de locais para guardar objetos; e os serviços de exceções, que envolvem serviços fora da rotina, como resolução de problemas inesperados. Para Lovelock et al. (2006), os serviços suplementares têm potencial para realçar o serviço principal, pois a maioria deles vai ao encontro das necessidades dos clientes. Nesse contexto, de acordo com os autores, reside nos serviços suplementares muitas das estratégias de diferenciação e de posicionamento. Porém, é importante destacar que não se deve diminuir os esforços e a atenção ao serviço principal em favor dos suplementares, pois está no serviço principal o benefício primeiro esperado pelo cliente. Desenvolvendo serviços Um novo serviço pode ser definido como uma oferta nova desenvolvida por uma empresa de serviços, podendo ela representar uma inovação para a empresa ou para o mercado (ou para ambos) (MENOR, 2000; MENOR et al.,2002; MEYERS, 1984 apud VIEIRA et al., 2017). Para Zeithaml, Bitner e Gremler (2014), dada as características inerentes ao serviço no que se refere à simultaneidade da produção, ao consumo e à cocriação, e, muitas vezes, também à interação entre funcionários e clientes, é mandatório que, em projetos de desenvolvimento de novos serviços, sejam envolvidos e ouvidos os funcionários e os clientes. De acordo com os autores, as etapas do projeto de desenvolvimento de serviços seguem uma estrutura básica, que pode ser aplicada a qualquer tipo de serviços; porém, em função das características inerentes aos serviços, devem ser revistas e adaptadas constantemente. 37 Para Zeithaml, et al. (2014), as etapas de desenvolvimento de serviços são divididas em duas partes: o planejamento inicial e a implementação. Como mostrado na figura 3, na seção do planejamento inicial, são estabelecidos os conceitos que permearão o serviço, enquanto a seção de implementação executa os serviços estruturados. Figura 3 – O processo de inovação e desenvolvimento de serviços. Fonte: Zeithaml, Bitner e Gremler, 2014, p. 294. Segundo os autores, as etapas podem apresentar similaridades ao processo de desenvolvimento de bens físicos, porém a implementação é diferente no setor de serviços. Salientam que o processo de desenvolvimento de serviços não é linear e que, muitas vezes, para acelerar a inovação, muitas etapas são desenvolvidas concomitantemente. Esse processo flexível e rápido é especialmente importante em setores de tecnologia, cujos produtos e serviços evoluem com extrema rapidez. 38 Design de Serviços O surgimento do design de serviços remonta ao início dos anos 1980, presente nos textos de G. Lynn Shostack. À época, Shostack já descrevia a importância do mapeamento no design de serviço. A raiz da maioria dos problemas do serviço é, de fato, a falta de um design sistemático e controle. O uso de um diagrama pode ajudar o desenvolvedor do serviço não só a identificar os problemas antecipadamente, mas também a ver o potencial para novas oportunidades de mercado. (SHOSTACK, 1984) O design de serviços ajuda a criar novos serviços ou a melhorar os já existentes, de modo a torná-los mais úteis, utilizáveis e desejáveis para os clientes, bem como eficientes e eficazes para as organizações (MORITZ, 2005). Trata-se de uma nova área de atuação de design, que se caracteriza como holística, multidisciplinar e integradora, sendo particularmente útil na etapa de projeto ou desenvolvimento de um novo serviço (ZEITHAML; BITNER; GREMLER, 2014). Essa prática pode ser entendida como uma ferramenta que integra o desenvolvimento, a gestão e as operações de serviços para criar ou aperfeiçoar serviços, com o objetivo de gerar experiências mais satisfatórias para os seus usuários e mais rentáveis para os seus prestadores. Essa metodologia considera os princípios e as práticas do design a fim de formatar serviços em que o cliente é o ponto de partida. Moritz (2005) sugere que o design de serviços deve ir além do seu usuário e olhar para todas as partes interessadas e envolvidas na experiência do serviço. Nesse sentido, cabe destacar a importância de desenhar a jornada de todos os stakeholders, do início ao fim, contemplando as experiências que antecedem e sucedem a compra, as interações físicas, além das emoções vivenciadas pelo cliente ao longo do processo de aquisição e consumo do serviço (MORITZ, 2005). Diferentemente de metodologias tradicionais, que iniciam o planejamento de um serviço a partir de uma estratégia, o design de serviço tem como ponto de partida uma investigação para constatar que necessidades ou desejos precisam ser atendidos por meio de um serviço, bem como identificar as possibilidades para inovar. Nesse aspecto, o design de serviço amplia as alternativas para a compreensão do contexto no qual o usuário está inserido, para, então, definir qual questão precisa ser solucionada. Uma vez reconhecido o problema, possíveis soluções são propostas, testadas e, finalmente, entregues. É nesse sentido que Moritz (2005) define que o design de serviços é um processo desenvolvido por meio de quatro Ds – descobrir, definir, desenvolver e entregar. Com isso, as chances de atender as necessidadesde todos os stakeholders são maiores, por meio da entrega de experiências mais satisfatórias e positivas. Dessa forma, o design de serviços é uma ferramenta que auxilia a empresa a obter uma vantagem competitiva por meio da oferta de experiências de qualidade para os clientes (MORITZ, 2005). 39 Introdução ao conceito de blueprint O blueprint de serviços é representação gráfica do processo de um serviço, que demonstra as interconexões entre todos os seus elementos (pessoas, processos e evidências digitais ou físicas). Para Lovelock et al. (2011), o blueprint de serviços esclarece as interações entre clientes e funcionários e como elas são apoiadas por atividades adicionais e sistemas de bastidores. Pelo fato de possibilitar uma ampla visão das etapas do serviço, tanto pelo ponto de vista do cliente quanto da organização, o blueprint é uma ferramenta extremamente eficaz. É possível que, por meio dela, todas as áreas envolvidas na entrega de um serviço enxerguem o seu papel, reconheçam os momentos da verdade e, a partir disso, gerem uma experiência única para o cliente (BITNER; OSTROM; MORGAN, 2008). Para Bitner, Ostrom e Morgan (2008), a esquematização do processo como um todo apresenta benefícios importantes para a gestão do serviço, pois além de promover mais assertividade no que é oferecido, mitiga eventuais erros e otimiza custos, melhorando, sensivelmente, a experiência do cliente; tudo isso porque ele está no centro da abordagem. Elementos de um blueprint de serviços O mapeamento de um serviço é utilizado para determinar os procedimentos que as áreas envolvidas deverão seguir; sendo assim, apresenta de forma visual as principais etapas e decisões a serem seguidas. Segundo Kalbach (2017), os blueprints consistem em várias camadas de informação, sendo a interação dessas camadas que fornece a visão dos sistemas do serviço. Para o autor, são cinco os componentes-chave de um blueprint de serviços: 1. evidência física – é composta pelos pontos de contato com os quais o cliente interage, podendo ser dispositivos físicos, softwares ou interações pessoais; 2. ações do cliente – interações que o cliente faz ao interagir com um serviço; 3. pontos de contato na linha de frente (frontstage) – ações que ocorrem diretamente na visão do cliente; 4. ações de apoio (backstage) – são atividades que ocorrem nos bastidores, que não são visíveis aos clientes, para prover o que acontece na linha de frente (frontstage); 5. processos de suporte – etapas internas que apoiam os funcionários na prestação do serviço e que impactam diretamente a experiência do cliente. Importante destacar que esses elementos no blueprint de serviço são organizados em grupos separados por linhas, sendo: 6. linha de interação – separa as interações entre o cliente e o provedor do serviço; 7. linha de visualização – destaca as atividades de serviço visíveis ao cliente daquelas que não são visíveis; 40 8. linha de interação interna – separa os funcionários que fazem contato com clientes daqueles que não fazem as interações com clientes/usuários diretamente. A organização básica desses elementos está apresentada na figura 4: Figura 4 – Os elementos básicos de um blueprint de serviço. Fonte: Zeithaml, Bitner e Gremler, 2014. Etapas de um blueprint de serviços Zeithaml, Bitner e Gremler (2014) salientam que são muitos os benefícios da elaboração de um blueprint de serviços, cujo resultado final não é, necessariamente, o único objetivo. Ao longo do processo do mapa de serviços, diversos serviços intermediários podem ser atingidos. Os autores citam que o esclarecimento do conceito é o desenvolvimento de uma visão compartilhada; o reconhecimento das complexidades e enredamentos do serviço que antes não estavam claros, além do delineamento de papéis e responsabilidades, entre outros (ZEITHAML et al., 2014). 41 Na figura 5 estão demonstradas as etapas de um mapa de serviços. Para os autores, a estruturação de um blueprint de serviços não deve ficar a cargo de uma pessoa ou de uma área específica; devem estar envolvidos no processo, como já vimos anteriormente, clientes e funcionários . Na figura 5: Etapas de um mapa de serviços. Fonte: Zeithaml, Bitner e Gremler, 2014. Incorporação da experiência A experiência do cliente pode ser entendida como a resposta aos sentimentos e às percepções das pessoas, decorrentes do uso de um produto ou serviço. A avaliação positiva ou negativa dessa experiência está intrinsecamente ligada ao envolvimento de aspectos cognitivos, afetivos, emocionais, sociais e físicos do cliente durante o consumo. Portanto, elementos como imagem da marca, funcionalidade, desempenho, contexto de uso, interação, experiências anteriores, entre outros, afetam sobremaneira esta avaliação, impactando no relacionamento do cliente com a empresa. Nesse contexto, executivos têm dispensado atenção e investimentos para criar e entregar experiências relevantes ao cliente ao longo de todo o processo de compra e consumo de produtos e serviços, a fim de criar relacionamentos virtuosos. Portanto, o sentimento do cliente ao longo do relacionamento com a empresa é o ponto-chave. Para garantir que as experiências entregues a clientes e consumidores sejam positivas e consistentes, é necessário pensar (e repensar), constantemente, no desenvolvimento e na entrega do serviço. Desse modo, a experiência do cliente é um ativo estratégico para as empresas, tendo como fundamento a forma como elas se relacionam com ele. A partir do momento que a empresa observa e avalia as interações do cliente com o serviço, monitorando as suas reações, positivas ou negativas, é possível melhorar ou transformar a proposta de serviço por meio da ferramenta de blueprint. 42 Gestão da capacidade e gestão da demanda De maneira geral, a produtividade de um sistema qualquer pode ser definida como a relação entre o que é gerado pela demanda dos clientes e o que é necessário para que essa demanda seja entregue em dado período. Gestão da demanda Como já vimos anteriormente, os serviços têm algumas peculiaridades importantes. Diferentemente dos produtos físicos, que são fabricados, estocados e vendidos posteriormente, os serviços são comercializados antes de serem produzidos, além de serem consumidos ao mesmo tempo em que são produzidos. Serviços são também inseparáveis daqueles que os fornecem, sejam pessoas ou máquinas. Todas essas características fazem com que as empresas prestadoras de serviços contem, geralmente, com cenários nem sempre claros para prever a sua demanda. Falhas na previsão da demanda podem trazer impactos consideráveis para a prestação de um serviço. Dessa forma, conhecer e considerar a natureza dessa demanda é importante como primeira etapa para garantir a melhor prestação do serviço. A gestão da demanda é a identificação e a administração de todas as demandas por bens e serviços, a fim de satisfazer as necessidades dos clientes e facilitar tanto o gerenciamento quanto a utilização dos recursos por toda a empresa. Essa é a melhor maneira de realizar o balanceamento entre as demandas dos clientes e a capacidade necessária para prestar o serviço. O gerenciamento da demanda pode ser realizado por meio de: gestão da capacidade; treinamento de empregados multifuncionais; utilização de empregados em jornada parcial; aumento da participação dos clientes; planejamento dos turnos de trabalho e criação de capacidade ajustável. Na maioria das organizações, a responsabilidade pela previsão da demanda cabe ao setor de marketing, que precisa entender e impulsionar a demanda do mercado. Também é esse setor que, na maioria das empresas, define o preço dos serviços, o que tem impacto direto sobre a demanda. Suavização da demanda As organizações prestadoras de serviços podem amenizar possíveis flutuações de demanda por meiode ações ativas ou passivas, o que é chamado de suavização da demanda. Para tanto, Corrêa, Caon e Gianesi (2010) sugerem três políticas básicas de gestão da capacidade: 43 alteração da capacidade para um melhor ajuste à demanda; absorção das variações da demanda organizando sistemas de reserva ou filas, e direcionamento da demanda para um melhor ajuste à capacidade existente. Já Zeithaml et al (2014) sugerem as seguintes ações: desenvolvimento de serviços complementares; divisão da demanda; oferta de preços diferenciados; promoção em períodos de baixa ocupação; desenvolvimento de sistemas de reserva e gestão de filas de espera. Gestão da capacidade Ainda com o objetivo de garantir um planejamento eficiente para a execução dos serviços, a gestão da capacidade é também um aspecto a ser levado em consideração na gestão da cadeia de demanda. Uma clara, detalhada e, na medida do possível, precisa previsão da demanda para cada serviço de uma empresa é muito importante não só para a organização dos recursos, mas também para o planejamento e o controle da capacidade. Essas atividades, relacionadas com a gestão da capacidade, são, geralmente, de responsabilidade das áreas operacionais. Por exemplo, a área de marketing de uma rede de hotéis fica, geralmente, responsável pela gestão das centrais de reserva. É o marketing que vai desenvolver campanhas, ações promocionais e parcerias para impulsionar as vendas. É também o marketing que vai analisar a rentabilidade de cada serviço do hotel e definir as estratégias de preço. Todas essas atividades impactam, diretamente, a quantidade de reservas que o hotel vai receber e os serviços de acomodação que irá prestar. No entanto, o marketing não é responsável pela prestação do serviço de acomodação em si. Essa atividade será realizada pelas áreas operacionais de hospedagem, gestão de alimentos e gestão de lazer do hotel. Sendo assim, as informações da demanda devem chegar de forma clara e com a antecedência necessária para que as áreas responsáveis possam planejar-se, organizar os recursos necessários para a prestação do serviço e gerar a capacidade de quartos para a locação. Ainda considerando o exemplo da rede de hotéis, imaginemos que a área de marketing tenha atingido grande êxito em uma campanha promocional que objetivava aumentar a demanda em momentos de baixa hospedagem, mas não tenha informado à área operacional acerca do lançamento dessa campanha e de um possível aumento na demanda. Suponhamos também que os hotéis da rede trabalhem com a equipe reduzida em dias de baixa hospedagem. Nesse caso, certamente, a gestão da capacidade ficará comprometida, e isso terá reflexos negativos na prestação do serviço. 44 Como pudemos notar, a gestão da capacidade é um desafio para os prestadores de serviço, pois, assim como ocorre nas redes hoteleiras, a maioria das empresas que prestam serviços tem a sua capacidade limitada pela estrutura física e pela quantidade de mão de obra. Nesse sentido, as informações sobre a demanda são essenciais para que as empresas prestadoras de serviços possam realizar o seu planejamento de forma mais eficiente e não precisem resolver problemas de má gestão da capacidade ou da demanda durante a prestação do serviço. Equilíbrio entre demanda e capacidade disponível Um dos principais problemas enfrentados pelos gerentes de organizações de serviços com capacidade restrita consiste em equilibrar a demanda com a capacidade disponível. Ao contrário dos fabricantes de produtos físicos, os prestadores de serviços não podem depender do estoque de produtos para se precaver de uma flutuação da demanda. Dessa forma, o desenvolvimento de estratégias adequadas para a gestão da capacidade deve começar com uma compreensão dos padrões e determinantes da demanda. Isto é, o gestor de capacidade deve identificar se as flutuações da demanda são aleatórias ou seguem um ciclo previsível em que a empresa pode basear-se para se antecipar a essas movimentações. Mais do que isso, os gestores das empresas prestadoras de serviços devem investigar o que causa essas flutuações e como elas variam entre os diferentes segmentos do seu mercado. Por exemplo, é comum que a demanda de uma empresa prestadora de serviços de telefonia celular aumente durante os horários comerciais e diminua durante as madrugadas. Na virada do ano, no entanto, essa demanda sofrerá uma forte variação, pois haverá milhões de pessoas tentando se comunicar em um mesmo minuto. 45 Os gestores de empresas prestadoras de serviços são continuamente desafiados pela necessidade de obter equilíbrio entre a demanda dos clientes e a capacidade de prestar o serviço demandado. É importante considerarmos também que, às vezes, as decisões dos gestores de demanda têm impactos não óbvios sobre a gestão da capacidade. Por exemplo, uma política de redução significativa de preços de serviços criada pela área responsável pela gestão de demandas pode atrair clientes durante um período de baixa procura. No entanto, a extensão do impacto que essa flutuação na demanda pode ter na gestão da capacidade (aumento de equipe, compra de insumos para prestação do serviço) pode não significar o aumento da rentabilidade ou do lucro da empresa. Por esse motivo, a comunicação constante entre as áreas de gestão da demanda e da capacidade é essencial. Só assim será possível fazer análises prévias quanto ao impacto das decisões nas operações e, consequentemente, na lucratividade da empresa. Essas análises devem considerar o impacto da flutuação da demanda em áreas como: estoque de insumos; sistemas operacionais; contratação e treinamento de funcionários, e atendimento aos clientes. 46 Políticas de adaptação da capacidade Para evitar o desperdício de recursos (ociosidade de pessoas e equipamentos) e reduzir os meios de produção disponíveis, as empresas prestadoras de serviços podem formular certas políticas de adaptação à sua capacidade de oferta. Algumas dessas políticas são as seguintes: a) Praticar preços sazonais: Nesse caso, são oferecidos descontos em ocasiões de baixa demanda – ou vales, no caso de serviços contínuos –, como ocorre em certos horários nos cinemas e em certos dias da semana nos teatros. b) Oferecer pacotes para períodos de baixa demanda: Nesse cenário, são oferecidos serviços diferenciados em épocas de baixa temporada, como pacotes de hotelaria e turismo em semanas temáticas e a disposição dos serviços de hotelaria a empresas para realização de eventos. c) Ofertar serviços complementares: Nesse caso, são oferecidos serviços adicionais ao que a empresa já está acostumada a prestar, o que pode acontecer por meio de parcerias ou terceirizações. Trade-off qualidade versus produtividade Na gestão de serviços, a qualidade é vista como uma atitude de longo prazo que gera reflexos diretos na percepção e na avaliação dos clientes. Levando-se em consideração a simultaneidade da produção e da realização de um serviço, a avaliação da sua qualidade acaba se dando ao longo da oferta. Isso faz com que, muitas vezes, a satisfação do cliente esteja relacionada com a satisfação gerada no momento ou após a realização do serviço. Quando essa expectativa é superada, o serviço passa a ser percebido como de qualidade excepcional. Expectativas e percepções dos consumidores – Modelo 4Q Por meio do modelo 4Q de qualidade de serviços, Gummesson (1993) propõe quatro pontos a serem levados em consideração por gestores de prestadoras de serviços para uma análise coerente da qualidade oferecida. Vejamos: 1. a qualidade percebida pelo cliente pode se dar tanto em termos imediatos quanto no longo prazo, o que depende de inúmeros fatores, tais como a importância que o serviço tem para o cliente ou as suas características pessoais; 2. a percepção de qualidade provém de dois lados – das fontes de qualidadepropriamente ditas e da avaliação do resultado dos processos do serviço que está sendo prestado; 3. as fontes de qualidade do serviço são formadas por avaliações da qualidade atribuídas a dois elementos: 47 características do projeto, que remetem à forma como os elementos do serviço são desenvolvidos e qualidade de produção e entrega, que remete ao quão bem os elementos do serviço são produzidos e entregues em comparação com o projeto e 4. a avaliação da qualidade quanto ao resultado dos processos do serviço prestado decorre de duas avaliações: da qualidade do relacionamento, que envolve como o cliente percebe a qualidade durante os processos de serviço – por exemplo, a empatia dos prestadores de serviço, e da qualidade técnica, que diz respeito aos benefícios de curto e longo prazos trazidos pelo serviço – por exemplo, a segurança garantida por uma companhia seguradora. O esquema a seguir resume esse modelo. Figura 6 – Modelo 4Q de qualidade de serviços Fonte: Gummesson (1993). Em um cenário extremamente competitivo e acelerado no âmbito tecnológico, o consumidor se torna cada vez mais exigente. Dessa forma, a oferta de serviços de boa qualidade já não é mais uma vantagem competitiva, mas uma necessidade a ser alcançada pelo prestador de serviços. Para que o consumidor receba serviços agregados de alto nível, é necessária a administração das suas expectativas, que devem ser coerentes com o que é prometido pela prestadora de serviço. Também é necessário que o prestador saiba lidar com a percepção da qualidade, controlando todo o processo e verificando se ela está sendo identificada pelo consumidor. 48 Adicionalmente, as empresas prestadoras de serviços precisam desenvolver mecanismos de satisfação dos seus funcionários, pois eles serão responsáveis diretos pela conquista, satisfação e manutenção do seu público. Isso quer dizer que tudo o que se possa fazer para melhorar o desempenho dos funcionários que irão prestar o serviço ao cliente acabará gerando impactos positivos também na satisfação ao cliente. Qualidade versus quantidade As dimensões de qualidade e quantidade da oferta não podem ser tratadas isoladamente em uma empresa de serviços. É praticamente impossível separar um impacto na produtividade do serviço de um impacto na sua qualidade. Por conta disso, algumas técnicas e ferramentas são bastante indicadas para revisar o sistema de prestação de serviços durante a gestão da qualidade. Vejamos alguns exemplos: a) Medição eficiente da produtividade do serviço: Uma das técnicas utilizadas para revisar o sistema de prestação de serviços é a medição eficiente da produtividade do serviço. Para que essa medição seja feita de forma coerente, é importante que ambos os aspectos, da quantidade e da qualidade da produtividade do serviço, sejam operacionalizados e implementados por meio de uma unidade de medida facilmente mensurável. Nesse caso, desenvolver um fluxograma de processos pode permitir identificar os pontos críticos da execução das tarefas. b) Análise de Pareto: A Análise de Pareto é um modelo que agrupa e ordena a frequência de determinadas ocorrências, com base em uma ideia de que a maioria das consequências advém de uma quantidade reduzida de causas. Essa análise pode ser usada quando é preciso agrupar os problemas e determinar as suas causas. Essa técnica considera que grande parte dos problemas são causados por um pequeno número de fontes. Sendo assim, ela permite identificar as causas dos problemas de maneira mais clara e traçar uma estratégia para solucioná-los. Além disso, por meio dela, é possível priorizar os problemas de maior gravidade. c) Desenvolvimento de padrões de serviço: O desenvolvimento de padrões de serviço também facilita o gerenciamento e o aprimoramento do serviço. 49 Fatores-chave de sucesso da preparação de serviços Segundo pesquisadores, a primeira coisa a ser feita para garantir o sucesso de uma empresa é avaliar a prontidão dos seus ambientes externos e internos. Somente quando um gestor está confiante de que ele, os seus funcionários, fornecedores e clientes estão todos dispostos a aceitar as mudanças que o dia a dia da prestação de serviços pode exigir, podem ser criadas as condições estratégicas e culturais a partir das quais os serviços bem-sucedidos podem ser projetados e entregues. Dessa forma, estruturas de governança apropriadas, recursos, atividades de engajamento de clientes e processos de serviço são fundamentais e precisam ser implantados de modo que funcionem em paralelo uns com os outros. Além disso, é muito importante que o gestor estabeleça um mecanismo que comunique e incorpore as boas práticas já aprendidas pela empresa para que a estratégia e a prestação de serviços sejam fortalecidas, criando uma cultura de inovação e melhoria contínua. Os principais fatores-chave de sucesso da preparação da oferta de serviços são: avaliar o mercado e a prontidão interna – realizar mudanças em serviços significa que todas as partes envolvidas devem estar prontas para mudar e entender o valor de fazê-lo; criar o contexto estratégico e cultural certo – um negócio de serviços é diferente de um negócio de produtos e precisa de uma mentalidade completamente nova para ser implementada em todo o ecossistema de serviço; construir estruturas de governança para serviços – as empresas precisam comprometer-se claramente com os serviços, criando equipes devidamente habilitadas e estruturas organizacionais apropriadas; obter os recursos prontos para inovação e entrega dos serviços – quanto aos orçamentos de curto e longo prazos, é preciso reconhecer que os serviços são muito intensivos em recursos e mudam ao longo do tempo; gerenciar, proativamente, o engajamento e a confiança – os serviços são cocriados com clientes que são participantes ativos da jornada de serviço; desenvolver e incorporar processos de serviço – as empresas que prestam serviços devem experimentar e adaptar-se, e precisam de processos que lhes permitam fazer isso e otimizar os serviços e comunicar as melhores práticas – os serviços dependem da inovação contínua e exigem uma mentalidade de "melhores práticas". Além desses pontos há ainda outras questões relevantes para que se possa criar um vínculo mais forte da empresa com o mercado. São eles: definir, claramente, a ideia de valor do serviço e confirmar que ela é atraente para todas as partes envolvidas na sua entrega; comunicar um caso comercial convincente aos seus clientes – como o serviço proposto os ajudará a alcançar os seus objetivos?; 50 definir e comunicar uma visão de serviço clara e convincente, sustentada por uma lógica coerente de porque os serviços são importantes; assegurar que as pessoas, em todo o ecossistema, compreendam e acreditem na visão e na racionalidade dos serviços para que “vivam” a cultura do serviço; assegurar que a equipe interna e a dos parceiros do ecossistema estejam totalmente envolvidas e tenham adotado foco no cliente final; assegurar que os clientes estejam preparados para consumir os serviços; criar uma estrutura de governança com líderes de serviços que tenham a posição hierárquica, o poder e a autoridade necessários para expandir as receitas da empresa por meio de serviços; estabelecer e acordar objetivos estratégicos para serviços – traduzi-los em alvos e métricas de serviço, e alinhá-los com os incentivos individuais e de equipe; criar orçamentos de curto e longo prazos para apoiar a mudança nos serviços – equilibrando os investimentos necessários atuais e futuros, e mapear e identificar os recursos necessários para entregar os serviços. Conflitos éticos em serviço Para Thiry-Cherques (2008), o debate sobre a ética permeia as mais diferentes áreas do conhecimento, e o entendimento sobre esse tema tem consequências imediatas nas atividades
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