Buscar

COMA E REBAIXAMENTO DO NIVEL DE CONSCIENCIA

Prévia do material em texto

P á g i n a | 1 
 
 
URGÊNCIA E EMÊRGENCIA I 
COMA E REBAIXAMENTO DO NÍVEL DE CONSCIÊNCIA 
DOIS COMPONENTES DA CONSCIÊNCIA DEVEM SER ANALISADOS: 
• O nível (relacionado ao grau de alerta do indivíduo): depende de projeções para todo o córtex oriundas da 
formação reticular ativadora ascendente (FRAA), situada na porção posterior da transição 
pontomesencefálica (Figura 1). 
• O conteúdo: relaciona-se basicamente à função do córtex cerebral, das chamadas funções nervosas 
superiores, sendo afetado por lesões restritas a essas estruturas. 
AS ALTERAÇÕES DE CONSCIÊNCIA SÃO DIVIDIDAS UTILIZANDO-SE A TENDA DO CEREBELO COMO UM DIVISOR 
ANATÔMICO: 
• Encefalopatias focais infratentoriais, que acometem diretamente a FRAA. 
• Encefalopatias focais supratentoriais. 
• Encefalopatias difusas e/ou multifocais. 
Uma observação importante: as 
encefalopatias difusas geralmente são 
causadas por doenças clínicas, como 
transtornos metabólicos e intoxicações 
exógenas. Já nas encefalopatias focais 
(quer supra, quer infratentoriais), uma 
doença intracraniana é encontrada na 
maior parte das vezes. Exceções existem 
dos dois lados. Meningites, múltiplas 
metástases cerebrais, hemorragia 
subaracnoide e hipertensão intracraniana 
podem levar a um quadro de 
encefalopatias difusas, ao passo que 
hipoglicemia, encefalopatias hepáticas e 
urêmica podem apresentar-se com sinais 
localizatórios, simulando uma 
encefalopatia focal 
As situações neurológicas em que são 
observadas alterações dos estados de consciência são: 
ALTERAÇÕES DE NÍVEL DE CONSCIÊNCIA: 
• Coma. 
• Estado vegetativo persistente. 
• Estados confusionais agudos. 
• Morte encefálica. 
FALSAS ALTERAÇÕES DE NÍVEL DE CONSCIÊNCIA: 
• Retirada psíquica. • Estado deseferentado ou 
locked-in syndrome. 
• Catatonia. 
EXAME INICIAL: 
1. SINAL DE TRAUMA: Realizamos inspeção e palpação do crânio, que podem mostrar tecidos edemaciados ou 
depressão do crânio por fraturas. 
P á g i n a | 2 
 
 
2. PRESSÃO ARTERIAL: Pode estar normal, baixa ou alta (AVC), podendo haver dúvida se a PA é a causa ou a 
consequência do coma. 
3. TEMPERATURA: Pode apresentar temperatura normal, baixa ou alta 
• Coma com hipotermia: pode ocorrer nas intoxicações agudas (etanol, drogas sedativas, hipoglicemia, 
encefalopatia hepática e mixedema). 
• Coma com hipertermia: infecções, estado de mal epiléptico, hipertermia maligna, intermação (heat stroke), 
hemorragia pontina, lesões hipotalâmicas e intoxicações agudas (por exemplo, anticolinérgicos). 
INICIAMOS A ESTABILIZAÇÃO DO PACIENTE: Estabilização inicial: 
I. ABCD primário e secundário são prioritários; 
garantir a patência das vias aéreas é de 
grande importância. 
II. MOV com glicemia capilar (dextro): 
monitorização (PA não invasiva, oxímetro, 
cardioscopio), oxigênio e acesso venoso com 
coleta de exames laboratoriais. 
III. Glicose IV (100 mL de G50%) + tiamina IV (100 
mg) se não for possível descartar 
imediatamente hipoglicemia. 
IV. Colher gasometria arterial; pode sugerir a 
causa do coma. 
V. Tratar crises epilépticas, se indicado (fenitoína 
IV; 20 mg/kg). 
VI. Não esquecer: se não houver uma causa 
imediatamente reversível para o coma (por 
exemplo, hipoglicemia), proceder à intubação 
orotraqueal precocemente 
Após a estabilização da clínica do paciente realizamos uma avaliação neurológica com a finalidade de checar em qual 
subgrupo o paciente se enquadra. O exame neurológico deve ser rápido e pode ser dividido em: 
• Nível de consciência. 
• Pupilas e fundo de olho. 
• Motricidade ocular extrínseca. 
• Padrão respiratório. 
• Padrão motor. 
 
1. NÍVEL DE CONSCIÊNCIA: 
 
 
 
P á g i n a | 3 
 
 
 
2. PUPILAS E FUNDO DE OLHO:O fundo de olho pode 
mostrar evidências clínicas de doenças como DM, 
HAS e pressão intracraniana. Na semiologia das 
pupilas observa-se o diâmetro das pupilas 
(medindo-o em milímetros), verifica-se sua simetria 
ou assimetria (iso e anisocoria), assim como os 
reflexos fotomotor direto e consensual. 
OBS: o estímulo visual é captado pelo II nervo 
(óptico) e conduzido ao córtex occipital. 
3. MOTRICIDADE OCULAR EXTRÍNSECA (MOE):Os 
nervos cranianos envolvidos na motricidade ocular 
são o III, o IV e o VI Existem duas síndromes 
relacionadas à lesão associada da via piramidal (e, 
portanto, hemiparesia contralateral à lesão) e desvios conjugados do olhar horizontal: 
• Lesão do FRPP + trato piramidal contíguo: a lesão do FRPP de um lado causa desvio do olhar para o lado 
oposto da lesão e a lesão piramidal leva a hemiparesia contralateral. Essa é a chamada síndrome de Foville 
inferior (exemplo: hemiparesia direita com desvio do olhar conjugado para a direita). A presença desses 
achados ao exame indica encefalopatia focal infratentorial por lesão pontina. 
• Lesão da área 8 de Brodmann + trato piramidal contíguo: mais comum que a lesão anterior. Há lesão 
associada da área 8 de Brodmann (desvio do olhar para o lado da lesão) e lesão piramidal contígua com 
hemiparesia contralateral (exemplo: hemiparesia direita com desvio do olhar conjugado para a esquerda). 
Essa síndrome ocorre em lesões focais supratentoriais, geralmente extensas, e é chamada de síndrome de 
Foville superior. 
A análise da MOE é feita em cinco etapas: 
I. Observação dos movimentos oculares 
espontâneos. 
II. Manobra dos olhos de boneca: 
• Realizam-se bruscos 
movimentos da cabeça, para o lado direito e 
esquerdo, e posteriormente no sentido de flexão e 
extensão da cabeça sobre o tronco. Em razão das 
conexões existentes entre receptores 
proprioceptivos cervicais e labirínticos e os núcleos 
do III e VI nervos cranianos, os olhos realizam 
movimentos em igual direção e velocidade, porém 
em sentido contrário ao movimento da cabeça. 
Quando alterados, sugerem lesão do tronco cerebral. 
• Quando existir suspeita de lesão de coluna cervical (notadamente nos traumas) essa manobra 
não deve ser feita, pelo risco do agravamento de eventual lesão medular associada. 
III. Manobra óculo-vestibular: 
• Água gelada (50 a 100 mL) é injetada no conduto auditivo externo de um lado e repetido do 
outro lado após 5 minutos. No indivíduo em coma, com vias intratronco intactas, isso provoca 
desvio dos olhos para o lado estimulado. Lembrar que: 
P á g i n a | 4 
 
 
✓ água gelada inibe o labirinto do lado onde foi injetada; 
✓ água quente estimula o labirinto do lado da injeção; 
✓ a manobra óculo-vestibular deve ser realizada após otoscopia (para excluir lesão 
timpânica); 
✓ o doente deve ser colocado com a cabeça 30° acima da horizontal; 
✓ estímulo com água gelada em ambos os ouvidos provoca desvio dos olhos para baixo; 
✓ estímulo com água quente (44°) em ambos os ouvidos provoca desvio dos olhos para 
cima. 
IV. Reflexo córneo-palpebral: Produz-se um estímulo na córnea; como resposta, há fechamento dos olhos 
e desvio dos olhos para cima (fenômeno de Bell). Esse reflexo permite que se analise o nervo trigêmeo 
(via aferente), nervo facial (via eferente) e área tectal que controla os movimentos verticais do olhar. 
V. Observação das pálpebras: A pálpebra em geral está fechada nos doentes em coma; como dito 
anteriormente, coma com olhos abertos sugere lesão aguda de ponte, frequentemente de natureza 
vascular. A presença de déficit de fechamento de pálpebras pode sugerir lesão do VII nervo craniano. Já 
a semiptose palpebral sugere lesão simpática e a ptose completa lesão do III nervo. 
Resumidamente, as seguintes possibilidades de resposta da motricidade ocular podem ser encontradas 
(independentemente de como seja feita a pesquisa): 
• Resposta conjugada tônica: integridade de ponte e mesencéfalo. 
• Resposta desconjugada (abdução presente e adução ausente): lesão do fascículo longitudinal 
medial ou III nervo. 
• Resposta desconjugada (abdução ausente e adução presente): lesão do nervo abducente. 
• Resposta negativa: lesão grave de vias dentro do tronco. 
• Resposta horizontal normal e verticalpatológica: lesão mesodiencefálica. 
• Resposta vertical normal e horizontal patológica: integridade mesencefálica e lesão pontina. 
4. PADRÃO RESPIRATÓRIO: Pode ser influenciado por inúmeros fatores, e na maior parte das vezes é um 
parâmetro pouco útil na avaliação de coma. 
5. PADRÃO MOTOR:A via motora se estende do giro pré-central até a porção baixa do tronco (bulbo), onde 
decussa para o lado oposto para atingir a medula cervical. Essa via é frequentemente afetada em lesões 
estruturais do sistema nervoso central. Por isso, a presença de sinais motores focais sugere doença 
estrutural, com raras exceções (hipoglicemia, encefalopatia hepática, encefalopatia urêmica). A avaliação do 
padrão motor deve ser sistematizada: 
• Observação da movimentação espontânea do doente. 
• Pesquisa de reflexos, com atenção à sua presença e simetria, analisando a presença de sinais patológicos 
como sinal de Babinski e reflexo patológico de preensão palmar (grasp). 
• Pesquisa do tonus muscular, pela movimentação e balanço passivos, com atenção a hipertonia, hipotonia e 
paratonia (nesse caso observamos uma resistência à movimentação passiva, que lembra hipertonia plástica, 
porém cuja semiologia lembra mais resistência voluntária e que desaparece ao movimentarmos lentamente 
o membro). 
• Observação dos movimentos apresentados pelo doente à estimulação dolorosa (leito ungueal, região 
supraorbitária, osso esterno). 
P á g i n a | 5 
 
 
 Podemos assim observar vários padrões de comportamento motor, que sugerem níveis diferentes de lesão: 
• Hemiparesia com comprometimento facial: sugere envolvimento hemisférico contralateral. 
• Hemiparesia com comprometimento facial e paratonia: sugere envolvimento hemisférico contralateral com 
herniação central incipiente ou afecção frontal predominante. 
• Sinergismo postural flexor (decorticação): consiste em uma postura em que ocorre adução, flexão do 
cotovelo, flexão do punho e dos dedos, do membro superior, e hiperextensão, flexão plantar e rotação 
interna, do membro inferior. Esse padrão de resposta motora sugere disfunção em nível supratentorial. 
• Sinergismo postural extensor (descerebração): consiste em postura em que ocorre adução, extensão, 
hiperpronação, do membro superior, e extensão, flexão plantar, do membro inferior, muitas vezes com 
opistótono e fechamento de mandíbula. Pode ocorrer com lesões na altura do tronco encefálico alto. 
• Resposta extensora anormal no membro superior com flacidez ou resposta flexora fraca no membro inferior: 
esse padrão de resposta sugere lesão em nível de tegmento pontino. 
• Flacidez e ausência de resposta: sugere lesão periférica associada, ou lesão pontina baixa e bulbar. 
EXAMES COMPLEMENTARES: Assim que um paciente com alteração de nível de consciência chega ao PS, deve-se 
imediatamente realizar uma glicemia capilar (dextro): se houver hipoglicemia, administrar imediatamente 60 a 100 
mL de glicose a 50% concomitante à tiamina (100 mg IM/IV). De uma forma simplificada, os exames complementares 
são divididos em: 
• Exames para causas tóxicas, metabólicas, infecciosas ou sistêmicas: nesse caso, dependerão muito do 
contexto clínico e dos achados do exame físico. Um perfil mínimo inclui: hemograma, eletrólitos (inclusive 
cálcio), gasometria arterial, função renal, função e enzimas hepáticas, glicemia, exames de coagulação, urina 
tipo I e eletrocardiografia. Poderão ser necessários: hemoculturas, marcadores de necrose miocárdica, 
exames toxicológicos, dosagem de anticonvulsivantes em epilépticos, dosagem de hormônios tireoidianos, 
hormônios adrenais etc. 
• Exames para investigação de causa primariamente neurológica: 
✓ Doentes com encefalopatias focais devem ser submetidos a exame de imagem intracraniano, 
geralmente tomografia (TC), eventualmente, ressonância (RMN). Com exceção de casos de 
hipoglicemia, encefalopatia hepática e urêmica, o achado de encefalopatia focal se relaciona a 
causas estruturais. 
✓ Diante de um doente com alterações do exame que sugiram uma encefalopatia difusa ou multifocal 
a investigação neurológica está indicada nas seguintes situações: 
o Ausência de história clínica: quando não há dados claros relativos à evolução da alteração de 
consciência é incorreto apenas inferir etiologias. Deve-se, ao contrário, contemplar todas as 
possibilidades etiológicas possíveis. 
o A história clínica ou dados do exame clínico claramente apontam para uma patologia 
neurológica: trauma de crânio, cefaleia súbita, febre e rigidez de nuca etc. 
o Rebaixamento de nível de consciência em doentes com história de imunodepressão, 
neoplasias ou coagulopatias: são doentes de alto risco para apresentar patologias 
intracranianas. 
o Quando não há uma causa clínica que explique o rebaixamento de consciência ou quando 
essa causa já foi corrigida sem a normalização do exame neurológico. 
o Nesses casos, os exames necessários incluem: 
P á g i n a | 6 
 
 
▪ Tomografia computadorizada de crânio (eventualmente, ressonância magnética 
nuclear): inicialmente sem contraste e, se necessário, com contraste. A sensibilidade 
da tomografia para diagnóstico etiológico do rebaixamento de consciência varia de 
acordo com a patologia estudada. 
▪ Punção liquórica: fornece a medida da pressão intracraniana, auxilia no diagnóstico 
de doenças inflamatórias, infecciosas e neoplásicas do sistema nervoso central, e 
pode confirmar uma hemorragia subaracnoide. 
▪ Eletroencefalograma: deve ser realizado se um diagnóstico não foi encontrado com 
os exames de imagem e liquor 
Com relação a doentes epilépticos, é comum haver alteração de nível de consciência após um estado de mal 
epiléptico tônico-clônico generalizado. Existem algumas possibilidades etiológicas nesses casos e os exames acima 
poderão ajudar a diferenciá-las: 
▪ Estado pós-ictal. 
▪ Houve dano permanente ao córtex em consequência do estado de mal epiléptico. 
▪ Houve lesão estrutural secundária à crise (exemplo: trauma de crânio). 
▪ Doente está em estado de mal epiléptico não convulsivo. 
▪ A mesma etiologia explica o estado de mal epiléptico e o rebaixamento de nível de consciência (exemplos: 
meningoencefalite, hemorragia subaracnoide). 
▪ O rebaixamento deve-se aos medicamentos utilizados para tratar seu estado de mal epiléptico (iatrogenia). 
MORTE ENCEFÁLICA: Para finalizar, independentemente da etiologia que esteja levando ao comprometimento da 
consciência, o estado neurológico pode deteriorar para uma situação de irreversibilidade e ausência de funções 
encefálicas que caracteriza a morte encefálica. É de larga aceitação atual o conceito de que a confirmação da morte 
encefálica deve se basear em quatro princípios fundamentais: 
• Perfeito conhecimento da etiologia da causa 
do coma. 
• Irreversibilidade do estado de coma. 
• Ausência de reflexos do tronco encefálico. 
• Ausência de atividade cerebral cortical. 
CRITÉRIOS CLÍNICOS PARA O DIAGNÓSTICO DE MORTE ENCEFÁLICA: 
1. Diagnóstico da doença ou situação que precipitou a condição clínica. 
2. Afastar situações que simulem morte encefálica. 
 3. Exame neurológico: 
a. Consciência: escala de coma de Glasgow = 3 (exceto respostas medulares). 
b. Pupilas: médias ou midriáticas (diâmetro = 4-5 mm e ausência do reflexo fotomotor). Pupilas pequenas 
sugerem intoxicação. 
c. Motricidade ocular: manobras óculo-cefálica e óculo-vestibular negativas. 
d. Resposta motora: sem resposta motora à estimulação dolorosa, podendo ocorrer respostas medulares. 
 e. Reflexos: axiais da face, corneano, mandibular e faríngeo ausentes. Reflexo cutâneo-plantar irrelevante. 
f. Respiração: realizar obrigatoriamente apneia oxigenada para atingir o estímulo respiratório máximo 
(paCO2 = 55-60 mmHg) sem que ocorram movimentos respiratórios espontâneos. 
4. Tempo mínimo de observação: 6 horas. 
 
P á g i n a | 7 
 
 
EXAMES SUBSIDIÁRIOS (VALOR APENAS CONFIRMATÓRIO): 
Demonstram falta de atividade encefálica: EEG, potencial evocado,dosagem de neuro-hormônios. 
Demonstram ausência de fluxo vascular encefálico: Angiografia encefálica, por cateterismo, de ambas as artérias 
carótidas e vertebrais; angiografia com isótopo radioativo, SPECT, Doppler transcraniano.

Continue navegando