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TÓPICOS ESPECIAIS EM ENGENHARIA DA PRODUÇÃO AULA 2 Prof. Roberto Pansonato 2 CONVERSA INICIAL Prezado aluno, como já salientamos em outras oportunidades (e com certeza ainda o faremos em outras tantas), a flexibilidade de atuação do engenheiro de produção é notável. Esta aula será destinada aos tópicos qualidade e produtividade. Para compreender mais detalhadamente essas áreas do conhecimento, nada melhor do que um breve relato de um caso do cotidiano de uma empresa. A empresa desse caso é a Metalúrgica Vima Ltda. (nome fictício). A Vima estava num processo de crescimento em termos de vendas. Especializada em peças metálicas estampadas e usinadas para indústria automotiva, recebeu recentemente uma excelente proposta para fornecimento de algumas peças estampadas de um grande cliente. Seu proprietário, Sr. Mateus, tem vasto conhecimento técnico sobre os processos de estamparia (corte, dobra e repuxo) e ferramentaria, porém não tem conhecimento sobre os procedimentos de qualidade que eram necessários para atender aos requisitos do cliente. Para iniciar o fornecimento, o cliente solicitou que a empresa implantasse um sistema de gestão da qualidade baseado nas normas ISO 9000, que dominasse as ferramentas da qualidade para solução de problemas, e que tivesse um sistema de controle de tempo das atividades produtivas para posterior avaliação. No planejamento da empresa para o ano corrente, já estava prevista a contratação de um engenheiro de produção para os processos de estamparia. Por ser uma empresa de porte pequeno, na estratégia concebida pelo Sr. Mateus, esse engenheiro deveria assumir as funções referentes à produção e qualidade. Uma característica administrativa da empresa Vima era a de formar profissionais “em casa”, ou seja, contratar jovens recém-formados e treiná-los de acordo com a cultura organizacional da empresa. Para atender a essa demanda, foi contratado Alex, um engenheiro de produção recém-formado. O desafio a ser enfrentado por Alex era realmente complexo. Os conhecimentos obtidos na faculdade seriam suficientes para atender as demandas previstas? Por mais que se busque auxílio no mundo virtual da internet, saber como aplicar as técnicas aprendidas e obter bons resultados é outra história. 3 E quais seriam as competências que Alex deveria ter para atender aos requisitos de qualidade e produtividade? Vamos resumir essas competências em forma de temas que serão abordados nessa aula: 1. Sistemas de Gestão da Qualidade: ISO 9000 2. Metrologia: MSA e R&R 3. Utilizando as ferramentas da qualidade I 4. Utilizando as ferramentas da qualidade II 5. Tempos e métodos na prática O Brasil, de uma forma geral, não é um país de destaque quando se aborda itens referentes à qualidade e produtividade. É evidente que temos bons exemplos a serem apontados, mas também é de conhecimento geral que temos muito que avançar nesses quesitos, e o engenheiro de produção tem participação importantíssima nesse desafio. Vamos ver como o engenheiro Alex “se saiu nessa”. TEMA 1 – SISTEMAS DE GESTÃO DA QUALIDADE: ISO 9000 É interessante como é de entendimento comum que os produtos e serviços devem atender aos clientes com qualidade. Há uma frase que diz que qualidade é fazer o óbvio. Mas por que é tão difícil fazer o óbvio? Por que existem tantos problemas de qualidade, tanto em produtos quanto em serviços? Com certeza, você que está lendo esses parágrafos já deve ter tido algum problema relativo à qualidade: ou um produto com defeito ou um serviço que não atendeu as expectativas, como atraso na entrega ou serviço mal executado. Mas onde o engenheiro de produção entra nessa conversa? A decisão de trabalhar em um sistema de qualidade robusto passa por uma relação de investimento e retorno, e o engenheiro de produção tem papel importante nesse processo. A cultura organizacional influencia o comportamento dos funcionários, que por sua vez influencia nos resultados da empresa e na relação com o cliente. Portanto, se o objetivo de uma empresa é prover produtos e serviços com qualidade, é necessário que esse desejo faça parte da cultura da empresa. E para que isso ocorra, é preciso que se tenha um sistema de gestão de qualidade robusto. Entre os acontecimentos que alavancaram os níveis de qualidade de produtos e serviços ao redor do mundo, um deles, inegavelmente, é o 4 surgimento, no Japão, do movimento denominado TQC (Total Quality Control), em português, Controle Total da Qualidade. Isso fez com que o ocidente se mexesse e intensificasse os trabalhos em prol da ISO 9000. Embora a data de criação seja 1947, foi a partir da década de 80 que a ISO 9000 passa a ser disseminada pelo mundo, chegando a ser utilizada em mais de 170 países. As normas ISO série 9000 são constituídas por normas destinadas ao Gerenciamento da Qualidade e à Qualidade Assegurada. O objetivo principal é de desenvolver e promover normas que possam ser utilizadas igualmente por todos os países do mundo. A Figura 1 mostra algumas derivações da ISO 9000. Figura 1 – ISO 9000 e suas derivações Mas a obtenção da ISO 9000 é garantia da qualidade total? Não necessariamente; no entanto, é um excelente caminho para implantação de uma cultura baseada na qualidade nas empresas. A ISO 9000 é a norma que regulamenta os fundamentos e o vocabulário do Sistema de Gestão da Qualidade, e traz conceitos centrais que são utilizados no sistema. A ISO 9001 fornece orientações sobre a qualidade dos projetos, bem como sobre seu desenvolvimento, produção, instalação e manutenção. É uma das normas mais específicas, e mostra como deve ser cada processo da empresa (Furtado; Da Silva, 2019). A versão atual da ISO 9001 é a de 2015. Mas na prática, como o engenheiro de produção Alex poderá atuar nesse processo? Bom, ele pode atuar 5 diretamente como um coordenador da qualidade ou também na preparação dos procedimentos em atendimento às normas. Mas quais seriam essas normas? Antes de focar em algumas dessas normas, vamos relembrar os princípios que regem a ISO 9001 2015: 1. Foco no cliente — o objetivo maior de qualquer organização. O cliente pode ter outras designações (consumidor, usuário, público), entretanto o bem ou o serviço é sempre prestado a ele, que, de forma direta ou indireta, é o motivo da existência das organizações. 2. Liderança — Pode ser interpretada como uma liderança no negócio ou como uma atuação por meio da liderança em qualidade. Esse mesmo princípio definirá o grau de engajamento das pessoas, que é decorrente do interesse delas pela organização e por seus processos, bem como por aquilo que a organização pode oferecer em contrapartida. 3. Engajamento das pessoas — Representa o comprometimento das pessoas com os processos em que estão envolvidas. 4. Abordagem por processos — Este princípio, bem como o pensamento sistêmico, dá à qualidade a visão do todo. Isso se justifica, uma vez que são os processos que determinarão os resultados obtidos pelas organizações. A abordagem sistêmica permite a análise das consequências dos processos adotados pela organização e do seu impacto em cada instante da produção e/ou fornecimento. 5. Melhoria contínua — O princípio relativo à melhoria contínua indica que a norma prevê a evolução da qualidade, não necessariamente mantendo o sistema de gestão da qualidade original, o que permite que as organizações se desenvolvam e aperfeiçoem seus produtos com o tempo. 6. Tomada de decisão baseada em evidência — Muito utilizado para a avaliação da qualidade, este princípio indica a utilização de dados como fundamento para sistemas de gestão da qualidade; a tomada de decisões deve se realizar com base em fatos e não em situações subjetivas. 7. Gestão de relacionamentos — Parte da lógica de que o fornecedor poderá ampliaro espectro da qualidade, oferecendo matéria-prima de qualidade, que, por sua vez, resultará em ganhos de mercado do produto principal e também em ganhos para o próprio fornecedor. Assim, são fomentadas as relações de qualidade com os fornecedores, o que redunda em benefícios mútuos. 6 Os princípios acima fomentam a base de sustentação para entendimento da ISO 9001. Outro aspecto que facilita bastante o trabalho para implantação de um sistema de gestão da qualidade baseado na ISO 9001 é o entendimento das seções (ou requisitos) da referida norma. Abaixo, é possível visualizar de uma forma macro como estão estruturadas as seções 4 a 10, e uma analogia com o PDCA. Figura 2 – ISO 9001 2015 seções 4 a 10 Crédito: Maria, 2013. Para ajudar o engenheiro Alex, vamos exemplificar algumas seções com o auxílio de procedimentos práticos. Vejamos: Sobre a Seção 6 – Planejamento, tópico 6.1. Traz ações para abordar riscos e oportunidades. A norma solicita que a organização apresenta mecanismos que possam identificar os riscos, analisá-los, avaliá-los e agir no sentido de reduzi-los ou eliminá-los. Suponha que na Metalúrgica Vima um dos produtos que pode ser produzido em apenas uma máquina existente na empresa tem apresentado, através de análises estatísticas, baixa capabilidade de processo, ou seja, alta probabilidade de produzir peças defeituosas. 7 Quais são as estratégias para a gestão desse risco? Existe algum fornecedor externo que atenda aos requisitos desse produto? Existe algum plano de manutenção do equipamento que melhore a capabilidade do processo? Nota-se que o entendimento básico de uma das subseções da norma já direciona a empresa no sentido de criar procedimentos e ações que atuem diretamente sobre a qualidade do produto ou serviço. TEMA 2 – METROLOGIA: MSA E R&R Pode-se questionar: qual é a relação de um engenheiro de produção com a metrologia? Vamos utilizar o exemplo acima para melhorar o entendimento. Uma determinada máquina da empresa Vima tem demonstrado tendências de produzir produtos fora do especificado. Normalmente, a primeira suspeita recai sobre as condições do equipamento: manutenção, dispositivos de fixação, ferramentas etc. No entanto, o engenheiro de produção pode estar sendo ludibriado pelo sistema de medição, ou seja: será que a variação apontada na medição das peças provém do equipamento ou do sistema de medição? Nesse momento, entram os conhecimentos sobre metrologia, que podem ajudar muito na solução de problemas. Vamos recordar alguns tópicos vistos na aula de Metrologia. O primeiro deles é sobre MSA (Measurement System Analysis), em português, Análise dos Sistemas de Medição. Segundo o Inmetro (portaria n. 163, 2005), a verificação de um instrumento de medição é o procedimento que compreende o exame, a marcação e/ou a emissão de um certificado de verificação que constata e confirma que o sistema de medição satisfaz às exigências regulamentares. Para ajudar a solucionar esse problema, é ideal que se faça um estudo de R&R. No entanto, o que vem a ser R&R? O R&R é um método para estimar a variabilidade associada ao sistema de medição com base em dois termos: a repetitividade e a reprodutibilidade. Por meio desse método estatístico, é possível analisar se o equipamento de medição está dentro dos critérios de aceitação e de onde provém os possíveis erros Vamos supor que o desenho do produto da empresa Vima tenha a configuração a seguir (dados fictícios), e a dimensão que está apresentando problemas refere-se à cota de 1,4 ± 0,02. 8 Figura 3 – Desenho da peça para estudo de R&R (fictícia) Crédito: Pansonato, 2019. O dispositivo de inspeção para essa medida é indireto, com componentes mecânicos que deslizam em mancais cilíndricos acionados por mola. A obtenção da medida é obtida por meio de coluna eletrônica de medição e transdutores lineares LVDT. O ajuste do dispositivo é obtido através de um padrão devidamente calibrado. Para efetivar o estudo de R&R, o engenheiro Alex precisa cumprir as seguintes etapas, conforme aula da disciplina de Metrologia: Selecionar aleatoriamente operadores que utilizam e conhecem bem o sistema de medição a ser estudado. Em geral, recomenda-se três operadores. Se isso não for viável, utilizar pelo menos dois operadores. Caso o operador não influencie na medição, não avalie a reprodutibilidade. Utilizar equipamentos de medição devidamente calibrados. Selecionar de 5 a 15 peças da produção cujas dimensões varram o campo de variação do processo. Se o sistema de medição for utilizado para processos com campos de variação muito distintos, recomenda-se realizar estudos de R&R distintos. Sempre que possível, procure obter g = (número de peças) X (número de operadores) maior que 15. Se isso não for possível, aumente o número de leituras por peças. Escolher o método de conduzir e analisar o estudo. Identificar cada operador (avaliador) que será avaliado no sistema de medição através de uma letra (operador A, B e C). Identificar as peças com números sem que estes sejam do conhecimento dos avaliadores. 9 Obter do avaliador “A” as medidas das “n” peças, de modo aleatório, seguindo um procedimento de medição e efetuar os devidos registros. Repetir o procedimento com os avaliadores “B” e “C”. Esse ciclo deve ser repetido pelo menos três vezes com os operadores A, B e C. Após a coleta de dados, os valores, juntamente com as informações da peça, devem ser inseridos em uma planilha ou até mesmo um software que faça o cálculo do R&R. Há como fazer os cálculos manualmente, conforme informações contidas em aula da disciplina de Metrologia, porém o tempo despendido e a possibilidade de ocorrer um erro humano inviabilizam essa hipótese. Após realizado os cálculos pertinentes, é necessário analisar os gráficos e também o resultado final (em porcentagem), utilizando o quadro a seguir como referência para a tomada de ações. Quadro 1 – Índices de decisão do estudo de R&R R&R DECISÃO COMENTÁRIOS Abaixo de 10% Sistema de medição geralmente considerado aceitável Recomendável principalmente quando as especificações de projeto são “estreitas” e quando for requerido um controle apertado do processo Entre 10% e 30% Pode ser aceito para algumas aplicações A decisão deve ser baseada na importância da aplicação da medição que está sendo realizada, no uso e nos riscos associados à peça que está sendo medida, no custo de decisões erradas em função da inadequação do SM. Nesse caso, o sistema de medição adotado pela empresa fornecedora da peça deve ser aprovado pelo cliente. Acima de 30% Considerado inaceitável Deve se analisar as causas da baixa adequação e melhorar o SM, planejando e implementando as ações necessárias. A utilização do quadro é de suma importância para A tomada de decisão quanto ao desempenho do sistema de medição. No caso da empresa Vima, o resultado foi superior a 30%, E, portanto, o sistema de medição deve ser melhorado. Até que isso aconteça, um plano de contenção deve ser implementado (outro meio de medição, inspeção 100% etc.) TEMA 3 – FERRAMENTAS DA QUALIDADE (I): CARTA DE CONTROLE Se bem utilizadas, as ferramentas básicas da qualidade podem ajudar a resolver a grande maioria dos problemas relativos à qualidade, no entanto ainda 10 se vê dentro das empresas um mau uso dessas ferramentas, e como consequência deixamos de gerar resultados positivos. Muitas vezes, alguns profissionais desistem de utilizá-las, por não conseguirem aplicá-las de forma eficaz. Vicente Falconi Campos (1992), um dos gurus brasileiros para assuntos relacionados à qualidade, descreve: Diante de um problema as empresas pulam todo processo de análise das causas, entendimento das razões do problema e já querem ir para a solução. Essas soluções na maioriadas vezes não são as mais acertadas – no final você tem métodos que custam caro e não resolvem o problema. (Campos, 1992) E por que será que isso acontece nas empresas? Um dos motivos, conforme já apresentado, é a busca por soluções imediatas. Mas vamos ver como as ferramentas da qualidade podem ajudar o engenheiro de produção Alex. O engenheiro de produção sempre deve estar atento a tudo que o corre no chão de fábrica ou na área destinada à execução de serviços. Alex logo entendeu o quanto era importante essa forma de trabalho. Em uma das incursões pela fábrica, foi solicitado a auxiliar dois colaboradores que estavam enfrentado um problema. Vamos chamá-los de colaborador “A” e colaborador “B”. O colaborador “A” era responsável pelo setor de usinagem e fornecia um componente metálico que seria acoplado a um conjunto no setor de montagem, que era coordenado pelo colaborador “B”. Algo comum que ocorre na área de usinagem é manter o dimensional da peça próximo ao limite superior da tolerância, pois o risco de produzir uma peça não conforme é menor (ou o risco de “matar” a peça, que é a expressão utilizada no chão de fábrica). Isso estava acontecendo na usinagem e afetando diretamente o setor de montagem, pois pelo fato de a medida das peças estar no limite superior (as vezes até um pouco acima), o acoplamento no conjunto final estava comprometido. Muitas vezes, era necessário desmontar algumas peças e “tentar” algumas outras para finalizar o conjunto montado. Para auxiliar na solução desse tipo de problema, uma das ferramentas da qualidade que pode ser utilizada é a carta de controle. De acordo com Kume (1993), os gráficos de controle foram idealizados por Shewhart com a finalidade de separar as chamadas causas assinaláveis (comuns), aquelas passíveis de serem identificadas e acompanhadas, das causas aleatórias, aquelas cuja ocorrência não pode ser prevista. 11 Como se trata de um item com característica de valor contínuo (variável), é aconselhável utilizar um gráfico �̅� – R (média e amplitude). Como se trata do controle de uma mediada de comprimento, esse gráfico é o mais indicado. O primeiro passo para a criação de uma carta de controle é a coleta de dados. Vale ressaltar que para esse estudo não houve a preocupação de se trabalhar próximo ao limite superior de especificação. No caso em estudo, foram coletadas seis amostras com cinco medidas cada, conforme tabela abaixo. A partir daí, calcula-se médias, amplitudes e desvios padrões. Tabela 1 – Coleta de dados para carta de controle Crédito: Pansonato, 2019. Gráfico 1 – Carta de controle (médias) Crédito: Pansonato, 2019. 12 Detalhes para a realização dos cálculos podem ser obtidos nas aulas da disciplina de Gestão da Qualidade. Após essa experiência com a implantação da primeira carta de controle na empresa Vima, Alex aprimorou mais o seu trabalho, com a implantação de controle estatístico de processo (CEP) para dimensões com características críticas. TEMA 4 – FERRAMENTAS DA QUALIDADE (II): CORRELAÇÃO Pelas suas características de atuação, o engenheiro de produção se envolve com várias áreas de uma empresa. Nesse tema, continuamos a abordar assuntos relativos à qualidade, mais especificamente as ferramentas da qualidade, porém o caso que ocorreu com o engenheiro Alex da empresa Vima envolveu produção, engenharia de produção e manutenção. Um determinado equipamento da empresa estava apresentando ligeira queda de performance e essa variação era motivo de reclamação da produção na reunião gerencial. O pessoal da produção insistia que a máquina estava com perda de pressão hidráulica. E isso vinha afetando o seu desempenho, e consequentemente o desempenho da produção. Por outro lado, a manutenção, que fazia a coleta de dados periodicamente, informava que não havia nada de errado com a pressão hidráulica da máquina. Afirmava ainda que os valores estavam dentro das condições normais da máquina, conforme informações do fabricante. O engenheiro Alex, que participava diariamente dessas reuniões, foi questionado em relação ao que fazer para evidenciar se estava ocorrendo ou não deterioração dos níveis de pressão da máquina. Como fazer esse estudo com uma base estatística? Para solucionar esse problema, Alex usou uma das ferramentas da qualidade, que é o gráfico de correlação (ou dispersão). O gráfico de correlação (ou dispersão) é uma ferramenta que possibilita o estudo da relação entre duas variáveis associadas, indicando os padrões de variação que definem o padrão da qualidade (Kume, 1993, citado por Seleme; Standle, 2012, p.94). Duas variáveis podem ser consideradas relacionadas se a mudança de uma provoca a mudança na outra, tal qual velocidade de um veículo e o consumo de combustível, por exemplo. Mas será que isso se aplica ao caso em questão? Como em qualquer estudo, o primeiro passo foi a coleta de dados. O departamento de manutenção tinha dados referentes a oito meses, quantidade 13 que não foi aceita pelo engenheiro, em função da baixa quantidade de amostras. Foram coletadas mais quatro amostras, dentro das mesmas condições das amostras anteriores, para completar doze meses, conforme tabela abaixo. Tabela 2 – Dados para estudo de correlação Meses (X) Pressão (y) Mpa 1 1 10,3 2 2 9,9 3 3 10,8 4 4 9,3 5 5 9,5 6 6 10,4 7 7 9,0 8 8 9,3 9 9 7,6 10 10 7,8 11 11 8,0 12 12 7,8 Crédito: Pansonato, 2019. Com os dados coletados, utilizou-se de uma planilha de Excel para efetuar os cálculos e o gráfico, conforme vemos a seguir. Gráfico 2 – Correlação Crédito: Pansonato, 2019. 14 É evidente que somente através de uma avaliação visual já é possível enxergar que há uma certa correlação nos dados avaliados, principalmente em função do gráfico criar uma reta com os dados visualmente agrupados. Porém, existem outras variáveis que devem ser avaliadas. Uma delas é o coeficiente de Correlação Linear (r), que mede o grau de relacionamento linear entre valores emparelhados “x” e “y” em uma amostra. É também conhecido como Correlação de Pearson, para efeito de interpretação – quanto mais próximo de um, tanto com sinal negativo quanto positivo, melhor será a correlação, conforme demonstrado na tabela a seguir. Tabela 3 – Referencial para análise de correlação Índice de correlação Indicativo 1 Indica uma correlação fortíssima 0,9 Indica uma correlação muito forte 0,7 a 0,9 Indica uma correlação forte 0,5 a 0,7 Indica uma correlação moderada 0,3 a 0,5 Indica uma correlação fraca 0 a 0,3 Indica uma correlação muito fraca (desprezível) 0 Indica que não há correlação Crédito: Pansonato, 2019. Conforme a Tabela 3, o índice obtido no cálculo (0,86) demonstra que há uma correlação forte entre o passar dos meses e a queda da pressão do sistema hidráulico da máquina, portanto o resultado sinaliza que algo deve ser feito para conter essa tendência. TEMA 5 – TEMPOS E MÉTODOS NA PRÁTICA Bom, entendemos nos parágrafos anteriores que a qualidade é um fator importantíssimo nas atividades da engenharia de produção; sem conhecer os princípios e fundamentos da qualidade, com certeza a competitividade da empresa estará comprometida. Mas será que apenas como foco na qualidade a empresa será competitiva? Há, nessa analogia, um fator importantíssimo, que é o tempo, que tem influência direta num indicador não menos importante, a produtividade. Não adianta sermos competitivos em termos de qualidade, 15 entregar o produto conforme as especificações, se utilizamos muito mais tempo para produzir esse determinado produto em relação ao concorrente. A competitividade de uma empresa tem de atender, obrigatoriamente, aos preceitos qualidade, produtividade e custo. Vamos estudar produtividade e as análises de tempo neste tema. Para dar um sentido prático ao assunto, vamos retornarao caso da Metalúrgica Vima. O controle sobre os tempos de produção em uma empresa é de suma importância para a apuração dos custos produtivos, que por sua vez irão compor o preço do produto final. Como uma empresa pode compor o custo de um produto se para uma mesma atividade é possível apurar tempos produtivos totalmente discrepantes uns dos outros? Pois era esse um dos problemas que recorrentes na empresa Vima, sem contar com os tempos produtivos que nunca eram alcançados. O que fazer nessa situação? A primeira ação é padronizar as atividades. A padronização, como muitos tendem a pensar, não é uma camisa de força. Ela reduz as fontes de variabilidade dos processos e contribui para o seu controle e estabilidade. Não há como implementar melhorias onde não há padronização. Após o árduo trabalho de padronização, ainda restou outro desafio a ser enfrentado: tempos de manufatura que não atendiam à demanda dos clientes, sendo necessário recorrer constantemente a horas extras. Hoje em dia, na maioria das empresas, existe um controle de tempo eficaz de ciclo das atividades; no entanto, um dos grandes problemas são os chamados tempos acíclicos. Mas o que seria, na prática, os tempos acíclicos? Eles referem-se a atividades que não são realizadas a cada ciclo de produção de uma peça. Atividades como a de ter que “parar” o ciclo regular de produção para embalar 20 peças, por exemplo. Outros exemplos seriam os tempos para troca de ferramentas, tais como brocas, insertos de metal duro para usinagem, punções afiadas para estampagem etc. O que ocorre nas empresas é que, normalmente, cronometra-se o tempo “gargalo” de uma linha e utiliza-o como referência para estipular a capacidade produtiva da linha, sem levar em consideração os tempos acíclicos. Em uma das linhas de produção da empresa Vima, verificou-se esse problema. Por mais que o pessoal se esforçasse, não conseguia atender à capacidade desejada em função do tempo de ciclo do posto gargalo (restrição). Essa linha de produção utilizava um layout por produto e era composta por 16 processos de estampagem, usinagem (furação), crimpagem, montagem, teste final e embalagem. Em quase todos os postos, havia tempos acíclicos que não eram levados em consideração, tais como troca de punção, reposição de brocas, troca de punção de crimpagem, entre outros. O objetivo, em termos de controle de tempo em um sistema produtivo, é obter o chamado tempo padrão. Para recordarmos, o tempo padrão é obtido pela seguinte fórmula: Tp = Tn x Ft Em que: Tp = Tempo Padrão (min.); Tn = Tempo normal (min.); Ft = Fator de tolerância O fator de tolerância leva em consideração a tolerância à fadiga, as tolerâncias pessoais e as tolerâncias de espera. O cálculo se dá conforme a fórmula abaixo: Ft = 1 + (Tt / Td) Em que: Tt= Tempo das tolerâncias Td= Tempo disponível Não vamos entrar no cálculo do tempo padrão, mas sim apresentar como o tempo padrão pode ser “mascarado” pelos tempos das atividades acíclicas. Vamos supor que o takt time seja de 87 segundos e o tempo padrão calculado seja de 86 segundos (valores fictícios). Isso significa que o cliente quer uma peça a cada 87 segundos e o tempo padrão calculado, considerando todas as tolerâncias, é de 86 segundos. Teoricamente, haveria condições de atender a demanda do cliente. No entanto, essa linha apresenta alguns tempos acíclicos que não foram considerados na composição do tempo padrão. Os tempos acíclicos são: Tempo de reposição de ferramenta (brocas e punções): 20 minutos (S); Quantidade de peças a cada troca: 500 (P); Tempo para embalar peças: 5 minutos (TF); 17 Quantidade de peças por embalagem: 100 (F). Como se pode observar, há muita interferência dos tempos acíclicos sobre o tempo padrão calculado. Para obter o tempo padrão real para esse produto, deve-se utilizar a equação abaixo: 𝑇𝑝𝑟 = ( 𝑇𝑠 𝑃 ) + 𝑇𝑝 + ( 𝑇𝑓 𝑓 ) Em que: Ts= Tempo para troca de ferramentas (ou setup) P= Peças por troca de ferramentas Tf= Tempo para embalagem F= Peças por embalagem Vamos verificar como ficará o tempo padrão recalculado? Como o tempo padrão está em segundo, antes é necessário transformar os tempos de troca de ferramenta e de embalagem de minutos para segundos: Tempo de reposição de ferramenta (brocas e punções) TS: 20 minutos x 60 segundos = 1.200 segundos. Tempo para embalar peças Tf: 5 minutos x 60 segundos = 300 segundos. Agora é só substituir os valores na equação. 𝑇𝑝𝑟 = ( 1200 500 ) + 86 + ( 300 100 ) Tpr = 91,4 segundos Observem que partimos de um tempo padrão calculado de 86 segundos, que é o tempo que é fornecido ao PCP (Planejamento e Controle da Produção), porém o tempo que deveria ser utilizado para efeitos de cálculos de capacidade produtiva seria de 91,4 segundos. Observem ainda que, além de não atingir o tempo padrão, também não foi alcançado o takt time, que é o tempo em que o cliente deseja ter uma peça. Esse é um caso típico em que não se consegue atender a capacidade produtiva e se recorre a horas extras. Para esse caso específico, em função da não observância dos tempos acíclicos, teríamos uma diferença de aproximadamente 360 peças a menos ao final do mês, o que com certeza 18 acarretaria na execução de horas extras. Muitas vezes, o que parece óbvio, como o caso dos tempos acíclicos apresentados nesse tema, não é observado no cotidiano das empresas. Fica a dica! FINALIZANDO Os tópicos especiais em Engenharia de Produção dessa aula foram destinados a assuntos relacionado à qualidade e produtividade. Abordamos assuntos referentes aos Sistemas de Gestão da Qualidade. Conhecemos os princípios que regem a ISO 9001 2015 e exemplificamos algumas seções com o auxílio de procedimentos práticos. A metrologia exerce um papel importantíssimo, tanto na vida cotidiana do cidadão, como por exemplo na quantidade de combustível que se abastece em um posto, até em um atestado de confiabilidade em um sistema de medição por meio de um teste de repetitividade e a reprodutibilidade (R&R). As ferramentas da qualidade são extremamente úteis na solução de problemas, principalmente relacionados à engenharia de produção. Ainda assim, ainda nos dias de hoje ainda existem muitos erros de aplicação; a eficácia dessas ferramentas é notória. Foram apresentados dois casos envolvendo as ferramentas da qualidade gráficos de controle e correlação. Para finalizar a nossa aula, estudamos um pouco sobre tempos e métodos, com foco na influência dos tempos acíclicos na definição do tempo padrão. Até a próxima aula. Bons estudos! 19 REFERÊNCIAS AGOSTINHO, D. S. Tempos e métodos aplicados à produção de bens. Curitiba: InterSaberes, 2015. CAMPOS, V. F. T. Q. C.: Controle da Qualidade Total (no estilo japonês). Belo Horizonte: Fundação Christiano Ottoni, 1992. CHIROLI, D. Avaliação de sistemas de qualidade. Curitiba: InterSaberes, 2016. FURTADO, D. R. B.; SILVA, S. C. A. da. Gestão de Qualidade. Disponível em: <http://gestao-de-qualidade.info/fale-conosco.html>. Acesso em: 10 mar. 2019. KUME, H. Métodos estatísticos para melhoria da qualidade. 10 ed. São Paulo: Gente, 1993. MARIA, G. Comparação dos requisitos ISO 9001:2008 x ISO 9001:2015. 8idea, fev. 2013. Disponível em: <http://www.8idea.com.br/blog/comparacao- requisitos-iso-9001-2008-x-2015/>. Acesso em: 12 mar. 2019. SELEME, R. Métodos e tempos: racionalizando a produção de bens e serviços. Curitiba: InterSaberes, 2012. SELEME, R.; STANDLE, H. Controle da qualidade: as ferramentas essenciais. Curitiba: InterSaberes, 2012.
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