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DERRAME PERICÁRDICO E TAMPONAMENTO CARDÍACO Dr. Wercules Oliveira Dr. Rafael Piveta Dr. Miguel Osman ANATOMIA DO PERICÁRDIO O pericárdio é uma estrutura fibrosa que reveste o coração, sendo constituído por duas camadas. A primeira, denominada pericárdio visceral é contíguo com epicárdio e a sugunda, mais externa é o pericárdio parietal, uma estrutura fibrosa com cerca de 1 a 2 mm de espessura. As duas camadas são separadas por um espaço que contém em circunstâncias normais entre 15 e 35 ml de fluido seroso, que permite o seu deslizamento, sendo mais abundante nos sulcos atrioventricular e interventricular e mais facilmente identificado na sístole ventricular. O pericárdio visceral “ reflete” próximo a origem dos grandes vasos: • poucos centímetros da junção das veias cavas com o átrio direito • posterior ao átrio esquerdo formando sinus oblíquo do pericárdio. O átrio esquerdo é amplamente extrapericárdico, sendo improvável a identificação de fluido pericárdico ao redor do mesmo. Geralmente as duas membranas do pericárdio são identificadas ao ecocardiograma bidimensional ou pelo modo M como uma linha única, branca e brilhante ao redor do coração. Figura 1. Setas em vermelho apontam para o pericárdio: Seta vermelha (imagem bidimensional) e seta azul (modo M). DERRAME PERICÁRDICO Uma das principais funções do ecocardiograma é diagnosticar e quantificar o derrame pericárdico, além de oferecer informações a cerca da repercussão hemodinâmica do derrame. Diversas condições clinicas podem cursar com aumento de líquido no saco pericárdico (derrame pericárdico), tais como processos inflamatórios pericárdicos, invasão neoplásica, hipotireoidismo e trauma. Seu conteúdo pode ser seroso, serofibrinoso, sero-hemático, hemorrágico, purulento, ou quiloso, entretanto a aparência ecocardiográfica habitualmente não possibilita essa diferenciação. Quando presente, o derrame pericárdico será identificado pelo ecocardiograma bidimensional ou pelo modo M, como um espaço anecóico (preto) delineado com duas camadas de pericárdio hiperecóicas (branco), presente durante a sístole e a diastole: Figura 2. Derrame pericárdico identificado pelo ecocardiograma bidimensional e modo M, como um espaço anecóico (preto). Em algumas situações a diferenciação entre derrame pericárdico e derrame pleural esquerdo pode ser desafiadora. Nestes casos recomenda-se observar no corte paraesternal longitudinal a posição do acúmulo de líquido em relação a aorta descendente. Se o líquido estiver entre a aorta descendente e o coração o derrame é pericárdico. Se estiver abaixo da aorta descendente será pleural esquerdo. A figura 3 ilustra esta explicação: Figura 3. Imagem do plano paraesternal eixo longo. O grau de separação entre as camadas pericárdicas é proporcional à quantidade de líquido acumulado, assim como sua localização e distribuição. Quando o derrame pericárdico é discreto (até 100 ml), o liquido tende a se localizar atrás da parede posterior do ventrículo esquerdo, não sendo observado adjacente as regiões anterior, lateral ou apical. Em derrames moderados, maior quantidade de líquido está localizada posteriormente, entretanto, também é observado o acúmulo nas regiões anterior, lateral e apical. Já em derrames importantes, (acima de 500 ml) há geralmente um acúmulo de liquido em toda a circunferência do coração e pode ocorrer movimento em balanço do coração em todas as direções (swinging heart), que é responsável pelo alternância elétrica observada no eletrocardiograma. A quantificação do derrame pericárdico também pode ser feita de maneira semi - quantitativa. A partir da medida do acúmulo de liquido entre as camadas do pericárdio, demonstrado pelo ecocardiograma bidimensional como um espaço livre de eco (preto), classifica-se o derrame pericárdico em discreto se este espaço for menor que 10 mm, moderado (entre 10 e 20 mm) e importante se for maior que 20 mm. Figura 4. Derrame pericárdico avaliado pelo ecocardiograma bidimensional, plano paraesternal eixo longo: A – discreto; B – moderado; C – importante. TAMPONAMENTO CARDÍACO O tamponamento cardíaco é uma emergência clínica, onde é necessária a remoção imediata do excesso de liquido pericárdico por pericardiocentese ou drenagem cirúrgica. Consiste em uma estado clínico caracterizado por colapso circulatório que se instala quando o enchimento diastólico se torna insuficiente, como consequência de uma elevação anormal da pressão intrapericárdica. Em outras palavras o tamponamento ocorre quando a pressão do pericárdio excede a pressão nas câmaras cardíacas, compromentendo o enchimento cardíaco. A elasticidade do pericárdio permite o acúmulo gradual de líquido em seu interior, entretanto essa elasticidade pode não ser suficiente para conter um acúmulo rápido e desta forma, mesmo pequenos volumes de liquido podem levar um expressivo aumento da pressão intrapericárdica, culminando no tamponamento cardíaco. Com o aumento progressivo da pressão intrapericárdica, o enchimento de cada câmara cardíaca é sequencialmente comprometido, ocorrendo primeiro nas câmaras de baixa pressão (átrios) e acomentendo mais intensamente as câmaras direitas em relação as esquerdas. Figura 5. Eixo longo mostrando derrame pericárdico importante com sinais ecocardiográficos de repercussão hemodinâmica. SINAIS ECOCARDIOGRÁFICOS DE TAMPONAMENTO CARDÍACO 2D: • Presença de derrame pericárdico. • Colapso diastólico das câmaras direitas. • Dilatação da veia cava inferior e perda da variação respiratória. Doppler Variações respiratórias exacerbadas nos fluxos tricúspide, mitral e aórtico. COLAPSO DIASTÓLICO DAS CÂMARAS DIREITAS Figura 6. Colapso diastólico das câmaras direitas. COLAPSO SISTÓLICO DO ÁTRIO DIREITO: Quando a pressão intrapericárdica supera a pressão do átrio direito, observa-se o colapso da parede livre do átrio direito. Esta tem início na fase tardia da diástole e persiste durante a sístole. Ocorre antes do colapso do ventrículo direito. Inversões que duram mais que um terço da sístole tem alta sensibilidade (94 %) e especificidade para a detecção do tamponamento cardíaco. O colapso do átrio direito é melhor identificado no plano de 4 câmaras, na janela apical, como na figura 7, sinalizado pela seta vermelha: Figura 7. Corte apical 4 câmaras mostrando um grande derrame pericárdico com comprometimento hemodinâmico: colapso do átrio direito. COLAPSO DIASTÓLICO DO VENTRÍCULO DIREITO: Após o colapso do átrio direito, ocorrerá o colapso protodiastólico do ventrículo direito. Em condições normais a cavidade ventricular direita tem seu diâmetro reduzido durante a sístole, pois está ocorrendo a ejeção de sangue para a artéria pulmonar. Já na diástole, seu diâmetro aumenta pois se enche de sangue. No cenário do tamponamento cardíaco a pressão intrapericárdica excede a do ventrículo direito mesmo na protodiastole e ocorre o colabamento da cavidade neste momento. A presença do colapso diastólico do ventrículo direito tem maior especificidade do que o colapso sistólico do átrio direito no diagnóstico do tamponamento cardíaco. Ele é melhor observado na janela subcostal e nos planos paraesternal eixo longo e apical de 4 câmaras, como exemplificado nas imagens abaixo (figuras 8 e 9): Figura 8. Colapso diastólico do ventrículo direito (seta) avaliado pelo ecocardiograma bidimensional - janela subcostal. Figura 9. Colapso diastólico do ventrículo direito (seta) avaliado pelo ecocardiograma bidimensional – Janela apical de 4 câmaras DILATAÇÃO E PERDA DA VARIAÇÃO RESPIRATÓRIA DA VEIA CAVA INFERIOR O aumento das pressões intrapericárdicas, dificulta o retorno venoso e causa a dialtação da veia cava inferior, a qual adicionalmente apresentará uma variação inspiratória reduzida (menor que 50%). A pletora da veia cava inferior guarda correlação com a turgênciajugular avaliada no exame físico. É um achado extremamente sensível (97 %), entretanto por estar presente em um grande número de condições clínicas, sua especificidade é menor, em torno de 40%. A avaliação da veia cava inferior deve ser feita pela janela subcostal, pelo modo bidimensional e/ou modo M (Figura 10). Figura 10. Veia cava inferior dilatada e sem variações respiratórias o que reflete uma pressão intra- atrial direita elevada. INTERDEPENDÊNCIA VENTRICULAR Figura 11. Interdependência ventricular. No tamponamento cardíaco o volume pericárdico total (câmaras cardíacas mais líquido pericárdico) é fixo, de forma que durante a inspiração, a pressão negativa intratorácica é transmitida para as câmaras cardíacas direitas. Isso aumenta a sucção das veias cavas e aumenta o retorno venoso para átrio direito com consequente aumento do volume do ventrículo direito. Observa-se então o deslocamento do septo ventricular para o ventrículo esquerdo durante a diástole. Durante a expiração, a pressão negativa intratorácica reduz e o volume ventricular esquerdo aumenta, ocorrendo movimento inverso do septo na diástole. Esse padrão de movimento septal está na gênese do pulso paradoxal, observado ao exame físico. Esta consequência da interdependência ventricular pode ser avaliada no corte paraesternal eixo longo com a visão dos dois ventrículos. O modo M permitirá a comparação dos dois ventrículos entre a inspiração e a expiração. Figura 11. Interdependência ventricular. Figura 12. Modo M do eixo paraesternal transversal mostrando variações nos diâmetros das câmaras dependendo da respiração: (seta da esquerda) - Na primeira diástole depois do começo da expiração, o ventrículo direito está reduzido (seta azul) e o ventrículo esquerdo está aumentado (seta verde). Seta da direita - Na primeira diástole após o início da inspiração, o ventrículo direito está aumentado e o ventrículo esquerdo está reduzido. VARIAÇÕES RESPIRATÓRIAS NO ENCHIMENTO VENTRICULAR As variações respiratórias no fluxos transvalvares encontram-se exacerbadas no tamponamento cardíaco, correspondendo as alterações de interdependência ventricular. Esta variações nos fluxos podem ser avaliadas pelo Doppler espectral. Somente podem ser avaliadas em pacientes com ventilação espontânea e em ritmo regular. Figura 13. Variações respiratórias dos fluxos transvalvares. A dependência interventricular é exacerbada quando o espaço pericárdico está preenchido por líquido criando o chamado pulso paradoxal. O Doppler pulsado ou contínuo das valvas pode ser utilizado para a avaliação do pulso paradoxal. A velocidade máxima do fluxo mostra a medida no primeiro ciclo cardíaco depois do começo da expiração e da inspiração. Considera-se que há comprometimento do enchimento ventricular quando existe uma redução inspiratória maior que 25 % a velocidade da onda E mitral ou uma aumento inspiratório maior que 40 % na velocidade da onda E tricúspide. Essas variações também podem ser estudadas nas valvas aórtica e pulmonar. Figura 14. Variações respiratórias dos fluxos transvalvares: Doppler pulsado da valva mitral - plano apical de 4 câmaras em um paciente com tamponamento cardíaco. A causa mais frequente de restrição ao enchimento ventricular é o derrame pericárdico. Outras causas de restrição são: massa no mediastino e derrame pleural bilateral volumoso.
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