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Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin CRB -10/2147 G745 Gramática histórica da língua espanhola / Marina Leivas Waquil... [et al.] ; [revisão técnica: Adriana Carina Camacho Álvarez]. – Porto Alegre: SAGAH, 2018. 134 p. : il. ; 22,5 cm. ISBN 978-85-9502-369-7 1. Língua espanhola - Gramática. I. Waquil, Marina Leivas. CDU 821.134.28(035) Revisão técnica: Adriana Carina Camacho Álvarez Doutora e Mestra em Letras Bacharel e Especialista em tradução Português/Espanhol GHLE_Iniciais_Impressa.indd 2 14/03/2018 15:02:10 Fase filosófica Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Identificar a influência da gramática francesa do século XVIII na gra- mática espanhola. � Descrever as primeiras gramáticas espanholas filosóficas ou gerais (séc. XVIII e XIX). � Resumir as repercussões da fase filosófica da gramática espanhola no ensino da gramática no século XX. Introdução Aprender sobre a gramática vai muito além de reconhecer a estrutura de uma língua: é preciso analisar a sua trajetória e evolução, a fim de compreender os fatores que marcaram a sua constituição. Neste capítulo, você vai conhecer alguns aspectos importantes dos estudos linguísticos franceses e a sua contribuição para a constituição da gramática da língua espanhola. A partir disso, você poderá compreender a importância desses estudos para a evolução da gramática do espanhol. Contribuições francesas para a gramática espanhola Para compreender como se deu a evolução da gramática espanhola e de que forma a gramática francesa influenciou nessa questão, é preciso conhecer alguns aspectos importantes que marcaram o século XVII. Esse período ficou conhecido como “o Século das Luzes”, pois deu origem a uma difusão de novas ideias, inovações e descobertas. Nessa época, surgiu um importante movimento filosófico, o Iluminismo, que se desenvolveu na França, na Alemanha e na Inglaterra, no século XVIII, e se caracterizou pelo desenvolvimento e incentivo à ciência, à racionalidade crítica, às liberdades e aos direitos individuais (JAPIASSU; MARCONDES, 2008). GHLE_U3_C06.indd 1 01/03/2018 12:13:09 Fase filosófica2 A primeira gramática da língua francesa — a “Gramática geral e fun- damentada” (Grammaire génerale et raisonnéé), também conhecida como Gramática de Port-Royal — foi publicada em 1754, por Arnauld e Lancelot. Ela surgiu como resposta à gramática formal do período do Renascimento e procurou criar uma teoria cujos princípios gerais poderiam ser aplicados a todas as línguas. Por isso, a obra fazia uma correlação entre pensamento e linguagem, ampliando as perspectivas da linguística e rompendo com o modelo gramatical latino, inclusive ao ser escrita em francês, e não em latim, como eram as gramáticas existentes até então. Apesar de escrita em língua francesa, a obra buscou contemplar também o estudo de outras línguas, propondo uma explicação generalizada para elas. Por isso, seus autores procuraram explicar a gramática sob o ponto de vista da razão, representando as línguas por meio de regras gerais, embasadas na lógica, partindo do que é comum em todas elas (CÁRDENAS SÁNCHEZ, 2008). O último capítulo dessa gramática é denominado Sintaxe, ou construção de palavras em conjunto (De la syntaxe, ou construction des mots ensem- ble); nele, Arnauld e Lancelot esclarecem que não é fácil escrever noções gerais sobre a linguagem. Comentam ainda que a classificação gramatical, de forma geral, é a mesma em todas as línguas, pois é uma continuação natural do que se usa em quase todos os lugares, para distinguir minucio- samente o discurso. Quer entender como os autores da Lógica e da Gramática de Port Royal distinguiram entre forma lógica e forma gramatical dos enunciados? Então acesse este artigo: https://goo.gl/qFDc9P Posteriormente, o francês César Chesneau Du Marsais (1676-1756) escreveu a Gramática Geral (publicada em 1767), bem como vários artigos, os quais foram publicados na Enciclopédia, entre 1751 a 1772. Assim, ele foi consi- derado um dos primeiros estudiosos a propor uma mudança de pensamento com relação à linguagem. GHLE_U3_C06.indd 2 01/03/2018 12:13:10 https://goo.gl/qFDc9P 3Fase filosófica Du Marsais elaborou uma teoria da linguagem que privilegiava a razão e o pensamento, os quais, de acordo com ele, são anteriores à linguagem. Com base nesses estudos, Du Marsais foi levado então a ver a ordem “natural” de palavras, de acordo com a organização do francês (sujeito–verbo–objeto), afirmando que essa é a melhor forma de perceber a relação entre as palavras. Com isso, ele introduziu o conceito de complemento, que pode ser percebido em todo o desenvolvimento da gramática francesa da época (LAROUSSE, [201-?]). Para o autor, a língua deve ser estudada a partir de uma dupla análise: uma lógica, que parte da proposição de um pensamento com base em um sujeito e um atributo, analisando o sentido do enunciado como um todo; e uma gramatical, que leva em consideração a análise das palavras em seu contexto (CALERO VAQUERA, 2008). A dupla análise elaborada por Du Marsais consiste em classificar os elementos da oração de forma morfológica, mas também de forma sintática. Contudo, cabe ressaltar que, naquela época, nem todos os termos da oração haviam sido classificados e estudados — motivo pelo qual a análise lógica não era completa. Já a análise gramatical era realizada da mesma forma que os outros autores a faziam; por esse motivo, acredita-se que o autor não enfocou seus estudos com tanta profundidade nessa questão. Veja um exemplo de como funcionava a análise lógica, adaptado do artigo “Construction”, publicado na Enciclopédia, por Du Marsais: l’homme qui m’est venu voir ce matin est fort savant. O período “O homem que veio me ver esta manhã é muito instruído” é determinante, pois restringe o significado do homem a um único indivíduo da espécie humana. Não se pode dizer simplesmente que esse homem é muito instruído, porque nisso estariam englobados todos os indivíduos da espécie humana. Além disso, trata-se de um período composto, uma vez que contém mais de um atributo (verbo). A oração principal é “O homem é muito instruído”, e a oração subordinada é “que veio me ver”. O sujeito é simples (o homem) e o atributo (complemento), muito instruído. Além disso, o período é composto pela proposição “que” (a palavra proposição, naquela época, tinha duplo significado, sendo usada para designar uma “oração” ou uma “conjunção”), a qual, nesse período, tem a função de restrição. Foi a partir da teoria dessa gramática que surgiu a separação entre constru- ção e sintaxe (conceitos que até então eram utilizados sem nenhuma distinção). Entre as contribuições de Du Marsais, também vale destacar a distinção entre oração principal e oração subordinada. GHLE_U3_C06.indd 3 01/03/2018 12:13:10 Fase filosófica4 A falta de separação entre a construção e a sintaxe pode ser observada no índice da Gramática de Port-Royal, publicada antes dos estudos de Du Marsais. A gramática em questão está dividida em duas partes, cujo sumário é apresentado na Figura 1. A primeira traz os conteúdos relacionados às letras e às características da escrita (Où il elf parlé des Lettres & des Caractéres de l’Ecriture). Incluem-se nessa parte o estudo das letras, sílabas, vogais e consoantes, além de uma nova forma para se aprender a ler em outras línguas. Já a segunda fala dos princípios e das razões que regem as várias formas do significado das palavras (Où il elft parler des principes et des raisons fur lefquelles font appuyées les diverfes formes de la signification des mots). Nessa parte, percebe-se que ainda não há uma distinção entre a classificação gramatical e a sintática, comum nas gramáticas atuais. Figura 1. Primeira e segunda parte do sumário da Gramática de Port-Royal. Fonte: Arnauld e Lancelot (1754). A partir dessesestudos, as palavras, que até então eram analisadas com relação à sua função em uma oração simples, passaram a ser analisadas sob uma perspectiva mais complexa, inseridas em um enunciado composto por mais de uma oração, expandindo os horizontes da análise sintática. GHLE_U3_C06.indd 4 01/03/2018 12:13:10 5Fase filosófica Assim, vários estudiosos da época passaram a se embasar nessa teoria, a fim de dar continuidade à perspectiva da dupla análise (lógica e gramatical). Entre eles, destaca-se Charles-François Lhomond, ao publicar a obra intitu- lada Elementos da Gramática Francesa (Elémens de la Grammaire Fran- çoise), em 1780. Essa obra foi escolhida como o texto gramatical de referência para as escolas francesas de ensino primário, sendo adaptada em 1805, por Charles-Constant Letellier, para utilização no ensino secundário (CALERO VAQUERA, 2008). Nessa ocasião, Letellier realizou algumas modificações na obra, além de acrescentar um capítulo destinado ao estudo da análise gramatical. Porém, a gramática francesa conforme ela é conhecida nos dias atuais surgiu em sua totalidade apenas no ano de 1811, com a publicação da 12ª edição da gramática. Letellier reescreveu novamente a obra, desenvolvendo por completo o modelo lógico e gramatical, de acordo com o que se conhece até os dias atuais (CALERO VAQUERA, 2008). Em 1823, surgia a Nova Gramática Francesa (Nouvelle Grammaire Fran- çaise), escrita por François-Joseph-Minhel Noël e Charles-Pierre Chapsal, a qual foi considerada outro texto fundamental da gramática escolar francesa do século XIX. A obra continua apresentando a análise lógica e gramatical e traz o termo “complément” (complemento), em substituição a “régime” (regime), além de difundir o vocabulário utilizado na análise lógica. Logo, muitos dos conceitos utilizados por gramáticos franceses do século XVIII, na chamada análise lógica (que antecedeu a análise gramatical), foram incorporados na gramática da língua espanhola, como as funções sintáticas de sujeito, complemento nominal (em espanhol atributo), oração principal e oração subordinada, entre outros, os quais são utilizados até os dias atuais (CALERO VAQUERA, 2008). Portanto, a ordem das palavras no enunciado e sua classificação foi um dos quesitos nos quais a gramática francesa mais contribuiu com o estudo da sintaxe moderna. Contudo, Calero Vaquera (2008) ressalta que, apesar de a gramática francesa do século XVIII ter influenciado a constituição da gramática espanhola atual, o tema é pouco estudado entre os pesquisadores da área. Por consequência, existem poucos estudos sobre o tema. GHLE_U3_C06.indd 5 01/03/2018 12:13:10 Fase filosófica6 L’ Encyclopédie A Enciclopédia foi um livro icônico do Iluminismo, publicado de 1751 a 1772 e editado por Diderot. A obra foi escrita por 150 autores, entre os quais se encontravam cientistas, filósofos e especialistas de todas as disciplinas, como Voltaire, Montesquieu, Rousseau, Helvetius, Condillac, Holbach, Daubenton, Marmontel, Quesnay, Turgot, Jaucourt e Du Marsais. A publicação era caracterizada pela diversidade quanto à qualidade, à temática e às opiniões emitidas nos artigos. Eram publicados desde textos simples até minitratados. Por isso, a obra foi considerada como um jogo perigoso de referências, que procurava esconder a ousadia do pensamento, para frustrar a censura existente na época. A obra completa resultou em 17 volumes de texto, 11 de quadros, 2 índices, 5 su- plementos, 2 tabelas analíticas, 71.818 artigos, 2.885 gravuras e 24.000 coleções, que circularam por toda a Europa em 1789 (LAROUSSE, [201-?]). A Figura 2 mostra a capa do primeiro volume dessa obra. Figura 2. Capa do primeiro volume da Enciclopédia. Fonte: Encyclopédie (2018). GHLE_U3_C06.indd 6 01/03/2018 12:13:43 7Fase filosófica Para ler na íntegra os artigos publicados por Du Marsais na Enciclopédia, visite a página: https://goo.gl/m6grVV Algumas das primeiras gramáticas espanholas filosóficas ou gerais A época entre o final do século XVIII e início do século XIX foi considerada de transição na história da gramática espanhola, já que constituiu um período no qual o latim começou a ser substituído pelo castelhano, no sistema de ensino do país — ainda que inicialmente o espanhol fosse utilizado para se aprender latim (CALERO VAQUERA, 2008). Diversas correntes e influências contribuíram para o desenvolvimento da língua espanhola entre os séculos XVIII e XIX; entre elas, destacam-se as ideias francesas acerca dos estudos relativos à linguagem. Todavia, nem todas as gramáticas da época adotaram essas ideias francesas. Mesmo assim, a revolução da linguística francesa foi uma das que mais contribuiu para uma mudança na gramática da língua espanhola. Uma das primeiras obras relevantes da época foi o Tratado del análisis del discurso, considerado lógica y gradualmente, escrito em 1795, por Gaspar Melchor de Jovellanos. Nele, Jovellanos faz uma distinção entre as orações simples e compostas, coordenadas e subordinadas, bem como entre sujeito, verbo e complemento, considerando esses três últimos como termos pertencentes a uma oração, seguindo os estudos de Condillac (BARGALLÓ ESCRIVÁ, 1966). Além dele, outro autor que se destacou por sua contribuição foi Muñoz Alvarez, com a Gramática de la Lengua Castellana, ajustada a la Latina para facilitar su estudio. Ele utilizou pela primeira vez a dupla análise lógica proposta por Du Marsais, em 1799, e declarou que as orações podem se dis- tinguir de duas formas: logicamente, levando em consideração seu sentido, ou gramaticalmente, atendendo ao verbo que as governa. GHLE_U3_C06.indd 7 01/03/2018 12:13:44 https://goo.gl/m6grVV Fase filosófica8 Em 1813, Carlos III oficializou a substituição do latim pelo idioma es- panhol nas escolas, de forma que o idioma passou a ser ensinado no ensino primário e secundário, e foi considerado a língua oficial do ensino supe- rior (CALERO VAQUERA, 2008). Foi a partir desse cenário que as ideias francesas passaram a ser mais difundidas na Espanha. Nesse momento também, várias obras francesas de autores como Locke, Condillac e Destutt de Tracy foram traduzidas ao idioma espanhol — entre elas, a Gramática Geral Francesa, em 1822. Cabe ressaltar que, apesar da revolução linguística francesa da época, nem todas as obras aderiram a essa influência, encontrando muita resistência no país. Obras importantes, como a primeira Gramática de la Lengua Castellana, lançada pela Real Academia Espanhola, em 1771, não abordaram essa nova teoria. A primeira gramática acadêmica da língua castelhana, a “Gramática de la Lengua Castellana”, publicada em 1771, pela Real Academia Espanhola (RAE), não refletiu a revolução gramatical francesa. A obra foi escrita com o objetivo de ensinar quais as partes, os nomes, as definições e as funções que formariam uma oração, além de como se utilizariam as palavras. Sem esses conhecimentos, acreditava-se que era difícil falar com propriedade e exatidão (REAL ACADEMIA ESPAÑOLA, 1771). No entanto, a gramática inicialmente não trouxe as discussões linguísticas francesas da época. Dessa forma, essa gramática foi sofrendo pequenas mudanças, com o passar dos anos e conforme ia sendo reimpressa. Em 1854, ela passou por uma verdadeira reforma, na ocasião de sua 5ª edição, na qual a obra foi dividida em analogia e sintaxe. A analogia era destinada a ensinar as partes da oração, incluindo suas propriedades. Já a sintaxe era a parte na qual se tratava sobre a ordem e a dependência dessas palavras ou orações com as quais se explicam os pensamentos (GÓMEZ ASENCIO, 2008). A Figura 3 ilustra a gramática publicada pela RAE. GHLE_U3_C06.indd 8 01/03/2018 12:13:44 9Fase filosófica Figura 3. Primeira gramática acadêmica da língua castelhana, publicada pela Real Academia Espanhola. Fonte: Gramática de la lengua castellana (2014). A teoria da dupla análise passou a ser estudada nas escolas apenas em junho de1821, quando o sistema educativo espanhol passou por uma reforma. Nela, foi incluída entre as disciplinas do Ensino Médio uma discussão acerca da lógica e da gramática geral (CALERO VAQUERA, 2008). Com o passar do tempo, essas ideias francesas sobre a linguagem foram ganhando força na Espanha, até que se consolidaram, no século XIX. Nesse contexto, Saqueniza lançou a Gramática Elemental de la Lengua Castellana, em 1832, na qual ele utilizou o termo “Análise” para designar a parte da gramática que se ocupa do estudo das classes de palavras e “Sintaxe” para abordar os conhecimentos relativos à combinação para formar orações. GHLE_U3_C06.indd 9 01/03/2018 12:13:44 Fase filosófica10 Antes da criação da palavra análise para nomear a parte que explica as classes das palavras na gramática, alguns autores utilizavam os termos “etimologia” ou “analogia”. Posteriormente, outras gramáticas foram surgindo, como a Nueva Gramática de la Lengua Castellana según los princípios de la Filosofía Gramatical, escrita por Noboa, cuja obra apresentava uma organização semelhante à proposta por Saqueniza. Outra obra importante que teve influência francesa foi Princípios de la Lengua Cas- tellana, lançada em 1841, por Martínez López. Essa obra considerava a análise como parte complementar da base teórica. Por isso, disponibilizava tabelas práticas, propondo aos estudantes exercícios de decomposição gramatical e exercícios analíticos (CALERO VAQUERA, 2008). Mais adiante, o método analítico foi difundido pelo autor em outras obras, dentro e fora da Espanha. Em 1852, J. Calderón publicou Análisis lógica y gramatical de la Lengua Española, na qual se apresentavam muitos exercícios de análise textual, cujos textos foram extraídos de clássicos espanhóis, a fim de ilustrar a teoria, objetivando a prática educativa desses conceitos. Contudo, o livro — cuja influência era explicitamente francesa, conforme afirmava o próprio autor — demorou a ser aprovado pelo governo espanhol, para ser utilizado como referência aos estudos superiores e, posteriormente, ao ensino primário (CALERO VAQUERA, 2008). Entre as contribuições do autor, destaca-se o tratamento dado à subordinação e às orações subordinadas, ainda que a obra não trate dos fenômenos ligados à coordenação e às orações coordenadas (LOPE BLANCH, 2001 apud CALERO VAQUERA, 2008). Os estudos de Calderón motivaram outros autores a publicarem novas obras re- lacionadas a esse assunto e destinadas ao ensino da gramática. Entre elas, merece destaque Leccciones graduales de Gramática Castellana, escrita por J. de Avendaño, em 1871, na qual o autor se dedica, em parte da obra, a abordar os aspectos gramaticais relacionados à coordenação nas orações. Repercussões no ensino da gramática no século XX A partir da trajetória dos estudos linguísticos espanhóis, esboçada ante- riormente, a gramática espanhola evoluiu. Nesse período, a análise — antes considerada lógica e gramatical —funde-se em uma só, originando a análise lógico-gramatical. Um exemplo dessa ocorrência é encontrado na obra Análisis Lógico Gramatical, publicada em 1939, pelo Instituto da Espanha. Apesar do nome, a obra não aborda o estudo lógico, apresentando apenas a parte gramatical (CALERO VAQUERA, 2008). GHLE_U3_C06.indd 10 01/03/2018 12:13:44 11Fase filosófica O século XX é marcado por um período de abertura política e início do desenvolvimento econômico espanhol. Ele é composto por dois períodos do ensino da gramática na Espanha, nos quais a influência das ideias pedagógicas francesas mais se manifesta, repercutindo tanto no campo teórico, como no metodológico. Primeiro período (1931 a 1938) Nesse período republicano, ocorreu uma reforma escolar, com a criação da Instituição Livre de Ensino. A partir daí, surgiu um novo enfoque pedagó- gico, apoiado nas ideias de Rousseau e Pestalozzi e denominado “pedagogia moderna”, na qual o ensino passava a ser centrado no desenvolvimento psi- cológico do aluno. Segundo essa concepção, a escola não deveria fazer discriminação ideo- lógica, política ou social, e não havia mais a realização de provas, de forma que o aluno progredia naturalmente até o ensino superior. Foi nessa época que surgiram as gramáticas pedagógicas, que objetivavam o ensino da língua a partir de um método intuitivo e analítico (GUTIÉRREZ et al., 1988 apud LÓPEZ FERRERO, 1997). Em 1934, instituiu-se o Decreto Real e, com ele, o Plano de Estudos. De acordo com esse plano, a gramática deveria ser ensinada inicialmente de forma intuitiva, para depois ser trabalhada de maneira mais reflexiva e científica. A partir dele, foi criada uma disciplina de Língua Espanhola e Literatura, que deveria ser ministrada durante os sete anos do ensino se- cundário no país, sendo trabalhada com menor ou maior ênfase, de acordo com as necessidades de cada curso. Tal iniciativa revolucionou o ensino, ao propor o estudo da língua a partir da contextualização de vários períodos literários (LÓPEZ FERRERO, 1997). Dessa forma, as obras destinadas ao ensino primário enfocavam o estudo da língua espanhola a partir de uma visão instrumental, na qual o importante era saber utilizar corretamente a língua, e não memorizar conceitos. Já no ensino secundário, a gramática também era trabalhada de forma intuitiva, por meio da realização de ditados, redações e composições. Outra importante contribuição da época foram as ideias do pedagogo Decroly, que acreditava na necessidade da promoção de um ensino que respeitasse os interesses, os valores, a consciência e o ritmo de aprendizagem dos alunos (LÓPEZ FERRERO, 1997). GHLE_U3_C06.indd 11 01/03/2018 12:13:44 Fase filosófica12 Entre as obras utilizadas na época, destaca-se a “Gramática Castellana. Tercer Grado”, escrita por Manuel de Montoliu, em 1925, e utilizada nesse período por alunos de 11 a 13 anos. A obra seguia as orientações da nova pedagogia, embasada no método indutivo, que partia da observação dos fatos para a formulação de uma teoria. Assim, apresentava os exercícios logo após a abordagem dos conceitos, e não no final do livro, como era costume em obras de anos anteriores, potencializando no aluno a prática constante dos conteúdos que estavam sendo abordados. Segundo período (década de 1950) Em 1953, surgiu a Lei de Ordenação do Ensino Médio, apresentando uma nova forma de trabalhar conteúdos, que seguia o mesmo modelo que estava sendo utilizado na França. Segundo os princípios dessa nova proposta, o ensino da língua na educação secundária deveria ser estritamente prático, realizado a partir do desenvolvimento de exemplos concretos e da análise de textos literários devidamente escolhidos. Dessa forma, as aulas de língua espanhola deveriam ser complementadas com aulas práticas, compostas por exercícios de leitura, redação e composição (LÓPEZ FERRERO, 1997). López Ferrero (1997) comenta ainda que os professores da época tiveram muita dificuldade para colocar em prática a nova metodologia proposta, prin- cipalmente com relação à avaliação. Outro fator que causou preocupação, de acordo com a autora, foi com publicação de três tipos de livros-texto: � livros para o estudo da língua, destinados ao ensino primário e secun- dário, nos quais se abordavam a teoria gramatical e leituras obrigatórias para diferentes fins; � livros de história da literatura, destinados aos cursos de quinto e sexto ano, que abordavam a história da língua; � livros mistos, nos quais se encontrava o estudo da língua e da literatura. Essa variedade de livros didáticos foi vista por alguns autores como um avanço nos estudos da gramática e da literatura espanhola, mas também gerou preocupação, devido ao receio quanto à exatidão de suas informações. Por isso, autores como Manuel Seco (1961) observavam a necessidade de que tais GHLE_U3_C06.indd 12 01/03/2018 12:13:44 13Fase filosófica materiais passassem por uma inspeção mais rigorosa, a fim de garantir que estavam adequados à proposta pedagógicavigente. Mesmo assim, o novo modelo proposto objetivou um estudo mais prático da gramática, com efetiva atenção ao uso da língua. Além disso, trouxe exercícios contextualizados, comentados e embasados em textos completos, e não apenas em trechos, como era feito anteriormente. Entre as obras utilizadas na época, destaca-se o manual intitulado Curso de gramática castellana. Segundo curso. Plan 1957, escrito por Carmen Pleyán de García López, em 1958. A mudança mais significativa foi o planejamento de atividades nas quais são propostos ao aluno exercícios de substituição e construção frasal, relacionando o conhecimento da gramática com a prática da escrita — modelo que é utilizado até hoje nas gramáticas escolares. Com base nos conteúdos deste capítulo, você pôde perceber a contribuição dos estudos linguísticos franceses para a evolução da língua espanhola. A teoria proposta pelo gramático francês Du Marsais deu início à ampliação do campo dos estudos da língua, para além da análise lógica e gramatical, possibilitando uma análise sintática mais complexa e completa, conforme a conhecemos nos dias atuais. Além disso, a evolução dessa teoria também possibilitou que os gramáticos aperfeiçoassem não somente a parte teórica, relacionada a esses conhecimentos, mas também o campo metodológico, propondo novas formas de se ensinar, nas escolas espanholas, seguindo ainda as influências francesas — a exemplo de outros países. GHLE_U3_C06.indd 13 01/03/2018 12:13:44 Fase filosófica14 1. Quais foram as principais contribuições da primeira gramática francesa, escrita em 1754, por Arnauld e Lancelot? a) Apresentar a teoria da dupla análise lógica e gramatical. b) Criticar as outras gramáticas existentes até então, que enfocavam o ensino do latim, em vez da língua francesa. c) Propor uma teoria que objetivava romper com o modelo gramatical latino e possibilitar a sua aplicação a todas as línguas, já que considerava que todas as línguas eram feitas das mesmas partes, necessárias à construção do pensamento. d) Apresentar os conceitos relativos à análise sintática, conceituando orações coordenadas e subordinadas. e) Traduzir importantes conceitos do latim para a língua francesa. 2. No que consistia a dupla análise lógica e gramatical, proposta por Du Marsais? a) Na aceitação de mais de um tipo de construção possível para a mesma oração. b) Em três construções, que tinham a mesma sintaxe: “accepi litteras tuas”, “tuas accepi litteras” e “litteras accepi tuas”. c) Em uma análise do ponto de vista racional e outra do ponto de vista gramatical, levando em consideração o conjunto de palavras utilizadas no contexto. d) Em uma análise sintática e gramatical, uma vez que o autor já tinha desenvolvido toda a teoria gramatical como a conhecemos nos dias atuais. e) Na análise do pensamento e no complemento que definia a sua função no contexto. 3. Como a fase filosófica da gramática espanhola repercutiu no ensino da gramática, no período de 1931 a 1938? a) Nesse período, o ensino se encontrava fragmentado em ensino primário, secundário e terciário. b) Os conteúdos gramaticais ensinados nessa época passaram a ser trabalhados de forma contextualizada, utilizando exemplos extraídos de textos em latim. c) Nessa época, o ensino passou a ser centrado no aluno, a partir de seus interesses. d) Os conteúdos gramaticais passaram a ser trabalhados de forma contextualizada, utilizando exemplos extraídos de textos literários. e) As alternativas C e D estão corretas. 4. Como é possível resumir a influência da tradição escolar francesa na tradição espanhola no século XX? a) Unificação da escola primária e secundária, aluno como o centro da aprendizagem, ensino GHLE_U3_C06.indd 14 01/03/2018 12:13:45 15Fase filosófica contextualizado e respeito às crenças individuais. b) Unificação do ensino secundário e superior. c) Gramática ensinada apenas nas escolas secundárias, devido à sua complexidade. d) Utilização da gramática escrita por Du Marsais como fonte de consulta nas escolas espanholas. e) Escola separada por blocos, de acordo com o nível dos estudantes, possibilitando aos professores trabalharem com os conteúdos gramaticais aos poucos, respeitando os interesses dos alunos. 5. Por que a variedade de livros didáticos surgidos na década de 1950, embora representasse um importante avanço no ensino da gramática espanhola, foi vista com preocupação por autores como Manuel Seco? a) Devido à diversidade de livros publicados, podendo ser identificado pelo menos três tipos de livros, que apresentavam uma organização diferente entre si. Além disso, o desenvolvimento das obras não era acompanhado com rigor, o que gerava dúvida com relação à veracidade das informações e obediência aos preceitos legais vigentes na época. b) Devido à publicação de três tipos de livros, um dos quais não continha textos literários. c) Devido à quantidade indiscriminada de obras publicadas em tão pouco tempo, o que tornava quase impossível garantir a qualidade dessas publicações. d) Devido ao fato de que todos os livros deveriam conter, obrigatoriamente, textos literários. e) Devido à diversidade de livros publicados por autores que não seguiam a tradição gramatical francesa. GHLE_U3_C06.indd 15 01/03/2018 12:13:45 Fase filosófica16 ARNAULD, A.; LANCELOT, C. Grammaire génerale et raisonnéé. Paris: Prault fils l’aîné (Paris), 1754. Disponível em: <http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k50417t>. Acesso em: 02 fev. 2018. BARGALLÓ ESCRIVÁ, M. Influencia de la gramática general francesa en la gramática española de los siglos XVIII y XIX: el tema del orden de las palabras. Tarragona: URV, 1996. Disponível em: <https://goo.gl/qUF3jp>. Acesso em: 02 fev. 2018. CALERO VAQUERA, M. L. Análisis lógico y análisis gramatical en la tradición española hacia una (r)evolución de la sintaxis. In: RODRÍGUEZ, M. A. M.; GAVILÁN, M. D. M. Gramma-temas 3: España y Portugal en la tradición gramatical. León: Publicaciones Universidad de León, 2008. CÁRDENAS SÁNCHEZ, N. S. Una breve aproximación a la gramática general y razonada de Port Royal. Revista Grafía, n. 6, p. 91-104, 2008. Disponível em: <http://revistas.fuac. edu.co/index.php/grafia/article/view/187>. 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