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1 Plano de Aula de Patologia – Caso 6: ACL Beatriz Macacari – 341820563 Objetivos de aprendizagem: 1) Explicar a patogenia de edema em diferentes condições patológicas e seu significado clínico. 2) Citar os tipos de choque, suas implicações e descrever a patogenia do choque séptico. 3) Explicar a patogênese das lesões nas diferentes formas de leishmaniose e sua consequência. Resolução: 1) Explicar a patogenia de edema em diferentes condições patológicas e seu significado clínico. Edema é o acúmulo de líquido no interstício ou em cavidades pré-formadas do organismo. O líquido intersticial (na matriz extracelular, ou MEC), que se origina da filtração do sangue na parte arterial dos capilares, circula entre as células e retorna à circulação sanguínea por reabsorção no lado venoso dos capilares ou pelos vasos linfáticos. A produção, a circulação e a reabsorção do líquido intersticial dependem de forças geradas na microcirculação e na MEC, conhecidas como forças de Starling. São elas: (1) pressão hidrostática do sangue (PHs), que força a filtração; (2) pressão oncótica do plasma (POp), gerada por macromoléculas circulantes; esta tem sentido oposto à PHs; (3) pressão hidrostática e pressão oncótica da MEC (PHm e POm), ambas muito menores em condições normais, mas que podem aumentar se a quantidade de líquido intersticial aumenta. Considerando tais componentes, a formação e a reabsorção do líquido intersticial dependem de forças definidas pela equação: força de filtração ou força de reabsorção = (PHs – PHm) – (POp – POm). No lado arterial dos capilares, a PHs é maior do que a POp, e as pressões da MEC são muito menores do que as do sangue; a equação mostra uma força positiva, que é a força de filtração do plasma para a MEC. No lado venoso dos capilares, a PHs é menor do que a POp, resultando em uma força de reabsorção que força o líquido a voltar para a circulação sanguínea. A pressão hidrostática no lado arterial da microcirculação é próxima da do lado venoso (mas sempre maior do que a POp), e é influenciada pela intermitência da abertura dos esfíncteres pré- capilares: quando estes se fecham, nos capilares a jusante a PHs se reduz muito, facilitando a reabsorção, enquanto nos capilares cujos esfíncteres estão abertos predomina a filtração. A força de filtração gera um filtrado que contém água, eletrólitos e pequenas moléculas orgânicas (carboidratos simples, aminoácidos, ácidos graxos e outras moléculas orgânicas de baixo peso molecular) que passam junto com a água nos espaços interendoteliais; macromoléculas passam em pequena quantidade através de poros endoteliais e transcitose, variáveis em diferentes tecidos. As macromoléculas do filtrado, juntamente com outras originadas na MEC, são reabsorvidas pelos vasos linfáticos, que possuem parede fenestrada e poros endoteliais; a pressão negativa nos canais linfáticos e a presença de válvulas nesses vasos permitem a drenagem do líquido em excesso e o carreamento de macromoléculas livres no líquido intersticial. O trânsito de macromoléculas da MEC para os vasos sanguíneos depende de mecanismos ativos ou facilitados de transporte através da parede capilar ou de poros endoteliais. O líquido acumulado na MEC ou em cavidades pré-formadas do organismo pode ser de dois tipos. Transudato é o líquido constituído por água e eletrólitos e pobre em células e proteínas (sua densidade < 1.020 g/mL); é encontrado em edemas originados por desequilíbrio com maior filtração do que a capacidade de reabsorção dos capilares sanguíneos e linfáticos. Exsudato é o líquido rico em proteínas e/ou células inflamatórias (densidade > 1.020 g/mL); é formado quando a permeabilidade vascular está aumentada, como acontece em inflamações, traumatismos na microcirculação e em vasos malformados no interior de neoplasias. 2 O edema pode ser localizado ou generalizado; edema generalizado recebe o nome de anasarca. Nomes especiais são utilizados para identificar edemas em cavidades naturais. De modo geral, utiliza-se o prefixo hidro seguido da palavra que indica a cavidade. Assim: hidroperitônio (ou ascite), hidropericárdio, hidrotórax, hidrartro, hidrocele (cavidade escrotal) etc. Em cavidades, o acúmulo de líquido e suas características são facilmente perceptíveis: trata-se de transudato típico, com aspecto citrino. Na MEC, o edema provoca a sua expansão, causando aumento de volume na região edemaciada. Isso é facilmente evidenciado em edemas localizados na pele: após picada de um inseto, forma-se edema e surge uma lesão elevada. O popular “galo”, formado por ação de traumatismo onde a pele é mais frouxa, é um bom exemplo de expansão de volume de tecidos edemaciados. A consistência do tecido edemaciado varia com as características do líquido acumulado: se transudato, o tecido fica mais mole, facilmente compressível; se exsudato, a área afetada tem consistência mais firme e é menos compressível. Na pele edemaciada, o acúmulo de líquido na MEC da derme e do subcutâneo pode ser identificado por compressão digital, que resulta em uma depressão que demora a voltar ao normal: é o clássico sinal do cacifo, utilizado pelos profissionais de saúde para identificar edema na pele. Ao exame microscópico, no local edemaciado observa-se ampliação da MEC evidenciada pela separação das células e dos componentes fibrosos da matriz. ETIOPATOGÊNESE A patogênese do edema está relacionada com as forças que regulam o transporte de líquidos entre os vasos e o interstício. Em princípio, edema resulta de 4 mecanismos: (1) aumento da pressão hidrostática vascular; (2) redução da pressão oncótica do plasma; (3) aumento da permeabilidade vascular; (4) bloqueio da circulação linfática. Para facilitar a compreensão desses fatores nas diversas situações em que se forma edema, serão comentados, separadamente, os edemas localizados e os generalizados. EDEMA LOCALIZADO Edema localizado resulta de causas locais que alteram as forças de Starling ou que interferem com a drenagem linfática. Edema por aumento da permeabilidade vascular O melhor exemplo é o edema que ocorre em inflamações agudas; nesses casos, forma-se um exsudato rico em proteínas e células. O aumento da permeabilidade vascular ocorre predominantemente nas vênulas, por perda da integridade do sistema de poros pela ação dos mediadores inflamatórios. Com o aumento da permeabilidade, ocorre passagem de macromoléculas para o interstício, as quais aumentam a pressão oncótica na MEC, aumentando a filtração para o interstício (PO aumentada na MEC gera uma força que puxa água do plasma). Edema inflamatório causado por agressões que induzem liberação rápida de mediadores de vasodilatação, como ocorre em queimaduras, traumatismos físicos, reações alérgicas ou picadas de inseto, instalam-se rapidamente e formam exsudatos pobres em células, razão pela qual são mais moles e mais compressíveis do que aqueles provocados por agressões que induzem grande exsudação celular e de fibrina; fibrina depositada na MEC é responsável por aumento da consistência nos edemas. Edema por aumento da pressão hidrostática sanguínea Provocado por aumento da pressão intravascular em veias e vênulas, pode ser localizado ou generalizado. No primeiro caso, o aumento é causado por obstrução de veias por trombos ou compressão extrínseca, por insuficiência de válvulas venosas (como em varizes); no segundo, por aumento da pressão venosa sistêmica por insuficiência cardíaca direita. Com obstrução venosa, o território drenado apresenta hiperemia passiva e edema. Na insuficiência valvular venosa e na insuficiência cardíaca direita, surge edema nos membros inferiores por mecanismos semelhantes. O aumento da pressão venosa reflete-se na microcirculação, sobrepondo-se à força de reabsorção da pressão oncótica do plasma; se o aumento do líquido intersticial não é drenado pela circulação linfática, surge edema. Nesses casos, trata-sede transudato típico, que é pobre em proteínas e compressível, com sinal do cacifo bem evidente. O edema de membros inferiores é influenciado pela gravidade: aparece (ou piora) no fim do dia (edema vespertino) porque o paciente permanece por longo período em pé, e melhora depois que o indivíduo coloca os membros inferiores em posição horizontal, ao se deitar; ao acordar, o paciente percebe que o edema se reduziu ou mesmo desapareceu. A posição horizontal do corpo favorece o retorno venoso, diminuindo a pressão venosa periférica. 3 Edema por redução da drenagem linfática Obstrução de vasos linfáticos causa edema na região drenada pelos vasos obstruídos (edema linfático). Redução na drenagem linfática pode acontecer também por colapso do vaso linfático pela demolição de fibras da MEC por enzimas hidrolíticas liberadas durante a inflamação. A redução dos filamentos de ancoragem das células endoteliais linfáticas diminui a força radial ao redor de capilares linfáticos iniciais, que faz abrir os espaços interendoteliais. Edema linfático tem algumas características peculiares: (1) é mais duro, pois a falta de drenagem de proteínas do líquido intersticial as faz acumular na MEC, aumentando a consistência do tecido; (2) linfedema evolui com deposição de matriz extracelular estimulada por proteínas acumuladas, razão pela qual é comum haver fibrose nos territórios com edema linfático crônico. Nos membros inferiores, o linfedema crônico aumenta muito o volume, a espessura e a consistência da pele, que se torna dura e pregueada. Edema no sistema nervoso central No sistema nervoso central, o edema pode ser intra ou extracelular e tem algumas particularidades, em razão sobretudo da existência da barreira hematoencefálica. No tecido nervoso, os capilares são contínuos e ficam envolvidos por prolongamentos citoplasmáticos de astrócitos; suas células endoteliais não possuem poros, apresentam pouca atividade de transcitose e têm muitas junções íntimas que repousam sobre membrana basal espessa. Os prolongamentos dos astrócitos envolvem também os corpos dos neurônios, de modo que o conteúdo que sai dos capilares tem de passar pelos astrócitos e destes para os neurônios. No tecido nervoso, a MEC é exígua e o fluido que nela chega atravessa a parede capilar e os prolongamentos dos astrócitos. Por essa razão, o edema cerebral é conceituado de modo um pouco diferente: é o acúmulo de líquido em células e/ou no espaço intercelular. Os mecanismos desse edema permitem separá-lo nos tipos descritos adiante. O edema vasogênico resulta de reação da microcirculação em que há: (1) aumento da transcitose no endotélio; (2) modificações nas moléculas de adesão endotelial por ativação de mecanorreceptores nas células endoteliais, o que aumenta a permeabilidade vascular. A passagem de líquido através da parede capilar leva a seu acúmulo no espaço extracelular, principalmente na substância branca, que se expande mais facilmente. Esse edema é frequente em traumatismos cranioencefálicos, em torno de lesões tumorais (neoplásicas ou não) ou de áreas hemorrágicas, na encefalopatia hipertensiva e em focos de irritação associados a crises convulsivas. O edema citotóxico é secundário a condições que diminuem: (1) a atividade de bombas eletrolíticas, resultando no acúmulo de Na + nas células; (2) moléculas transportadoras de cátions e ânions orgânicos, causando aumento desses osmólitos no citosol. Com isso, aumenta a osmolaridade no citoplasma dos astrócitos, que acumulam água e se tornam tumefeitos. O trânsito de água e de pequenas moléculas dos capilares para os astrócitos é regulado por aquaporina; 4), abundantes nos prolongamentos (pés) dos astrócitos que envolvem os capilares e nas proximidades de sinapses. As aquaporinas são mobilizadas após aumento do gradiente osmótico no citoplasma dos astrócitos por dois mecanismos: (a) aumento imediato, a partir de vesículas pré-formadas; (b) aumento mediato, por síntese induzida por estímulo de fatores de transcrição gerados pelo gradiente osmótico. Edema citotóxico ocorre nos estados de hipóxia e na encefalopatia hepática. O edema intersticial é provocado por aumento da pressão intraventricular, que força o liquor a infiltrar-se no interstício do tecido nervoso. O exemplo mais conhecido é o edema periventricular secundário a obstrução da circulação liquórica (hidrocefalia). O edema hipo-osmótico é secundário à redução da pressão osmótica do plasma por infusão de grande quantidade de líquido (hemodiluição) ou em estados de hiponatremia acentuada. O líquido de edema acumula-se no interstício e, em menor intensidade, nos astrócitos. O aspecto macroscópico do encéfalo no edema cerebral é bem característico: o aumento de volume do encéfalo, que fica contido em uma caixa óssea inextensível, provoca achatamento dos giros cerebrais e estreitamento dos sulcos. Ao microscópio, o tecido nervoso edemaciado apresenta espaços claros em torno dos vasos ou entre os neurônios, devido à grande tumefação dos astrócitos. 4 Edema pulmonar Edema pulmonar ocorre geralmente por aumento da pressão nas veias pulmonares e/ou por aumento na permeabilidade capilar. Aumento súbito de pressão nas veias pulmonares ocorre em casos de falência cardíaca aguda, causada sobretudo por infarto do miocárdio, lesões valvares e miocardites extensas. Nesses casos, ocorre aumento rápido da pressão nas veias pulmonares, levando a transudação de líquido para os alvéolos. Os pacientes apresentam insuficiência respiratória, com dispneia intensa e eliminação de fluido espumoso e róseo (contém sangue), pela boca e pelas narinas. Insuficiência respiratória aguda pode levar a morte. Edema pulmonar crônico acompanha insuficiência cardíaca esquerda e todas as condições que aumentam a pressão nas veias pulmonares (p. ex., estenose ou insuficiência da valva mitral). Edema por aumento da permeabilidade capilar ocorre em inflamações pulmonares agudas e em agressões gerais, como politraumatismo, aspiração pulmonar (ver adiante, dano alveolar difuso). Ascite na hipertensão portal Obstáculo ao fluxo do sangue na veia porta aumenta a pressão hidrostática a montante, que resulta em desequilíbrio das forças de Starling e provoca edema cujo líquido se acumula na cavidade peritoneal (ascite). Hipertensão portal de qualquer etiologia pode acompanhar-se de ascite e esplenomegalia por causa de hiperemia passiva, mas sua intensidade varia, sendo mais acentuada nos casos de hipertensão mais grave e naqueles que se acompanham de disfunção hepática. Várias causas promovem hipertensão portal: (1) trombose das veias hepáticas (síndrome de Budd- Chiari); (2) cirrose hepática, que produz hipertensão sinusoidal e pré-sinusoidal, já que existe aumento do fluxo arterial e nos sinusoides hepáticos, o que aumenta a pressão nesses vasos, além de compressão dos ramos portais por causa da arquitetura distorcida do órgão pelos nódulos regenerativos; (3) fibrose hepática; (4) obstrução do tronco da veia porta por trombose e, mais raramente, por compressão extrínseca ou infiltração de tumores. Se o paciente tem sangramento por ruptura de varizes esofagianas, surge lesão hepatocitária por hipovolemia, e a ascite pode agravar- se devido à hipoalbuminemia que se instala. Na cirrose hepática, a ascite é mais grave e progressiva, atinge grande volume e tem aspecto hipertensivo. A maior gravidade desse quadro deve-se à intensidade da hipertensão portal, à hipoalbuminemia causada pela insuficiência hepática e ao acionamento do mecanismo renina angiotensina- aldosterona. Em obstruções da veia porta, a hipertensão portal, geralmente de longa duração, produz ascite também de menor intensidade e menos progressiva, porque a função hepática está pouco alterada. Na obstrução das veias hepáticas, a ascite tende a ser mais intensa, pois nessa condição há comprometimento do parênquima hepático. EDEMA GENERALIZADO Em algumassituações (p. ex., insuficiência cardíaca, hipoproteinemia etc.), o edema tende a ser generalizado desde o seu início. Em outras, um edema inicialmente localizado pode acionar mecanismos de compensação que acabam por generalizar o processo, provocando redistribuição dos líquidos no corpo e aumento do líquido intersticial na maioria dos órgãos. Edema na insuficiência cardíaca Insuficiência cardíaca direita acompanha-se de edema, que é inicialmente localizado nos membros inferiores, mas que tende a generalizar-se e a acompanhar-se de hidropericárdio, hidrotórax e ascite, culminando em anasarca. Além do aumento generalizado da pressão hidrostática sanguínea pela dificuldade do retorno venoso sistêmico, a generalização do edema deve-se também à ativação de mecanismos reguladores que tentam restaurar a volemia, diminuída pela saída de líquido para o interstício. A saída de líquido dos vasos reduz o retorno venoso, o que diminui o débito cardíaco, reduzindo a pressão de pulso nas arteríolas aferentes dos glomérulos, onde, na camada média, células mioepiteliais, produtoras de renina, são estimuladas e liberam essa protease na circulação. A renina age sobre uma proteína plasmática, o angiotensinogênio, liberando a angiotensina I; esta sofre ação da enzima conversora da angiotensina (ECA, presente sobretudo no endotélio pulmonar), convertendo-a em angiotensina II. A angiotensina II tem ação vasoconstritora e induz a liberação de aldosterona pelas suprarrenais. A aldosterona atua nos túbulos renais aumentando a reabsorção de sódio, que retém mais água na circulação renal por efeito osmótico e aumenta a osmolaridade plasmática, que é sentida em neurônios osmorreceptores do hipotálamo que estimulam a liberação do hormônio antidiurético. Este atua nos túbulos renais aumentando a reabsorção de água por meio do aumento na síntese e na translocação de aquaporinas para a membrana basolateral do epitélio tubular. Desse modo, ao tentar recuperar a volemia o organismo agrava o edema, porque a causa inicial (desequilíbrio das forças de Starling) permanece e o líquido tecidual tende a aumentar. Como há aumento na reabsorção de sódio, o líquido acumula 5 também esse eletrólito, aumentando a osmolaridade e a retenção de água no interstício. Tal processo entra em um círculo vicioso, e o edema tende a progredir até anasarca. O mecanismo de generalização do edema cardíaco pelo sistema renina-angiotensina-aldosterona está implicado também em todos os edemas generalizados. Edema na hipoproteinemia Redução acentuada na quantidade de proteínas plasmáticas, em geral por diminuição da albumina, acompanha-se de edema generalizado. Hipoalbuminemia reduz a pressão oncótica do plasma, diminuindo a reabsorção do fluido intersticial, que se acumula de modo sistêmico, com maior intensidade em tecidos frouxos. Como comentado no edema da insuficiência cardíaca, a retenção de líquido nos tecidos diminui a volemia, o que ativa o sistema renina- angiotensina-aldosterona, contribuindo para agravar o edema. São causas comuns de edema por hipoproteinemia: desnutrição proteico-energética grave, hepatopatias que reduzem a síntese de albumina (p. ex., cirrose) e perda excessiva de albumina nas fezes, como acontece nas enteropatias perdedoras de proteínas, ou na urina em algumas doenças renais, sobretudo quando existe síndrome nefrótica, em que ocorre aumento da permeabilidade glomerular a macromoléculas. Edema renal Em muitas doenças renais (p. ex., glomerulonefrites agudas, nefropatias com síndrome nefrótica etc.), edema generalizado é frequente, sendo mais acentuado e mais precoce na face. Na glomerulonefrite aguda, o edema resulta do que se denomina desequilíbrio glomérulo-tubular: redução da filtração glomerular com manutenção da reabsorção tubular, promovendo retenção de água e sódio. Sódio aumentado na matriz extracelular aumenta a retenção de água nesse compartimento, agravando o edema. Na síndrome nefrótica, perda intensa de proteínas na urina resulta em hipoproteinemia, o que provoca queda acentuada da pressão oncótica do plasma, desequilibrando as forças de Starling. Iniciado o edema, ele se agrava por ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, como descrito anteriormente. O edema acentuado que se forma nessa condição, desproporcional ao desequilíbrio das forças de Starling, pode ser explicado por aumento da retenção de Na + independentemente da aldosterona e por aumento da permeabilidade capilar decorrente de alteração nos complexos juncionais das células endoteliais, aumentando a passagem de água. O fenômeno pode ser explicado pela expressão anormalmente elevada de ATPase Na+K+ nas células epiteliais do néfron distal, por mecanismo ainda desconhecido, e por aumento da permeabilidade capilar por causa de modificações na condutividade hidráulica nas células endoteliais causada por hipoalbuminemia e/ou por elevação de TNF-α, ambas implicadas na modulação de complexos juncionais do endotélio capilar. _______________________________________________________________________________________________ Os distúrbios que afetam as funções cardiovascular, renal ou hepática geralmente são marcados pelo acúmulo de líquido nos tecidos (edemas) ou nas cavidades corporais fechadas (efusões). Sob circunstâncias normais, a tendência da pressão hidrostática vascular empurrar água e sais de dentro dos capilares para o espaço intersticial é praticamente balanceada pela tendência de a pressão coloido-osmótica plasmática puxar água e sais de volta para o leito venoso. Ocorre, habitualmente, um pequeno espalhamento de líquido no interstício, mas ele é drenado pelos vasos linfáticos e retorna, no final, para a corrente sanguínea através do ducto torácico. A pressão hidrostática elevada ou a pressão coloido-osmótica diminuída rompe esse balanço e resulta no aumento da saída de líquido dos vasos. Se a taxa da saída de líquido exceder a capacidade de drenagem linfática, o líquido se acumulará. Nos tecidos, isso resulta em edema, e, se uma superfície serosa estiver envolvida, o líquido pode se acumular dentro da cavidade serosa do corpo resultando em uma efusão. Líquidos de edema e efusões podem ser inflamatórios ou não inflamatórios. Esses exsudatos, líquidos ricos em proteína, se acumulam devido ao aumento da permeabilidade vascular causada por mediadores inflamatórios. Habitualmente, os edemas associados à inflamação são localizados em um tecido ou em suas vizinhanças, mas em estados de inflamação sistêmica, como na sepse, que produzem lesão e disfunção endotelial generalizada, edema generalizado pode aparecer, geralmente com consequências graves. Em contraste, edemas e efusões não 6 inflamatórios são líquidos pobres em proteínas chamados transudatos. Edemas e efusões não inflamatórios são comuns em muitas doenças, incluindo insuficiência cardíaca, insuficiência hepática, doenças renais e desnutrição grave. Aumento da Pressão Hidrostática O aumento na pressão hidrostática é causado, principalmente, por disfunções que impedem o retorno venoso. Se a obstrução for localizada (p. ex., trombose venosa profunda [TVP] em uma extremidade inferior), então o edema resultante estará limitado à parte afetada. Já as condições que levam ao aumento sistêmico da pressão venosa estão compreensivamente associadas com edemas mais generalizados. Redução da Pressão Osmótica Plasmática Sob circunstâncias normais, a albumina é responsável por quase a metade da proteína total de plasma; conclui-se que as condições que levam à síntese inadequada ou ao aumento da perda da albumina da circulação são causas comuns da redução da pressão oncótica do plasma. A redução na síntese de albumina ocorre principalmente na doença hepática grave e na desnutrição proteica. Uma causa importante da perda de albumina é a síndrome nefrótica, em que a albumina é perdida na urina através de capilares glomerularescom permeabilidade anormal. Independentemente da causa, a pressão oncótica plasmática reduzida leva, de forma gradativa, a edema, redução do volume intravascular, hipoperfusão renal e hiperaldosteronismo secundário. A subsequente retenção de sal e água pelos rins não apenas falha na correção do déficit de volume plasmático, como também exacerba o edema por causa da persistência do defeito primário (nível de proteína plasmática baixo). Retenção de Sódio e Água O aumento da retenção de sal, associado obrigatoriamente à retenção de água, provoca tanto o aumento da pressão hidrostática (devido à expansão de volume líquido intravascular) quanto a diminuição da pressão coloido-osmótica vascular (devido à diluição). A retenção de sal ocorre sempre que a função renal está comprometida, como nos distúrbios primários do rim e nos distúrbios cardiovasculares que diminuem a perfusão renal. Uma das mais importantes causas de hipoperfusão renal é a insuficiência cardíaca congestiva, que (como a hipoproteinemia) resulta na ativação do eixo renina-angiotensina-aldosterona. No início da insuficiência cardíaca, essa resposta é benéfica, uma vez que a retenção de sódio e água e outras adaptações, incluindo o aumento do tônus vascular e níveis elevados de hormônio antidiurético, aumentam o débito cardíaco e restauram a perfusão renal normal. Contudo, conforme a insuficiência cardíaca piora e o débito cardíaco diminui, o líquido retido apenas aumenta a pressão hidrostática, resultando em edemas e efusões. Obstrução Linfática Traumas, fibroses, tumores invasivos e agentes infecciosos podem romper vasos linfáticos e bloquear a eliminação de líquido intersticial, resultando em linfedema na parte afetada do corpo. Um exemplo importante pode ser visto na filariose parasitária, em que o organismo induz a fibrose obstrutiva dos canais linfáticos e linfonodos. Isso pode resultar em edema da genitália externa e dos membros inferiores, que ficam tão espessos que recebem o nome de elefantíase. O edema grave das extremidades superiores também pode complicar a remoção cirúrgica e/ou a irradiação da mama e dos linfonodos axilares associados em pacientes com câncer de mama. 2) Citar os tipos de choque, suas implicações e descrever a patogenia do choque séptico. Choque é o distúrbio hemodinâmico agudo e sistêmico caracterizado pela incapacidade do sistema circulatório de manter a pressão arterial em nível suficiente para garantir a perfusão sanguínea ao organismo, o que resulta em hipóxia generalizada. A manutenção da pressão arterial e da pressão de perfusão tecidual depende de três componentes: (1) bomba cardíaca, que impulsiona o sangue nos vasos; (2) volume de sangue circulante; (3) compartimento vascular. Em 7 condições normais, a quantidade de sangue ejetado na circulação ocupa o compartimento vascular de modo a exercer tensão na parede dos vasos suficiente para manter a pressão arterial e a perfusão dos tecidos. Em princípio, o choque pode ser provocado por: (1) falência da bomba cardíaca (choque cardiogênico); (2) redução da volemia (choque hipovolêmico); (3) aumento do compartimento vascular (choque distributivo); (4) falência no enchimento do ventrículo esquerdo (choque obstrutivo). ETIOPATOGÊNESE O estado de choque pode ser provocado por inúmeras causas, que atuam por mecanismos diversos. • Choque hipovolêmico. É causado por redução aguda e intensa do volume circulante, por perda de líquidos para o meio externo, devido a: (a) hemorragia grave, vômitos e diarreia; (b) perda cutânea (p. ex., queimaduras); (c) passagem rápida de líquido do meio intravascular para a MEC (como na dengue, devido à perda de fluidos na microcirculação); (d) causas menos frequentes, como retenção de grande quantidade de líquido na luz intestinal devido a íleo paralítico. • Choque cardiogênico. Surge por insuficiência cardíaca aguda, especialmente do ventrículo esquerdo, que resulta em incapacidade do coração em bombear o sangue para a circulação sistêmica. Para ocorrer choque cardiogênico, deve haver perda da massa miocárdica e redução da capacidade de ejeção ventricular. As principais causas são infarto agudo do miocárdio e miocardites agudas; menos frequentemente, ruptura de valvas cardíacas (p. ex., endocardite infecciosa) ou de músculo papilar. • Choque distributivo. Deve-se a vasodilatação arteriolar-periférica que resulta em queda da resistência periférica, inundação de capilares e redução drástica do retorno venoso. Exemplo típico dessa condição, embora não tão frequente, é o choque anafilático, em que há liberação rápida de histamina que provoca vasodilatação arteriolar, queda rápida da pressão arterial, inundação do leito capilar e diminuição do retorno venoso. Nesse grupo está também o choque séptico. O choque séptico é incluído como choque distributivo porque ocorre vasodilatação na microcirculação induzida por resposta inflamatória sistêmica que inicia o distúrbio hemodinâmico. O choque séptico faz parte da evolução da síndrome da resposta inflamatória sistêmica de qualquer natureza, infecciosa ou não, cuja patogênese é a liberação sistêmica de mediadores inflamatórios. Os mediadores inflamatórios (citocinas, produtos da ativação do complemento, cininas, histamina, prostaglandinas e leucotrienos) causam vasodilatação arteriolar (que reduz a resistência periférica) e inundação do leito capilar (que reduz o retorno venoso, agravado pela perda de líquido para a MEC resultante do aumento da permeabilidade vascular). Além desse mecanismo periférico (mecanismo distributivo), as citocinas pró-inflamatórias (IL-1, TNF, IL-6) têm efeito depressor sobre o miocárdio, reduzindo a eficácia do coração em bombear o sangue para a periferia (mecanismo cardiogênico). Por essa razão, o choque séptico é considerado por alguns como choque misto. • Choque obstrutivo. Tem como mecanismo básico restrição no enchimento das câmaras cardíacas esquerdas de instalação súbita. As principais causas são embolia pulmonar maciça (bloqueio do fluxo sanguíneo nas artérias pulmonares) e hidro ou hemopericárdio agudos (levam a restrição diastólica por preenchimento do espaço pericárdico por líquido de edema ou por sangue). RESPOSTAS ADAPTATIVAS | PROGRESSÃO DO CHOQUE O processo passa por um estágio inicial, geralmente reversível por intervenções nas causas básicas, mas que pode ser seguido de um estágio progressivo, frequentemente irreversível. Nas fases iniciais, a hipotensão arterial induz modificações circulatórias no sentido de reduzir o fluxo sanguíneo esplâncnico e de redistribuí-lo para garantir a perfusão de órgãos vitais, como o coração e o encéfalo (suas células possuem receptores β-adrenérgicos). Tal mudança hemodinâmica faz-se por aumento da atividade simpática evocada por estimulação de receptores de volume e de pressão e de quimiorreceptores e por estímulo direto de núcleos autonômicos por causa da isquemia cerebral. Tais respostas adaptativas, mediante ativação do sistema nervoso simpático, são responsáveis por algumas das manifestações perceptíveis na fase inicial do choque (fase hiperdinâmica): aumento de frequência cardíaca (taquicardia) e pele úmida pela sudorese. A oligúria resulta de menor perfusão renal pela hipotensão arterial. No choque distributivo, essa fase de compensação é chamada fase “quente”, já que existe vasodilatação periférica. A frequência cardíaca aumenta progressivamente, mas a pressão sistólica continua baixa ou se reduz mais ainda. Além dos mecanismos compensadores nervosos (atividade simpática), há também ação de substâncias vasoconstritoras 8 endógenas: adrenalina da medular da suprarrenal, vasopressina liberada da neuro-hipófise por estímulo aferente vindo de receptores de volume dos átrios e angiotensina I produzida por ação da renina, esta liberada de células justaglomerulares ativadas pela queda da pressão arterial. Retenção de sódio nos rins ocorrepor redução na fração de filtração e por ação da aldosterona, cuja produção está estimulada pela angiotensina II, formada por ação da enzima conversora sobre a angiotensina I. A retenção de sódio aumenta a resposta vasoconstritora das arteríolas e induz acúmulo de água porque estimula a liberação do hormônio antidiurético. Com isso, aumenta-se a volemia. Outro mecanismo compensador é a reabsorção de líquido do interstício para o compartimento vascular, facilitada pela diminuição da pressão hidrostática nos capilares, reduzida pela hipotensão arterial. A reabsorção de fluido pobre em proteínas reduz um pouco a pressão coloidosmótica do plasma (ocorre hemodiluição). Com a progressão do choque, o quadro clínico agrava-se e instala-se a fase de descompensação. Os mecanismos de retroalimentação negativa para contrabalançar a hipotensão e a hipovolemia (por perda de líquidos no choque hipovolêmico ou por redução do retorno venoso nos demais tipos de choque) podem induzir retroalimentação positiva, ou seja, podem surgir estímulos que pioram o distúrbio hemodinâmico. A fase de descompensação associa- se sobretudo à redução da função miocárdica e à acidose metabólica; o débito cardíaco agora é incapaz de manter a perfusão tecidual, e a hipóxia dos tecidos mal perfundidos gera, por aumento da glicólise anaeróbia, acidose lática, característica dessa fase. A acidose piora o quadro hemodinâmico porque deprime o miocárdio, reduz a resposta vascular às catecolaminas e aumenta a abertura dos esfíncteres pré-capilares. Além disso, vários mediadores pró- inflamatórios são liberados pelos tecidos hipóxicos, aumentando a permeabilidade vascular (histamina C3a, C5a e cininas) e a vasodilatação, o que reduz mais ainda o retorno venoso, agravando o choque em um círculo vicioso. No choque séptico, essa fase torna-se ainda mais grave, porque alarminas circulantes (PAMP e DAMP, dependendo da origem do choque séptico) mantêm a produção de citocinas que ativam células endoteliais e leucócitos a elas aderidos a produzir mais e mais substâncias vasodilatadoras. O quadro hemodinâmico agrava-se também porque citocinas pró- inflamatórias, como IL-1 e TNF-α, são depressoras do miocárdio. Com a vasodilatação progressiva e o sequestro de sangue na microcirculação (vênulas e capilares), a pele passa a ter aspecto cianótico e é fria (fase final ou hipodinâmica). Lesão endotelial progressiva, especialmente por hipóxia ou hiperativação endotelial se o choque é séptico, aumenta o risco de trombose por exposição de fatores teciduais da coagulação e/ou por redução na atividade anticoagulante do endotélio. Nessas circunstâncias, pode ocorrer coagulação intravascular disseminada (CID), seguida muitas vezes de coagulopatia de consumo. Com a manutenção da hipoperfusão, ocorrem hipóxia e, consequentemente, lesões degenerativas e necrose em diversos órgãos. Sinais de insuficiência funcional vão se acumulando, e surge o que se denomina falência de múltiplos órgãos (FMO), fase final do processo. Na fase progressiva do choque e com a manutenção do paciente vivo em unidades de tratamento intensivo, por meio de recursos cada vez mais sofisticados de ventilação artificial e medicamentos vasoativos, surgem várias lesões decorrentes da isquemia prolongada que levam à FMO. Nos territórios de menor perfusão, notadamente naqueles mais afastados do coração, é frequente necrose isquêmica. Nos rins, além de necrose tubular aguda (Figura 9.38) pode haver necrose cortical subcapsular; no coração, aparecem infartos subendocárdicos em faixa, circunferenciais; no sistema nervoso central, ocorre necrose em faixa nos territórios de interface entre as artérias cerebrais; no baço, surge necrose subcapsular; no trato digestivo, formam-se úlceras na mucosa, especialmente na borda antimesentérica; no fígado, encontra-se necrose centrolobular; no pâncreas, aparece necrose acinar. Nos pulmões, as lesões são progressivas e caracterizadas por: (1) liberação de citocinas que promovem aumento do número e da adesividade de leucócitos à parede capilar; (2) aumento da permeabilidade capilar, com edema alveolar; (3) agressão ao epitélio alveolar por radicais livres e enzimas liberados por leucócitos intravasculares e pelo exsudato no interstício alveolar, formando membranas hialinas. Tais alterações são seguidas de reparo por síntese de MEC nos septos alveolares e parede dos bronquíolos, levando a fibrose progressiva do parênquima pulmonar. Os espaços aéreos (alvéolos) reduzem-se pelo aumento da MEC, que pode até comprometer os bronquíolos respiratórios e provocar sua obstrução. O epitélio alveolar adquire forma cuboide, desaparecendo os pneumócitos típicos. _______________________________________________________________________________________________ O choque é um estado em que a diminuição do débito cardíaco ou a redução do volume sanguíneo circulante eficaz prejudica a perfusão tecidual, levando à hipoxia celular. No início, a lesão celular é reversível; contudo, o choque 9 prolongado causa lesão tecidual irreversível e é, geralmente, fatal. O choque pode complicar hemorragias graves, traumas ou queimaduras extensas, infarto do miocárdio, embolia pulmonar e sepses microbianas. Suas causas podem ser agrupadas em três categorias gerais • Choque cardiogênico: resulta de um baixo débito cardíaco devido à falência da bomba miocárdica. A falência pode decorrer de danos intrínsecos ao miocárdio (infarto), arritmias ventriculares, compressão extrínseca (tamponamento cardíaco), ou obstrução ao fluxo de saída (p. ex., embolia pulmonar). • Choque hipovolêmico: resulta de um débito cardíaco baixo devido à perda do volume sanguíneo, tal como ocorre nas hemorragias graves ou na perda de líquido decorrente de queimaduras graves. • Choque associado à inflamação sistêmica: pode ser acionado por diferentes tipos de agressão, especialmente infecções microbianas, queimaduras, trauma e pancreatite. A característica patogênica comum é a liberação de mediadores inflamatórios das células da imunidade inata e adquirida que produzem vasodilatação arterial, perda de líquido intravascular e represamento de sangue venoso. Essas anormalidades cardiovasculares resultam em hipoperfusão tecidual, hipoxia celular e desarranjos metabólicos que levam à disfunção dos órgãos e, se graves e persistentes, à falência de órgãos e morte. Com menor frequência, pode ocorrer choque em situações como um acidente anestésico, lesões da medula espinal (choque neurogênico), ou uma reação de hipersensibilidade mediada por IgE. Em todas essas formas de choque, a vasodilatação aguda leva à hipotensão e à hipoperfusão tecidual. Os fatores que, possivelmente, desempenham os papéis principais na fisiopatologia do choque séptico são os seguintes: • Respostas inflamatória e anti-inflamatória. Na sepse, vários componentes da parede celular microbiana se acoplam aos receptores nas células do sistema imune inato, desencadeando respostas pró-inflamatórias. Provavelmente, iniciadores de inflamações na sepse ativam vias de sinalização através dos receptores Toll-like, que reconhecem PAMPs, além dos receptores acoplados à proteína G que detectam os peptídeos bacterianos e as proteínas do domínio de oligomerização de nucleotídeos 1 e 2 (NOD 1, NOD 2). Uma vez ativadas, as células imunes inatas produzem TNF, IL-1, IFN-γ, IL-12, e IL-18, além de outros mediadores inflamatórios, tais como a proteína B1 do grupo de alta mobilidade (HMGB1). Espécies reativas de oxigênio e mediadores lipídicos como prostaglandina e o fator de ativação plaquetário (PAF) também são produzidos. Essas moléculas efetoras induzem células endoteliais (e outros tipos de células) a aumentarem a expressão de moléculas de adesão e a estimularem a produção adicional de citocinas e quimiocinas. A cascata do complemento também é ativada pelos componentes microbianos, diretamente e através da atividade proteolíticada plasmina, 10 resultando na produção de anafilotoxinas (C3a, C5a), fragmentos quimiotáticos (C5a) e opsoninas (C3b), todos os quais contribuem para o estado pró-inflamatório. Além disso, os componentes microbianos podem ativar a coagulação diretamente através do fator XII ou indiretamente através da alteração das funções do endotélio. A ativação disseminada da trombina que ocorre pode aumentar a inflamação, posteriormente, pela ativação dos PARs nas células inflamatórias. O estado hiperinflamatório iniciado pela sepse também ativa mecanismos imunossupressores contrarregulatórios, que envolvem tanto células da imunidade inata como da adquirida. Como resultado, os pacientes sépticos podem oscilar entre estados hiperinflamatórios e imunossupressores durante a sua evolução clínica. Os mecanismos propostos para a supressão imune incluem o desvio da produção de citocinas próinflamatórias (TH1) para anti-inflamatórias (TH2), a produção de mediadores anti-inflamatórios (p. ex., receptores TNF solúveis, antagonistas do receptor de IL-1, e IL- 10), apoptose de linfócitos, os efeitos imunossupressores das células apoptóticas e a indução de anergia celular. • Ativação e lesão endoteliais. O estado pró-inflamatório e a ativação das células endoteliais associadas à sepse provocam aumento de permeabilidade vascular e edema tecidual, que têm consequências deletérias tanto no aporte de nutrientes como na remoção de escórias. Um efeito das citocinas inflamatórias é o afrouxamento das junções oclusivas das células endoteliais, causando a saída de líquido dos vasos, o que resulta no acúmulo de edema rico em proteína por todo o corpo. A ativação do endotélio também aumenta a produção de óxido nítrico (NO) e de outros mediadores inflamatórios vasoativos (p. ex., C3a, C5a e PAF), que podem contribuir para o relaxamento dos músculos lisos vasculares e hipotensão sistêmica. • Indução de um estado pró-coagulante. Os desarranjos na coagulação são suficientes para produzir a terrível complicação da coagulação intravascular disseminada em até metade dos pacientes sépticos. A sepse altera a expressão de vários fatores que favorecem a coagulação. As citocinas pró- inflamatórias aumentam a produção do fator tecidual por monócitos e, possivelmente, também por células endoteliais, e diminui a produção de fatores anticoagulantes endoteliais, como o inibidor da via do fator tecidual, a trombomodulina e a proteína C. Elas também diminuem a fibrinólise aumentando a expressão do inibidor do ativador do plasminogênio 1. A saída de líquido intravascular e o edema tecidual diminuem o fluxo sanguíneo nos pequenos vasos, produzindo estase e diminuindo a eliminação dos fatores de coagulação ativados. Agindo em conjunto, esses efeitos levam à ativação sistêmica da trombina e ao depósito de trombos ricos em fibrina nos pequenos vasos, geralmente por todo o corpo, consequentemente comprometendo a perfusão tecidual. Na coagulação intravascular disseminada plenamente desenvolvida, o consumo dos fatores da coagulação e das plaquetas é tão grande que ocorre a deficiência destes, levando a hemorragias concomitantes. • Anormalidades metabólicas. Os pacientes sépticos apresentam resistência à insulina e hiperglicemia. Citocinas, tais como o TNF e a IL-1, hormônios induzidos por estresse (como o glucagon, o hormônio do crescimento e glicocorticoides) e as catecolaminas conduzem à gliconeogênese. Ao mesmo tempo, as citocinas próinflamatórias suprimem a liberação de insulina, enquanto, simultaneamente, promovem a resistência à insulina no fígado e em outros tecidos, provavelmente pela deficiente expressão na membrana de GLUT-4, um transportador de glicose. A hiperglicemia diminui a função do neutrófilo (dessa forma, suprimindo sua atividade bactericida) e causa um aumento na expressão de moléculas de adesão nas células endoteliais. Embora a sepse esteja associada inicialmente a um surto agudo na produção de glicocorticoides, essa fase pode ser seguida pela insuficiência suprarrenal e por um déficit funcional de glicocorticoides. Finalmente, a hipoxia celular e a diminuição da fosforilação oxidativa levam ao aumento da produção de lactato e acidose lática. • Disfunção orgânica. A hipotensão sistêmica, o edema intersticial e a trombose de pequenos vasos diminuem o fornecimento de oxigênio e nutrientes para os tecidos, que deixam de utilizar adequadamente os nutrientes que são fornecidos, devido à hipoxia celular. Os altos níveis de citocinas e mediadores secundários diminuem a contratilidade miocárdica e o débito cardíaco, e o aumento da permeabilidade vascular e a lesão endotelial podem levar à síndrome da angústia respiratória aguda. Em última análise, esses fatores podem conspirar para causar a falência de múltiplos órgãos, principalmente os rins, fígado, pulmões e coração, culminando com a morte. A gravidade e o resultado do choque séptico são provavelmente dependentes da extensão e da virulência da infecção, do estado 11 imunológico do hospedeiro, da presença de outras comorbidades e dos padrões e níveis de produção dos mediadores. ESTÁGIOS DO CHOQUE O choque é um distúrbio progressivo que, se não corrigido, leva à morte. O exato mecanismo (ou mecanismos) de morte pela sepse é ainda incerto; exceto por um aumento da apoptose de linfócitos e enterócitos, ocorre pouca morte de células e os pacientes raramente apresentam uma hipotensão refratária, sugerindo que a falência dos órgãos, secundária ao edema e à hipoxia tecidual concomitante, tem um papel central. No caso dos choques hipovolêmico e cardiogênico, contudo, os mecanismos da morte são razoavelmente bem compreendidos. A menos que a agressão seja grave e rapidamente fatal (p. ex., hemorragia maciça por rotura de um aneurisma da aorta), o choque nas diversas situações tende a evoluir (se bem que um tanto artificial) através de três fases genéricas: • Uma fase não progressiva inicial durante a qual os mecanismos compensatórios reflexos são ativados e a perfusão de órgãos vitais é mantida. • Uma fase progressiva, caracterizada por hipoperfusão tecidual e início do agravamento do desequilíbrio circulatório e metabólico, incluindo a acidose lática. • Uma fase irreversível que se estabelece após o organismo ter sofrido lesão celular e tecidual tão intensas que, mesmo se os defeitos hemodinâmicos fossem corrigidos, a sobrevivência não seria possível. No início da fase não progressiva do choque, diversos mecanismos neuro-humorais contribuem para manter o débito cardíaco e a pressão sanguínea. Estes incluem os reflexos barorreceptores, a liberação de catecolaminas, a ativação do eixo renina-angiotensina, a liberação de ADH e a estimulação simpática generalizada. O efeito final é a taquicardia, a vasoconstrição periférica e a conservação de líquido pelos rins. A vasoconstrição cutânea, por exemplo, é responsável pelo resfriamento e palidez característicos da pele no choque bem desenvolvido (embora o choque séptico possa, inicialmente, causar uma vasodilatação cutânea e, assim, exibir uma pele quente e corada). Os vasos coronarianos e cerebrais são menos sensíveis à resposta simpática e, assim, mantêm o calibre, o fluxo sanguíneo e o fornecimento de oxigênio relativamente normais. Se as causas subjacentes não forem corrigidas, o choque passa imperceptivelmente para a fase progressiva, durante a qual há hipoxia tecidual generalizada. Nesse cenário de persistência do déficit de oxigênio, a respiração aeróbica celular é substituída pela glicólise anaeróbica com produção excessiva de ácido lático. A acidose lática resultante diminui o pH tecidual e enfraquece a resposta vasomotora; as arteríolas se dilatam e o sangue começa a acumular-se na microcirculação. O acúmulo periférico não apenas piora o débito cardíaco, mas também coloca as células endoteliais sob risco de desenvolver lesão anóxica com subsequente coagulação intravasculardisseminada. Com a hipoxia tecidual generalizada, os órgãos vitais são afetados e entram em falência. Nos casos graves, o processo entra, por fim, em um estágio irreversível. A lesão celular generalizada é refletida pela liberação de enzimas lisossômicas, agravando ainda mais o estado do choque. Se o intestino isquêmico permitir que a flora intestinal penetre na circulação, o choque séptico bacteriano pode se sobrepor. Nesse momento, o paciente pode desenvolver anúria como resultado de uma necrose tubular aguda e insuficiência renal. Consequências Clínicas As manifestações clínicas do choque dependem da causa desencadeante. Nos choques hipovolêmico e cardiogênico, o paciente apresenta-se com hipotensão, um pulso fraco e rápido, taquipneia e pele cianótica, fria e pegajosa. No choque séptico, a pele pode estar inicialmente corada e quente devido à vasodilatação periférica. A ameaça à vida, no início, deriva da catástrofe de base que precipitou o choque (p. ex., infarto do miocárdio, hemorragia grave ou sepse). No entanto, o choque rapidamente produz disfunções cardíacas, cerebrais e pulmonares, e, eventualmente, distúrbios eletrolíticos e acidose metabólica que exacerbam o estado calamitoso do paciente, posteriormente. Os indivíduos que sobrevivem às complicações iniciais podem entrar em uma segunda fase dominada pela insuficiência renal e marcada por uma redução progressiva do débito urinário, assim como por desequilíbrio hidroeletrolítico grave. A coagulopatia frequentemente complica o choque, particularmente quando a causa é sepse ou trauma, e pode ter consequências graves ou até mesmo fatais, especialmente nos pacientes com coagulação intravascular disseminada. O prognóstico varia de acordo com a origem do choque e sua duração. 12 3) Explicar a patogênese das lesões nas diferentes formas de leishmaniose e sua consequência. As leishmanioses constituem um grupo de doenças causadas por protozoários do gênero Leishmania, que infectam células do sistema fagocitário mononuclear e produzem lesões na pele e mucosas (leishmaniose tegumentar) e em órgãos internos (leishmaniose visceral). A leishmaniose tegumentar provoca lesões ulceradas ou nodulares na pele e nas mucosas nasal e oral. A leishmaniose visceral compromete órgãos internos e se manifesta por emagrecimento, hepatomegalia, esplenomegalia e disfunção da medula óssea, com anemia, neutropenia e hemorragias. As lesões da leishmaniose tegumentar são destrutivas e progressivas, ocasionando danos estéticos e funcionas sobretudo na região da face: nariz e boca. Quando não tratada, a leishmaniose visceral é geralmente letal; nos indivíduos tratados, a letalidade é de cerca de 6%. LEISHMANIOSE TEGUMENTAR A leishmaniose tegumentar americana (LTA) é doença que apresenta largo espectro de lesões ulceradas ou nodulares na pele e em mucosas. A enfermidade é causada por cerca de 20 diferentes espécies de Leishmania transmitidas por flebotomíneos dos gêneros Lutzomiya (américas) ou Phlebotomus (Velho Mundo). As espécies de Leishmania mais associadas à leishmaniose tegumentar são L. braziliensis, L. mexicana e L. amazonensis, no continente americano, e L. tropica, L. major e L. aethiopica, na Europa, na Ásia e na África. Roedores silvestres são considerados os principais reservatórios das outras espécies. A expansão da leishmaniose tegumentar está relacionada com intervenções do homem no meio ambiente para a criação de novos espaços habitacionais ou para a expansão da atividade econômica, que implicam desmatamentos e exploração de florestas primárias. Tais ações terminam por aumentar a exposição do homem ao vetor e por adaptar ciclos de transmissão a ambientes peridomésticos. O diagnóstico da leishmaniose baseia-se em dados clínicos, sorológicos e parasitológicos. Os testes sorológicos utilizados para diagnóstico são reação de imunofluorescência e ELISA. Reação de hipersensibilidade tardia induzida por injeção de antígeno bruto ou de frações de antígenos do parasito (teste cutâneo de leishmanina ou reação de Montenegro) constitui importante indicador de infecção, embora possa manter-se positivo mesmo após cura da doença. O diagnóstico definitivo pode ser feito mediante coleta de material por punção aspirativa, raspado ou biópsia incisional na lesão e identificação do parasito ao microscópio (a imuno-histoquímica aumenta a sensibilidade desse método) ou por meio de cultura ou de inoculação em animais suscetíveis. As medidas de controle da leishmaniose atualmente utilizadas são tratamento dos pacientes e eliminação de reservatórios e vetores. Na leishmaniose, a resposta imunitária protetora está associada à imunidade celular, sendo a produção de anticorpos ineficaz para controle da infecção. Vacinas baseadas em antígenos expressos apenas em uma das fases evolutivas do parasito podem não conferir proteção eficaz contra a doença. A indução de imunossupressão e mecanismos sofisticados de escape pelo parasito introduzem outras variáveis na elaboração de vacinas eficazes contra a doença. Formas clínicas As manifestações clínicas da LTA têm caráter espectral e dependem da espécie do parasito e da resposta imunitária do paciente. Nos indivíduos capazes de montar resposta efetora mediada por linfócitos T, considerado o polo responsivo (reativo, hiperérgico), a doença manifesta-se como leishmaniose cutânea (LC) ou leishmaniose mucocutânea (LMC). Em pacientes incapazes de montar resposta imunitária celular do tipo Th1 (anergia), com produção de IFN-γ, infecção por L. amazonensis resulta na leishmaniose cutânea difusa (LCD). Esses dois polos da doença, hiperérgico e anérgico, diferem nos aspectos clínicos, histopatológicos e de resposta terapêutica. Leishmaniose cutânea O tempo de incubação varia de duas semanas a seis meses. No local da picada do inseto, forma-se uma pápula que se transforma em nódulo que depois úlcera. A úlcera tende a aumentar de tamanho nas primeiras semanas e torna-se crônica. Em áreas endêmicas, muitos pacientes têm cura espontânea e outros controlam a infecção mesmo antes de desenvolver lesão. Nesses casos, reação de Montenegro positiva indica resposta imunitária mediada por células. 13 O aumento dos linfonodos de drenagem da área de inoculação pode ser manifestação precoce da infecção, antes mesmo do desenvolvimento da lesão cutânea. Alguns pacientes com linfadenopatia não desenvolvem lesão cutânea, enquanto outros, mesmo tratados para leishmaniose, apresentam úlceras. A apresentação clínica mais característica da LTA, presente em cerca de 90% dos casos, é uma lesão cutânea ulcerada, crateriforme, úmida, indolor, com bordas elevadas, bem definidas, fundo plano, recoberto por crosta que, quando retirada, mostra tecido de granulação. Úlceras com infecção bacteriana secundária podem apresentar secreção fétida e ser dolorosas. Em indivíduos infectados por L. braziliensis, as úlceras em geral são únicas (forma cutânea localizada), grandes e mais frequentes nos membros inferiores (60% dos casos). Em geral, essas úlceras têm cura espontânea em seis a 15 meses, conferindo imunidade protetora. O tratamento, porém, reduz o tempo de cura e previne recidivas. Em infecções por L. guyanensis, as úlceras tendem a ser múltiplas e localizadas acima da linha da cintura, em regiões variadas do corpo. As úlceras tendem a ser pequenas e a curar espontaneamente, mas há alta taxa de recidiva. Disseminação linfática (forma linfangítica) é frequente: várias lesões ao longo do vaso linfático de drenagem de uma lesão ulcerada inicial, semelhante ao que ocorre na esporotricose, daí ser também referida como forma esporotricoide da leishmaniose cutânea. Ocasionalmente, em áreas endêmicas são identificadas outras formas atípicas, com aspecto exofítico, bordas mal definidas, sangrantes e que não respondem bem ao tratamento convencional, a despeito de a resposta imunitária e os aspectos histopatológicosnão diferirem daqueles dos casos clássicos. Lesões vegetantes com abundante tecido de granulação e formas verrucosas têm sido descritas em gestantes. Uma forma bastante peculiar de leishmaniose cutânea é a forma disseminada, descrita em alguns pacientes infectados por L. braziliensis ou L. amazonenis, que se caracteriza por grande número de lesões. Essa forma deve-se, muito provavelmente, à disseminação hematogênica dos parasitos. As lesões apresentam aspecto acneiforme, com pápulas e pequenas úlceras disseminadas pelo corpo. Frequentemente, há comprometimento de mucosas. Os pacientes têm títulos mais altos de anticorpos antileishmânia do que aqueles com a forma cutânea típica; alguns têm teste de hipersensibilidade tardia negativo. Esta forma não deve ser confundida com a leishmaniose cutânea difusa, da qual difere dos pontos de vista clínico, histopatológico e imunitário. No Velho Mundo, a leishmaniose cutânea é menos agressiva do que nas Américas e tende a cura espontânea. A LC causada pela L. tropica é, em geral, uma lesão “úmida” presente em áreas expostas, formando pápulas e úlceras pequenas que se curam em seis a 15 meses, conferindo imunidade duradoura. Em infecções com L. major, as lesões são “úmidas” e representadas por úlceras maiores (botão do oriente), que mais raramente formam lesões nodulares, verrucosas ou vegetantes, que se curam em dois a seis meses, deixando cicatrizes fibrosas. Há relatos de formas esporotricoides (linfangíticas) e disseminadas. O caráter benigno das lesões e o fato de a cura conferir imunidade duradoura levam pessoas dessas regiões a produzirem, intencionalmente, infecção em áreas não expostas do corpo para adquirir imunidade contra lesões em partes visíveis. O processo é conhecido com leishmanização. Leishmaniose mucocutânea Esta forma grave e desfigurante de leishmaniose tegumentar, também conhecida como “espúndia”, “nariz de tapir” ou “nariz de anta”, ocorre em até 4% dos indivíduos com lesão cutânea infectados com L. braziliensis em áreas endêmicas (alguns pacientes são infectados por L. amazonensis). No Oriente (Velho Mundo), a forma mucocutânea resulta de infecção por L. major. Em até 28% dos casos, a lesão mucosa aparece algumas semanas ou meses após a lesão cutânea, enquanto esta ainda encontra-se ativa, mas pode surgir muitos anos após cicatrização da úlcera da pele. Cerca de 50% dos pacientes que desenvolvem lesão mucosa apresentam-na nos dois primeiros anos após cura da lesão cutânea. Além disso, em 16% 14 dos casos as lesões mucosas acontecem em pacientes sem história de lesão cutânea prévia. A possibilidade de inoculação direta de parasitos em mucosas pode ser considerada, mas o mais provável é que o agente se dissemine a partir de infecção cutânea assintomática. A sintomatologia mais comum é obstrução nasal. O componente mais atingido é a mucosa do nariz, que pode apresentar desde eritema, pequenas lesões vegetantes, placas granulomatosas ou pontos esbranquiçados até o desenvolvimento de erosão, ulceração e perfuração. Destruição completa do septo nasal causa desabamento do nariz para a frente e para baixo. O processo pode atingir a pele e causar lesões infiltrativas, congestas e edemaciadas, ou úlceras extensamente destrutivas. A evolução da lesão é imprevisível: alguns pacientes apresentam cura espontânea, enquanto outros desenvolvem lesões progressivas. Além do nariz, as lesões podem atingir os palatos mole e duro, a úvula, a faringe, as bochechas, o lábio superior, a laringe, os brônquios e o esôfago. Comprometimento da laringe pode causar disfonia, disfagia e mesmo morte por obstrução respiratória alta. Leishmaniose cutânea difusa A forma difusa da leishmaniose é rara e ocorre em pacientes com resposta imunitária celular efetora deficiente a antígenos de leishmania. No Novo Mundo, está relacionada com L. amazonensis e L. mexicana. Na África, exclusivamente relacionada com a infecção por L. aethiopica. A doença tem características peculiares como: nódulos e placas disseminados pelo corpo, não ulcerados, semelhantes aos observados na hanseníase virchowiana; ausência de comprometimento visceral; reação cutânea de hipersensibilidade tardia a antígenos de leishmania (reação de Montenegro) negativa; falha de resposta a quimioterapia; quadro histológico com muitos macrófagos vacuolados, abarrotados de parasitos, escassez de linfócitos e ausência de granulomas. As lesões iniciais são semelhantes às da forma cutânea localizada, mas não ulceram. As lesões completamente desenvolvidas apresentam-se eritematosas, como pápulas, nódulos, tubérculos, placas infiltradas ou infiltrações difusas no corpo; surgem na face, predominando em orelhas, regiões malares e nariz, mas podem aparecer também em membros inferiores e tronco, com tendência a distribuição simétrica. As lesões não ulceram espontaneamente, mas podem fazê- lo após traumatismos. Algumas lesões involuem espontaneamente, deixando cicatrizes. PATOGÊNESE A infecção por leishmanias, transmitida por insetos flebotomíneos, está intimamente associada ao ciclo evolutivo do parasito. O flebótomo adquire o parasito ao sugar a pele de mamíferos, como cão e raposa, ou de roedores silvestres que funcionam como reservatórios. Nos insetos infectados, as formas promastigotas de leishmania proliferam no trato digestivo e são regurgitadas durante a sucção do sangue, quando os flebótomos realizam uma nova alimentação, transmitindo o parasito para seres humanos e outros vertebrados. Durante a sucção da pele, os flebótomos regurgitam também saliva, a qual contém substâncias com potente ação vasodilatadora e potencialmente imunossupressora. A dilatação vascular produzida pela saliva do flebótomo aumenta a circulação sanguínea na derme papilar, região da pele na qual os vasos atingem sua posição mais superficial. Isso aumenta o afluxo de hemácias que alimentam os flebótomos e trazem, também, células inflamatórias, como neutrófilos e macrófagos, para o sítio de inoculação dos parasitos. Moléculas da superfície do parasito, como lipofosfatidilglicano (LPG), ativam o sistema complemento do hospedeiro, podendo este representar o primeiro mecanismo de defesa contra a infecção, por causar lise parasitária. Parte das formas promastigotas inoculadas pelo flebótomo é resistente à lise pelo complemento. Essa resistência deve-se, em parte, a moléculas alongadas de LPG nas formas metacíclicas do parasito, que são menos eficazes na ativação do complemento. O complemento é ativado por essas moléculas longe da membrana citoplasmática da leishmania, mas seus fragmentos, como o C3b, ligam-se à leishmania e funcionam como opsoninas, facilitando o englobamento do parasito por células fagocitárias. Assim, as promastigotas de leishmania são fagocitadas por macrófagos recém- chegados à área de inoculação e por células de Langerhans da pele, por meio de um processo que envolve a interação de moléculas MAC-1 (CD11b/CD18) na superfície de macrófagos com C3b na superfície da leishmania. Neutrófilos fagocitam parasitos, sofrem apoptose e são internalizados por macrófagos. Desse modo, comportam-se como “cavalos de Troia”, que, além de levarem parasitos para o interior de macrófagos, tornam estes mais permissivos à infecção, 15 por induzirem aumento de citocinas anti-inflamatórias, como IL-10 e TGF-β. Essas observações, contudo, feitas em modelos experimentais de infecção com Leishmania major, não se reproduziram na infecção com L. braziliensis. Estudos semelhantes com L. braziliensis mostraram que neutrófilos são muito importantes no controle da infecção e que estas células, quando infectadas com L. braziliensis, interagem com macrófagos e aumentam a capacidade leishmanicida deles por mecanismo dependente da síntese de TNF-α. Fagocitose é um mecanismo comum e importante de defesa contra infecções por microrganismos. Concomitantemente com a fagocitose, a célula fagocitáriaproduz radicais livres de oxigênio e óxido nítrico, que são normalmente utilizados por células de mamíferos na eliminação de patógenos. No entanto, leishmanias conseguem sobreviver e proliferar no interior do vacúolo fagocitário de macrófagos mediante neutralização dos mecanismos oxidativos que levam à produção de radicais livres e de tripanotióis, os quais inibem a produção de óxido nítrico. Infecções com alta carga parasitária inibem vários sistemas de sinalização macrofágica, resultando em produção e resposta inadequadas de citocinas e inativação de macrófagos frente ao patógeno. Dessa forma, além de escapar dos mecanismos celulares de defesa do hospedeiro, os parasitos no interior de macrófagos encontram-se protegidos da resposta imunitária humoral (anticorpos e fatores do complemento). Nessa infecção, a fagocitose, um importante sistema de defesa, é subvertida em um mecanismo de proteção para o parasito. Logo na fase inicial da infecção, ao penetrar em células fagocitárias, as leishmanias passam da forma promastigota para a forma amastigota. A partir do sítio de inoculação, o parasito é carreado para os linfonodos regionais, e daí pelo menos algumas espécies ou cepas disseminam-se pelo organismo. Lesões contendo quantidades variáveis de macrófagos infectados podem se estabelecer na pele e em mucosas (formas tegumentares da doença: cutânea localizada, mucocutânea e cutânea difusa) ou em órgãos internos, como fígado, baço e medula óssea. Células dendríticas e macrófagos infectados na pele migram para os linfonodos satélites, processam antígenos parasitários e os apresentam ao sistema imunitário. O curso da infecção depende essencialmente da resposta imunitária mediada por células. Um fino equilíbrio na produção de citocinas tem efeito determinante na sobrevivência, ou não, dos parasitos, bem como na determinação da resposta do hospedeiro que resulta na ausência de lesão ou no surgimento de lesões de evolução limitada, de lesões recidivantes e de lesões de longa duração. IL-12, IL-17 e IL-23 atuam nas fases mais iniciais da resposta do hospedeiro à presença dos parasitos. IL-17 e IL-23 são importantes no recrutamento de neutrófilos e na sua ativação. IL-12 atua favorecendo resposta linfocitária com produção de IFN-γ, resposta imunoinflamatória antiparasitária. Quando esses fatores atuam de modo desregulado, isso favorece o surgimento de lesões teciduais, às vezes desproporcionais à intensidade da infecção. Na maioria dos casos, a produção de IFN-γ por linfócitos ativa macrófagos. Macrófagos ativados produzem TNF-α que, em sinergia com IFN-γ, induz produção de radicais livres de oxigênio e óxido nítrico, que destroem os parasitos. Há evidências de que IL-10, TGF-β (este produzido por macrófagos) e outras citocinas associadas a resposta do tipo Th2 participam da imunidade contra leishmanias e da cura de lesões surgidas por modularem a resposta imunoinflamatória. Ultimamente, tem sido enfatizada a participação de linfócitos T reguladores (Treg, CD4+CD25+), que induzem a síntese de IL-10, importante na modulação da resposta imunitária e no controle de lesões na leishmaniose. Em áreas endêmicas de leishmaniose tegumentar, indivíduos infectados que não sofrem lesões e controlam a infecção produzem menos IFN-γ e TNF-α do que aqueles que desenvolvem lesões. Quando o indivíduo recupera-se da infecção, tanto na leishmaniose tegumentar quanto na leishmaniose visceral, ganha certa proteção contra reinfecção. Essa proteção não significa imunidade esterilizante. Indivíduos que se afastaram da área endêmica podem, muitos anos depois, em decorrência de imunodeficiência, apresentar outra vez manifestações de leishmaniose, mostrando que parasito e hospedeiro estabelecem uma relação de equilíbrio que pode ser quebrada. Muito desse equilíbrio depende da manutenção de populações celulares e da produção adequada de citocinas. Distúrbios na produção de citocinas, que podem resultar de fatores tanto do parasito (moléculas relacionadas com a invasão tecidual, evasão do sistema imunitário e indutores de lesão tecidual) como do hospedeiro (desnutrição, imunodeficiência, constituição gênica) e do flebótomo (substâncias vasoativas, imunossupressoras e imunogênicas), resultam no desenvolvimento de doença. Na forma difusa da leishmaniose cutânea e na leishmaniose visceral, por exemplo, falha na ativação celular por deficiência de IFN-γ resulta em grande suscetibilidade à infecção, ficando os macrófagos abarrotados de amastigotas. Nessas formas da doença, IL-10 e TGF-β contribuem para a perpetuação da infecção por inativarem macrófagos. 16 Na leishmaniose visceral, a polarização da resposta imunitária celular parece mais clara do que na leishmaniose tegumentar. Indivíduos que desenvolvem a forma sintomática da doença (calazar) têm linfócitos com baixa capacidade de produção de IL-2 e IFN-γ quando estimulados com antígenos específicos, mas recuperam essa capacidade quando tratados com sucesso. Nessas pessoas, a resposta imunitária pende para um nítido padrão Th2, com produção exacerbada de IL-4, IL-3, IL-5, IL-10 e TGF-β, associada a estimulação de linfócitos B e hiperprodução de anticorpos antileishmânia. Aqueles que, apesar de infectados, não desenvolvem doença ou dela se recuperam apresentam resposta celular do tipo Th1, com predomínio da produção de IL-2 e IFN-γ. Nas formas cutânea localizada e mucocutânea, há resposta imunitária celular com produção significativa de IFN-γ e TNF-α e desenvolvimento de reação de hipersensibilidade a antígenos do parasito, fato particularmente marcante na leishmaniose cutaneomucosa. Nessa forma da doença, a destruição tecidual resulta de inflamação associada a reação de hipersensibilidade do tipo IV. Os aspectos histopatológicos da leishmaniose variam de acordo com a fase da infecção e com o perfil da resposta imunitária do hospedeiro. As formas reativas (leishmaniose cutânea localizada e mucocutânea) diferem da forma cutânea difusa, mas não são diferentes das outras formas de apresentação atípica. Nas fases iniciais da leishmaniose cutânea localizada e da leishmaniose mucocutânea, antes do aparecimento de úlceras, geralmente nas quatro primeiras semanas de infecção, a derme superficial apresenta denso e difuso infiltrado inflamatório, notando-se na derme profunda agregados de células inflamatórias em torno de vasos (A). O infiltrado inflamatório, predominantemente de macrófagos, tendo de permeio neutrófilos, ocasionais eosinófilos e alguns linfócitos e plasmócitos, parece acompanhar a distribuição vascular na pele. Os macrófagos contêm quantidades variáveis de formas amastigotas do parasito (B e C). Há tendência a maior concentração das células parasitadas na derme superficial, mas parasitos podem ser vistos em macrófagos distribuídos nos vários níveis da pele, inclusive na epiderme. Em alguns casos, mesmo em fases precoces, os parasitos são escassos, podendo ser encontrados granulomas. Além de infiltração inflamatória, podem ser vistos trombos venosos com necrose fibrinoide na parede vascular e infiltração neutrofílica, caracterizando uma vasculite leucocitoclásica. À medida que a lesão se torna crônica, diminui a quantidade de parasitos. Nas lesões mais antigas, com mais de quatro semanas, parasitos são encontrados em 18 a 36% dos casos. Imuno-histoquímica com anticorpos antileishmânia permite que esse índice chegue a 65% dos casos. A partir daí, o infiltrado inflamatório mononuclear torna-se misto e contém muitos macrófagos, linfócitos e plasmócitos (D); em algumas lesões há predomínio de plasmócitos. Em 50 a 80% dos casos formam-se granulomas constituídos por células epitelioides e células gigantes multinucleadas (E), alguns bem organizados, outros mais frouxos, raramente contendo parasitos. Podem aparecer áreas de necrose caseosa, fibrinoide ou lítica associadas a neutrófilos e ocasionais parasitos. Apoptose de linfócitosé frequente. Nos casos crônicos, há neoformação vascular com capilares e vênulas de endotélio alto proliferados, além de fibrose na derme. Vasculite é encontrada tanto na leishmaniose cutânea quanto na mucocutânea, sendo frequentes depósitos fibrinosos ou hialinose na parede de vasos, além de infiltração neutrofílica. Raramente, encontra-se neurite, inclusive granulomatosa. Nas leishmanioses cutânea e mucocutânea, o conjunto de alterações descritas, incluindo inflamação crônica com granulomas, vasculite, necrose caseosa e fibrinoide, associado a baixa carga parasitária, sugere que hipersensibilidade mediada por células (tipo IV) e falta de modulação da resposta imunoinflamatória atuam na manutenção das lesões. Em epitélios preservados e nas bordas de erosões ou úlceras, há hiperplasia epitelial que pode assumir aspecto pseudoepiteliomatoso (F). O infiltrado inflamatório às vezes atinge o epitélio (exocitose). Macrófagos parasitados podem, eventualmente, ser eliminados na epiderme. Na forma disseminada da leishmaniose cutânea, o infiltrado inflamatório tende a concentrar-se em torno de folículos pilosos e de outros anexos cutâneos. 17 Na leishmaniose cutânea difusa, a falta de resposta imunitária capaz de induzir a produção de IFN-γ associa-se a lesão distinta daquela descrita nas formas cutânea localizada e mucocutânea. O infiltrado é monótono, difuso e constituído por grande número de macrófagos com citoplasma amplo, contendo vacúolos parasitóforos grandes, frequentemente abarrotados de amastigotas. Não há células epitelioides nem células gigantes multinucleadas, portanto não se formam granulomas. A quantidade de linfócitos e plasmócitos é pequena, restringindo-se a discreta infiltração na periferia da lesão ou a pequenos focos perivasculares. Não ocorrem necrose caseosa ou fibrinoide, nem vasculites. Em lesões que sofrem involução espontânea, ocorrem fibrose e infiltração linfocitária focal associada a lise de macrófagos parasitados, sugerindo resposta protetora incipiente localizada mas incapaz de controlar a infecção. Alguns pacientes apresentam uma forma difusa considerada subpolar, na qual são observados aspectos intermediários entre as lesões das formas cutânea localizada e cutânea difusa. Diagnóstico diferencial • TB cutânea. • Hanseníase. • Micoses – Esporotricose e Histoplasmose. LEISHMANIOSE VISCERAL A leishmaniose visceral (LV) é uma antropozoonose endêmica de áreas tropicais, causada por protozoários do gênero Leishmania e transmitida por meio de insetos hematófagos. A LV representa grande problema de saúde pública mundial, estando entre as sete endemias de prioridade da Organização Mundial da Saúde (OMS), sendo considerada atualmente doença negligenciada. A LV predomina em zonas rurais, mas nos últimos anos tem sido verificada tendência de urbanização, com ocorrência da doença na periferia de grandes cidades. A transmissão da leishmaniose ocorre pela picada de mosquitos fêmeas dos gêneros Lutzomya nas Américas e Phlebotomus no Velho Mundo. As espécies de flebotomínios transmissores mais comuns no Brasil são a Lutzomya longipalpis (encontrada nas regiões Norte, Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste) e pela Lutzomya cruzi (em Mato Grosso do Sul). Os reservatórios silvestres conhecidos para a L. (L.) chagasi são: raposa, no Nordeste do Brasil, e Cerdocion thous, na região amazônica; para a L. (L.) infantum: lobo, a raposa, chacal e cão-do-mato. Nenhum reservatório silvestre foi identificado para a L. (L.) donovani. O cão doméstico é a principal fonte de infecção para os vetores. São reconhecidas como causadoras de LV as espécies L. (L.) chagasi, no Novo Mundo; L. (L.) infantum, na região do Mediterrâneo; L. (L.) donovani, na Índia, no Oriente e na África Central e Oriental. Aspectos clínicos Os parasitos adotam diferentes estratégias para estabelecer a infecção, podendo gerar três tipos de resposta do hospedeiro: (1) destruição local e eliminação dos parasitos, com resolução do processo infeccioso; (2) resposta tecidual inflamatória com fagocitose dos parasitos e/ou persistência deles em forma latente; (3) disseminação dos parasitos para órgãos ricos em células do sistema fagocitário mononuclear (SFM), sendo fatores de risco estado imunitário, associação com outras doenças, infecções respiratórias, desnutrição etc. A LV é uma afecção espectral com um polo hiperérgico, que traduz resposta eficaz do hospedeiro contra a infecção, e um polo anérgico, resultado de resposta imunitária deficiente. Com base no padrão de resposta, as formas de apresentação clínica da doença são: • Infecção assintomática, que ocorre em indivíduos que vivem em áreas endêmicas, sem história ou sinais de doença clínica aparente e que têm reações sorológicas e/ou testes intradérmicos positivos para leishmanias. • Infecção subclínica ou oligossintomática, associada a manifestações inespecíficas como febrícula, tosse seca, diarreia, sudorese, adinamia e hepatoesplenomegalia discreta. O quadro pode regredir espontaneamente ou evoluir para doença manifesta 18 • Forma aguda, em geral com duração inferior a dois meses, com febre alta, tosse, diarreia, hepatoesplenomegalia discreta e alterações hematológicas, sendo marcante a elevação de globulinas séricas, com anticorpos IgM e IgG específicos • Forma clássica ou plenamente manifesta, a instalação da doença é insidiosa e de curso crônico, com período de incubação de dois a seis meses, mas com relatos de casos extremos de dias ou anos. Se não tratada, é doença fatal. O paciente apresenta febre diária, anorexia, fraqueza, emagrecimento, sinais de desnutrição (pele seca, cabelos secos e quebradiços, cílios longos). Há ainda edema das mãos e dos pés e aumento progressivo do volume abdominal, do baço e do fígado. São frequentes manifestações gastrointestinais (particularmente diarreia), fenômenos hemorrágicos (epistaxe, gengivorragia) e tosse seca. Manifestações não habituais incluem linfonodomegalia, petéquias, púrpuras e hemorragia na retina ou no sistema nervoso central. Em casos de longa duração, icterícia é sinal de mau prognóstico. Podem ser notadas variações clínicas regionais, como pigmentação escura da pele, observada no calazar indiano, e tonalidade pardacenta nas Américas. É constante pancitopenia periférica com hipergamaglobulinemia. Os pacientes apresentam reação de Montenegro negativa. • Forma plenamente manifesta em pacientes imunocomprometidos, que surge em indivíduos com coinfecção LV/HIV (a LV é infecção oportunista), transplantados ou imunossuprimidos em virtude de tratamento por neoplasias. Nesses casos, as manifestações clínicas são atípicas, como ausência de esplenomegalia, comprometimento dos pulmões com intenso parasitismo e falta de resposta ao tratamento com antimoniais. A LV em geral resulta de reativação de infecção anterior. A reação de Montenegro é negativa. O diagnóstico de LV baseia-se em elementos epidemiológicos, clínicos e laboratoriais. O diagnóstico diferencial deve ser feito com malária, febre tifoide, salmonelose de curso prolongado, doença de Chagas aguda, esquistossomose, leucemias, linfomas, doenças que compõem a síndrome mononucleose-like e micoses disseminadas, especialmente histoplasmose. Os testes sorológicos para demonstração de anticorpos específicos no sangue periférico são úteis, mas limitados, pois sua sensibilidade é baixa ou são pouco específicos, em virtude de reações cruzadas com outras espécies de leishmanias causadoras de doença tegumentar. Podem ser empregados testes de aglutinação direta e ELISA. O diagnóstico parasitológico é feito pela demonstração de parasitos por pesquisa direta, por cultura ou por inoculação em animais suscetíveis. A pesquisa é feita em aspirado de medula óssea (positividade de 70 a 95%) ou aspirado esplênico (positividade de 95%). Patogênese No hospedeiro vertebrado, as formas promastigotas flageladas
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