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1 Plano de Aula de Imunologia – Caso 7: ERM Beatriz Macacari – 341820563 Objetivos de aprendizagem: 1) Correlacionar os mecanismos imunes envolvidos nas diferentes fases do ciclo do Plasmodium e a resposta imune no baço. 2) Descrever o baço de acordo com as células presentes e suas funções imunes. 3) Discutir como a esplenectomia tem implicações diretas na resposta às bactérias encapsuladas. Resolução: 1) Correlacionar os mecanismos imunes envolvidos nas diferentes fases do ciclo do Plasmodium e a resposta imune no baço. Mais do que qualquer outro agente infeccioso, o plasmódio caracteriza-se por notável complexidade biológica. No mosquito, apresenta um ciclo de divisão sexuada, ou esporogônica, e, no hospedeiro humano, dois ciclos de divisão assexuada, ou esquizogônica, um nas células hepáticas e outro nos eritrócitos. Desse modo, são originadas 10 formas evolutivas distintas em humanos e cinco no mosquito, com diferentes características biológicas e antigênicas, além de diverso potencial patogênico. O conhecimento do ciclo vital do plasmódio é essencial para o correto diagnóstico da infecção e para o entendimento das características clínicas, patológicas e imunológicas da doença e para a orientação das intervenções terapêuticas. Como mostra a Figura 34.82, a fêmea do Anopheles, ao picar humanos para sugar o sangue necessário para a maturação de seus ovos, introduz na circulação algumas dezenas ou centenas de esporozoítos que, em um período de 30 a 60 minutos, alcançam o fígado e penetram nos hepatócitos, onde se multiplicam. Após seis a 16 dias, dependendo da espécie de plasmódio, os hepatócitos infectados se rompem e cada um libera milhares de merozoítos na circulação. Nas infecções pelo P. vivax e pelo P. ovale, os esporozoítos, após penetrarem nos hepatócitos, podem originar formas capazes de permanecer quiescentes (“adormecidas”) por tempo prolongado no órgão – os hipnozoítos – responsáveis pelas recaídas tardias da doença. Os merozoítos liberados no fígado penetram nos eritrócitos por meio de receptores de membrana, transformam-se em trofozoítos e sofrem divisão esquizogônica, dando origem aos esquizontes e estes aos merozoítos. Após 48 a 72 horas, a esquizogonia se completa, os eritrócitos se rompem e são lançados na circulação milhões de merozoítos que irão penetrar em novos eritrócitos, reiniciar o ciclo e expandir a população parasitária. Depois de alguns ciclos esquizogônicos eritrocitários, aparecem na circulação gametócitos femininos e masculinos que, ao serem ingeridos pelo mosquito durante o repasto sanguíneo, transformam-se em gametas, que se fertilizam e dão origem aos oocinetos, estes aos oocistos, dos quais se originam os esporozoítos que migram para as glândulas salivares do mosquito e, a partir daí, são inoculados no hospedeiro vertebrado no momento da nova picada. O ciclo do plasmódio no mosquito, da ingestão 2 dos gametócitos à formação dos esporozoítos, dura de 10 a 14 dias, dependendo da espécie do plasmódio e do mosquito. A imunidade antimalárica é de lenta aquisição, necessitando de numerosas infecções; é somente parcialmente efetiva, pois não impede reinfecções; não é estéril, já que não é capaz de eliminar o parasito; é de curta duração, necessitando de reforços frequentes com o plasmódio por meio de reinfecções; e é específica para cada espécie, variante geográfica, isolado e estágio do ciclo de vida do parasito. Em áreas de intensa transmissão, as crianças tornam-se resistentes às formas graves da infecção em torno do quinto ano de vida, porém permanecem suscetíveis a episódios de malária febril não grave até o final da infância e início da adolescência, quando há transição para um estado de resistência à sintomatologia da doença (imunidade parcial); adultos muito raramente apresentam malária clínica (premunição). Em contrapartida, em áreas de média ou baixa transmissão, como nas Américas, a suscetibilidade é universal. O desenvolvimento de imunidade capaz de proteger contra as formas graves da doença é mais rápido, ocorrendo após apenas alguns episódios de infecção, porém a imunidade contra manifestações da doença demora anos. Embora a resistência às manifestações clínicas se desenvolva com a exposição cumulativa, a resistência à infecção raramente é alcançada, de modo que adultos que vivem em regiões altamente endêmicas apresentam frequentemente infecção assintomática com parasitos presentes no sangue circulante, mas sem manifestações clínicas, caracterizando um estado de adaptação parasito-hospedeiro. Diferentes fatores concorrem para limitar ou impedir o crescimento do parasito no organismo humano. As duas formas extracelulares (esporozoítos e merozoítos), antes de infectarem as células-alvo, hepatócitos e eritrócitos, respectivamente, podem sofrer fagocitose por macrófagos, principalmente no local da picada ou ao atravessarem o baço e o fígado. Assim como acontece com outros agentes infecciosos, o plasmódio utiliza receptores específicos de membrana para invadir as células do hospedeiro. Esta característica dificulta ou impede a transmissão do parasito entre diferentes espécies (p. ex., plasmódios de humanos infectam algumas espécies de primatas, mas não infectam camundongos e vice-versa), ao mesmo tempo que funciona como elemento de seleção do tipo de célula infectada (p. ex., esporozoítos infectam hepatócitos e merozoítos, somente eritrócitos). A ausência de receptores constitui, portanto, um fator de resistência. Merozoítos do P. vivax utilizam como receptor para penetrar nos eritrócitos uma molécula associada ao antígeno Fy do grupo sanguíneo Duffy. Assim, indivíduos da raça negra, cujos eritrócitos não expressam antígeno Fy, são geneticamente resistentes a essa espécie de plasmódio. O receptor para merozoítos do P. falciparum está associado às glicoforinas A e C da membrana de eritrócitos. Condições existentes no interior do eritrócito, como concentrações de sódio, ATP e desidrogenase da glicose-6-fosfato, podem dificultar o desenvolvimento intraeritrocitário do plasmódio. O principal nutriente do plasmódio durante a fase eritrocitária é a hemoglobina (HbA). A hemoglobina fetal (HbF) e as patológicas (HbS, HbC e HbE) funcionam como fatores de resistência por restringirem o crescimento do plasmódio no interior dos eritrócitos. Em esporozoítos, a proteína circunsporozoítica e a proteína de aderência relacionada à trombospondina (TRAP) reconhecem proteoglicanos na superfície de hepatócitos. Os mecanismos de defesa contra esporozoítos dependem particularmente de alta concentração de anticorpos, particularmente antiesporozoítos, e da fagocitose pelos macrófagos. A defesa contra as formas hepáticas ocorre principalmente pela ação citotóxica dos linfócitos T CD8+ e pelo IFN-γ. Os antígenos constituintes do plasmódio e os formados em consequência de seu metabolismo, que são liberados sobretudo após a ruptura dos eritrócitos ao fim de cada esquizogonia, causam intensa ativação do sistema imunitário. É no baço que as condições para a ativação imunitária são mais adequadas: aí se concentram uma enorme quantidade de eritrócitos parasitados, a principal fonte de antígenos, e um importante contingente de linfócitos T e B e de células apresentadoras de antígenos, como macrófagos e células dendríticas. Durante a infecção, todos os componentes do sistema imunitário são intensamente ativados. Os macrófagos e as células dentríticas, estimuladas pelos plasmódios e seus antígenos, produzem citocinas, como TNF-α e IL-12. Esta última estimula a produção de IFN-γ por células citotóxicas naturais (NK), como também contribui para a ativação de linfócitos T CD4+. Por ação de TNF-α, IFN-γ e imunocomplexos, os macrófagos produzem substâncias que até então não produziam ou passam a produzi-las em maior quantidade, aí incluindo enzimas, citocinas e radicais livres de oxigênio (peróxido dehidrogênio) e nitrogênio (óxido nítrico). Uma vez ativados por antígenos do plasmódio, linfócitos T produzem grande variedade e quantidade 3 de citocinas, enquanto linfócitos B se diferenciam em plasmócitos e produzem anticorpos contra diferentes antígenos do plasmódio. Ativação do sistema imunitário durante a infecção concorre para controlar a multiplicação dos parasitos e, em algumas circunstâncias, para reduzir as manifestações da doença. Apesar de conhecida uma variedade de respostas imunitárias desencadeadas pelas formas eritrocitárias do plasmódio, ainda não se dispõe de informações seguras sobre quais efetivamente protegem contra a infecção. Há evidências de que a imunidade depende da integridade da população de linfócitos T, de anticorpos capazes de aumentar a fagocitose e dificultar a entrada dos merozoítos nos eritrócitos e da atuação das células dendríticas e dos macrófagos como indutores da resposta imunitária. No entanto, é necessário destacar que a hiperativação desses mecanismos defensivos é que leva ao desenvolvimento das formas graves da doença. A quase totalidade dos habitantes em áreas de média ou alta transmissão da doença refere múltiplos episódios de infecção. Entretanto, a prevalência da malária decresce à medida que aumenta a faixa etária, coincidentemente com maior número de contatos prévios com o agente infeccioso e o consequente desenvolvimento de imunidade. Para que os moradores de área endêmica adquiram imunidade antimalárica, há necessidade de contatos frequentes com o plasmódio durante vários anos (cerca de sete anos em área de média transmissão no Brasil). Outra característica da imunidade antimalárica é sua baixa efetividade, no sentido de evitar reinfecções embora concorra para abrandar ou mesmo extinguir as manifestações clínicas da doença. Quais as razões dessa baixa efetividade? Um dos fatores é o alto grau de polimorfismo antigênico do plasmódio, isto é, a existência, na natureza, de variantes antigenicamente distintas do parasito, resultantes do intercruzamento de gametócitos de diferentes origens, capazes de induzir respostas do sistema imunitário com diferentes especificidades. A resposta do sistema imunitário contra uma variante não atua necessariamente contra outra variante, ou seja, pode não haver proteção cruzada. Outro fator que agrega complexidade à diversidade do plasmódio é a seleção de variantes antigênicas induzida pela própria resposta imunitária. Ao lado disso, a imunodeficiência causada pelo plasmódio dificulta o desenvolvimento de resposta imunitária efetiva. A imunodeficiência associada à infecção malárica manifesta-se por aumento da suscetibilidade a alguns agentes infecciosos, agravamento das manifestações clínicas de condições patológicas concomitantes, redução da resposta a determinadas vacinas e facilitação do desenvolvimento de tumores, como o linfoma de Burkitt. As causas desse quadro não estão ainda completamente estabelecidas. É possível que a hiperativação do sistema imunitário induzida pelo plasmódio seja de tal ordem que cause desregulação da resposta, a ponto de levar à imunodeficiência. Uma das consequências desse estado seria o comprometimento da própria resposta imunitária contra o plasmódio, concorrendo assim para a pouca eficiência da imunidade antimalárica. BAÇO O baço desempenha muitas funções importantes durante a infecção malárica. Antes de tudo, é o principal órgão de retirada da circulação de eritrócitos alterados durante o curso da doença, tanto os infectados quanto os não infectados pelo plasmódio, além de parasitos livres. Funciona ainda como local privilegiado de indução da resposta imunitária por macrófagos e células dendríticas e de ativação de linfócitos B e T. Indivíduos esplenectomizados que adquirem malária apresentam tendência a desenvolver parasitemia mais elevada devido à deficiente retirada da circulação dos eritrócitos parasitados. Contudo, existem relatos de evolução normal da malária em indivíduos esplenectomizados, o que indica que as funções do baço podem ser compensadas por outros órgãos, principalmente o fígado. De modo interessante, a esplenectomia protege camundongos infectados com P. berghei do desenvolvimento de malária cerebral, o mesmo ocorrendo quando os animais são depletados de linfócitos T CD4+ e CD8+, o que indica que tais células contribuem para o comprometimento do sistema nervoso na malária e que elas são estimuladas no baço. Assim, o órgão está envolvido tanto em mecanismos protetores como agressores na malária. O baço é um dos órgãos mais frequente e precocemente acometidos na infecção pelo plasmódio. Na fase aguda, está moderadamente aumentado de volume, pesa 500 a 600 g, é mole, friável e sujeito a ruptura, até mesmo por pequenos traumatismos. A cápsula é tensa, o parênquima abundante, difluente, vermelho-escuro até quase negro, conforme a intensidade da congestão e a quantidade de hemozoína retida. Histologicamente, apresenta hiperplasia de linfócitos na polpa branca e acentuada desorganização da arquitetura. Os macrófagos da polpa vermelha estão aumentados em número e tamanho; apresentam intensa atividade fagocitária, evidenciada pela presença, no citoplasma, de eritrócitos 4 parasitados e não parasitados, parasitos livres, hemozoína e restos celulares. Hemozoína pode ser evidenciada também nos eritrócitos parasitados e nos neutrófilos. Os mecanismos envolvidos na proteção contra a malária são complexos, mas podem ser didaticamente divididos em três categorias: (1) resistência inata; (2) imunidade inata; e (3) imunidade adquirida. RESISTÊNCIA INATA A resistência inata é uma propriedade inerente do hospedeiro e independe de qualquer contato prévio com o parasito. Pode ser absoluta, quando protege completamente o indivíduo da doença, ou relativa nos casos em que, mesmo havendo o desenvolvimento do parasito, o processo infeccioso é autolimitado. Um exemplo de resistência absoluta é o fato de o homem não ser suscetível à infecção por plasmódios aviários ou de roedores. Resistência relativa pode ser comprovada em algumas infecções humanas com plasmódios simianos, as quais são controladas pelo hospedeiro antes de apresentar manifestações clínicas definidas. Fatores do hospedeiro, geneticamente determinados, podem influenciar a sua suscetibilidade à malária. A ausência de receptores específicos na superfície dos eritrócitos impede a interação de merozoítos. Algumas populações africanas que não apresentam o antígeno de grupo sanguíneo Duffy (FyFy) são resistentes à infecção pelo P. vivax, o que explica a raridade deste tipo de malária em certas regiões da África. Certos polimorfismos genéticos estão associados à distribuição mundial de malária por P. falciparum. O exemplo mais convincente é o da anemia falciforme. Crianças africanas que morrem de malária grave raramente apresentam o traço falciforme (HbAS), embora este fenótipo seja altamente frequente naquela região. O parasitismo de hemácias AS provoca aumento do consumo de oxigênio com consequente diminuição da pressão de O, e polimerização da hemoglobina falciforme. As membranas destas células estão modificadas pelo estresse oxidativo, resultando em fagocitose pelos macrófagos, crescimento e desenvolvimento parasitários deficientes além de diminuição de adesão ao endotélio. Desta forma, em área de intensa transmissão de malária, indivíduos heterozigotos que apresentam o traço falciforme (FlbAS) são protegidos de malária grave e, portanto, apresentam vantagens seletivas sobre indivíduos homozigotos (FIbAA), que se podem infectar e vir a morrer de malária. Nos eritrócitos falciformes, o nível de potássio intracelular está diminuído em virtude da baixa afinidade da hemoglobina S pelo oxigênio, o que causa a morte do parasito. Talassemias, ou seja, proporções anormalmente elevadas de cadeias gama ou delta, substituindo a cadeia beta da hemoglobina, também podemimpedir o desenvolvimento parasitário no interior do eritrócito. Entretanto, este mecanismo de resistência inata à malária não tem grande importância na epidemiologia da doença. Acredita-se que a deficiência de glicose-6-fosfato-desiirogenase possa impedir o desenvolvimento dos parasitos por efeitos oxidantes, pois se sabe que a hemoglobina de eritrócitos deficientes desta enzima é facilmente oxidada, formando metamoglobina, que é tóxica para o parasito. RESPOSTA IMUNE INATA A resposta imune inata é essencial para o controle da parasitem a inicial nas infecções por plasmódios e é fundamental para o estabelecimento da resposta imune adquirida contra o parasito. Entretanto, os mecanismos envolvidos na resposta imune inata à malária são pouco conhecidos. Sabe-se que tal resposta pode ser desencadeada por diversos componentes derivados de diferentes microrganismos e que os receptores Toll-like (TLRs), expressos na membrana plasmática de células dendríticas, macrófagos e células B, estão envolvidos neste processo. Por exemplo, os receptores TLR2 e TLR9 reconhecem metabólitos do parasito, como as âncoras de GPI (glicosilfosfatidilinositol) e hemozoína (associadas ou não ao DNA do parasito) e esta interação promove uma resposta pró-inflamatória com liberação de citocinas como o IFN-y e TNF-a que serão importantes no controle da infecção em etapas posteriores. RESPOSTA IMUNE ADQUIRIDA A história natural da malária em regiões de alta transmissão, como na África e em algumas regiões da Ásia, ilustra bem a complexidade da resposta imunológica naturalmente adquirida pelo homem contra o plasmódio e a dinâmica relação parasito-hospedeiro que se desenvolve nos indivíduos constante e cronicamente expostos à doença. Nessas 5 áreas, onde o P. falciparum é predominante, os recém-nascidos são protegidos de malária grave durante os primeiros meses de vida. A transferência passiva de anticorpos IgG da mãe imune para o filho é considerada um dos principais fatores responsáveis pela resistência do recém-nascido. Outros fatores também podem estar envolvidos, como a presença de eritrócitos contendo grandes quantidades de hemoglobina fetal (HbF), gerando um microambiente desfavorável ao crescimento parasitário. Existem algumas evidências de que a dieta alimentar do recém-nascido, deficiente em PABA, também possa impedir o desenvolvimento do parasito. Após este período, as crianças são altamente suscetíveis à malária grave, sendo frequentes as infecções fatais durante os primeiros 2 a 3 anos de vida. Com o aumento da idade, as crianças sofrem progressivamente menos episódios de malária, embora possam apresentar altas parasitemias, na ausência de sintomas. Atingindo a idade adulta, os sintomas clínicos da doença são menos pronunciados e os níveis de parasitas sanguíneos muito baixos, refletindo, então, o desenvolvimento de uma imunidade “antiparasito”, também denominada premunição. Embora os mecanismos envolvidos neste estado de equilíbrio imune ainda não sejam totalmente elucidados, o processo tem características muito definidas, que podem ser assim resumidas: • imunidade não esterilizante que mantém níveis de parasitemia abaixo de um limiar de patogenicidade, determinando infecções assintomáticas; • imunidade dependente de exposição contínua ao parasito, sendo perdida por indivíduos imunes após cerca de 1 ano, na ausência de exposição. A história natural de malária por P. vivax tem sido recentemente caracterizada por meio de extensos estudos longitudinais realizados no sudeste asiático e em ilhas da Oceania. Padrão similar àquele observado para áreas hiper- holoendêmicas para o P. falciparum tem sido observado: formas clínicas com complicações graves são mais frequentes em crianças menores que 5 anos enquanto adolescentes e adultos tendem a desenvolver infecções mais brandas com parasitemias mais baixas e ausência gradual de sintomas. Em áreas com baixos níveis de transmissão, como no Brasil, espera-se que crianças e adultos sejam igualmente acometidos e a malária grave por P. falciparum ocorra principalmente quando o diagnóstico é tardio. Pelas características migratórias da população exposta, indivíduos não imunes, de diferentes idades, podem ser suscetíveis à inoculação de esporozoítos. Na quase totalidade desses casos, é observada doença clínica de intensidade variável e, frequentemente, vários episódios sucessivos de malária, tanto por P. falciparum quanto por P. vivax. Entretanto, casos assintomáticos por ambas as espécies têm sido descritos nos últimos anos. Os mecanismos envolvidos na determinação desse status imunológico em populações brasileiras ainda não são totalmente esclarecidos. Mecanismos da Resposta Imune Adquirida Durante a fase aguda da malária é desencadeada uma potente resposta imune dirigida contra os diferentes estágios evolutivos do parasito. Assim, sabe-se que a imunidade naturalmente adquirida é espécie-específica e também estágio-específica. Os esporozoítos induzem uma resposta imune que resulta na produção de anticorpos dirigidos contra antígenos de sua superfície, em particular contra a proteína CS. Acredita-se que tais anticorpos ajam bloqueando a mobilidade necessária à invasão da célula hospedeira. Entretanto, o envolvimento de anticorpos anti-CS na proteção adquirida contra malária ainda não está bem definido. A pesquisa de tais anticorpos tem sido utilizada, em áreas endêmicas, para avaliar a exposição aos mosquitos infectados, ou melhor, a intensidade de transmissão de malária Durante a fase de desenvolvimento intra-hepático, o parasito também é capaz de funcionar como alvo da resposta imune. Durante esta fase do desenvolvimento intracelular do parasito, os mecanismos celulares parecem atuar diretamente através da citotoxicidade de linfócitos ou indiretamente através de citocinas, como o interferon gama (IFN-y), interleucina (IL) 1 e IL6, e o fator de necrose tumoral alfa (TNF-a). Muito se tem feito no sentido de identificar os mecanismos imunes envolvidos na premunição. Experimentos de transferência passiva de anticorpos realizados na década de 1960, no Gâmbia, demonstraram claramente que anticorpos contra as formas sanguíneas estão envolvidos nessa imunidade protetora. Nos anos de 1990, esses experimentos foram repetidos, confirmando que IgG purificada de soros de adultos imunes (área hiperendêmica) é capaz de controlar a infecção por P. falciparum em crianças, reduzindo a parasitemia e protegendo-as de doença grave. 6 Análise in vitro e in vivo dos efeitos dos anticorpos protetores tem mostrado que pelo menos dois mecanismos estão envolvidos: • participação de anticorpos opsonizantes que promovem a fagocitose de eritrócitos infectados; • participação de anticorpos citofílicos (subclasses IgGl e IgG3 no homem) que se ligam a monócitos e promovem a inibição do crescimento do parasito intraeritrocítico, não requerendo para isso contato entre células efetoras e eritrócitos infectados. Nesse caso, o que ocorre é a atuação de TN F-a liberado por monócitos ativados, que impedirá o desenvolvimento das formas sanguíneas no interior da célula hospedeira. Para confirmar essas observações experimentais, estudos soroepidemiológicos foram conduzidos em áreas holoendêmicas, demonstrando que os anticorpos citofílicos são predominantes nos soros dos indivíduos protegidos, enquanto as subclasses não citofílicas (IgG2, IgG4 e IgM) predominam entre indivíduos não protegidos. Apesar dos anticorpos contra as formas sanguíneas serem considerados um importante fator na eliminação do parasito, a imunidade mediada por células contribui nesse processo. Células T CD4+ desempenham um papel central no controle da infecção malárica. Durante a fase eritrocítica da infecção, linfócitos T CD4+ produzem IFN-y que estimula a resposta de células B e a produção de anticorpos que promovem a eliminação de eritrócitos infectados. Células T CD4+ tambémsão importantes para o controle do parasito durante o desenvolvimento pré-eritrocítico ativando células T CD8+ específicas. Contudo, respostas inflamatórias excessivas desencadeadas durante a infecção podem induzir quadros graves da doença. 2) Descrever o baço de acordo com as células presentes e suas funções imunes. O baço é um órgão altamente vascularizado, cujas principais funções são remover células sanguíneas velhas e danificadas e partículas (tais como imunocomplexos e microrganismos opsonizados) da circulação e iniciar as respostas imunes adaptativas aos antígenos originados no sangue. O baço pesa cerca de 150 g em adultos e está localizado no quadrante superior esquerdo do abdome. O parênquima esplênico é funcional e anatomicamente dividido em polpa vermelha, que é composta principalmente de sinusoides vasculares cheios de sangue, e polpa branca rica em linfócitos. O sangue entra no baço através de uma única artéria esplênica que perfura a cápsula no hilo e se divide em ramos progressivamente menores que permanecem rodeados pela trabécula fibrosa protetora e de suporte (Fig. 2-15). Algumas das ramificações arteriolares da artéria esplênica terminam em extensos sinusoides vasculares que são compostos de grande número de eritrócitos e recobertos por macrófagos e outras células. Os sinusoides terminam em vênulas que drenam para a veia esplênica, que carreia sangue para fora do baço e para dentro da circulação porta. Os macrófagos da polpa vermelha servem como um importante filtro para o sangue, removendo microrganismos, células danificadas, células recobertas de anticorpo (opsonizadas) e microrganismos. Indivíduos que não têm o baço são suscetíveis a infecções disseminadas com bactérias encapsuladas, tais como pneumococos e meningococos. Esta pode ser a razão de tais organismos serem normalmente limpos por opsonização e fagocitose e esta função ser defeituosa na ausência do baço. A polpa branca contém as células que medeiam as respostas imunes adaptativas aos antígenos originados no sangue. Na polpa branca, estão situadas muitas populações de linfócitos densamente empacotados, que se parecem com nódulos brancos contra um fundo de polpa vermelha. A polpa branca é organizada em torno de artérias centrais, que são ramificações da artéria esplênica distintas das ramificações que formam os sinusoides vasculares. Várias ramificações menores de cada artéria central passam através de áreas ricas em linfócitos e drenam para o sino marginal. Uma região de células especializadas circundando o sino marginal, chamada de zona marginal, forma uma fronteira entre a polpa vermelha e a polpa branca. A arquitetura da polpa branca é análoga à organização dos linfonodos, com zonas de célula T e B segregadas. No baço de camundongo, as artérias centrais são rodeadas por bainhas de linfócitos, a maioria dos quais são células T. Em virtude da sua localização anatômica, os morfologistas chamam estas zonas de célula T de bainhas linfoides periarteriolares. Os folículos ricos em célula B ocupam o espaço entre o sino marginal e a bainha periarteriolar. Como nos linfonodos, as áreas de células T no baço contêm uma rede de complexos conduítes composta de proteínas da matriz recobertas por células do tipo FRC. A zona marginal logo do lado de fora do sino marginal é uma região distinta e povoada por células B e macrófagos especializados. As células B da zona marginal são funcionalmente distintas das células B foliculares e apresentam um repertório limitado de especificidades de antígenos. A arquitetura da polpa branca é mais complexa em humanos do que em camundongos, com ambas as zonas interna e externa e uma zona perifolicular. Antígenos no sangue são distribuídos para o sino marginal pelas células dendríticas circulantes ou são amostrados pelos macrófagos na zona marginal. 7 O arranjo anatômico das APCs, células B e células T na polpa branca esplênica promove as interações necessárias para um desenvolvimento eficiente das respostas imunes humorais, como discutiremos no Capítulo 12. A segregação dos linfócitos T nas bainhas linfoides periarteriolares e células B nos folículos e zonas marginais é um processo altamente regulado, dependente da produção de diferentes citocinas e quimiocinas pelas células estromais nestas diferentes áreas, análogos ao caso para os linfonodos. A quimiocina CXCL13 e seu receptor CXCR5 são necessários para a migração da célula B para os folículos, e a CCL19 e CCL21 e seu receptor CCR7 são requeridos para a migração da célula T imatura para a bainha periarteriolar. A produção destas quimiocinas pelas células estromais não linfoides é estimulada pela citocina linfotoxina. 3) Discutir como a esplenectomia tem implicações diretas na resposta às bactérias encapsuladas. O baço é o segundo maior órgão do sistema reticuloendotelial. Esse órgão tem importante papel na defesa orgânica devido a seus mecanismos de filtração e fagocitose, além da produção de fatores do complemento e imunoglobulinas – opsoninas, tuftsina e properdina – responsáveis pela ativação de macrófagos. Atua diretamente na defesa contra infecções, em especial patógenos encapsulados e intervêm na regulação de certas populações celulares em órgãos como pulmão, fígado e intestinos. Compreende-se o motivo pelo qual há a detecção de baixos níveis de opsoninas, tuftsina e properdina após esplenectomia e consequente queda da síntese de imunoglobulina M (IgM). A fagocitose proporcionada pelas células do sistema mononuclear fagocitário depende tanto de anticorpos quanto de complemento para agirem efetivamente contra os principais patógenos envoltos por cápsulas polissacarídicas. Sendo assim, o autor salienta que indivíduos asplênicos apresentam defeituosa ativação do complemento pela via alternativa, tornando-os mais susceptíveis à infecção grave com bacteremia, pneumonia ou meningites fulminantes, quando comparadas àqueles com função esplênica normal. Pessoas asplênicas ou hipoasplênicas apresentam uma resposta normal à reimunização contra um antígeno identificado primeiramente antes da esplenectomia, mas não apresentam uma resposta ótima a uma nova exposição ao antígeno. Há outras importantes funções desempenhadas pelo baço relacionadas à resposta imune como a reação primária rápida gerada pela produção de imunoglobulinas, e a ação inespecífica, a produção de imunomediadores como a properdina e tuftisina, que são opsoninas, capazes de fazer ligação com bactérias, propiciando assim melhor defesa do organismo. Os macrófagos e histiócitos esplênicos removem bactérias e células anormais ou estranhas, sendo particularmente eficazes na retirada de bactérias revestidas por anticorpos ou proteína opsônica. Se houver bactérias na corrente sanguínea para as quais o hospedeiro não tenha anticorpos pré-formados, a circulação singular do baço torna-se o principal local de depuração dessas bactérias bem como o local inicial de síntese de IgM. Quando não existem anticorpos específicos para facilitar a retirada bacteriana pelo fígado, o baço torna-se o principal local de depuração. As bactérias encapsuladas, que resistem à ligação com o anticorpo, são retiradas de forma menos eficiente em um indivíduo sem baço do que em indivíduo normal. Tem sido demonstrado frequentemente que a esplenectomia reduz a depuração intravascular de partículas como antígenos, incluindo ainda depressão da atividade de células T (T-helper) e fagocitose dos macrófagos alveolares comprometida. A maior redução na remoção de bactérias é vista em relação às bactérias encapsuladas gram-positivas.
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