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Desde os tempos antigos, os sonhos e seus significados sempre foram cercados de misticismo e superstições, considerados previsões do futuro e avisos do além-mundo. Ainda hoje, não há consenso sobre as funções biológicas e os significados dos sonhos, mas várias teorias discorrem sobre a atividade onírica. No que concerne à neurociência, sabe-se que os sonhos são experienciados principalmente durante a fase REM (rapid eye movement), uma das cinco etapas do sono. Na fase REM, pode-se observar o rápido movimento dos olhos do indivíduo adormecido – característica que dá nome à fase. Imagens de ressonância magnética funcional (fMRI) mostram que a atividade cerebral durante a fase REM é intensa, praticamente igual à do cérebro em estado de vigília. Estudos recentes afirmam que esses processos, similares ao estado de vigília, estabelecem uma relação funcional entre a fase REM – e, consequentemente, os sonhos – e a consolidação da memória. O conteúdo dos sonhos é altamente influenciado pelas experiências pessoais de cada indivíduo, o ambiente em que vive e sua cultura – o que explica o porquê de pessoas diferentes, mas de uma mesma cultura, terem sonhos iguais ou parecidos. No campo da psicologia, o primeiro grande estudioso do conteúdo dos sonhos foi Sigmund Freud, neurologista austríaco fundador da psicanálise. A teoria onírica de Freud, exposta em “A Interpretação dos Sonhos”, é uma das mais conhecidas e mais controversas. Freud propôs que os sonhos seriam representações simbólicas inconscientes de vontades não satisfeitas, resultantes de inquietações internas, desejos e repressões da sociedade. No decorrer da história da psicologia, vários estudiosos, contrariando a teoria de Freud, se manifestaram sobre os sonhos, em busca de explicações alternativas. O antropologista americano Edward Hall concordava com Freud ao dizer que os sonhos continham uma carga simbólica. Contudo, Hall acreditava que estes símbolos não eram inconscientes ou subjetivos, mas sim fragmentos da realidade e da vivência do indivíduo (MARTIN et. al., 2010, p. 364). Partindo deste ponto, em 1977 a psicóloga Rosalind Cartwright propôs “uma visão cognitiva da resolução de problemas” (WEITEN, 2011, p. 150), na qual as experiências do indivíduo se estenderiam aos sonhos, onde a criatividade para solucionar problemas é irrestrita. O psiquiatra americano Allan Hobson, em 1988, propôs, também, uma teoria onírica – um modelo biológico de síntese-ativação – através de experimentos formais sobre as etapas do sono e dos sonhos (MARTIN et. al., 2010, p. 365). Hobson observou que, durante a etapa REM do sono, a área de controle da visão era ativada e, frequentemente, trazia à tona experiências, memórias e assuntos de interesse recentes. Hobson sugeriu que os sonhos eram meramente resultados da alta atividade cerebral durante a fase REM e não possuíam um significado subjetivo conforme Freud sugeriu. Righetto (2011, p. 28) destaca que, mais tarde, Hobson passou a associar a etapa REM e o conteúdo dos sonhos a funções adaptativas e cognitivas, “relacionadas, sobretudo, à consolidação e integração de memórias”. As terapias cognitivas e comportamentais se apropriaram dessas teorias para tentar compreender o comportamento humano e relacionar o conteúdo dos sonhos com as experiências vividas pelos indivíduos, considerando os sonhos “rico material terapêutico, onde padrões cognitivos e afetivos são expressados e esquemas podem estar exercendo sua máxima influência” (SHINOHARA, 2006, p. 86). O surgimento da teoria cognitivo-comportamental aconteceu por volta de 1956, com o intuito de revisar alguns pressupostos psicanalíticos a respeito da depressão. Aaron Beck, ao iniciar estudos cognitivos-comportamentais acerca da depressão, chegou a respostas diferentes daquelas da teoria psicanalítica. Beck e outros pesquisadores, então, intensificaram as pesquisas e, nos anos 2000, definiram o cognitivo como a principal atividade responsável pela dedução das experiências adquiridas e pela projeção e interpretação de situações futuras.( CARLOS HENRIQUE GONÇALVES, 2014, p. 2) Os sonhos na visão cognitivo-comportamental são importantes à medida que têm interferência no comportamento humano e são vistos como uma extensão do que é vivenciado cotidianamente, diferenciando-se da teoria psicanalítica, que vê os sonhos como manifestações do inconsciente, ligadas a desejos reprimidos. Em um primeiro momento, a teoria cognitivo-comportamental tentou encontrar padrões nos sonhos e relacioná-los ao diagnóstico de doenças: uma pessoa que têm depressão, por exemplo, poderia sonhar mais com situações frustrantes de rejeição e abandono, enquanto uma pessoa que apresenta sintomas de paranoia poderia ter sonhos recorrentes de perseguição. Entretanto, essa relação entre diagnósticos e padrões de sonhos acabou não sendo o objeto de maior interesse da teoria cognitivo- comportamental (VANDENBERGHE & PITANGA, 2007, p. 241). O principal fascínio da teoria cognitivo-comportamental é o relato de sonhos, pois a atividade onírica apresenta conteúdo relevante e significativo a respeito dos mecanismos cognitivos. Beck salienta que os sonhos advêm de um processo idiossincrático, ou seja, caracterizado pela forma de ser, sentir, agir e pensar de cada indivíduo (VANDENBERGHE & PITANGA, 2007, p. 241). Logo, as preocupações e projeções vivenciadas na vigília são encontradas também nos sonhos e seguem o mesmo padrão cognitivo de quando a pessoa está acordada. Beck acredita que os sonhos, por estarem relacionados diretamente com as vivências em estado de vigília, não devem ser interpretados para alcançar um sentido mais profundo, afinal, já fazem parte das temáticas cognitivas da pessoa que sonha. Freeman & Bayll também afirmam que a compressão dos sonhos deve ser temática, inserida num contexto de vida, e não simbólica, podendo, assim, colaborar de fato na terapia do paciente (VANDENBERGHE & PITANGA, 2007, p. 241). É importante que o próprio paciente consiga avaliar suas cognições e inquietações, a fim de encontrar os pensamentos envolvidos com a ansiedade e depressão, mais tarde podendo modificar essas questões afetivas. Para Freeman a interpretação dos sonhos deve ser feita em estado de vigília, para que os pensamentos e sentimentos relatados possam ser questionados e reestruturados, o que demonstra o papel relevante dos sonhos dentro da terapia (VANDENBERGHE & PITANGA, 2007, p. 241). Ainda que não exista consenso sobre a função dos sonhos, diversos estudos na área da neurociência indicam que o sono é um processo importante para a consolidação de memórias, e que a fase REM está claramente envolvida nas funções cognitivas (CHENIAUX, 2006, p.172). No que concerne à terapia cognitivo- comportamental, Vandenberghe & Pitanga destacam que “examinar os sonhos dos pacientes e considerar as interpretações que eles fazem é uma maneira econômica de descobrir esquemas disfuncionais” (2007, p. 241), pois os conteúdos dos mesmos são produto das experiências e crenças de cada indivíduo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BACHTOLD, L. Os Sonhos na Terapia Comportamental. InterAÇÃO. Curitiba, n. 3, p. 21-34, 1999. CHAVES, M.; CAIXETA, M.; MACHADO, D. C. Neuropsicologia da Atividade Onírica. Arq Neuropsiquiatr. São Paulo, n. 55 (3-B), p. 661-665, 1997. CHENIAUX, E. Os sonhos: integrando as visões psicanalítica e neurocientífica . Rev. psiquiatr. Rio Gd. Sul Porto Alegre, n. 28 (2), p. 169-177, 2006. GONÇALVES, C. H. A terapia cognitiva e a teoria cognitiva da emoção de Lazarus. 2014. 103 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Universidade de Juiz de Fora, 2014. MARTIN, G. N.; CARLSON, N. R.; BUKIST, W. Psychology. 4. ed. Harlow: Pearson, 2010. PASTORINO, E.; DOYLE-PORTILLO, S. What is psychology? 3. ed. Belmont: Cengage, 2012. p. 140-145. RIGHETO, F. S. L. Sonho e comunicação: novos contextosteóricos. 2011. 102 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2011. SHINOHARA, H. O trabalho com sonhos na terapia cognitiva. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas. Ribeirão Preto, v. 2, n. 2, p. 85-90, 2006. VANDENBERGHE, L.; PITANGA, A. V. A análise de sonhos nas terapias cognitivas e comportamentais. Estudos de Psicologia. Campinas, n. 24 (2), p. 239-246, 2007. WEITEN, W. Introdução à psicologia: temas e variações. 7. ed. São Paulo: Thomson, 2002.
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