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aula 9

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O�cina literária
Aula 9: Minhas leituras I
Apresentação
Nesta aula, analisaremos a obra Memória póstumas de Brás Cubas.
 
Objetivo
Analisar o texto literário.
Compreender a relação estabelecida entre o texto literário e a sociedade que o produziu.
Identi�car a posição assumida pelo narrador e para quem está direcionado o seu discurso.
Introdução
PPara iniciarmos esta aula, assista, a seguir, ao trailer do �lme Memórias póstumas.
Atenção! Aqui existe uma videoaula, acesso pelo conteúdo online
Este �lme é baseado na obra Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.
Como se vê, tudo começa a ser contado a partir da morte do narrador-personagem, Brás Cubas. É do além-túmulo que ele
vai contar muitos fatos de sua vida e da vida da sociedade em que viveu. Primeiramente, trata-se de um romance que,
juntamente com Dom Casmurro e Quincas Borba, forma uma trilogia quanto ao tema, isto é, todos falam sobre a questão
do adultério, mas de pontos de vista diferentes.
Em todos três, há uma análise corrosiva do casamento.
1
Em Dom Casmurro, quem narra é o marido que se julga
traído.
2
Em Quincas Borba, o marido induz sua esposa ao adultério
3
Em Memórias póstumas, tudo é narrado do ponto de vista
do amante.
Nos romances de Machado, o narrador exerce um papel fundamental.
Leitura
Clique aqui para acessar a obra Memória póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, disponível do site Domínio
Público.
 (Fonte: Gian Salero / Shutterstock).
Na obra Memórias póstumas de Brás Cubas, de onde fala
o narrador?
A grande novidade deste romance é que o narrador fala
posicionado no mundo dos mortos. Ele não é um autor
defunto, mas um defunto autor. Portanto, Brás Cubas
observa o mundo dos vivos de um ponto de vista
atemporal. Por não estar mais entre os vivos, ele pode
dizer tudo o que quer, sem se preocupar com a opinião
pública.
Esse deslocamento faz com o que o discurso seja
liberado, seja descompromissado com qualquer forma
de respeito ou etiqueta. O mundo dos vivos, então, perde
a seriedade. Não há uma preocupação com a
compostura.
Sendo assim, há um discurso que gera o riso do leitor. Claro que se trata de um riso corrosivo, de um riso demolidor dos
valores daquela sociedade carioca do século XIX. É um processo de demolição, principalmente, da classe aristocrática da
qual Brás fazia parte. Dessa forma, Brás ri de tudo, de si mesmo e pouco se importa com o leitor: “A obra em si mesma é
tudo: se te agradar, �no leitor, pago-te da tarefa; se te não agradar, pago-te com um piparote e adeus.”
Observe também que as ações estão concentradas nos anos 40 e 50, mas o narrador está em 1881. Brás Cubas só narra
12 anos após sua morte e 72 anos após seu nascimento. Você sabe o que isso signi�ca?
Todo esse processo de construção da narração apresenta um narrador muito distanciado, na linha do tempo, daquilo que
é narrado. Dessa forma, os fatos contados passam pelo desgaste do tempo, ou seja, eles, ao perder a imediaticidade, são
transformados pela memória, a qual é, extremamente, seletiva. Nem sempre tudo é lembrado como, realmente,
aconteceu. Muita coisa se perde com o tempo.
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A memória não registra tudo. Ainda mais quando se trata de memórias póstumas. O desgaste temporal dos fatos
nos leva a pensar que não podemos acreditar em tudo que está sendo dito. A veracidade dos fatos é algo colocado
sob suspeita. Fica claro, então, que é com matéria de memória que o narrador delineia o per�l de suas personagens
e a trama.
 Fonte: Elias Sch. por Pixabay
O resgate de fragmentos do passado, através da
memória, permite viver de novo os fatos, mas de forma
organizada. A narrativa organiza tudo aquilo que, na vida,
é bagunçado.
Quando o narrador tenta fazer essa arrumação dos fatos
da vida, dá maior nitidez aos acontecimentos, dá sentido
àquilo que, na vida real, acontece de forma tão
desordenada.
 (Fonte: PublicDomainPictures por Pixabay ).
São fatos selecionados pela memória e organizados pelo discurso.
Brás Cubas é um narrador nada con�ável. Para cada a�rmação que faz, apresenta uma negação. Há, em toda a narrativa,
um processo de construção e desconstrução. Isso coloca em dúvida a veracidade do que está sendo contado. É assim,
nesse processo de negação e a�rmação, que ele descreve o próprio pai. O pai é e não é ao mesmo tempo. O que parece
ser, não é.
 CAPÍTULO 3 – Genealogia
 Clique no botão acima.
"(...)
Era um bom caráter, meu pai, varão digno e leal como poucos. Tinha, é verdade, uns fumos de pacholice; mas
quem não é um pouco pachola nesse mundo? Releva notar que ele não recorreu à inventiva senão depois de
experimentar a falsi�cação; primeiramente, entroncou-se na família daquele meu famoso homônimo, o capitão-
mor Brás Cubas que fundou a vila de São Vicente onde morreu, em 1592, e por esse motivo é que me deu o nome
de Brás.”
(ASSIS, Machado. Memórias póstumas de Brás Cubas)
Pois bem, uma outra questão importante é: qual é a classe social representada e como se dão as relações sociais?
O romance Brás Cubas é composto por personagens representantes da aristocracia. Mas, como é esta aristocracia? Ora,
Machado mostra tal classe como portadora de uma imensa vacuidade. Ela não tem projeto. Vive no vazio. Brás Cubas,
enquanto representante dessa classe, não constrói nada. O seu único projeto, que foi a criação do emplasto, não dá em
nada.
 CAPÍTULO 2 – O Emplasto
 Clique no botão acima.
"Com efeito, um dia de manhã, estando a passear na chácara, pendurou-se-me uma ideia no trapézio que eu tinha
no cérebro. Uma vez pendurada, entrou a bracejar, a pernear, a fazer as mais arrojadas  cabriolas de volantim, que
é possível crer. Eu deixei-me estar a contemplá-la. Súbito, deu um grande salto, estendeu os braços e as pernas,
até tomar a forma de um X: decifra-me ou devoro-te. Essa ideia era nada menos que a invenção de um
medicamento sublime, um emplasto anti-hipocondríaco, destinado a aliviar a nossa melancólica humanidade.
Na petição de privilégio que então redigi, chamei a atenção do governo para esse resultado, verdadeiramente
cristão. Todavia, não neguei aos amigos as vantagens pecuniárias que deviam resultar da distribuição de um
produto de tamanhos e tão profundos efeitos. Agora, porém, que estou cá do outro lado da vida, posso confessar
tudo: o que me in�uiu principalmente foi o gosto de ver impressas nos jornais, mostradores, folhetos, esquinas, e
en�m nas caixinhas do remédio, estas três palavras: Emplasto Brás Cubas.
Para que negá-lo? Eu tinha a paixão do arruído, do cartaz, do foguete de lágrimas. Talvez os modestos me arguam
esse defeito; �o, porém, que esse talento me hão de reconhecer os hábeis; "...e eu era hábil." Assim, a minha ideia
trazia duas faces, como as medalhas, uma virada para o público, outra para mim. De um lado, �lantropia e lucro;
de outro lado, sede de nomeada. Digamos: - amor da glória.
Um tio meu, cônego de prebenda inteira, costumava dizer que o amor da glória temporal era a perdição das almas
que só devem cobiçar a glória eterna. Ao que retorquia outro tio, o�cial de um dos antigos terços de infantaria,
que o amor da glória era a coisa mais verdadeiramente humana que há no homem, e, conseguintemente, a sua
mais genuína feição. Decida o leitor entre o militar e o cônego; eu volto ao emplasto."
(ASSIS, Machado. Memórias póstumas de Brás Cubas
Vale observar, inclusive, que Brás Cubas não gerencia nem o próprio dinheiro. Pelo contrário! Ele gasta. É um dilapidador
do capital. Além disso, as relações sociais são todas travadas por interesse. Trata-se de uma sociedade de vitrine, ou seja,
seus membros vivem de aparência e constroem suas articulações em busca de dinheiro e status. Dentro desse
mecanismo, são realizados os casamentos e são travadas as amizades.
 CAPÍTULO 1 – Óbito do Autor
 Clique no botão acima.
"(...) uma chuvinha miúda, triste e constante, tão constante e triste, que levou um daqueles �éis da última hora a
intercalar esta engenhosa ideia no discursoque proferiu à beira de minha cova: - “Vós, que o conhecestes, meus
senhores, vós podeis dizer comigo que a natureza parece estar chorando a perda irreparável de um dos mais
belos caracteres que tem honrado a humanidade. Este ar sombrio, estas gotas do céu, aquelas nuvens escuras
que cobrem o azul como um crepe funéreo, tudo isso é a dor crua e má que lhe rói a natureza as mais íntimas
entranhas; tudo isso é um sublime louvor ao nosso ilustre �nado.
Bom e �el amigo! Não, não me arrependo das vinte apólices que lhe deixei."
(ASSIS, Machado. Memórias póstumas de Brás Cubas)
Outra questão importante, em Memórias Póstumas de
Brás Cubas, é a construção dos per�s femininos.
Quem são essas mulheres que circulam pelo romance?
Primeiramente, são mulheres comuns. Elas não têm
profundidade. São vazias. Além disso, na maioria das
vezes, são feias, medíocres, calculistas, astutas ou
simplórias.
 (Fonte: Jill Wellington por Pixabay ).
Clique nos botões para ver as informações.
A primeira relação amorosa de Brás foi com Marcela. Ele, ao se declarar apaixonado por ela, contraria os códigos
sociais da época, pois o rapaz bem-nascido podia usufruir da prostituta, mas jamais se apaixonar. Sendo assim, a
relação não é chamada de namoro, mas de ligação ou paixão.
Pelos códigos sociais da época, era inconcebível o casamento com a prostituta, mas tê-la como passatempo era,
perfeitamente, aceitável. O importante, nesse tipo de relação, era não dilapidar o capital, isto é, não gastar toda a
fortuna.
Há toda uma questão de poder econômico envolvendo essa relação, pois Brás paga por Marcela. É uma relação
medida pela quantidade. Está tudo condicionado a cifras: ”Bons joalheiros que seria do amor se não fossem vossos
dixes e �ados? Um terço ou um quinto do universal comércio dos corações.” É nesse processo de comercialização
que Brás a�rma: “Marcela amou-me durante 15 meses e onze contos de réis; nada menos.”
Marcela 
O segundo relacionamento de Brás foi com Eugênia.
Esta é uma moça pobre, �lha ilegítima, nascida de um adultério. É chamada de Flor da Moita. Provavelmente, por ter
sido gerada nos encontros amorosos da mãe numa moita.
Você sabia que Eugênia é coxa? Como fruto do adultério, ela traz, no corpo, o castigo pelos erros cometidos pela
mãe. O defeito físico é, através do discurso do narrador, colocado como um marco da culpa alheia. Além disso, por
ser pobre, não poderia casar com Brás. Não era possível um membro da aristocracia descer na escala matrimonial.
Os aristocratas podiam se relacionar com mulheres de outros segmentos sociais, mas apenas por diversão. Elas
eram meros passatempos. Entretanto, para as bem-nascidas, ou seja, para aquelas tidas como iguais, oferecia-se
casamento.
Eugênia 
Virgília foi o terceiro amor de Brás.
Trata-se de uma mulher dupla face. Ela sabe bem a arte da simulação. É mãe e �el esposa, mas, ao mesmo tempo,
amante de Brás. É uma mulher rica. Economicamente, está, até mesmo, acima de Brás. Isto lhe garante não ser,
totalmente, apagada no romance. Ela resiste ainda que seja como ruína: “Tinha então 54 anos, era uma ruína, uma
imponente ruína. Imagine o leitor que nos amamos, ela e eu, muitos anos antes e que um dia, já enfermo, vejo
assomar à porta da alcova...”
Virgília 
Por último, surge Nhá-loló.
É uma moça pobre e �lha de um homem sem cultura. Com ela, Brás até pensa na possibilidade de união para deixar
um herdeiro. No entanto, ela morre. Isso consolida o fato de que não há possibilidade de união entre classes
diferentes.
“Nhá-loló estava vexadíssima. A facilidade com que o pai se metera com os apostadores, mostrava a origem da
família. Mas por um �lho eu estava disposto a arrancar aquela �or daquele pântano”.
Nhá-loló 
Vamos lembrar que toda obra literária está inserida num processo de produção e consumo. Portanto, é importante
identi�car quem são os leitores, a que público está direcionada. Sendo assim, no século XIX, o público leitor era formado,
basicamente, por mulheres.
Portanto, todos esses per�s traçados por Machado, através do Brás Cubas, mostra o lugar de cada uma delas na
sociedade de seu tempo. Se fosse diferente, causaria uma imensa subversão e, provavelmente, poucos livros seriam
vendidos.
Aula Teletransmitida em LIBRAS
Assista a versão na Linguagem Brasileira de Sinais da Aulateletransmitida.
Notas
Referências
Próxima aula
a percepção do leitor diante do poema;
a relação entre música e literatura;
a relação poema e sociedade.
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