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suicidio e gestalt-terapia livro completo

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Fukumitsu, Karina Okajima
Suicídio e Gestalt-terapia / Karina Okajima 
Fukumitsu. -- São Paulo : Digital Publish & Print 
Editora, 2012.
Bibliografia.
ISBN 978-85-65294-03-4
1. Gestalt-terapia 2. Psicodiagnóstico 
3. Psicoterapia 4. Suicídio I. Título.
12-01403 CDD-616.89143
índices para catálogo sistemático:
1. Suicídio : Gestalt-terapia : Psicodiagnóstico :
Ciências médicas 616.89143
2. Suicídio: Psicodiagnóstico : Gestalt-terapia :
Ciências médicas 616.89143
Revisão e preparação de texto:
Christina Binato e Arthur Tahan Miguel Torres 
Capa:
Gabriel Augusto 
Diagramação e Impressão:
Digital Publish & Print Editora
Todos os direitos reservados à autora.
É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem a autorização expressa 
da autora.
Caro leitor, este livro é uma tiragem revisada do li­
vro Suicídio epsicoterapia: uma visão gestáltica, ISBN 85- 
8762281-1, da Editora Livro Pleno, publicado em 2005, 
cujo distrato foi realizado em Io de setembro de 2011.
Desde o primeiro contrato pactuado por escrito do 
meu primeiro livro, Uma visão fenomenológica do luto: 
um estudo sobre as perdas no desenvolvimento humano, 
no ano de 2004, contrato esse realizado verbalmente e 
consumado por meio da tradição, a Editora Livro Pleno, 
em momento algum, deu efetividade a suas obrigações 
acessórias decorrentes, como apresentação de relatório 
das tiragens e vendas de cada obra, muito menos do va­
lor cabível a mim. Dessa maneira, enquanto tento nego­
ciar a publicação por outras editoras, assumi a impressão 
do mesmo livro, lançado com novos título e capa. Cabe 
salientar que o revisei e que carrego a crença de que todo 
autor deveria ter direito a revisões constantes de suas 
obras, pois concluí que uma obra é algo que escrevemos 
para o momento.
Tenho estudado o fenômeno suicídio desde 2000 e 
com mais afinco após uma vivência em 2004. A situação 
que motivou a me tornar uma suicidologista foi quando 
minha mãe falava ao telefone, felizmente pela última vez, 
que queria morrer. Desde que me conheço por gente, 
cresci vivenciando várias tentativas de suicídio de minha 
mãe, socorrendo-a já semimorta, por ter tomado vários 
medicamentos, ou tirando-a das janelas do meu aparta­
mento, entre outras maneiras.
Estava grávida dc dois meses c, enquanto ela dizia 
que desejava morrer, falei a seguinte frase: “Por inúmeras 
vezes você tentou se matar e não morreu. Até quando vai 
querer escolher o momento que morrerá? Não escolhe­
mos o momento da nossa morte. Calma. Você terá seu 
tempo de morrer”. Logo em seguida, senti uma pontada 
e descobri posteriormente que estava abortando. A partir 
desse dia, iniciei a escrita do presente livro e coloquei na 
parte dos agradecimentos:
Ao meu filho, que tião conheci fisicamente e que, dentro 
de meu ventre, presenteou-me com a possibilidade de sentir 
a vida. Sua descontinuidade dentro de mim confirma a ideia 
de que, como seres humanos não, temos o livre-arbítrio do 
momento em que partimos. Sua ausência me fez pensar 
nas pessoas que pensam na morte como possibilidade, 
particularmente em minha mãe, que podem ter a vida e 
escolhem por inúmeras vezes partir desse mundo...
Desde então, assumi o compromisso diário de lidar 
com pessoas que com partilham suas ideações e tenta­
tivas suicidas. Considero-me afortunada, pois, durante 
esses anos, nunca vivenciei a m orte de um cliente por 
suicídio. Não se trata de jactância, mas acredito que 
o manejo terapêutico apresentado no presente estudo 
tem sido facilitador para um a lida tão difícil. Agradeço 
imensamente aos interessados por meu estudo e pela 
permissão que me oferecem em com partilhar minhas 
reflexões sobre o tema.
Um abraço 
Karitta Okajitna Fukuntitsu
karinafukumitsu@gmail.com
30 de setembro de 2011.
DEDICATÓRIA
À minha mãe, Yooko Okajima, que, a partir de sua 
vivência, fez-me refletir sobre o suicídio e meu próprio 
sentido de estar viva. Sua coragem é fascinante. Orgulho- 
-me por ser sua filha.
A meu maridão, pela possibilidade de amor e reci­
procidade em minha existência.
Ao meu filho, que não conheci fisicamente e que, 
dentro de meu ventre, presenteou-me com a possibilidade 
de sentir a vida. Sua descontinuidade dentro de mim 
confirma a ideia de que, como seres humanos, não 
temos o livre-arbítrio do momento em que partimos. 
Sua ausência me fez pensar nas pessoas que pensam na 
morte como possibilidade, particularmente em minha 
mãe, que podem ter a vida e escolhem por inúmeras 
vezes partir desse mundo...
Aos meus filhos amados: força da minha existência 
e meu sentido de vida...
mailto:karinafukumitsu@gmail.com
Karina Okajima Fukumitsu 
(CRP 06/43624-6)
£1
Psicóloga e psicoterapeuta.
Bolsista pela PNPD/CAPES, 
Pós-doutoranda em Psicologia 
Escolar e do Desenvolvimento 
Humano pela Universidade São 
fcPaulo (USP).
Mestre em Psicologia Clínica 
pela Michigan School oi 
Professional Psychology (EUA), 
especialista em Psicopedagogia 
pela Pontifícia Universidade 
Católica de São Paulo (PUC-SP) e 
em Gestalt-terapia pelo Instituto 
Sedes Sapientiae.
E autora dos livros Suicídio
e Luto: história de filhos 
sobreviventes (2013) e Perdas no 
desenvolvimento humano: um 
estudo fenomenológico (Digital 
• Publish & Print Editora, 2012).
Coeditora da Revista de Gesta/t
do Departamento de Gestalt- 
terapia do Instituto Sedes 
Sapientiae.
http://lattes.cnpq.br/7165254877597216
AGRADECIMENTOS
Aos queridos que iluminam diariamente meu cami­
nho e compartilham minha trajetória:
Eduardo José da Silveira Lobo, Yooko Okajima, 
Cristina Sakai, Edson Sakai, Cybele Sakai, Lucas Sakai, 
Mário Fukumitsu, Fritz Pelos (meu cachorro), José Edu­
ardo da Silveira Lobo (in memoriam), Suzeley Binato, 
Caio Lobo Migliati, Gustavo Accurso Lobo, Guilherme 
Accurso Lobo, irmã Irilene, Lilian Meyer Frazão, Cida 
Barreto, Roberto Peres Veras, Rodolfo Argueles, Chris­
tina Binato, Lee Bach, Ana Maria Mirabella, Yolanda 
Cintrão Forghieri, Mariantonia Chippari, Christophe 
Blondin. Cada qual com seu jeito especial contribuiu 
para meu desenvolvimento e crescimento.
http://lattes.cnpq.br/7165254877597216
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SUMÁRIO
SOBRE O LIVRO E A AUTORA............................................11
APRESENTAÇÃO....................................................................15
INTRODUÇÃO........................................................................17
Capítulo 1 - O SUICÍDIO.......................................................21
1.1. Caracterizando o suicídio................................................. 21
1.2. Mecanismos de risco suicida e suas implicações no
processo psicoterápico.......................................................25
Capítulo 2 - A GESTALT-TERAPIA......................................39
2.1. Considerações sobre a psicoterapia..................................39
2.2. Influências.........................................................................
2.3. O contexto brasileiro da Gestalt-terapia.......................... 67
2.4 .Conceitos-chave.................................................................68
Capítulo 3 - SUICÍDIO NA VISÃO GESTÁLTICA............ 89
903.1. Discussão....................................................................... . ^
3.2. Como o psicoterapeuta faz uma avaliação compreensiva
do potencial de suicídio?................................................... 97
3.3. Situações que podem contribuir para o suicídio............104
3.4. Propostas terapêuticas..................................................... *08
3.5. Buscando um sentido de vida e considerações finais.... 118
BIBLIOGRAFIA..................................................................... 127
ANEXO A................................................................................133Scanned by C
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SOBRE O LIVRO E A AUTORA
Embora o primeiro registro de suicídio - segundo a 
Enciclopédia Delta de História Geral (in Silva, 1992) - tenha 
ocorrido em 2500 a.C., na cidade de Ur, onde doze pessoas 
ingeriram uma bebida envenenada, ainda sabemos pouco para 
compreender e lidar com este complexo fenômeno humano.
Tão tabu quanto real, o tema ou não é suficientemente 
abordado na maioria dos cursos de Psicologia no Brasil ou 
nem faz parte das disciplinas oferecidas na grade curricular. 
Talvez isto se deva ao fato de que as situações envolvendo ten­
tativas ou efetivação de suicídio frequentemente são atendidas 
por médicos e/ou psiquiatras. Muitas vezes a ideação e inten­
ção suicidas se manifestam sob diferentes formas e por meio 
de diferentes sinais, muito antes de se efetivar uma tentativa 
de suicídio. É razoavelmente comum estas diferentes formas e 
sinais aparecerem ao longo de um processo psicoterápico ou de 
outras situações que envolvam o trabalho do psicólogo (tanto 
dentro quanto fora do contexto clínico).
Embora não seja possível prever o suicídio, é importante 
que os profissionais de psicologia e da área de saúde de maneira 
geral, tenham alguns parâmetros para identificar seus indícios, 
avaliar os níveis de risco e intervir nas situações. Tendo por 
referência a psicologia humanista e a visão existencial, parti­
cularmente a Gestalt-terapia, Karina Okajima Fukumitsu se 
propõe, neste livro, a discutir o assunto e fornecer instrumental 
para que isto se torne possível.
11
O interesse da autora por este tema vai muito além da 
teoria ou mesmo de sua experiência clínica com pacientes sui­
cidas no Brasil e nos Estados Unidos. Ele se origina na expe­
riência vivida (e vívida) de Karina que, na condição de filha 
de uma mãe com tentativas suicidas, compartilha conosco um 
fundo que tem como referência sua própria experiência.
Muitas são as compreensões que se pode ter da inten­
ção ou ato suicidas: desde um gesto de coragem a um gesto de 
covardia, desde um ato de sucesso a um ato de fracasso, desde 
um direito legítimo do ser humano a um ato criminoso contra 
si próprio. Em palestra proferida há muitos anos atrás, referi o 
gesto do suicida como sendo um “grito silencioso de socorro”.
Tal como se afina um instrumento musical, neste livro a 
autora busca afinar nossos olhos e ouvidos para identificar, 
entender e discriminar este grito silencioso, bem como ofe­
recer algumas sugestões e cuidados em relação ao tratamento 
desta complexa questão que envolve não apenas o paciente, 
mas igualmente seus familiares e amigos, assim como os pro­
fissionais que dele estejam cuidando.
Tendo por pressuposto que o suicida não busca a morte, 
mas sim uma outra maneira de viver, Karina procura compre­
ender o que a pessoa busca, qual a comunicação que não pode 
ser comunicada, qual a palavra que não pode ser dita, qual o 
gesto que não pode ser efetivado.
Desta forma, a autora busca compreender o que está por 
trás da intenção (ou consumação) do ato suicida, saber qual é 
a mensagem existencial deste gesto extremo de desespero e de 
desesperança humanos, salientando que o fenômeno sobre o 
qual devemos nos debruçar não é o suicídio, e sim a falta de 
sentido de vida.
12
Psicoterapeuta e professora universitária, Karina Okajima 
Fukumitsu ao apresentar, de forma didática e numa linguagem 
simples, informal e facilmente compreensível, reflexões sobre 
o suicídio além de informações para a avaliação de níveis de 
risco, bem como sugestões sobre procedimentos para tal, torna 
este livro de interesse tanto para profissionais de psicologia e 
das áreas de saúde, de um modo geral quanto para leigos.
No meu entender, o suicídio, mais do que um gesto que 
cala, é um gesto que fala...
Lilian Meyer Frazão 
São Paulo, março de 2005.
13
APRESENTAÇÃO
Na perspectiva da Gestalt-terapia, o ser humano é a pes­
soa responsável por suas próprias escolhas. Do ponto de vista 
de alguns clientes, o suicídio se revela como a última escolha 
de suas vidas, pois pelo seu ato suicida, a pessoa desnuda o 
tamanho de seu desespero humano e não se dá mais a oportu­
nidade de buscar seu próprio sentido de vida.
O objetivo deste trabalho é o de trazer à luz possibili­
dades de instrumentalização ao profissional, fornecendo-lhe 
reflexões sobre o suicídio e sua intencionalidade, implicadas 
na psicoterapia, fatores de risco e procedimentos utilizados. 
Enfatizando minha experiência pessoal com minha mãe e com 
meus clientes em processo de psicoterapia, a realização deste 
trabalho contou também com um levantamento bibliográ­
fico de estudos realizados no Brasil e nos Estados Unidos da 
América sobre o tema suicídio e suas relações com a Gestalt- 
terapia, uma abordagem psicológica que considera o método 
fenomenológico e a visão de homem humanista e existencial.
O estudo desse tema adota uma direção focalizando 
a seguinte questão: como um psicoterapeuta pode realizar 
uma análise compreensiva compreensiva da pessoa que 
pensa na morte como possibilidade e instrumentalizar-se?
Apresento no capítulo 1, a discussão que circunda minha 
experiência e uma compreensão do fenômeno do suicídio. No 
capítulo 2, apresento a visão de homem, segundo a Gestalt- 
terapia. No capítulo 3, estabeleço a correlação do suicídio na 
visão gestáltica e as considerações finais do trabalho.
15
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No presente momento, ressignifico parte de minha 
infância regada pelas lembranças de ter uma mãe que ten- 
! tou o suicídio por várias vezes. Tal vivência tem sido útil à
i minha compreensão clínica, um excelente pano de fundo
, para entender o sofrimento existencial de meus clientes. Os
I psicoterapeutas são facilitadores, isto é, ajudam o cliente a
i desvelar seu interesse de vida, a fim de que ele se torne cons-
■i ciente não somente de suas necessidades, mas também pela
responsabilidade de estar vivo.
A autora
16
y»
INTRODUÇÃO
Era uma vez uma menina de dez anos de idade que viu sua mãe 
"quase" morta por pelo menos 15 vezes, com suas mãos geladas, 
sem reações, caída no chão ou em sua cama. Essa mãe utilizava 
diversas estratégias para suas tentativas de suicídio: tomou pílulas 
e medicações misturadas ao álcool, ateou fogo em suas roupas, 
tentou jogar-se do sétimo andar do edifício, tentou enforcar-se.
As coisas foram ficando cada vez piores e mais estressantes 
entre as duas: a mãe estava desesperançosa e comunicava 
esse desespero em sua fala e atitudes. E nada havia que a me­
nina pudesse fazer, a não ser aceitar a possibilidade de estar 
com sua mãe da maneira como sua mãe podia.
Essa menina tinha muita dificuldade para entender o motivo 
pelo qual sua mãe, a pessoa que a gerou por nove meses, a 
quem amava tanto, estava tentando tirar sua própria vida. 
Essa questão a acompanhou até a fase adulta e, por isso, ela 
escolheu ser uma psicóloga clínica. Psicologia: uma área em 
que se estuda e se compreendem o processo psíquico e o fe­
nômeno humano...
A principal razão de iniciar meu trabalho com essa histó­
ria é por causa do meu desejo de mostrar a importância desse 
tema para mim. Sou a pequena menina dessa história.
Revelo uma crença de que, nós terapeutas, não somos 
treinados para o impacto de atender um cliente que deseja ani­
quilar-se. Devido ao fato de considerar o suicídio como um ato 
imprevisível, o terapeuta deve aprender as condições associadas 
às tentativas de suicídio, assim como reconhecer os fatores de 
risco e os avisos sutis que o cliente oferece ao longo do processo.
17
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Por esse motivo, quero compreender e articular o fenômeno do 
suicídio com o processo terapêutico. Hass (1999, p.l), em uma 
entrevista sobre a perda de um cliente que se suicidou, afirmou:
Perder um cliente devido ao suicídio era o meu grande 
medo e então se tornou uma realidade (...). A perda de 
um cliente traz um impacto devastador, em ambos os 
níveis: profissional e o pessoal.
O psicoterapeuta é treinado para lidar com os assuntos 
davida, e em todos os cursos sobre habilidades para a constru­
ção de um psicoterapeuta, nunca recebi treinamento para lidar 
com um cliente que pensa na morte como possibilidade que 
oferecesse subsídios para instrumentalização, quando clientes 
tentam efetivamente o suicídio, situação que considero situa- 
ção-limite que qualquer psicoterapeuta pode enfrentar. Ellis e 
Dickey (1998, p.496) validam meu comprometimento com este 
tema ao escreverem que:
(...) raramente ou nunca souberam de um trainee ou 
aprendiz que tivesse perdido um paciente por suicídio 
e, dessa maneira, abordariam tal ocorrência como 
uma exceção, da mesma maneira que qualquer outro 
acontecimento inesperado e significativo na vida de um 
programa de treinamento.
Reflito. A palavra terapia vem do grego therapeia e 
significa fazer o trabalho dos deuses”, “estar a serviço dos 
deuses ou, ainda, “a serviço do todo”. Considero a psicotera- 
pia como um grande exercício, pois precisamos desenvolver, 
além da habilidade técnica, a sensibilidade para compreender 
os encontros e desencontros dos nossos clientes. Feijó (1998, 
p.50) indaga e sua questão vai ao encontro da proposta de meu 
estudo: como faria aquele que fosse procurado por alguém 
com tais conflitos, que tenta enfrentá-los evitando novas tenta­
tivas, para encontrar instrumentos nas pesquisas quantitativas 
para ajudá-lo em seus problemas?”
18
No momento, percebendo minha historicidade, amplio 
minhas possibilidades de perceber a dor de meus clientes. A 
grande lição que aprendi com minha experiência de ter uma 
mãe que imaginava que o suicídio era uma saída para lidar com 
seu sofrimento, foi poder transformar minha dor e minhas 
dúvidas em possibilidades de compreensão dos clientes e do 
universo singular de cada um deles.
19
CAPÍTULO 1
O S U I C Í D I O
1.1. C a r a c t e r iz a n d o o s u ic íd io
Suicídio é particularmente uma maneira terrível de se 
morrer: o sofrimento mental que conduz a essa decisão 
é normalmente prolongado, intenso e irreparável. Não 
existe nenhuma morfina equivalente para aliviar a dor 
aguda, e a morte normalmente é violenta e terrível. O 
sofrimento do suicida é privado e inexpressivo, faz com 
que os membros da família, amigos e colegas lidem 
com um tipo de sentimento quase incompreensível de 
perda, assim como de culpa. Suicídio resulta num nível 
de confusão e devastação que vai, na maior parte, 
além da descrição dos fatos. (JAMISON, 1999, p.24)
Dutra (2000, p.36) postula em seu estudo da compreensão 
de tentativas de suicídio de jovens sob o enfoque da abordagem 
centrada na pessoa que:
(...) mesmo considerando-se o campo perceptual, que 
implica tudo que afeta a existência do indivíduo, a 
ênfase continua sobre a pessoa; ou seja, o mundo é 
percebido a partir da sua própria referência pessoal. Tal 
postura nos leva a visualizá-la como uma perspectiva de 
inspiração husserliana, já que poderíamos reconhecer 
nesse pensamento uma ênfase na subjetividade, à 
medida que valoriza a consciência e seus significados, 
pensamento presente no princípio da intencionalidade 
da consciência e no eu transcendental.
Dessa maneira, a ciência não começa quando se articula 
uma teoria, pois ela tem início com a intenção do cientista ao 
esclarecer um problema que surgiu na vida cotidiana. Além 
do fato de ter uma mãe reincidente em tentativas de suicídio, 
motivo este que tornou meu estudo significativo para mim,
21
e por trazer exemplos de colegas profissionais que acom­
panharam seus clientes tentando se matar, atento para um 
levantamento estatístico realizado pela Organização Mundial 
da Saúde (OMS), em 2000 que revela a ocorrência de suicí­
dios em um número de 14,5 para cada 100 mil habitantes no 
mundo. Segundo informações da Secretaria Municipal de 
Saúde (2003, p.l):
No município de São Paulo, considera-se que as 
estatísticas oficiais subestimem o número de suicídios 
ocorridos. Mesmo assim, o suicídio foi a quarta causa 
de morte na população entre 10 e 24 anos em 2001 
(PRO-AIM, SMS). No período de 1996 a 2002, foram 
registrados 400 a 500 suicídios a cada ano em São 
Paulo, 80% na população até 54 anos de idade.
Dois psicoterapeutas compartilharam suas experiên­
cias comigo - uma com um final feliz e outra com um final 
trágico.
Experiência com final feliz: o cliente ligou para 
sua terapeuta no topo de um hotel conhecido em São Paulo. 
Felizmente, a terapeuta atendeu ao telefone, pois o cliente do 
horário marcado havia faltado. A psicoterapeuta solicitou que 
o cliente comparecesse imediatamente em seu consultório e 
este pôde compartilhar e ressignificar seu desespero.
Experiência com final trágico: após ter acompanhado 
diversas vezes o cliente em suas tentativas de suicídio, o psicote­
rapeuta saiu em férias. Por estar viajando no exterior, o profissio­
nal não levou seu celular, deixando-o desligado. O cliente ligou 
e deixou um recado para o psicoterapeuta dizendo que estava 
se despedindo e de que nada mais lhe fazia sentido. Quando o 
psicoterapeuta retornou de suas férias, ligou seu celular, ouviu 
a mensagem, ligou imediatamente para seu cliente e recebeu a 
triste notícia da família de que ele havia se matado.
22
Podemos acrescentar a reflexão do quanto algumas pes­
soas cometem o suicídio em longo prazo, por exemplo, no caso 
de a pessoa estar ciente de sua maneira disfuncional de viver e, 
em vez de se cuidar, acentua seus sintomas.
E uma forma de suicídio seria o esquecimento da 
própria pessoa, a perda de si no convívio com o outro, 
o empobrecimento daquele que seca sua paixão no 
afastamento do mundo, que se deixa devorar por um 
rosto, por um amor que ilude o perecível e que se desvia 
de sua vida pessoal pela emoção do esquecimento do 
singular e do passageiro. (BEIRÃO, 1992, p.82)
Dias (1991, p .l6) entende por suicídio “a morte que 
alguém provoca a si próprio de forma consciente, deliberada 
e intencional”.
Durkheim (1992, p.14) define o suicídio como “(...) todo 
o caso de morte que resulta direta ou indiretamente de um ato, 
positivo ou negativo, realizado pela própria vítima e que ela 
saiba que produziria esse resultado. A tentativa é o ato assim 
definido mas interrompido antes que dele resulte a morte” e 
considera o suicídio e a tentativa de suicídio como equivalentes.
O suicídio, a meu ver, legitima a possibilidade de se 
morrer e confirma um desespero humano e a falta de sig­
nificados. “Fenômeno complexo, o suicídio configura um 
assassinato, em que vítima e agressor são a mesma pessoa” 
(VOMERO, 2003, p.37).
Há suicídios e suicídios. Por isso, os especialistas costumam 
avaliar a tentativa de se matar ou o ato propriamente 
dito a partir de duas variáveis: a intencionalidade e a 
letalidade. A primeira diz respeito à consciência e à 
voluntariedade no planejamento e na preparação do 
ato suicida. A segunda, ao grau de prejuízo físico que a 
pessoa se inflige. (VOMERO, 2003, p.38)
23
-4 .
Embora trate o suicídio como fenômeno que pode ser 
visto por várias perspectivas, há aqueles suicídios que levaram ao 
óbito e outros não. Dessa maneira, com uma finalidade didática, 
separo o suicídio em dois focos: a intencionalidade - a represen­
tação das tentativas de suicídio - e a letalidade - a representação 
de quando a pessoa morre.
Suicídio Intencionalidade Letalidade
foco Presente Passado
PESSOAS Estão vivas. Estão mortas.
INDAGAÇÕES DO 
PROFISSIONAL
Quem é a pessoa? 
Como é a pessoa?
0 que deseja com a 
tentativa suicida?
Quem era a pessoa? 
Como era a pessoa?
0 que desejou com sua 
morte?
MENSAGEM
EXISTENCIAL
Compreender na tenta­
tiva do suicídio a pers­
pectiva de vida e busca 
do sentido de vida.
Compreender que o 
suicídio pode significar 
finitude da vida, devido 
ao absurdo da falta de 
sentido.
Com as palavras de Angerami-Camon (1986, p.16), “(...) 
ainda são inúmeras as correntes que abordam o suicídio como 
um ato isolado e individual, apesar dos avanços teóricos que 
mostram o suicídio de um modo mais abrangente englobando 
a pessoa em todasas suas condições existenciais”, reflito que o 
fato de as pessoas conseguirem ou não acabar com suas vidas 
não descarta a ideia de que, em ambos os casos, existe uma 
mensagem existencial. É exatamente a partir dessa considera­
ção que inicio uma compreensão do desespero humano, não 
focalizando somente o ato suicida consumado, mas, princi­
palmente, as tentativas de suicídio. Concordo com as ideias de 
Dutra (2000, p.18) quando menciona:
24
(...) que a tentativa de suicídio é a principal via a nos 
conduzir para essas questões, já que aquele que viveu 
esse momento é quem poderá atribuir o seu significado 
a este ato. O que importa deixar claro, nesse momento, 
diz respeito ao que consideramos como tentativa 
de suicídio, a qual entendemos como um suicídio 
interrompido. O entendimento da Organização 
Mundial da Saúde (OMS) equivale ao adotado 
neste estudo, uma vez que a tentativa de suicídio é 
considerada como todo ato em que o indivíduo causa 
alguma lesão a si mesmo, qualquer que tenha sido a 
sua intenção e conhecimento do motivo que o levou 
a isto. Portanto nos interessa, neste estudo, o suicídio 
não consumado, ou seja, a TENTATIVA DE SUICÍDIO.
1 .2 . M eCANISiMOS de r isc o s u ic id a e su a s 
IMPLICAÇÕES NO PROCESSO PSICOTERÁPICO
Dias (1991, p. 91) aponta para a ambiguidade do fenô­
meno do suicídio quando afirma que o suicídio “(■•■) Ele deixa 
um enigma. Ele é uma recusa a uma situação dada, mas tam­
bém é um julgamento total sobre o valor da vida. Ele, aqui, é um 
sintoma, mas também um ato. Mesmo que confuso, ele envolve 
uma intencionalidade”. Dessa maneira, é a intencionalidade que 
se torna foco de meu estudo, pois intencionalidade significa a 
direção e a referência daquilo que se pretende investigar. Sempre 
admirei o ponto de vista da Gestalt-terapia advinda da visão de 
homem do existencialismo e humanismo, que traz a concepção 
da existência a partir da relação entre Campo - Organismo - 
Meio Ambiente. O ser humano é afetado por suas relações con­
sigo mesmo, com os outros e com as coisas circundantes.
Existe um número muito grande de fatores que incidem 
sobre a existência que, de um modo geral, qualquer 
categorização apriorística corre sempre o risco de ao 
desprezar tais fatores tornar-se mero reducionismo 
teórico sem a menor relação com a realidade do 
fenômeno. (ANGERAMI-CAMON, 1986, p,l 2)
25
Dias (1991, p-23) afirma que “(...) o desejo de suicídio 
viria também acompanhado do desejo inconsciente de 
matar outra pessoa ou a coisa que o incomoda. O indivíduo, 
no impulso de livrar-se do mal que o perturba, acaba por 
destruir-se por inteiro”. Em uma das minhas apresentações a 
respeito do tema suicídio, em 2004, um amigo ofereceu-me 
uma crítica dizendo que eu era “muito organicista” justamente 
pelo fato de apresentar e incluir os fatores e mecanismos de 
riscos que considero como importantes na capacitação do 
psicoterapeuta. Acrescentou-me um questionamento: “Como 
você pode colocar fatores de riscos e não considerar que você 
poderia ser uma candidata ao suicídio, quando abortou?” Em 
resposta, afirmo que não pensei em me matar, pois uma morte 
na minha vida já me era suficiente. Em contrapartida, situações 
de desespero são situações em que duvidamos da esperança 
e da riqueza da vida, por isso, como acredito que os seres 
humanos passam sempre por alguma situação de desespero, é 
importante destacar que a intenção deste trabalho não é a de 
generalizar mecanismos ou fatores de riscos suicidas, mas, sim, 
a de incentivar a reflexão sobre o suicídio e suas implicações 
no processo psicoterápico nas universidades e nos cursos 
preparatórios para psicólogos. Angerami-Camon (1986, 
p.15) afirma que “a própria mistificação do suicídio em nossa 
sociedade contribui para o não aprofundamento da temática 
nas lides acadêmicas”.
Do ponto de vista do cliente, a tentativa de suicídio pode 
ser a última escolha de sua vida. No que diz respeito a esco- 
lhas e responsabilidades, Kubler-Ross (1999, p.140) afirma que 
você e somente você é o responsável pelas suas escolhas. Mas, 
ao escolher, você deve também aceitar a responsabilidade. Diga 
para alguém que quer tirar sua vida que, quando ele toma essa 
decisão, então também aceita as consequências de suas escolhas”.
26
É a partir da Gestalt-terapia que estudamos os aspectos 
que circundam as possibilidades da pessoa construir sua pró­
pria vida. A pessoa tem liberdade para tomar suas decisões e 
ser responsável pela maneira como vive. A pessoa constrói seu 
padrão interno de referências, conforme suas experiências. 
Ela tem a possibilidade de usar sua criatividade e liberdade 
da maneira que bem entender. Em outras palavras, a pessoa, 
na perspectiva gestáltica, é singular e, por isso, é somente 
ela quem tem as respostas para suas questões internas. Além 
disso, ela é a proprietária do sentido de sua vida, ou seja, por 
muitas vezes, embora o significado de vida da pessoa não 
esteja claro, sua dor, seu sofrimento e seu desespero são per­
ceptíveis. Há uma história do livro de Quinnett (1987, p.150) 
sobre as tarefas do terapeuta em uma crise suicida.
Eu contei para eles que somos como duas pessoas num 
barco perdido no mar, tão distante quanto podemos 
imaginar; o capitão caiu no mar e ninguém está no 
controle. O rádio não funciona. Uma neblina forte nos 
circunda e ninguém consegue ver onde estamos. Não 
podemos ver nenhum sinal de luz de uma costa amigável. 
Não podemos ouvir nenhum som de um barco de resgate. 
Um de nós está terrivelmente assustado. O outro (eu) está 
assustado também, mas um pouco menos. Eu estou um 
pouco menos assustado porque tenho alguma coisa a 
fazer que me deixa ocupado. Eu tenho um trabalho a fazer.
Meu trabalho édar conforto até que sejamos encontrados 
ou que a neblina se vá e que nós dois possamos enxergar 
claramente de novo. Mas essa é uma relação bidirecional. 
Para que eu me sinta bem dando suporte, conforto e 
encorajamento, eu preciso que você esteja disposto a 
não pular do navio, porque seu medo do desconhecido 
é maior do que o seu medo do aqui e agora.
Assim sendo, juntos, nós compartilharemos nosso medo. 
E nesse compartilhar, conhecer-nos-emos um ao outro. 
Vamos conversar e brincar e contar histórias e ser gentis 
um com outro. Nosso resgate pode não ser em breve, e
27
talvez possa nunca acontecer, mas enquanto estivermos 
perdidos, nós estaremos juntos e, juntos, nossos medos 
vão desaparecer e teremos uma razão para viver.
Para ilustrar as tarefas do terapeuta numa crise de um 
cliente que imagina que o suicídio é uma saída para lidar com 
seu sofrimento, apresento uma de minhas experiências clínicas 
relacionadas a esse tema.
Há alguns anos, atendi a um cliente, adolescente, 18 anos 
de idade, que estava pedindo ajuda porque, como relatado em 
sessões, “era muito triste e não tinha motivação para viver”. 
Iniciamos nossos encontros e, no quarto mês de seu processo 
terapêutico comigo, percebi uma leve mudança em seu com­
portamento geral e em sua atitude com seus pais, que, segundo 
ele, “era seu problema principal”. Também percebi alguns sinais 
que relacionei com o comportamento de minha mãe, quando 
expressava insatisfação para com sua vida: falta de esperança, 
comportamento social introvertido e falta de energia. Estava 
consciente de minha percepção e, após a sessão, pedi que sua 
família entrasse na sala para uma conversa. O cliente expressou 
seus sentimentos de falta de esperança e também pediu por mais 
cuidados por parte de seus pais, mais conversas e mais atenção 
deles. Entendi que ele estava pedindo algo que seus pais não 
podiam dar naquele momento. Acrescentei, após seu pedido, 
que estava preocupada com ele e que minha percepção era a de 
que tínhamos de zelar mais pelos seus sentimentos. Quatro dias 
depois, recebi um telefonema de uma prima desse cliente, infor­
mando que ele tinha tentado suicídio. Que choque! Berman e 
Jobes (1991, p.24) colocam que “o quando, onde e como um sui­
cídio de um adolescente nos contam muitosobre a motivação e a 
intenção inerente em um comportamento de um jovem suicida”.
Ele havia tomado muitos medicamentos juntamente 
com álcool, após discutir com seus pais. Estava sozinho em sua
28
casa e quando sua prima chegou, contou a ela o que havia feito. 
Desesperada e sem direção, ela me ligou. Eu lhe disse para levá-lo 
ao hospital imediatamente. Também lhe pedi para que levasse os 
medicamentos que ele havia utilizado. Fui ao hospital para vê-lo. 
Sua prima e seus pais também estavam lá. Sua mãe disse: “Você 
me disse que ele estava pedindo alguma coisa, mas nós apenas 
brigamos e brigamos. Nós não pudemos escutá-lo”.
Embora não sejamos médicos, Bongar et al (1998, p.156) 
validam minha teoria de estar alerta aos sinais e acrescentam:
Resumindo, os médicos não são obrigados a prever 
o suicídio, mas são solicitados a identificar um risco 
elevado. Esse é um processo de dois passos: (1) avaliar 
o grau relativo de risco de suicídio e (2) implementar 
um plano de gerenciamento adequado, baseado na 
detecção de elevado risco suicida, pois o profissional 
poderá ser responsabilizado judicialmente no caso do 
paciente ser ferido pela tentativa suicida.
The World Health Organization (2000, p.10), - a 
Organização de Saúde Mental - aponta três fatores em parti­
cular que se revelam como características do estado da mente 
de pacientes em crise suicida.
1. Ambivalência: a maioria das pessoas tem sentimentos 
confusos sobre cometer suicídio. O desejo de viver 
e o desejo de morrer surgem como uma batalha no 
indivíduo. Existe uma urgência de se libertar da dor de 
viver e uma corrente contra que manifesta o desejo de 
viver. Muitas pessoas suicidas não querem morrer na 
realidade - apenas estão descontentes com a vida. Se 
o suporte é oferecido e o desejo de viver é ampliado, o 
risco suicida é reduzido.
2. Impulsividade: o suicídio é também um ato impulsivo. 
Como qualquer outro impulso, o de cometer suicídio
29
é temporário e dura alguns minutos ou horas. É 
normalmente despertado por eventos negativos do dia 
a dia. Detalhar o motivo da crise e solicitar que a pessoa 
disponibilize um tempo para ajudá-lo pode ajudar a 
reduzir o desejo de se matar.
3. Rigidez: quando as pessoas pensam no suicídio, seus 
pensamentos, sentimentos e ações apresentam-se 
enrijecidos. Eles constantemente pensam sobre suicídio 
e não conseguem perceber outras maneiras para sair do 
problema. Eles pensam drasticamente.
Avaliar o grau relativo de risco de suicídio e refletir sobre 
uma maneira de lidar com casos de suicídios são os convites 
que recebo para pesquisar.
Se é certo que na atualidade a patologia suicida é uma 
patologia social, então a terapêutica não pode ser 
senão comunitária. Sua prática ultrapassará o campo 
do consultório individual para impor como necessários 
o contato do médico com a família do paciente, as 
autoridades políticas, educacionais e, de modo geral, 
com todas as áreas responsáveis e representativas da 
vida institucional de uma nação. (ANGERAMI-CAMON, 
1986, p. 18)
Dutra (1992, p.22) aponta que:
(...) a tentativa de suicídio é mais frequente do que pensa 
a maioria das pessoas, não só nos países chamados de 
primeiro mundo, mas também no Brasil. Contudo, o 
mais preocupante nesses resultados é a constatação 
de que são os jovens, em sua maioria as mulheres, 
aqueles que mais buscam a morte voluntária.
Quando morei nos Estados Unidos, entre 1999 e 2002, 
meu marido chegou, um dia, contando que um de seus colegas 
trabalho havia cometido suicídio. O que chamou minha 
ção foi o fato de ele ficar surpreso, pois essa era a segunda
pessoa que ele conhecia que havia se matado em menos de um 
ano. Meu marido me perguntou: “Você acha que as tentativas 
de suicídio são normais neste país [EUA]?”. Haas (1999, p.l) 
nos respondeu a esta pergunta, quando escreveu:
A cada ano, aproximadamente 31 mil suicídios ocorrem 
nos Estados Unidos, e estima-se que 5 mil desses estão 
sob cuidados de saúde mental de um profissional, 
ou estiveram, 30 dias antes da tentativa de suicídio. 
Considerando que muitos clientes frequentam mais 
de um profissional simultaneamente, é estimado que 
o número de terapeutas afetados por clientes que 
tentam suicídio pode variar entre 5 mil e 15 mil por 
ano.
Cassorla (1987, p.32), realizando um estudo com jovens 
que se mataram no Brasil, revela que:
(...) estes provinham de lares perturbados, desfeitos, 
com um número significativo de doenças crônicas, 
somáticas e mentais, onde o alcoolismo é frequente 
e, não raro alguns membros dessas famílias têm 
problemas judiciais.
O suicídio é imprevisível. O terapeuta deve, segundo 
Bennet et al (1990, p.66), “aprender as condições associadas 
às tendências suicidas e violentas contra outros e aprender a 
reconhecer os sinais de aviso e sintomas de atos de violência 
pelo cliente com essas condições”.
Encontrei uma diferença cultural sutil entre Brasil e 
Estados Unidos. Na clínica estadunidense em que eu atendia, 
existia um formulário de compromisso de não suicídio que 
deveria ser assinado pelo cliente, quando o terapeuta suspei­
tava que o mesmo tentaria o suicídio (Anexo A). No Brasil, tal 
tipo de formulário não existe.
É praticamente impossível se preparar completamente 
para a possibilidade do cliente cometer suicídio, mesmo quando
31
O risco é alto. É frequente o terapeuta não receber nenhuma 
advertência de que o paciente apresenta risco de suicídio e, por 
isso, é pego de surpresa. De acordo com Haas (1999, p.6), sem 
aviso de tal tragédia, pode ser ainda mais difícil de lidar com 
esse tipo de situação”.
Ao pedir ao cliente que assinasse o formulário, sentia que 
estava certificando, por escrito, que ele deveria ser responsável 
por suas próprias escolhas, incluindo sua morte. Considerando 
que nos Estados Unidos a preocupação com processos é muito 
acentuada, tal formulário se faz necessário. No Brasil, não 
temos este “contrato de não suicídio/homicídio”, e o motivo 
pelo qual abordo esse ponto não é o de trazer propostas de mais 
papéis e formulários, mas, sim e principalmente, a de atentar 
para dois focos:
1. de que as escolhas são de responsabilidade do cliente; e
2. de que estamos despreparados para perder clientes por 
suicídio, não pela inexistência de tal formulário, mas por 
não termos diretrizes que possam nos nortear quando nos 
defrontamos com um fato desses.
Dias (1991, p.102) revela as ambiguidades das pessoas 
com comportamento suicida quando menciona das oposições 
binárias:
(...) céu x inferno, homem bom x homem mau/ruim, 
contidas na ideologia religiosa cristã, não difundem um 
pensamento globalizante, integrado, mas propiciam um 
pensamento cindido, esquizado, que oscila entre um 
extremo e outro como na frase popularizou oito ou oitenta". 
Ocorre que entre o "oito ou oitenta" poderia, por exemplo, 
haver o "36", ponto no qual o suicida não consegue se fixar.
Mesmo que, a meu ver, seja fascinante analisar os fatos 
sob o ponto de vista da relação, pois nosso contrato tera­
pêutico baseia-se na confiança e na relação entre terapeuta
32
e cliente, necessitamos considerar as ambiguidades e impul­
sividade da pessoa em crise suicida, ou seja, embora meu 
contrato com o cliente seja verbal, tenho a tarefa de avisar e 
proteger a pessoa.
Há estudos pormenorizados que demonstram que 
pessoas com constantes distúrbios emocionais e que se 
caracterizam principalmente pela dificuldade contínua 
de adaptação social e de relações interpessoais 
são as mais suscetíveis ao suicídio. No entanto, tais 
pessoas não podem ser englobadas numa categoria 
abrangente e definidas como potencialmente suicidas. 
(ANGERAMI-CAMON, 1986, p.12)
O terapeuta deve estar atento aos sinais sutis, senão ele 
pode ser acusado de negligência ou má prática. Também, para 
evitar tais acusações, é importante que o psicoterapeuta docu­
mente todas as sessões e situações, como contatos telefônicos, 
sessões extras com o cliente, além de incluir no contrato tera­
pêutico que o sigilo será quebradoem casos de risco de vida do 
cliente ou de outra pessoa, sempre lembrando que o terapeuta 
ligará para alguém da família somente nesses casos e com o 
consentimento do cliente. Motto (1989) apud Bongar (1991, 
p.97) afirma que:
Quando o psicólogo documenta adequadamente 
as avaliações gerais, avaliações especiais e medidas 
específicas (e.g. num aconselhamento) e também o modo 
como os resultados dessas avaliações e medidas específicas 
conduziram para um curso particular de intervenção, 
o terapeuta pode sentir que deu um importante passo 
em direção a fazer tudo que pode ser feito no que diz 
respeito à vulnerabilidade, e toda a energia pode ser então 
direcionada para o processo de terapia.
Até então, ofereci minha compreensão sobre esse tema, 
enfatizando minha experiência pessoal e profissional acerca 
dos problemas em psicoterapia relacionados ao suicídio.
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0 estudo sobre esse tema é complexo e, por isso, no momento, 
é necessário focar em um ponto a ser desenvolvido mais pro­
fundamente. A questão que pretendo abordar é: como o tera­
peuta compreende os mecanismos de risco do suicídio?
Shea (1988, p.424) escreve:
(...) a presença de inúmeros fatores de risco não indica 
necessariamente o risco imediato de suicídio. Mais 
importante ainda é que a ausência da maioria dos 
fatores de risco não indica necessariamente a ausência 
de um risco sério, se certos fatores críticos estão 
presentes.
Então, para facilitar minha reflexão sobre a questão 
acima mencionada, é fundamental saber primeiro quais são 
os mecanismos de risco de suicídio. Segundo Flanagan e 
Flanagan (1995, p.42):
(...) com o desenrolar da entrevista com os pacientes, 
os mesmos, frequentemente, não discutem seus 
pensamentos suicidas abertamente. Isto coloca a 
responsabilidade no entrevistador em gentilmente 
provar e detectar os fatores de risco de suicídio que 
podem estar presentes na vida ou no comportamento 
do paciente. Identificar os fatores de risco ajuda os 
entrevistadores a determinar se a entrevista com o 
paciente deve saltar para um foco mais estruturado da 
avaliação de suicídio.
Flanagan e Flanagan (1995, p.42) sugerem também que 
para controlar os numerosos fatores de risco associados com 
suicídio, é recomendável que os praticantes usem um che­
cklist durante as entrevistas iniciais” Quando menciono sobre 
os mecanismos de risco de suicídio, privilegio a pessoa e os 
fatores ou situações que permeiam a decisão de suicídio. Esse 
entendimento direciona a uma generalização cautelosa de que 
qualquer pessoa pode ser considerada com risco para se matar. 
Quando digo isso, focalizo o cuidado com tal generalização,
34
V .W .' W ’w 1 ■
pois não se pode passar a ideia de uma teoria pronta acerca 
das pessoas. Acredito que tudo depende do grau e da situação 
em que o cliente está. Não podemos generalizar dizendo que 
todos os seres humanos são similares e também não podemos 
esquecer que existem pessoas mais suscetíveis que outras aos 
fatores de risco.
Um checklist desenvolvido por Patterson e Patterson (1983) 
apud Flanagan e Flanagan (1995, p.45) pode ser útil: S-A-D P-E-R- 
S-O-N-S, que significa “pessoas tristes”. Essas letras referem-se a:
Sex (sexo),
Age (idade),
Depression (depressão),
Previous attempt (tentativas anteriores),
Ethanol (álcool),
Rational thinking loss (perda do raciocínio lógico),
Socialsupports lacking (falta de suporte social),
Organizedplan (plano organizado),
No spouse (sem parceiro ou parceira),
Sickness (doença).
Feijó (1998, p.86) afirma que “uma das constatações 
mais marcantes e significativas [de seu estudo] é a relati­
vidade dos dados preditivos”. Concordando com Feijó, 
considero ser importante reafirmar que os mecanismos são 
possibilidades para a compreensão da tentativa do suicídio 
e não pretendem seguir uma linha de pensamento linear ou 
reducionista. Para tanto, as palavras de Dutra (1992, p.l 19) 
validam minha reflexão:
35
A psiquiatria, bem como algumas teorias psicológicas, 
muitas vezes nos oferecem respostas para os motivos 
que levam alguém a tentar se matar. Porém, muitas 
ficam no nível das hipóteses, o que considero a conduta 
mais lúcida, por tratar-se de uma experiência humana. 
É, por isso, de extrema complexidade, já que o homem, 
pelo fato de diferenciar-se dos outros seres do mundo 
por constituir-se numa subjetividade que pensa, sente 
e tem na linguagem a expressão da sua existência, 
jamais poderá ser enquadrado, rotulado ou conhecido 
de forma estática e definitiva na sua experiência, sem 
que se perca a principal característica que nos distingue 
no mundo, que é a existência. E esta é fluida, processual, 
semelhante e distinta de todos os outros, o que 
impossibilita explicá-lo através de verdades estáticas e 
aplicáveis a todos os outros seres.
Wise e RundelI (1988, p.154) também apresentam a 
seguinte lista de fatores de risco de suicídio:
Psiquiátrico
> Depressão: particularmente endógena.
> Dependência alcoólica: o risco é 50 vezes maior que a população 
em geral e representa 25% de todos os suicídios.
> Dependência química: 10% das mortes dos viciados em drogas 
são causadas por suicídio.
> Disfunções de personalidade: especialmente os compulsivos e 
borderlines.
^ Esquizofrenia: frequentemente com alucinações.
> Psicose orgânica.
^ Histórico passado: especialmente se as tentativas foram graves.
r Histórico familiar: risco aumentado em caso de gêmeos e 
adoção.
r Saúde renal rebaixada: pacientes em diálise têm risco maior 
que a população em geral.
36
P sicológico
> Histórico de perdas recentes.
> Histórico de perda de pais na infância.
> Datas importantes, comemorativas, feriados etc.
> Instabilidade familiar.
> Isolamento social: perda de suporte social.
Social
> Sexo: risco no homem é três vezes maior que na mulher.
> Idade: a taxa nos homens cresce com a idade acima dos 45 
anos; nas mulheres, o pico de risco é próximo dos 55 anos, 
depois a taxa declina.
> Religião: protestantes e ateus apresentam risco maior que 
judeus e católicos.
> Geografia: locais que apresentam taxas urbanas mais altas.
> Estado civil: divorciado > solteiro > viúvo > casado.
> Socioeconômico: taxas mais elevadas nas duas pontas do 
espectro; aposentados e desempregados também apresentam 
risco mais elevado.
Quanto mais consciente dos fatores de risco de suicídio, 
o psicoterapeuta poderá se preparar para realizar uma avalia­
ção do potencial de suicídio.
O paciente vem buscar ajuda porque pode ajudar 
a si próprio. (...) A psicoterapia é obviamente uma 
disciplina humana, um desenvolvimento da dialética 
socrática. E a conclusão do tratamento não é a 
dissolução da maioria dos complexos ou a liberação 
de determinados reflexos, mas é alcançar um nível 
determinado na técnica de awareness* de si próprio 
que o paciente possa continuar sem ajuda. (PERLS et 
al, 1997, p.61)
4 “Awareness é uma forma de experiência que pode ser definida apro­
ximadamente como estar em contato com a própria existência, com 
aquilo que é” (YONTEF, 1998, p.30)
37
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Cassorla (2004, p.21) aponta para o dilema da pessoa que
pensa em aniquilar sua vida:
(...) o suicida se defronta com um dilema: ele quer 
morrer e viver, ao mesmo tempo, e o resultado (morte 
ou sobrevivência) será determinado pela força desses 
desejos e por circunstâncias por vezes fortuitas, 
como a intencionalidade do ato, o método utilizado, 
a possibilidade de socorro, a resistência física e as 
condições de saúde prévias.
Apresentei uma gama de variáveis implicadas na com­
preensão do comportamento suicida e dos procedimentos. 
Contudo, faz-se necessário que o profissional de psicotera- 
pia compreenda o sentido da vida do cliente, o que inclui 
não somente ajudá-lo a se conscientizar de suas necessida­
des, mas também de suas responsabilidades de viver, pois 
como Yontef (1998, p.39) assinala:
A psicoterapia bem-sucedida consegue integração. 
Integração exige identificação com todas as funções 
vitais- não apenas com algumas ideias, emoções e 
ações do paciente. Qualquer rejeição das próprias 
ideias, ações ou emoções resulta em alienação. 
Recuperar a aceitação permite à pessoa ser inteira.
38
CAPÍTULO 2
A GESTALT-TERAPIA
2 . 1 . C o n s id e r a ç õ e s s o b r e a p s ic o t e r a p ia
Percursos, recursos e cursos são os caminhos quelevam 
a alguma direção e a algum objetivo. O presente capítulo 
tem como finalidade a reflexão constante em busca da ela­
boração e compreensão de alguns dos conceitos gestálticos.
Yontef (1998, p. 15) menciona que “explicações e inter­
pretações são consideradas menos confiáveis do que aquilo 
que é diretamente percebido ou sentido. Pacientes e terapeu­
tas, em Gestalt-terapia, dialogam, isto é, comunicam suas 
perspectivas fenomenológicas”. Historicamente, a Gestalt- 
terapia emergiu como uma nova possibilidade de se pensar 
no homem, ou seja, considerá-lo em um contexto diferente 
daquele no qual os seres humanos eram compreendidos por 
duas visões nos anos 1950.
Dias (1991, p.31) coloca que:
Embora várias abordagens e enfoques sejam possíveis, 
o fenômeno do suicídio é multideterminado e 
só poderá ser amplamente compreendido numa 
abordagem multidisciplinar. Bem nos lembra Freud, 
que qualquer folha que toquemos de uma árvore nos 
levará até a raiz.
Não gosto da ideia de criticar posturas e visões do homem, 
pois acredito que a psicologia não “pertença” especificamente 
a nenhuma abordagem. A não ser estudantes de Psicologia, 
que sentem a necessidade de identificar a abordagem teórica, 
percebo que meus clientes não me procuram no consultório 
pela linha, mas, sim, pela postura de querer estar em relação.
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Respaldando minha afirmação, Perls ei al (1997, p.63) assina­
lam que, “finalmente, não importa qual seja a teoria do self, 
assim como no início o paciente chegou por conta própria, do 
mesmo modo no fim ele terá de ir embora por conta própria”. 
Sendo assim, considero que tudo depende da visão de homem 
e da crença que o terapeuta tem, por isso, em vez de criticar, 
respeito todas as possibilidades de compreensão do ser.
Num processo de formação e numa inter-relação entre 
campo, organismo e meio ambiente, os princípios básicos, 
conceitos-chave e os recursos conquistados pela Gestalt- 
terapia puderam ser construídos propiciando-nos uma sólida 
possibilidade de compreensão do ser humano e de seus proces­
sos psicológicos. Concebo que a Gestalt percorre seu caminho 
singular e por si só tornou-se uma teoria facilitadora para tra­
balhos de diversos profissionais e áreas afins.
A palavra Gestalt apareceu em 1523, em uma tradução 
da Bíblia. Ela é formada a partir de um particípio passado: 
vorAugen Gestalt colocada diante dos olhos, exposta 
aos olhares". A raiz indo-europeia sta ("estar em pé") deu 
margem a um enorme campo semântico; por exemplo, 
grego: statos ("rígido"), inglês: stay, stand ("em pé"), exister 
("existir") etc. (PENTEADO, 1998, p.38)
Perls, em uma trajetória tumultuada e surpreendente e 
com uma gama de vivências admiráveis, propôs uma teoria 
enriquecida pelas ideias de outros pensadores. Considero, por­
tanto, a Gestalt-terapia como uma teoria de interrupções, reto­
madas, encontros e desencontros. A Gestalt-terapia tem ocu­
pado seu espaço como uma abordagem séria, comprometida 
com a realidade, perceptiva nas questões óbvias e integradora.
Pode ser compreendida como uma teoria que percorre 
um caminho de-para:
40
De Para
uma visão histórica uma visão existencial e humanista.
uma concepção em que a pes­
soa é um paciente, o que nos 
remete ao modelo médico
uma concepção de que a pessoa 
é um cliente, pois adotamos um 
modelo relacional, no qual o 
terapeuta está no mesmo nível 
existencial do cliente.
uma proposta de análise, focali­
zando as partes
uma proposta de visão holística, 
focalizando a totalidade, as partes 
e o todo.
foco no passado foco no presente, no aqui-agora e 
no lá-então.
interpretação do terapeuta interpretação do cliente - com­
preensão daquilo que faz sentido 
para o próprio cliente. 0 cliente é 
agente e responsável pelo seu des- 
velamento de ser-no-mundo.
uma adequação ao princípio da 
realidade social
uma não adequação, mas, sim, 
uma preocupação com o cresci­
mento por meio da ampliação da 
awareness.
busca da explicação busca da compreensão.
uma ênfase puramente verbal uma ênfase verbal e não verbal.
conceitos de transferência e 
contratransferência
conceitos de contato e relação 
como tal.
modalidades estruturais como 
id, ego e superego
compreensão de self, como um 
sistema do qual id, ego e personali­
dade são funções.
awareness perceptiva awareness reflexiva.
fronteira como limite fronteira como proteção e delimita­
ção daquilo que identifico e alieno.
visão da doença como patologia visão da doença como ajustamento 
criativo, ou seja, como a melhor 
maneira que o cliente pode estar 
no momento.
Sintetizando, na tratativa dos conceitos gestalticos, con­
sidero os seguintes aspectos:
> Relação entre campo, organismo e meio ambiente: 
r e fe r in d o -se ao lembrete de que somos relacionais e res­
ponsáveis pelas nossas escolhas.
> Escolha: referindo-se ao fato de que somos seres capazes 
de escolher.
> Homeostase: referindo-se à ideia de que temos a capaci­
dade de nos organizar e nos autorregular.
Apresento, a seguir, um estudo das influências de algu­
mas teorias e suas relações com a Gestalt-terapia, correlacio­
nando essas influências com conceitos ainda hoje utilizados.
2 .2 . I n f l u ê n c ia s
A partir de uma necessidade de maior organização 
e compreensão, apresento uma síntese das três influências: 
Psicologia da Gestalt de Max Wertheimer, Wolfgang Kohler e 
Kurt Kofka, Teoria de Campo de Lewin e Teoria Organismica, 
de Kurt Goldstein. Para tanto, precisei lançar mão dos meus 
papéis de cliente e psicoterapeuta. O enfoque para esta compa­
ração está embasado nos seguintes aspectos: conceitos, percep 
ção do cliente e focalização da percepção do psicoterapeuta.
Conceitos Cliente
P sicoterapeuta
TODO E PARTES É um todo. Deve ter 
paciência para bus­
car seu próprio equi­
líbrio. É um todo, no 
qual seu organismo 
é um sistema organi­
zado e diferenciado 
em suas partes.
É um todo. Deve ; 
ter paciência para j 
que o cliente revele i
a maneira como .
sua totalidade está
organizada. Atenta 
para a parte que o
cliente elege de seu 
orqanismo. __
SINTOMA Elege uma parte para 
se comunicar.
Entende o sintoma 
como manifestação 
da integração corpo 
e mente. Respeita 
o sintoma e sua 
funcionalidade.
FIGURA E FUNDO A vida do cliente éo 
fundo e sua queixa é 
a figura.Traz a figura 
que é diferenciada 
na atividade do 
organismo. 0 fundo 
oferece contorno. 
Questão: qua\ éa 
melhor forma de 
fechar minha figura?
Cliente é figura e 
terapeuta é fundo.
0 terapeuta está a 
serviço do cliente. ! 
Observa no cliente o 
que é figura. Avalia 
ao propor"experi- 
mentos" ao cliente, 
pois corre o risco de 
oferecer figuras que 
não pertençam ao 
cliente.
Questão: qual é a 
figura dominante do 
cliente?
AQUI E AGORA Tudo o que percebe 
(emoções, pensa­
mentos, compor­
tamento) pode ser 
compreendido no 
presente.
Compromete-se com 
a realidade como um 
todo no aqui-agora.
HOMEOSTASE Busca saúde e se 
autorregula.
Busca saúde, pela 
identificação da 
real necessidade do 
cliente e da satisfação 
dessa necessidade.
COMPORTAMENTO MOLAR 
E COMPORTAMENTO 
MOLECULAR
Os dois compor­
tamentos estão 
presentes.
Atenta para as dicas 
que o comportamento 
molecular fornece e 
estabelece correlações 
com o comporta­
mento molar.
43
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MEIO GEOGRÁFICO 
E MEIO COMPORTAMENTAL
Revela tanto o meio 
geográfico quanto o 
comportamental.
Lida com o meio 
geográfico do cliente 
o mais diretamente 
possível.
CAMPO É um campo. É um campo. '
ESPAÇO VITAL E 
PERMEABILIDADE
Revela seu espaço 
vital.
Conhece o espaço 
vital do cliente, 
observando sua 
permeabilidade.
PROCESSO DE EQUAUZAÇÃOMesmo que não 
tenha descoberto 
sua direção, energia 
e ponto de aplicação, 
busca seu equilíbrio.
Acompanha o cliente 
na descoberta de sua 
força, para que ele 
possa direcioná-la e 
manter uma energia , 
suficiente para atingir 
seus objetivos.
AUTORREAUZAÇÃO Ao pedir ajuda, 
quer viver de uma 
maneira diferente. 
Portanto, busca sua 
autorrealização. 
Estabelece relação 
com o meio que lhe 
dá referências para 
suas necessidades.
Acompanha o cliente 
na descoberta de sua 
força, para que ele 
possa direcioná-la e 
manter uma energia 
suficiente para atingir 
seus objetivos.
Embora com enfoques diferentes de objeto de estudo, 
como demonstra a tabela anterior, percebo que as três influ­
ências - Psicologia da Gestalt, Teoria de Campo e Teoria 
Organísmica - contribuíram para o corpo teórico e prático 
da Gestalt-terapia, pois falam da necessidade de ver o cliente 
m° um *°d°> da existência humana, de uma busca do pró- 
P equilíbrio e, implicitamente, tratam da singularidade do 
umano e da descoberta desse ser pela relação.
44
2.2.1. Psicologia da Gestalt e a relação com a Gestalt- 
terapia
Perls et al (1997, p.53) apontam para as correlações da 
Psicologia da Gestalt com a Gestalt-terapia quando men­
ciona que “(...) como psicoterapeutas que se alimentam da 
Psicologia da Gestalt, investigamos a teoria e o método da 
awareness criativa, a formação figura/fundo como sendo o 
centro coerente dos discernimentos eficazes, mas dispersos, 
a respeito do 'inconsciente e da noção inadequada de cons­
ciente”. Os principais representantes da Psicologia da Gestalt 
são Max Wertheimer, Wolfgang Köhler e Kurt Kofka os quais 
estudam a percepção.
Os c o n c e i t o s : h o m e o s t a s e , f i g u r a e f u n d o , t o d o e
PARTES, AQUI E AGORA (PoNCIANO, 1 9 8 5 , P .70-81)
Homeostase é um processo em que o organismo se 
autorregula através da interação com o meio. Cada pessoa 
tem seu processo homeostático, no qual o organismo man­
tém seu equilíbrio e sua saúde. Sendo assim, o cliente bus­
cará sempre a melhor forma de fechar sua figura. Mesmo 
não sendo a mais criativa ao olhar do outro, o cliente revela 
a melhor maneira que ele encontra para lidar com a situ­
ação. Ele busca saúde pela autorregulação e satisfação das 
necessidades emergentes. Talvez não tenha identificado sua 
real necessidade, mas quando reconhece sua figura, busca 
a satisfação dessa necessidade e “dá espaço” para uma nova 
atividade física ou mental.
Não existe figura sem fundo e vice-versa. Figura e fundo 
estão em íntima relação, sendo que o fundo revela a figura. 
Quanto às suas características, a figura depende do fundo 
sobre o qual aparece. O fundo serve como uma estrutura ou
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fimin está enquadrada ou suspensa e, por
" » a a figura” (KOFKA, .975, *194).
Aquilo que percebo e que chama minha atençao e con­
siderado como figura, e a mesma, parte de um todo, ou seja, 
aquilo que o cliente traz como figura e parte de seu todo. O 
objetivo do Gestalt-terapeuta é, portanto, o de ajudar o cliente 
a descobrir ou a organizar criativamente qual é a figura domi­
nante para o cliente. O questionamento de qual é a melhor 
maneira para que o cliente feche a figura emergente é um dos
passos mais importantes para a psicoterapia.
Estamos imersos em todos nos quais o homem não 
percebe as partes isoladamente. É o interesse que incentiva as 
escolhas, ou seja, enquanto há interesse, a cena total parecerá 
organizada e significativa. “Apenas quando há completa falta 
de interesse, a percepção é atomizada e o lugar é visto como 
uma confusão de objetos sem relação entre si” (PERLS, 1988, 
p.18). As partes estão em relação direta com o todo.
Perls et al (1997, p.52) mencionam a tese principal da 
Psicologia da Gestalt, “(..) que se tem de respeitar a totalidade 
de fenômenos que surgem como todos unitários, e que estes 
só podem ser analiticamente divididos em pedaços ao preço 
da aniquilação daquilo que se pretendia estudar”. O Gestalt- 
terapeuta deve se trabalhar no sentido de ter paciência para 
que o cliente possa revelar como o seu todo está sendo organi­
zado, ou seja, de sessão em sessão, o cliente elege uma de suas 
partes para revelar seu todo.
É o presente que oferece tudo o que é necessário para 
a compreensão da realidade. Estar no aqui e agora é enten- 
que minha percepção pode ser explicada somente pelo 
g A Gestalt acata este conceito e traz a visão de que viver
46
no aqui-agora significa experienciar a realidade como ela se 
apresenta. Em psicoterapia, o Gestalt-terapeuta pode compro- 
meter-se com a realidade no aqui-agora. Quando o cliente se 
emociona no momento, no agora, é possível entender que essa 
é uma pista para que o terapeuta compreenda sua maneira de 
interagir e de se expressar. Assim, o terapeuta pode perguntar 
o que o cliente sente no momento, e mesmo que a experiência 
remeta a uma experiência passada é no presente que o cliente 
vivência seus sentimentos e pensamentos e, desse modo, pro­
cessa novas significações.
C o m p o r t a m e n t o m o l a r , c o m p o r t a m e n t o m o l e c u l a r ,
MEIO GEOGRÁFICO E MEIO COMPORTAMENTAL (PoNCIANO, 
1 9 8 5 , P .8 2 -9 4 )
Consideramos como comportamento molar aquilo que 
observamos como resultado de processos fisiológicos e aquilo 
que é perceptível. Kofka (1975, p.37-8) define que o “(...) com­
portamento m olar é um fenômeno secundário; é o resultado 
final e exteriormente observável de grande número de proces­
sos fisiológicos (...)” e oferece alguns exemplos tais como “a fre­
quência as aulas do estudante, a lição do professor, a navegação 
do piloto, a excitação dos espectadores (...), em resumo, todas 
as inúmeras ocorrências do nosso m undo cotidiano a que o 
eigo chama comportamento”.
Já o com portam ento molecular significa todos os p ro ­
cessos internos que ocorrem no organismo e que são inicia- 
pelos estímulos sensoriais. “O comportamento mole- 
cu ar, portanto, é frequentemente um excelente informante 
qua idade (valor e significado) que um com portam ento 
molar apresenta” (PONCIANO, 1985, p.84). Relacionando
veHfi COnCeitOS com a aplicação em uma sessão gestáltica, 
camos que tanto o comportamento m olar quanto o
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molecular estão presentes. Por esse motivo, é preciso atentar 
para a congruência desses comportamentos, por exemplo, 
quando um cliente fala de um problema, treme, seus olhos 
ficam marejados e altera a entonação e o ritmo de sua voz, 
podemos inferir que tanto o comportamento molar quanto o 
molecular revelam parte da totalidade do cliente.
Meio geográfico representa aquele em que se revela a 
realidade. O meio comportamental é aquele que se pensa que 
se está, simbolizado pela palavra aparência. O meio compor­
tamental é o elo entre meio geográfico e o comportamento. 
“Duas pessoas podem estar em um único meio geográfico 
e sentirem coisas e se comportarem diferentemente diante 
dos mesmos estímulos a partir de sua experiência interna” 
(PONCIANO, 1985, p.86).
Em psicoterapia, ainda que o terapeuta e o cliente este­
jam num mesmo lugar - o setting terapêutico é possível 
perceber pensamentos e sentimentos diferentes. Então, é 
necessário que na relação exista a compreensão lidando com 
as correlações entre o meio geográfico e comportamental o 
mais diretamente possível.
2.2.2. Teoria de Campo e a relação com a Gestalt- 
terapia
A Gestalt-terapia foi influenciada pelas ideias de Kurt Lewin, 
que propôs o conceito de campo. A partir da Teoria de Campo, 
o cliente é considerado como um campo que abrange diversas 
necessidades e valências. Enquanto psicoterapeutas, somos outro 
campo que inclui outras necessidades e valências. A relação tera­
pêutica é um acontecimento, em que dois campos interagem con­
comitantemente. Precisamos saber que toda e qualquer mudança
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ocorre no campo. A seguir, apresento uma breve explanação dos 
conceitos de campo, espaço vital e permeabilidade:
Kofka (1975, p.54) afirma que “(...) o campo e ocom­
portamento de um corpo são correlativos. Como o campo 
determina o comportamento dos corpos, esse comportamento 
pode ser usado como indicador das propriedades de campo”, 
ou seja, é em constante relação com o meio que a pessoa 
influencia e é influenciada. O conceito de campo enfatiza a 
relação que existe entre a pessoa e o meio. Sendo assim, no 
setting terapêutico, o cliente é um campo e o terapeuta, outro 
campo. Compreender o cliente como campo é percebê-lo 
como um todo, considerando a existência de um espaço vital 
mais abrangente do que o próprio cliente demonstra pelos seus 
comportamentos (PONCIANO, 1985, p.94-107). Seus proces­
sos internos e externos geram tensão e demandam a satisfação 
de suas necessidades. Sendo assim, o cliente revela-se como 
corpo de energia, força, movimento e direção e é necessário 
focalizar a atenção nos seguintes aspectos do cliente:
• no espaço vital;
• nas nuances que ocorrem no comportamento;
• na rigidez e fluidez da permeabilidade da fronteira 
de contato;
• na maneira que lida com suas emoções e 
pensamentos.
Nesse sentido, o objetivo da psicoterapia deve ser o 
equilíbrio e a reestruturação do espaço vital. “(...) o espaço 
vital é o equivalente do meio geográfico somado ao meio 
comportamental” (PONCIANO, 1985, p.97), ou seja, é a inte­
ração da pessoa (realidade interpessoal, percepção e motrici­
dade) e o meio. Para que a pessoa possa se comunicar com o
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mu„do físico, é necessário lançar mão da permeabilidade, ou 
seja existe uma permissão por parte de cada pessoa para que 
os fatos entrem no meio psicológico e se equilibrem. A partir 
dessa permissão, a compreensão é possível. A fluidez e neces­
sária, pois é através dela que existe a possibilidade de influen­
ciar e ser influenciado. Buscamos tal reestruturação quando 
entendemos que ao buscar ajuda, o cliente abre uma Gestalt.
A partir da tensão gerada pela abertura da Gestalt, podemos 
ajudá-lo a identificar sua real necessidade e o valor dessa 
necessidade nesse momento de sua vida. O segundo passo é 
ajudar o cliente a descobrir suas forças para direcioná-las e 
mantê-las em uma energia suficiente para que possa atingir 
seu objetivo.
2.2.3. Teoria Organísmica e a relação com a Gestalt- 
terapia
(...) as queixas que o cliente traz representam aquilo 
que ele pode se dar conta no aqui-e-agora. Esta queixa
é a figura; é como a ponta de um iceberg. É preciso 
que eu a observe atentamente a fim de compreender 
a relação entre esta figura/queixa e o fundo. É preciso 
que eu compreenda o sentido da queixa na totalidade 
da existência do cliente. (FRAZÃO, 1992, p.43)
Já vimos que figura é o que emerge do fundo, é o centro 
da atenção, é o que forma a diferença nas atividades do orga­
nismo. Já o fundo dá contorno para a figura. O organismo 
não pode ser visto pelas partes isoladas. Sendo assim, pense­
mos num sintoma trazido pelo cliente - sintoma que deve ser 
visualizado não como uma parte, e, sim, como um a manifes­
tação do todo do indivíduo. Há um modo de ser da pessoa: 
um mundo que envolve modos particulares de sentir, pensar, 
p ce er> agfl e atribuir significados. A teoria organísmica 
e o organismo como um todo e o vê vinculado com 
O foco de trabalho de psicoterapia, valendo-se das
50
influências de Kurt Goldstein e norteado para a compreensão 
da experiência vivida pelo cliente, ou seja, exista ou não pato­
logia, o trabalho visa compreender e enfatizar não os proble­
mas, mas também a pessoa. Dessa forma, direciono minha 
percepção para os m odos dos clientes vivenciarem o mundo, 
ou seja, detenho-me nas vinculações que eles estabelecem e 
no processo dinâmico de tais vinculações. É a partir das vin­
culações que estabelecemos com o meio que vivenciamos um 
processo de equalização, que significa a busca do equilíbrio, 
ou seja, a demanda por um retorno mais equilibrado da ten­
são alcançado pelo centro.
A teoria organísmica salienta a autorrealização, ou seja, 
o impulso básico para se viver. Entendo que exista a busca de 
um projeto de vida, desde que exista também a satisfação das 
necessidades e das potencialidades. Admirador de Wertheimer, 
Maslow e os psicólogos humanistas acreditavam que um ele­
mento essencial no pensamento criativo e na resolução efetiva 
de problemas é a habilidade para perceber e pensar em termos 
do todo, em vez de pensar em termos de partes isoladas. Dessa 
maneira, a solução de problemas requer uma mudança no 
campo perceptivo.
o organismo estabelece uma relação com o meio, que 
se torna referência para as necessidades da pessoa. É pela 
c ação com o meio, que o organismo descobre suas limita- 
Çoes e possibilidades. O Gestalt-terapeuta procura auxiliar o 
c lente na nitidez de suas figuras. Poderá entender seu cliente 
como um todo, inteiro, como um campo no qual descobrirá 
a melhor forma de fechar suas Gestalten (plural de Gestalt).
preciso alertar para não se propor atividades ao cliente 
sem uma certa coerencia com as próprias figuras trazidas 
pe o cliente, pois dessa forma o terapeuta estaria “experi­
m entando e vendo seu cliente como um objeto de estudo. A
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visão é justamente a contrária: o terapeuta e o cliente estão 
na relação. Somos facilitadores para que o cliente descubra 
qual é a melhor maneira de equilibrar sua tensão e redistri­
buir suas energias na sua relação com o meio, ajudando-o 
a descobrir suas potencialidades e seus limites. Entender o 
sintoma como uma manifestação da integração entre corpo e 
mente. Considerar que o sintoma é uma maneira de o cliente 
se equilibrar. Respeitar a escolha do cliente, é compreender 
que tirar seu sintoma precocemente, sem que encontre algo 
para colocar no lugar desse sintoma, torná-lo-ia “manco”, 
pois o sintoma também o significa.
2.2.4. A Psicanálise e a relação com a Gestalt-terapia
Perls, como anuncia Ponciano (1985, p.114-5), “(...) 
partiu da psicanálise, um dos berços da Gestalt, mas com 
inúmeras modificações, de modo que do berço original se 
podem perceber traços, mas não mais reconhecê-los como 
antigamente” As maiores divergências são a postura do 
psicoterapeuta e a visão de homem. Sendo assim, a Gestalt- 
terapia não representa, portanto, uma contestação ou uma 
oposição à psicanálise, pois as duas abordagens são funda­
mentadas e embasam-se em diferentes visões de homem 
e método. Percebo que a Gestalt “nasceu” da psicanálise, e 
como filha, precisou se separar e encontrou seu próprio cami­
nho. Acredito que o ser humano precisa ser entendido como 
um todo, ultrapassando as questões das lutas territoriais das 
teorias psicológicas e lides acadêmicas. Não são as teorias 
em si, mas a maneira que a relação entre cliente-terapeuta 
é configurada, assim como a visão do psicólogo clínico que 
fundamenta a construção do profissional de psicoterapia.
Percebo que para alguns, a psicanálise fornece
suporte. Para outros, a Gestalt garante um suporte
52
teórico-vivencial. Seja lá qual for a escolha do terapeuta 
penso que se houver o encontro cliente-terapeuta, essa será á 
melhor linha a ser seguida por ambos.
No meu caso, quero que a Gestalt seja construída em 
m inha vida profissional e, passo a passo, desfruto do suporte 
que me proporciona. Por acreditar na visão de um homem 
que tem possibilidades e potencialidades, escolhe e faz ajus­
tamentos criativos singulares, não enquadro esse suporte 
em uma teoria ja estudada, preparada e previamente aceita 
Isso quer dizer que em vez de partir de um conhecimento 
pré-estabelecido, meu foco se direciona para a pessoa e não 
para o problema. Sendo assim, a doença não é a única porta 
de entrada para a compreensão do cliente, pois não viso à 
extinção dos sintomas, mas, sim, à compreensão do modo 
como a pessoa vivência sua doença, seus problemas e sua 
maneira de ser em relação com o mundo. Percebo e respeito 
as possibilidades e limitações do cliente que busca o forta­
lecimento de seu self e procuro a compreensão da totalidade 
do ser singular.A Psicanálise é profunda, assim como a Gestalt, 
pois são duas abordagens que visam ao bem-estar do ser 
humano. Ao olhar o cliente e percebê-lo enquanto campo, 
o terapeuta pode construir sua percepção sobre o cliente. 
Perls et al (1997, p.51) assinalam que:
(...) considerar o desenvolvimento da experiência 
concreta como fornecedor de critérios autônomos; isto 
é, considerar a estrutura dinâmica da experiência não 
como uma pista para um "inconsciente"desconhecido 
ou um sintoma, mas como sendo ela mesma aquilo que 
é importante. Isto é psicologizar sem prejulgamento 
de normal ou anormal, e desse ponto de vista a 
psicoterapia é um método não de correção, mas de 
crescimento.
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É no presente e no aqui-agora que o cliente amplia a 
consciência de seus comportamentos, escolhas e percepções. 
As experiências passadas foram e são modelos do viver, mas 
não necessariamente são as únicas soluções para se vincular 
com o mundo. Certamente, o cliente traz seu sofrimento 
por experiências vividas num passado cronológico, mas se 
traz seu sofrimento, ele se faz presente, ou seja, sabendo que 
o passado não retorna, é possível ressignificar a maneira de 
se compreender a vivência traumática. Ressignificamos no 
presente, pois estabelecemos outras relações, formas, fron­
teiras e visões de mundo. Sendo assim, é no presente que 
escolho as possibilidades da vida.
No que diz respeito à interpretação em Gestalt, acredito 
ser possível utilizá-la desde que exista uma checagem da per­
cepção por parte do terapeuta, ou seja, a interpretação é dada 
pelo próprio cliente, pois é ele (cliente) o responsável pelos 
significados dos fenômenos vivenciados. Com a ênfase na 
pergunta como? ’, construímos uma teoria singular, conside­
rando os significados daquilo que o cliente traz como emer­
gente, ou seja, a Gestalt, a meu ver, fornece uma possibilidade 
de construir com o cliente aquilo que ele deseja construir. 
Usando uma analogia: se meu cliente escolher construir uma 
casa ou um prédio e se colocar minhas interpretações e dedu­
ções acerca daquilo que o cliente relata em sessões, entregaria 
o prédio pronto para o mesmo, como se fosse um aparta­
mento ou uma casa, já montados, sem lhe dar o direito de 
primeiramente escolher se gostaria de morar lá ou se gostaria 
e um outro lugar direcionado para o sol etc. Dessa forma, 
c iente acaba por não sentir o sabor e as dificuldades de 
ii *ru*r seu próprio projeto, priorizando seus gastos e esco- 
o tijolo por tijolo de sua própria construção. Portanto, 
a Gestalt como algo que articula o acolhimento das
— ? r'IW + ”
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necessidades e dos significados com a frustração das suas 
manipulações do cliente, quando este se isenta das responsa­
bilidades de satisfazer as próprias necessidades.
O retraimento do cliente é visto como um ajustamento 
criativo e não como uma regressão. Essa visão fortalece a 
pessoa que procura a ajuda terapêutica. Nessa linha de pen­
samento, o sintoma é visto como uma manifestação e uma 
forma que o cliente escolheu para se comunicar. Somente 
ele sinalizará o momento exato em que abandonará seu 
sintoma. O sintoma, portanto, é compreendido como um 
ajustamento criativo e se estiver gerando sofrimento será 
denominado por ajustamento criativo disfuncional.
No que se refere à postura do terapeuta, saliento que o 
este tem um papel ativo, dinâmico e participante na relação. A 
Gestalt, neste sentido, não nega a transferência, mas a vê como 
um fenômeno provocado pela qualidade empobrecida de con­
tato na relação, ou seja, o terapeuta é ele mesmo, pois se apro­
pria do seu modo de ser, sentir e incluir sua afetividade, a fim 
de construir uma relação com o cliente. A “dosagem” da afeti­
vidade é reconhecida na própria relação construída com cada 
cliente. Segundo uma ótica holística e paradoxal, a teoria da 
Gestalt-terapia proporciona uma visão na qual as polaridades 
são aceitas, porque simplesmente fazem parte do ser humano. 
Em vez de rejeitar os sentimentos considerados pela sociedade 
como ruins e não nobres, a teoria nos dá a oportunidade da 
inclusão dos paradoxos existenciais.
Ao refletir sobre a contratransferência, o terapeuta 
utiliza seus sentimentos como mais um material para 
seu trabalho e, mais uma vez, existe a inclusão e o autor- 
respeito daquilo que é sentido pelo terapeuta, ou seja, os 
sentimentos e pensamentos do terapeuta são transformados em 
intervenções.
55
2.2.5. A Psicologia do Corpo e a relação com a 
Gestalt-terapia
As grandes convergências entre a Psicologia do Corpo 
e a Gestalt-terapia podem ser atribuídas à vivência que Perls 
teve com seu quarto analista, Wilhelm Reich. A compreen­
são de Reich, de que o corpo é uma expressão do todo e a 
visão do homem como totalidade parecem ser as maiores 
convergências com a Gestalt-terapia.
Em cada tensão muscular que o corpo manifesta, 
existe uma energia presa. Por esse motivo, o cliente não pre­
cisa necessariamente falar, pois todos os seus movimentos 
tornam-se também focos do terapeuta.
Por ser o corpo um campo, o objetivo em psicoterapia é 
o de buscar a fluidez e trocar energias com o meio ambiente. 
A preocupação de como algo foi reprimido é mais impor­
tante do que o que foi reprimido. A compreensão ocorre 
no presente, no aqui-agora, ou seja, na presentificação dos 
movimentos.
A busca da autenticidade é outro ponto convergente, 
no qual toda a tentativa de manipulação é frustrada. A 
autenticidade é encontrada pela fluidez e redistribuição das 
energias que se tornam o ser livre das inibições.
2.2.6. O Psicodrama e a relação com a Gestalt-terapia
Influenciado por suas vivências com sua mãe, que era 
apaixonada por teatros da época, de sua tentativa de ser 
um ator enquanto estudava artes dramáticas, em 1906, de 
sua relação com Laura Perls, sua esposa, que estudava as 
técnicas de expressão, e dos contatos com Moreno, Perls 
P põe uma integração com o Psicodrama, que é a ciência 
^ piora a verdade pela ação. O homem é compreendido
56
em sua inserção no grupo e é o protagonista. A postura atu­
ante e participativa do terapeuta e a visão de homem pare­
cem ser compartilhadas com a Gestalt. A visão gestáltica 
de homem é aquela em que o homem também influencia, 
é influenciado e é conhecido pelas relações interpessoais. 
Da mesma forma que o psicodrama, o homem é visto como 
um ser em relação, por isso se constrói pela ação e relação; 
ele conquista sua individualidade e transforma-se para um 
movimento de criação.
O foco da Gestalt é a energia, o contato, a busca da 
consciência não somente intelectual. Através da focalização 
da energia possibilitamos o fechamento das Gestalten inaca­
badas. O homem tem um potencial para auto-organização. 
De acordo com a sabedoria organísmica, existe uma tendên­
cia para que o indivíduo desvele suas potencialidades. Assim 
como no psicodrama, é a partir do enfoque no aqui-agora 
e nas experiências e vivências que o cliente se desenvolve.
Perls nos iniciou o caminho e cabe a cada um 
de nós fundamentar, cada vez, mais o corpo teórico- 
vivencial. Realizo esse convite, pois acredito que nós, os 
Gestalt-terapeutas, não recebemos algo sistematizado, 
principalmente porque, historicamente, a Gestalt -terapia 
foi considerada no contexto brasileiro como um acúmulo 
de técnicas, rótulo parcialmente recebido pelo fato de 
algumas vivências citadas no livro Gestalt-Therapy terem 
sido publicadas antes da parte teórica.
2.2.7. O Pensamento Oriental e a relação com a 
Gcstalt-terapia
Fama ou pessoa - o que atrai mais? Pessoa ou riqueza - o 
que importa mais? Ganho ou perda - o que aflige mais? 
Ter fortes apegos exige grandes sacrifícios. Acumular
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bens desencadeia grandes perdas. Saber estar satisfeito 
poupa de infortúnios. Saber quando parar evita a 
confusão e o perigo. Só assim se pode perdurar. (LAO 
TSÉ,1995, p.44)
Viver contemplando e celebrar cada momento da vida 
são alguns dos ensinamentos que a Gestalt compartilha com 
o pensamento

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