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PROCESSOS GRUPAIS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Descrever o processo histórico do estudo sobre o fenômeno grupal. > Reconhecer os principais influenciadores do estudo sobre grupos. > Exemplificar o estudo sobre grupos. Introdução O entendimento de grupos na psicologia serve a vários objetivos e configura uma forma privilegiada de participação social do psicólogo. A abordagem grupal pode ser utilizada em diferentes âmbitos do trabalho em psicologia: clínica, empresa, escola, comunidades, organizações e movimentos em geral, etc. A condução adequada e criativa do processo grupal contribui para o crescimento e a aprendizagem dos grupos e dos indivíduos que participam. Qualquer que seja a abordagem teórica utilizada, ela pode favorecer a cooperação e o compartilhamento de ideias. Os estudos sobre a importância do processo grupal não começaram pro- priamente na psicologia, mas sim na sociologia, que, por determinado período, garantiu para si o primado da compreensão dos fenômenos sociais. O psíquico ficou sujeito ao social, e a psicologia, à sociologia. Esses antecedentes históricos, entre outros, fizeram com que a psicologia em geral e a psicologia social em específico encontrassem seus caminhos e focos nos estudos grupais. Kurt Lewin Antecedentes históricos dos processos grupais Maria Beatriz Rodrigues tem um papel muito importante nesse processo de consolidação da psicologia dos grupos, mas não foi o único a dar forma a esse campo de pesquisa e intervenção. Neste capítulo, você vai conhecer importantes antecedentes históricos do estudo de grupos na psicologia. Além disso, vai estudar os principais autores que deram valiosas contribuições para o entendimento dos processos grupais e possibilidades de intervenção. Por fim, vai ver exemplos de estudos sobre o processo grupal e as formas para entendê-lo. Processo histórico do estudo sobre grupos A convivência humana em grupos (intragrupos) e entre diferentes grupos (intergrupos) recebe o nome de dinâmica de grupo e é uma área de estudos que se consolidou no século XX, com o desenvolvimento da sociologia e da psicologia, com o objetivo de dar credibilidade científica ao conhecimento por elas produzido. Na psicologia, a dinâmica dos grupos é associada à teoria de campo de Kurt Lewin (1890-1948), mas a história do estudo de grupos é anterior ao autor (MELO; MAIA FILHO; CHAVES, 2014). O fundador da sociologia, Auguste Comte (1793-1857), foi o criador da expressão “psicologia social”, quando as duas disciplinas ainda competiam pelo campo de ação. O interesse pela vida social e por suas influências no indivíduo, ou vice-versa, estava em alta na época, e o livro de Gustave Le Bon (1841-1931), Psicologia das multidões, influenciou, inclusive, a psicanálise (OSORIO, 2013). O estudo da vida biológica do homem e de outros seres vivos já havia sido muito desenvolvido com as ciências naturais, principalmente entre os séculos XVI e XVIII, e a vida social e emocional estava fazendo os primeiros passos científicos, do século XIX em diante. O conceito de ciência surgiu para descrever a evolução do pensamento humano. Entretanto, até o século XIV, na Europa, o termo mais utilizado para descrever o conhecimento era “filosofia natural”, e tal conhecimento passou a ser registrado por escrito. A chamada revolução científica ocorreu no século XVII, principalmente na física, com as descobertas de Isaac Newton (1643- 1727) sobre a gravidade. As descobertas passaram a ser reconhecidas pelos seus métodos de investigação, e a palavra ciência no século XIX passou a ser utilizada e a fazer referência às ciências que estudavam o mundo físico, como química, física e astronomia. As ciências sociais, que surgiram no final do século XIX, passaram a ser questionadas se poderiam ou não serem conside- radas científicas, uma vez que os métodos de investigação eram diferentes dos reconhecidos até então. Apesar de essa discussão perdurar até hoje, foi graças ao positivismo (Comte e outros) e à defesa da possibilidade de Antecedentes históricos dos processos grupais2 as ciências sociais aderirem aos princípios científicos (dedução ou indução, verificação ou falsificação, assim como as ciências naturais) que as ciências sociais ganharam gradativamente o status e o reconhecimento científico (GIDDENS; SUTTON, 2017). Contudo, a relação do positivismo com a psicologia não foi edílica, e Comte postulava que o social deveria absorver o psíquico. Portanto, a psicologia social seria domínio da sociologia. Comte via somente a possibilidade de existência de uma única ciência social. Émile Durkheim (1858-1917), considerado o outro pai da sociologia, que a levou para a educação, concordava com essa ideia, por achar que psicologia social era genérica e imprecisa, sem objeto científico separado do que já existia. O autor, com o objetivo de defesa da hegemonia de sua ciência, conseguia ver a psicologia somente como individual, chamada então de psicofisiologia. Gabriel Tarde (1843-1904) foi outro autor importante nesse período de disputas entre os domínios das ciências e sobre o que seria prevalente, o individuo ou o social. Para ele, diferentemente de Durkheim, é o individual quem explica o coletivo (MAILHIOT, 1981). As massas, as multidões e os comportamentos coletivos estavam inte- ressando os cientistas em meados do século XIX. Gustave Le Bon (1841-1931) e seu livro A psicologia das multidões influenciou Freud, que o cita em suas obras. Segundo a teoria de Le Bom, as multidões têm um efeito hipnótico nos indivíduos, gerado pelo interesse das elites. Como podemos perceber, psicologia e sociologia estavam imbricadas, e esse campo de investigação foi primeiramente dominado por autores franceses, que produziam interpretações psicológicas aos fatos sociais. Entretanto, o primeiro tratado de psicologia social foi escrito por William MacDougall (1871-1929), professor em Oxford e posteriormente na cátedra de psicologia social em Harvard. MacDougall acreditava que os fenômenos sociais decorriam de forças mentais que, por sua vez, eram constituídas por 18 instintos sociais. Seu trabalho contribuiu para uma maior clareza sobre os limites entre psicologia individual, psicologia coletiva (que trata da mentalidade grupal) e psicologia social (que estuda a influência do coletivo sobre o indivíduo). Além disso, sua contribuição para a entrada da psicologia nas universidades foi muito relevante (MAILHIOT, 1981; OSORIO, 2013). Até 1930, a psicologia social, por meio de cátedras universitárias, era uma ciência autônoma, fazendo uma trajetória em duas fase. A primeira fase era instintiva, pela concepção das condutas sociais como inatas, e os autores Tarde e Le Bon são influentes nessa fase. A segunda fase é marcada pelo crescimento do ensino e da pesquisa em psicologia social, o que inspirou autores behavioristas. Nessa fase, a psicologia social se preocupava com o Antecedentes históricos dos processos grupais 3 meio social ideal, a fim de favorecer a socialização dos homens e a maturidade social. São autores influentes dessa fase o próprio MacDougall e John Dewey (1859-1952). Após 1930, os trabalhos de Freud sobre a psicologia dos grupos (Psicologia coletiva e análise do eu, Totem e tabu e Mal-estar na civilização) se tornaram alvos da discussão entre psicólogos, psicanalistas e sociólogos (MAILHIOT, 1981). A partir das influências do trabalho de Freud, os estudos sobre grupos e a psicologia social em si passaram a focar na liderança, e não nas influências do grupo sobre o indivíduo, próprias do período anterior. Agora, interessava o papel do indivíduo, do líder, no e sobre o grupo. Conceitos como o do líder carismático impulsionaram pesquisas, que o entendiam como um detentor de características inatas e predisposição ao domínio e ao poder. Por outro lado, os trabalhos de Freud demonstraram as influências do meio sobre os indivíduos, principalmente nos primeiros anos de vida, que condicionam seus desenvolvimentospessoais e sociais. Outra disputa começava a acontecer no campo de pesquisas, quando antropólogos se opuseram às colocações de Freud, a partir da defesa dos aspectos socioculturais. Muitas polêmicas e divergentes abordagens, culturalistas e individualistas, nasceram dessas disputas, até hoje influentes (MAILHIOT, 1981). Kurt Lewin, interessado em pesquisar no campo da psicologia social, em 1936, fixou objetivos diferentes de seus antecessores. Sua preocupação era elucidar a dinâmica que acontecia nos grupos, mais voltada para as dimensões existenciais e de ação social criadora. Para tanto, ele focou nos pequenos grupos, também chamados de face-to-face (cara a cara). O autor acreditava que, por meio dos pequenos grupos, seria possível conhecer a realidade social mais ampla, e não o contrário, como proposto pelos pesquisadores iniciais da psicologia social. Além disso, o campo psicológico dos grupos foi eleito como de exploração válida dos fenômenos grupais e, para isso, foi proposta a pesquisa-ação, em que o pesquisador ou o coordenador faz parte da dinâmica grupal. Nessa época, ele fundou o Centro de Pesquisas em Dinâmica dos Grupos, no Massachusetts Institute of Technology (MIT), onde propôs grupos com outros psicólogos interessados em suas pesquisas para discussão, formulação de hipóteses e experimentação, em um ambiente solidário e colaborativo (MAILHIOT, 1981; OSORIO, 2013). K. Lewin foi um divisor de águas na pesquisa e na prática da psicologia social e de grupos. A partir dele, o interesse na psicologia social cresceu e diversificou-se, e a pesquisa tornou-se mais criativa e menos dogmática. Além disso, a psicologia social encontrou seu campo e suas especificidades e estabeleceu a sua identidade, distinta de outras ciências sociais, mesmo Antecedentes históricos dos processos grupais4 dentro da psicologia como um todo. Segundo Mailhiot (1981), as principais conquistas de Lewin para a psicologia social foram as seguintes. � A constatação de que existem ciências sociais distintas: a sociologia, a antropologia social e a psicologia social. O social se revela como campo científico multidimensional, explorado por aproximações complemen- tares: a sociologia lida com aspectos formais e estruturas sociais; a antropologia, com as dimensões históricas e culturais; a psicologia social, com as dimensões funcionais e dinâmicas. A forma, a gênese e a dinâmica das sociedades podem ser estudadas por diversos ângulos, porém devem ser reconhecidas como elementos indissociáveis da realidade social. � A psicologia social adquiriu uma principal conduta científica, especí- fica, mais estrita, de observar, identificar e interpretar condutas em grupo, para distingui-las de comportamentos de grupo. As condutas em grupo derivam da socialização e do pertencimento de indivíduos às sociedades. Já os comportamentos de grupo, para que aconteçam, é necessário o compartilhamento de emoções, coesão, identificação, reconhecimento individual, etc. Também podem se referir a situações de pânico, motim, multidão, macrofenômenos coletivos, etc., o que seria próprio de estudos de uma psicologia coletiva. Enquanto a psi- cologia coletiva estuda os macrogrupos, a dinâmica de grupo estuda os pequenos grupos. � Lewin também distinguiu sociogrupo e psicogrupo. O primeiro se es- trutura por meio da tarefa, já o segundo seria um grupo de formação orientado para os próprios membros, também chamado de “centrado em si mesmo”. A dinâmica de grupo abarca ambos e trabalha com autenticidade nas relações interpessoais e no exercício de autoridade nos diferentes grupos. A partir de Lewin, outros referenciais teóricos contribuíram para a psicolo- gia dos grupos até a sua amplitude teórica e operacional, como a conhecemos hoje. A psicanálise, como já visto, com os trabalhos de Freud, mas também de Melanie Klein, entre outros, trouxe luz sobre as motivações inconscientes do comportamento humano e das interações sociais, influenciando autores como Wilfred Bion (1897-1979), entre outros. Jacob Levy Moreno (1889-1974) contribuiu com a teoria dos papéis e o psicodrama, e Pichon-Rivière (1907- 1977), com a teoria dos vínculos e os grupos operativos. Além dessas, houve outras abordagens, que não são exclusivas da psicologia, mas a influenciaram, como a teoria sistêmica, a de comunicação social, a cibernética, a revolução Antecedentes históricos dos processos grupais 5 cognitiva, etc. Osorio (2013, p. 18) propõe essa lista de influências e um con- ceito mais atualizado de psicologia grupal: “tem como objeto de estudo os microssistemas humanos, entendendo-se por tais todos aqueles em que os indivíduos possam se reconhecer em sua singularidade [...], mantendo ações interativas na busca de objetivos compartilhados”. Epistemologia é uma reflexão “sobre a origem, a natureza, as etapas e os limites do conhecimento humano; teoria do conhecimento” (EPIS- TEMOLOGIA, c2022, documento on-line). A epistemologia estuda os postulados, as conclusões e os métodos das diferentes áreas do conhecimento científico. As teorias e práticas dessas áreas são avaliadas em termos de validade cognitiva ou descritiva, paradigmas e relações com a sociedade e com a história. Como é possível perceber, foi uma disputa epistemológica a ocorrida entre a psicologia e a sociologia sobre os domínios de estudo, os limites de áreas de atuação e os métodos de investigação empregados. Nesta seção, abordamos as principais discussões sobre os fenômenos sociais desde antes do estabelecimento de limites epistemológicos entre diferentes ciências, como a sociologia, a psicologia social e a antropologia cultural. A partir desses antecedentes, a psicologia social e de grupos nasceu dos trabalhos de Kurt Lewin e estabeleceu a sua identidade no entendimento dos pequenos grupos, diferentemente da psicologia coletiva, que se preo- cupava com os macrofenômenos sociais. Na próxima seção, vamos ver os autores e as abordagens que influenciam o campo de pesquisa e intervenção da psicologia dos grupos até hoje. Principais influências nos estudos sobre grupos Como visto anteriormente, a psicologia social nasce de uma disputa meto- dológica e epistemológica com a sociologia e, posteriormente, ganha sua independência, mas ainda não a identidade. Esta última foi possível, entre outros fatores, pelos trabalhos de K. Lewin e a consequente distinção entre psicologia coletiva e psicologia/dinâmica dos pequenos grupos. Essa distin- ção permitiu o foco necessário para que a diferença entre o trabalho com grupos e com o social amplo ficasse mais clara. Essas delimitações continuam sendo discutidas e estabelecidas à medida que novas propostas teóricas são formuladas. Elas também dependem dos enfoques, que podem ser mais políticos, prescritivos, analíticos, etc. Antecedentes históricos dos processos grupais6 Além dos autores importantes que vimos na seção anterior, vamos discutir algumas contribuições de teorias fora da psicologia que nos farão compreen- der conceitos utilizados no trabalho com grupos. Osorio (2013) aponta a teoria geral dos sistemas de Ludwig von Bertalanffy (1901-1972), que, juntamente com a cibernética e os estudos sobre a comunicação humana, representou o novo paradigma científico, que criticou e superou a ênfase linear das expli- cações do tipo causa-efeito entre os fenômenos. Novas palavras e sentidos, derivadas das novas abordagens, começaram a ser introduzidas nos estudos sociais, como interpessoal, interacional, sistemas ou microssistemas humanos, entre outras. A teoria sistêmica trouxe um diferente olhar para as interações grupais e para o jogo interativo dos indivíduos no grupo, potencial catali- sador das mudanças possíveis no sistema. A cibernética introduziu a noção de retroalimentação, ou feedback, ou seja, a processualidade das relações e as influências mútuas entre as pessoas. A teoria da comunicação humana trouxe o conhecimento sobre o fluxo operativo das relações humanas, os ruídos,os mal-entendidos e os nós comunicacionais, que podem influenciar, positiva ou negativamente, as relações interpessoais (OSORIO, 2013). Essas teorias são muito mais complexas, mas as influências que trouxeram para o estudo dos grupos na psicologia foram essas citadas, principalmente a visão da processualidade e da multidimensionalidade dos fenômenos, que não podem ser explicados unicamente por uma relação causa-efeito. A ideia de paradigma é a de um conjunto de normas ou modelos e, no caso das ciências, significa os princípios norteadores de teorias. Existe uma estabilidade natural de um paradigma, quando a teoria está sendo construída e aprofundada, mas nenhum paradigma está livre da concorrência de outros ou da refutação de seus princípios. T. Kuhn (1922-1996) propôs uma nova forma de entender a sucessão de paradigmas, pois acreditava que as crises eram pré-condições para a emergência de novas teorias ou revoluções científicas. “A transição de um paradigma em crise para um novo, do qual pode surgir uma nova tradição de ciência normal, está longe de ser um processo cumu- lativo obtido através de uma articulação do velho paradigma” (KUHN, 1998, p. 116). Essa é a explicação original de quebra de paradigma ou de revoluções científicas, usada para diferentes propósitos. O novo paradigma, concorrente do linear, é o sistêmico-relacional. Osorio (2013, p. 25), enumera alguns importantes conceitos sobre isso; veja a seguir. � Retroalimentação: é o feedback, movimento circular, com reciprocidade, em que cada resultado (output) é um novo gerador de ação (input), que modifica o sistema como um todo. Se a retroalimentação for positiva, Antecedentes históricos dos processos grupais 7 vai ocasionar a mudança; se for negativa, vai buscar o equilíbrio do sistema. Ambas são complementares e não têm a conotação de benéfica ou indesejável. São propostas antagônicas e complementares, pois tanto a mudança quanto a estabilidade são desejáveis na vida, e suas alternâncias indicam saúde. � Caixa-preta: expressão oriunda da comunicação e geralmente asso- ciada à caixa que registra os eventos de um voo e é resgatada após um acidente para revelar a sucessão de fatos para verificação de causas. É algo como o registro da história do grupo, ou até certos segredos a serem revelados. � Princípio de equifinalidade ou da multicausalidade: significa que o estado final atingido nos sistemas fechados depende das condições iniciais. Nos sistemas abertos, o estado final pode ser atingido por meio de diferentes condições iniciais e por diferentes caminhos. O conceito, que serve para o entendimento dos fenômenos biológicos, serve para a compreensão das múltiplas possibilidades e determinantes dos conflitos humanos. � Totalidade: conceito gestáltico que parte da negação da somatividade, ou seja, o princípio de que o todo é diferente da soma das partes. O exame das partes constituintes não abarca o entendimento de um sistema. Da mesma forma, a integração entre as partes é tanta que a modificação em uma causa modificações nas outras e, consequente- mente, no sistema. A psicologia da gestalt teve grande influência na teoria de Lewin pelo conceito de totalidade, como visto, mas também pela inclusão do observador no sistema como parte indissociável, semelhante ao que Lewin propõe na pesquisa-ação. Essas ideias também nasceram da cibernética de segunda ordem, que defende o princípio de que o observador é parte do que observa e afeta a descrição da observação. Esses conceitos são derivados não só da teoria dos sistemas, mas também da teoria da comunicação humana e da gestalt. Essas aproximações entre várias disciplinas produziram conceitos importantes utilizados, posteriormente, na psicologia dos grupos, como o duplo vínculo, do antropólogo Gregory Bateson (1904-1980). O autor estudou relações entre patologias de comunicação e a gênese de doenças mentais, principalmente a esquizofrenia, como resultado da interação familiar marcada pela ambivalência e pela confusão mental. A comunicação entre os familiares, especialmente por parte da mãe, seria caracterizada por mensagens contra- ditórias e, por isso, a teoria é chamada de duplo vínculo (OSORIO, 2013). Na próxima seção, vamos ver alguns experimentos dessa teoria. Antecedentes históricos dos processos grupais8 A palavra interação resume a identificação de todas as teorias que de- safiaram o paradigma linear. Além das mencionadas, outras seguiram essas tendências, como o construtivismo de Jean Piaget (1896-1980) e de Lev Vygotski (1896-1934), que preconizava a aprendizagem por meio da interação, e, mais recentemente, a teoria do caos (de vários autores da matemática, física, entre outras ciências) e a teoria da complexidade (de Edgar Morin). A teoria do caos buscou entender a ordem existente na desordem, já a teoria de Morin estudou a aleatoriedade dos fenômenos. Ambas trazem elementos e ques- tionamentos difíceis de serem explicados de forma linear. A complexidade se relaciona estreitamente com a atividade grupal, com a teia de relações que se estabelece nas interações. A teoria dos grupos, segundo Osorio (2013, p. 41), prevê diversidade e se move dinamicamente de um estado indiferenciado de pessoas “para um estado sempre renovado e imprevisível de transformações acionadas pelas interações que nele ocorrem”. K. Lewin, consciente desse estado sempre renovado e imprevisível e in- fluenciado por sua orientação gestaltista, introduziu o conceito de dinâmica de grupo, além de outros, como campo grupal, pesquisa-ação, formas de liderança e de exercício da autoridade. O autor é considerado o fundador da psicologia dos grupos. Foi influenciado pela mudança de paradigma, do linear ao sistêmico-relacional, e formulou suas teorias a partir do entendi- mento de que era necessário um novo método na psicologia para estudar apropriadamente os movimentos dos grupos e da sociedade (OSORIO, 2013). Wilfred Bion (1897-1979), psicanalista, contribuiu para o entendimento e o trabalho com grupos e foi o primeiro a descrever os fenômenos grupais para além dos grupos terapêuticos. O grupo está sujeito ao surgimento de estados mentais compartilhados, independentemente das razões pelas quais ele se reúne, que se opõem à consecução da tarefa do grupo. Esses fenômenos são denominados supostos básicos, ou resistências inconscientes aos objetivos do grupo. Os supostos básicos podem ocorrer simultânea ou separadamente, ocasionando dificuldades para o grupo de trabalho, como denominava Bion. São eles: dependência, quando o grupo espera decisões de fora, principal- mente do coordenador, comportando-se de modo infantil; luta e fuga, quando o grupo age como se tivesse que combater ou evitar um inimigo, que pode ser o coordenador ou outro membro; e expectativa messiânica, quando o grupo desenvolve a crença de que alguém ou algo, fora do grupo, vai solucionar os seus problemas e aflições (OSORIO, 2013). Jacob Levy Moreno abordou o psicodrama, uma abordagem grupal que utiliza a dramatização (ou a representação dramática) improvisada como forma de atingir e explorar a psique e suas emoções. O autoconhecimento Antecedentes históricos dos processos grupais 9 pretendido é atingido com o resgate da espontaneidade e da criatividade, passando pela expressão do corpo. As cristalizações, ou os obstáculos para a espontaneidade, seriam originadas nas tradições culturais e sociais e nas interdições delas decorrentes, o que Moreno chamou de conservas culturais. Condicionado por elas, o indivíduo passa a colocar limites ao seu prazer, como forma de evitar sofrimento, mas pode desenvolver defesas como a repressão ou o isolamento. A espontaneidade, a criatividade e a sensibilidade seriam os recursos inatos, resgatáveis, que poderiam auxiliar na revisão das cristalizações e em um reencontro com a vida criativa e plena. O homem precisaria romper com as subordinações que o fazem se sentir impotente, inerte, repetitivo e não espontâneo (MORENO;MORENO, 2014). A teoria dos vínculos, de Pichon-Rivière (2005), para entender e trabalhar com grupos operativos, parte da teoria das relações objetais, principalmente sob a influência de Melanie Klein. As relações de objeto na primeira interação do bebê com o mundo, que ocorre antes mesmo de ele se dar conta de que o outro existe, significam relações intersubjetivas, que nascem baseadas em necessidades físicas e embasam a vinculação com o outro. O vínculo, segundo o autor, implica a existência de uma comunicação, com um emissor, um re- ceptor, uma codificação e uma decodificação de mensagens. Esse processo comunicacional se dá entre subjetividades e pode ser internalizado como bom ou mau, e essa avaliação do vínculo inicial vai condicionar a aprendizagem da realidade externa, dos relacionamentos sociais. Assim, dependendo das vivências de vínculo dos sujeitos, os relacionamentos posteriores podem resultar em processos de interação abertos, como uma espiral, ou fechados e estereotipados. Esses relacionamentos ocorrem no campo grupal e podem ser revistos e retificados por meio de uma espiral dialética de aprendizagem. Outras abordagens são importantes influências no Brasil e nascem de correntes teóricas europeias e americanas, mas ganham solo fértil em nossa realidade. Quando a psicologia dialoga com o social no Brasil, além das abordagens descritas, ela o faz por meio da Escola de Chicago, represen- tada por duas gerações de pensadores da psicologia social (George H. Mead e Erving Goffman), da Escola de Frankfurt, que dialoga com a psicanálise (principalmente Max Horkheimer, psicólogo social, juntamente com outros autores da filosofia, da sociologia, etc.), do marxismo (principalmente Silvia Lane, Ana Bock, entre outros); da análise institucional (principalmente sob influência de Georges Lapassade e Renè Lourau, com Heliana Rodrigues, Gregório Baremblitt, entre outros); e das representações sociais (de Serge Moscovici, divulgado no Brasil por H. Jodelet, que promoveu a formação de vários grupos de pesquisa em diversas regiões brasileiras) (PORTUGAL, 2010). Antecedentes históricos dos processos grupais10 Nesta seção, vimos a mudança paradigmática na psicologia social, do paradigma linear para o sistêmico-relacional, e os conceitos que entraram com força nos estudos sobre grupos. Estudamos os principais autores consa- grados na temática e as correntes teóricas mais atuais da psicologia social e de grupos. A seguir, vamos ver exemplos de estudos sobre grupos, dos mais antigos aos mais atuais. Exemplos de estudos sobre grupos As experiências e atividades com grupos favorecem o entendimento dos diferentes conceitos e das formas de compreensão de suas dinâmicas. Falar em grupos de forma genérica é difícil, pois existem muitos conceitos e con- cepções envolvidas, como visto nas seções anteriores. Autores de mesmos antecedentes históricos, apesar de terem algumas influências semelhantes, propõem formas de ver e intervir em grupos muito diversas. Esta seção tenta superar essa generalização, dando alguns exemplos de estudos e experimentos com grupos propostos pelos autores já mencionados. O antropólogo cultural Bateson esteve na Nova Guiné e observou que os comportamentos dos indivíduos são determinados pelas reações dos outros que os cercam, o que originou a sua teoria da comunicação e o conceito de duplo vínculo. Ele aproximou-se da psicanálise para compor a sua hipótese e estudou as patologias da comunicação familiar e o desenvolvimento da esquizofrenia, conforme vimos. Ao observar esquizofrênicos, ele levantou a questão sobre quais condições do processo de socialização do esquizofrênico podiam determinar suas formas de comunicação, com uso massivo de me- táforas, não percebidas dessa forma pelas outras pessoas. O autor sugeriu que a esquizofrenia, que demonstra claramente problemas de comunicação, é o resultado de interações familiares marcadas pela ambivalência, por impasses e por confusões mentais, derivadas de mensagens contraditórias e impossíveis de serem seguidas. Essas relações formam o duplo vínculo. Apesar de a teoria das causas da esquizofrenia ter sido bem controvertida na psicologia, o conceito de duplo vínculo permaneceu válido (OSORIO, 2013). No prosseguimento de suas pesquisas sobre a patologia da comunicação, Bateson elaborou alguns axiomas a partir de experimentos. Por exemplo, um indivíduo que está em um meio de transporte para uma viagem longa percebe que alguém se aproxima para ocupar o lugar ao seu lado e finge estar dormindo em uma clara mensagem de que não está disponível para conversas. Essa seria uma mensagem comunicacional que funciona por meio da conduta, ou seja, é uma comunicação condutual (OSORIO, 2013). Esses comportamentos Antecedentes históricos dos processos grupais 11 são percebidos em grupos quando pessoas evitam alguns e se aproximam de outros, “fecham” o acesso de alguém à conversa, etc. O corpo, as expressões faciais ou algumas atitudes mais fortes de reprovação são utilizados para afastar pessoas ou para aproximar, como o apreciamento pelo que a pessoa diz e faz, a aproximação física, os convites, os sorrisos e a simpatia em geral. Outro axioma aponta que a comunicação tem aspectos referenciais (con- teúdo) e conativos (relacionais), no que é chamado de metacomunicação. Por exemplo, se uma mãe recebe uma mensagem do filho pedindo dinheiro, ela pode ler em tom normal, de um filho necessitado, ou em tom áspero, por ser a terceira solicitação do mês. Assim, o tom da leitura (relacional) não muda o que está escrito na mensagem (conteúdo), mas imprime algo para além da comunicação formal (metacomunicação). Em grupos, o tom da voz pode indicar divergências entre o que a pessoa diz e o que está sentindo. Também pode transmitir sentimentos como desprezo, ironia, desqualificação, entre outros. Por outro lado, pode significar preferências em disputas, acordos tácitos, etc. Bateson também chegou a outro axioma, que enuncia que a natureza de uma relação vai influenciar nas sequências comunicacionais entre os indivíduos envolvidos. Por exemplo, a anedota do rato de laboratório que pensa ter condicionado o pesquisador, pois cada vez que abaixa a alavanca, ele lhe dá comida. A comunicação acontece de forma simétrica ou complementar a partir de relações baseadas em igualdades ou diferenças, conforme mostra a Figura 1. A simetria caracteriza-se pela igualdade, e a complementariedade, pela diferença. A saúde da comunicação depende da alternância dessas formas de comunicação. Figura 1. (a) Simetria e (b) complementariedade na comunicação humana. Fonte: Osorio (2013, p. 31). A B Moreno, criador do psicodrama, durante o período de sua formação em medicina, desenvolveu atividades em praças de Viena com crianças. Ele as admirava pela espontaneidade, conceito que se tornou central em seu trabalho. Moreno contava histórias para as crianças, para que as represen- tassem, com o intuito de desenvolver criatividade e espontaneidade, o que Antecedentes históricos dos processos grupais12 chamou de teatro de espontaneidade. Em seu trabalho de interesse social, ele desenvolveu um experimento com um grupo de prostitutas, visando à assistência médica e à organização delas como trabalhadoras. Além do trabalho com prostitutas, Moreno desenvolveu um mapeamento para a re- organização de um campo de refugiados com base em sentimentos que os vizinhos nutriam entre si. O trabalho com as prostitutas foi a gênese de seu modelo de psicoterapia grupal, e o experimento com os refugiados foi a dos princípios da sociometria (MARINEAU, 1992). A teoria dos papéis, juntamente com a da espontaneidade, tem grande relevância na teoria de Moreno. Percebe-se que a própria dramatização lança mão de tantos papéis e atuações ao mesmo tempo. Os papéis são as formas de funcionamento de um indivíduo, desenvolvidos em relação a uma reação ou enfrentamento de situações em sua vida, com o envolvi- mento de outras pessoase objetos. Os papéis são a matriz da identidade e vão sendo somados ao sujeito à medida que vão aparecendo. A matriz de identidade, por sua vez, diz respeito à rede de relações que envolve o ser em desenvolvimento (a criança) e é composta por fatores biológicos, psicológicos e socioculturais. Trata-se do processo de aprendizagem no mundo, incluindo a relacional. Moreno acreditava que os métodos grupais tinham maior potencialidade de mobilização de material inconsciente do que os individuais. Ele enfati- zava a necessidade de pesquisar em grupos concretos, como fazia no início de sua carreira com crianças, prostitutas e refugiados. Por isso, afirmava o ineditismo do método grupal até 1923, quando inaugurou o laboratório de espontaneidade em Viena. Ele questionava conceitos que considerava dogmáticos, como a transferência e a contratransferência para as situações grupais. Em suas palavras: “Se o encontro terapêutico for conduzido no divã, numa poltrona, em torno de uma mesa ou em cima de um palco, a principal hipótese em todos os casos é que a interação produz resultados terapêuticos” (MORENO; MORENO, 2014, p. 14). Com essas palavras, ele introduzia a sua concepção de setting terapêutico ou grupal, aberto e flexível e adequado à situação e ao paciente. Moreno também pensava que a psicoterapia clássica havia estabelecido uma relação estática, em que o médico (ou o psicólogo) são terapeutas e o paciente é paciente. O psicodrama modifica essa relação, que pode ser invertida, pois em grupos os papéis circulam. A distinção entre condutor da sessão e agentes terapêuticos é importante, pois os últimos não precisam necessariamente ser profissionais formados em psicoterapia. O terapeuta pode trabalhar por meio de outros, favoráveis na situação, em diferentes Antecedentes históricos dos processos grupais 13 combinações entre vários indivíduos. Moreno postula que (MORENO; MORENO, 2014, p. 21): � o grupo vem antes e o terapeuta é subordinado a ele; � o terapeuta, antes que desponte como líder terapêutico, é apenas outro membro do grupo; � uma pessoa é agente terapêutico de outra, e um grupo é agente te- rapêutico de outro. Mesmo que o psicodrama se refira mais proximamente à psicoterapia em grupos, algumas regras de aplicação e os experimentos de Moreno servem para situações vivenciadas por grupos com objetivos diversos da psicotera- pia. A dramatização, a troca de papéis, os participantes exercendo funções diversas durante os encontros, entre outras, são técnicas utilizadas em grupos operativos e de trabalho. Bleger (1998), seguidor de Pichon-Rivière nos grupos operativos, aponta um estudo realizado sobre diferentes momentos de aprendizagem com estudantes de um curso de psicologia de Buenos Aires. Cada momento da aprendizagem implica determinados papéis dos membros do grupo, e era essa a hipótese a ser verificada com um questionário que se propunha a detectar atitudes dos estudantes frente ao curso. Todas as atividades apareceram como parte do processo de aprendizagem, e cada momento exigia condutas diferentes, assumidas pelo grupo ou por diferentes membros. Os resultados da pesquisa demonstraram oito formas típicas de condutas, em diferentes momentos; veja a seguir (BLEGER, 1998). 1. Momento paranoide: a aprendizagem é percebida como perigosa e ameaçadora, e o grupo assume uma atitude de desconfiança ou hostilidade. 2. Momento fóbico: a aprendizagem é evitada, fugindo do contato com os conteúdos e as tarefas. 3. Momento contrafóbico: ataque e ridicularização do objeto de conhecimento. 4. Momento obsessivo: tentativa de controle e imobilização do objeto de conhecimento por meio de rituais e estereotipias ou perguntas para controlar o esquema referencial. 5. Momento confusional: a defesa fracassa e gera confusão entre o eu e o objeto, que passam a não ser discriminados. Antecedentes históricos dos processos grupais14 6. Momento esquizoide: organização mais estável da evitação fóbica, continua mantendo distância em relação à aprendizagem, alheamento. 7. Momento depressivo: os conteúdos foram internalizados e a elaboração é buscada. 8. Momento epileptoide: reação contra a aprendizagem para destruí-la. Essas não são fases que se sucedem, nem mesmo aparecem em todo o grupo, pois podem estar colocadas em individualmente em alguns membros que tenham mais facilidade para assumir os diferentes momentos, por carac- terísticas pessoais. Sempre que aparecem os diferentes momentos, individual ou coletivamente, eles são importantes para a tarefa grupal, pois podem potencializá-la. Os papéis são complementares, e esses momentos poderiam ser vividos individualmente com sofrimento e estereotipia, mas no grupo eles podem encontrar complementariedade. Nas palavras do autor, “cada um vai incorporando momentos dos demais e retifica assim, paulatinamente, sua própria estereotipia: com isso atinge-se não só um alto rendimento grupal, como, também, uma integração da informação, da aprendizagem e do eu de cada membro” (BLEGER, 1998, p. 89). Cada grupo, com propósitos diferentes, tem o seu processo grupal. Esse processo depende do referencial teórico utilizado pelo coordenador ou te- rapeuta, assim como dos objetivos ou das tarefas que ele propõe atingir. A forma, a duração e as regras estabelecidas para o funcionamento do grupo vão fazer a diferença em seu processo e conclusão. Ainda, mesmo mobilizando conteúdos inconscientes e passados durante o processo grupal, os grupos operativos e de trabalho (não psicoterápicos) concentram-se no presente e no futuro, que condicionam e monitoram seus trabalhos. Referências BLEGER, J. Temas de psicologia: entrevistas e grupos. São Paulo: Martins Fontes, 1998. EPISTEMOLOGIA. In: MICHAELIS – Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, c2022. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/moderno- -portugues/busca/portugues-brasileiro/epistemologia/. Acesso em: 5 maio 2022. GIDDENS, A.; SUTTON, P. W. Conceitos essenciais da sociologia. 2. ed. rev. São Paulo: Editora Unesp, 2017. KUHN, T. S. 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