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A RESPONSABILIDADE CONTRATUAL DAS EMPRESAS E PLATAFORMAS DIGITAIS DIANTE DO EXPONENCIAL AUMENTO DE INVASÕES NO AMBIENTE VIRTUAL the contractual responsibility of companies and digital platforms in the face of the exponential increase in invassions into the virtual environment Pedro Curiati Tamassia RESUMO O presente artigo busca analisar os direitos do usuário e os limites da responsabilidade civil e contratual das empresas fornecedoras de serviços de banda larga, iniciando-se por meio de uma visão geral das invasões em ambientes digitais, destacando a escala e a diversidade das ameaças cibernéticas que afetam os indivíduos, com ênfase no âmbito das redes sociais. Analisa-se a regulamentação vigente que assegura proteção aos usuários e as especificidades do contrato de adesão a que são submetidos os consumidores através do cadastro nas plataformas digitais. Em especial, aborda-se o conceito e extensão da responsabilidade civil dessas empresas e plataformas prestadoras de serviços sob uma óptica contratual e extracontratual, objetiva e subjetiva, explorando o estudo de julgados majoritários, bem como o entendimento corrente dos magistrados do país. Destaca-se a importância da preservação dos dados e de manter-se constantemente atualizado, trazendo uma perspectiva futura com relação às medidas de segurança num cenário tão inovador e revolucionário. PALAVRAS-CHAVE: Ciberataque. Internet. Responsabilidade. Plataformas Digitais. ABSTRACT This article seeks to analyze user rights and the extent to which the civil and contractual liability of these companies providing broadband services extends, starting with an overview of invasions in digital environments, highlighting the scale and diversity of threats cyber threats that affect individuals, with an emphasis on social networks. The current regulations that ensure protection for users and the specificities of the membership contract to which consumers are subject through registration on digital platforms are analyzed. In particular, the concept and extent of the civil liability of these companies and service providing platforms are addressed from a contractual and extra-contractual, objective and subjective perspective, exploring the study of majority judgments, as well as the current understanding of the country's judges. The importance of preserving data and staying constantly updated is highlighted, bringing a future perspective regarding security measures in such an innovative and revolutionary scenario. KEYWORDS: Cyberattack. Internet. Responsibility. Digital Platforms. 3 1. ATAQUES CIBERNÉTICOS EM AMBIENTES DIGITAIS Nos últimos anos, verifica-se que houve um aumento da presença online na sociedade, estimulado pela disseminação da internet e pelo aumento no uso das plataformas de redes sociais e dispositivos móveis como um todo. Essa evolução digital trouxe consigo incontáveis benefícios, tais como a conectividade global, a ampliação do comércio eletrônico e a possibilidade de comunicação instantânea numa extensão global. Todavia, certo que este avanço tecnológico nem sempre será explorado para fins construtivos e legítimos, inevitavelemente, alguns indivíduos mal-intencionadas irão utilizá-lo para buscar vantagens indevidas em detrimento alheio. A internet, em toda a sua vastidão, tornou-se um ambiente propício para que atores maliciosos busquem explorar vulnerabilidades, comprometendo a privacidade e a segurança dos usuários, conforme vem sendo extensamente noticiado nos jornais e sites de notícias jurídicas (BRAGANTINE, 2022, online)1. O cenário de invasões e divulgação de dados tornou-se um desafio constante, com incidentes cada vez mais sofisticados e generalizados. Empresas, governos, organizações e indivíduos foram alvos de ataques que variam de phishing (mensagens fraudulentas) a ataques de ransomware (programa de sequestro de dados) de larga escala. Assim sendo, as empresas e plataformas digitais, tais como as redes sociais e as operadoras telefônicas, em âmbito global, desempenham funções de extrema importância na vida cotidiana das pessoas e na infraestrutura digital. As redes sociais consistem em plataformas de interação social virtual que conectam bilhões de pessoas em todo o mundo. Segundo Gonçalo Costa (FERREIRA, 2011, online), trata-se de ‘’um conjunto de pessoas, com algum padrão de contatos ou interações, entre as quais se estabelecem diversos tipos de relações e, por meio delas, circulam diversos fluxos de informação.’’ 1 Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/362369/conta-invadida-por-hackers-qual-a-responsabilidade- civil 4 Por sua vez, as operadoras telefônicas atuam como pilares da conectividade móvel, oferecendo serviços de comunicação cruciais por meio dos dispositivos móveis. Ao passo que essas plataformas e operadoras se tornaram facilitadoras da vida digital, também se tornaram alvos preferenciais para cibercriminosos e, consequentemente, uma parte central das discussões e julgamentos sobre responsabilidade em casos de invasões virtuais. As invasões digitais, também conhecidas como ciberataques, são um conjunto de ações dirigidas contra sistemas de informação, redes ou dados, frequentemente no intuito de obter vantagem ilícita e prejudicar pessoas, instituições ou empresas. Abrangem uma ampla gama de atividades maliciosas, desde a obtenção não autorizada de informações confidenciais até a interrupção de serviços essenciais. Trata-se de uma modalidade de cibercriminalidade que, segundo Elisabete Júlio Domingues (2015, p. 16): como o próprio nome nos indica, relaciona-se com a ocorrência de fenómenos criminais no contexto do ciberespaço, desenvolvidos através de meios informáticos. Ora, aqui incluem-se os crimes ditos tradicionais, mas também os novos crimes informáticos, que surgiram como consequência do uso das novas tecnologias e da internet. Phishing2, malware3, ataques de negação de serviço (DDoS)4, ransomware5 e exploração de vulnerabilidades de softwares são apenas alguns exemplos de táticas usadas pelos invasores digitais. Tais ataques não discriminam, afetando tanto grandes empresas quanto indivíduos comuns. Os prejuízos podem ser financeiros, reputacionais e, por vezes, chegam até a representar uma ameaça à segurança nacional. 2 consiste em tentativas de fraude para obter ilegalmente informações como número da identidade, senhas bancárias, número de cartão de crédito, entre outras (PRODEST, 2024, online). 3 Malware é um termo amplo que é usado para classificar todo tipo de software malicioso usado para causar prejuízo, que pode ser até financeiro, danificar sistemas, interceptar dados ou simplesmente irritar o usuário, afetando tanto computadores como celulares e até redes inteiras (Garrett, 2021, online). 4 tipo de ataque cibernético em que um ator malicioso tem por objetivo tornar um computador ou outro dispositivo indisponível para os usuários a que se destinam, interrompendo o funcionamento normal do dispositivo (CLOUDFLARE, 2024, online). 5 Ransomware é um software de extorsão que pode bloquear o seu computador e depois exigir um resgate para desbloqueá-lo (KASPERSKY, 2024, online). 5 No que tange a invasão de redes sociais, certo é que os criminosos, em sua grande maioria, vão optar por alcançar perfis de maior relevância, para que a vantagem obtida seja ainda maior. Essa modalidade de crime digital vem chamando a atenção cada vez mais e se expandindo muito rapidamente por todo o Brasil. O número de reclamações na justiça não para de crescer e, em recente pesquisa promovida pela empresa Kaspersky, companhia de segurança digital, em 2021 o Brasil registrou 15,4% das reclamações dos internautas, o que fez ser o primeiro colocado no ranking dos países que mais sofrem ataques de phishing. (CINTRA, 2022, online)1.1 Invasão em Redes Sociais O fenômeno das invasões em redes sociais representa uma ameaça crescente à privacidade e segurança dos usuários. O ambiente aparentemente seguro e interativo proporcionado pelas plataformas muitas vezes esconde os perigos invisíveis que os usuários podem vir a enfrentar. Nos dizeres de Lorena (MELO, 2019, p. 29): O “palco” da maior parte desses “crimes” digitais está dentro das facilidades oferecidas pela internet. Isso é notório, visto que toda uma comunidade está se desenvolvendo por meio da implementação dessa tecnologia. Além disso, a popularidade da WWW, aliada à possibilidade do anonimato que é dada aos seus usuários, vem fazendo dela um desafio para as autoridades mundiais. Neste cenário, todo cuidado é pouco, e todos deveriam ter acesso a esse tipo de informação. Ainda segundo Lorena de Jesus Melo (2019, p. 48), ‘‘A fragilidade e instabilidade da internet é fato gerador para o aumento dos crimes. É essencial a criação e divulgação de políticas de prevenção contra esses crimes, tanto por parte das empresas quanto do Estado’’. A prática dos ciberataques não se limita a um único método, os invasores utilizam uma variedade de técnicas para comprometer a segurança dessas plataformas e das informações pessoais dos usuários. Entre os métodos mais comuns estão a criação de perfis falsos, ataques de phishing, isto é, de mensagens fraudulentas e enganosas, engenharia 6 social, exploração de vulnerabilidades de software e vazamento (ou clonagem) de dados através das operadoras de telefonia (golpe SIM swap). Nos dias de hoje, os ataques e invasões são realizados em sua vasta maioria através de duas formas: engenharia social e clonagem do chip (SIM swap). A primeira refere-se ao emprego de técnicas de engenharia social, isto é, o golpista tenta convencer a vítima a executar ações ou fornecer informações que facilitem a efetivação dos golpes, criando cenários falsos e gerando gatilhos de emergência. Tal como mencionado por Lorena, é uma forma de enganar as pessoas a fim de obter seus dados e informações, explorando sua curiosidade, e não através de mera invasão técnica, conforme executam os chamados ‘’hackers’’. Já na segunda forma, envolve-se a transferencia de titularidade do chip de celular, conhecida como SIM swap, consistente na alteração do títular responsável pelo número de celular. Neste caso, via de regra, há a participação de alguém da operadora telefônica. Sobre o tema, ensina Raul Candido (2023, online) que a vulnerabilidade a que se submete o usuário ‘’é resultado de Engenharia Social, muitas vezes associada a corrupção de funcionários internos das operadoras.’’ Uma vez no controle do número de celular do usuário, é possivel ingressar nas demais plataformas e aplicativos através da mensagem de confirmação (chave) recebida por SMS ou ligação. Feito isso, basta os invasores alterarem toda e qualquer forma de recuperação da conta, seja pela troca do e-mail de recuperação ou número de segurança. Desta forma, depois que os perfis são hackeados, os criminosos passam a veícular anúncios e enganar seus seguidores, promovendo negócios associados a uma suposta oportunidade imperdível de renda extra, que, em muitas ocasiões, acaba enganando inúmeras pessoas. Assim sendo, quase sempre não só o proprietário do perfil é lesado, outros internautas da plataforma também se tornam vítimas, uma vez que se deixam ludibriar com as tentadoras e enganosas propostas dos golpistas, causando um verdadeiro dano em cascata. 7 2 REGULAMENTAÇÕES NO AMBIENTE VIRTUAL E LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS Considerando o contexto oferecido pelo capítulo anterior e alcançando o cenário almejado, iremos abordar as normas que nos protegem, ou ao menos deveriam nos proteger, diante de todos estes perigos virtuais. O advento da era digital trouxe consigo a necessidade premente de regulamentar as atividades que ocorrem no vasto universo virtual. Nesse contexto, o Marco Civil da Internet, promulgado através da Lei nº 12.965 de 2014, desempenhou um papel fundamental ao estabelecer princípios e diretrizes para a governança da internet no Brasil. Além disso, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), lei nº 13.709/2018, tornou-se uma peça essencial da legislação brasileira, conferindo proteção e garantias aos dados pessoais dos cidadãos. Segundo Henrique Ceolin Bortolo (2021, p. 56): o processo legislativo que levou à promulgação do Marco Civil da Internet no Brasil está fundado em diversos valores e princípios estabelecidos como direitos e garantias dos usuários da internet no Brasil, especialmente a liberdade de expressão, privacidade do usuário e a neutralidade da rede. A LGPD, por seu turno, traz importantes normas sobre o uso de dados pelas empresas, especialmente no que tange ao tratamento e à obtenção dessa informações. Embora ainda haja muito a ser aprimorado, isso já representa uma medida de proteção pessoal e um resguardo aos crimes virtuais, sobretudo considerando que, desde 1° de agosto de 2021, a ANPD (autoridade nacional de proteção de dados), atuando como órgão regulador, supervisiona e fiscaliza a implementação desta lei. Além disso, segundo Alexandra Kristin, foram fixadas importantes premissas sobre as relações de consumo e, através do Marco Civil da Internet, mais especificamente através do Decreto nº 8.771/2016, ficou expressamente estabelecido o dever de fiscalização e apuração de infrações à Secretaria Nacional do Consumidor.6 (SOUTO MAIOR, 2017, online) 6 Art. 18. A Secretaria Nacional do Consumidor atuará na fiscalização e na apuração de infrações, nos termos da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990. 8 Ainda no entendimento de Alexandra: ‘’O Marco Civil da Internet também assegurou a proteção de dados pessoais7 no meio cibernético, em consonância com disposição previamente existente sobre bancos de dados e cadastros dos consumidores no artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor8.’’ (SOUTO MAIOR, 2017, online) Importante ressaltar que, quando se trata de regular o uso e atividade desenvolvida em plataformas digitais, deve-se levar em conta não somente as legislações e regulamentações exclusivas para os ambientes virtuais, mas sim o ordenamento jurídico como um todo, portanto, deve ser construido um microssistema normativo incluindo os dispositivos legais que atribuam e resguarde os direitos e deveres das partes, como por exemplo o Código de Defesa ao Consumidor, o Código Civil, a Constituição Federal de 1988 e até mesmo o Código Penal. O microssistema acima tem como alicerce a teoria do diálogo das fontes, idealizada na Alemanha pelo jurista Erik Jayme, que prega a interação e a complementaridade entre diversas fontes de direito, sejam elas específicas para determinada área ou gerais, a fim de alcançar uma abordagem mais abrangente e justa para as questões legais (MARQUES e BENJAMIN, 2020, Internet). Sobretudo no caso das invasões digitais, reconhece-se que os princípios fundamentais do direito, como a proteção dos direitos do consumidor, a privacidade e a responsabilidade civil, desempenham um papel crucial na determinação das obrigações legais das partes envolvidas, incluindo as plataformas digitais. Enfatiza-se aqui a necessidade de harmonizar e aplicar de maneira consistente diferentes normas legais, a fim de abordar de maneira eficaz e justa os desafios jurídicos emergentes no ambiente virtual. 7 Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios: I - garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal; II - proteção da privacidade; III - proteção dos dados pessoais, na forma da lei; IV - preservação e garantia da neutralidade de rede; V - preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede, por meiode medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas; VI - responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei; VII - preservação da natureza participativa da rede; VIII - liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet, desde que não conflitem com os demais princípios estabelecidos nesta Lei. Parágrafo único. Os princípios expressos nesta Lei não excluem outros previstos no ordenamento jurídico pátrio relacionados à matéria ou nos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. 8 Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes. 9 Nesta seara, cada plataforma procura regular o seu serviço por meio de instrumentos contratuais a depender da atividade desenvolvida, tais como: Termo de Uso, Politica de Publicidade, Licenças, dentre outros. Convém salientar que a maioria expressiva dos ‘’Termos de Uso’’ – tipo contratual que abordaremos a seguir - costuma fixar cláusulas que especificam a jurisdição e legislação pela qual será regido o contrato. Venturini (2016, online), analisando 50 termos de uso provenientes de diversas plataformas, constatou que aproximadamente 86% desses serviços estabeleciam cláusulas com alguma jurisdição específica em suas políticas. A escolha mais comum é da legislação onde se encontra a sede da empresa, no entanto, em caso de plataformas que operam numa extensão global, são preparadas várias versões de termos de uso, cada qual com a respectiva legislação do local de acesso do consumidor. A União Europeia, figura sobressalente quando se fala em regulação de tecnologias digitais, publicou recentemente, em 27 de outubro de 2022, a Lei de Serviços Digitais (DSA, sigla em ingês), visando estabelecer um padrão inovador para a governança digital, atribuindo obrigações e responsabilidades que afetam todos que se utilizam desse universo virtual, desde as empresas prestadoras de serviços até os próprios usuários e consumidores. Veja-se, a regulamentação do ambiente virtual é uma necessidade global, isso porque a internet é uma rede de conexões que se estende a todo e qualquer lugar. Com efeito, deve-se resguardar e proteger ao máximo os direitos dos consumidores e usuários, figuras extremamente vulneráveis neste contexto inovador e tecnológico. Deste modo, é preciso amparar-se nas legislações aplicáveis e, ‘‘ainda garantir a tutela da confiança depositada pelos consumidores9 na realização dos negócios celebrados por meio da internet’’, assim, ‘‘deve-se lançar mão do princípio da boa-fé objetiva e dos deveres anexos de lealdade, informação, transparência, esclarecimento, veracidade, honestidade e probidade’’ (MARQUES, 2004, online). 9 Sobre a tutela da confiança do consumidor que contrata pela internet, ver MARQUES, Claudia Lima. Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor: um estudo dos negócios jurídicos do consumo no comércio eletrônico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 10 Os princípios são a base do ordenamento jurídico e devem ser acionados sempre que necessários, sobretudo diante de omissão por parte da legislação, como bem estabeleceu a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro10. 3 CONSUMIDOR E OS TERMOS DE USO E POLÍTICA DE PRIVACIDADE – CONTRATO DE ADESÃO É sabido que, em praticamente todas as plataformas digitais, há um contrato implícito que estipula os direitos e deveres do usuário e consumidor dentro daquele ambiente virtual. Nas palavras de Ramon Mariano Carneiro (2019, online): Os Termos de Uso definem, entre outras coisas, como o conteúdo gerado por usuários será tratado, suspenso ou bloqueado; se os dados do usuário poderão ser comercializados, monitorados e/ou entregues às autoridades; e como disputas judiciais serão resolvidas. Exercem, portanto, enorme influência na implementação dos direitos dos usuários de Internet no que se refere à liberdade de expressão, à privacidade e intimidade e ao devido processo legal, respectivamente. Este contrato, mais conhecido por ‘’termos de uso’’ ou ‘’política de privacidade’’, frequentemente é apresentado em tamanho de fonte notavelmente reduzido, enquanto a opção de aceitação é proeminente e facilmente acessível. Tal tipo de abordagem visa induzir o consumidor a rapidamente concordar com os termos do contrato sem sequer compreender do que se trata aquele documento, ou se dar conta das responsabilidades que isso lhe acarretará. Essa aceitação torna o usuário suscetível e vulnerável a qualquer disposição ajustada pela outra parte naquele instrumento contratual. Neste panorama, esses termos são apresenados aos usuários como verdadeiros contratos de adesão, dado que são apresentados aos consumidores sem quaisquer meios de negociação bilateral, ficando uma parte completa e exclusivamente condicionada aos termos apresentados pela outra. 10 Art. 4° Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. 11 Não há uma contratação individual feita por meio de um contrato de adesão11, porquanto ‘’nesta forma de contratação uma das partes se obriga a aceitar as cláusulas estabelecidas pela outra, em bloco, aderindo a uma situação contratual que se encontra definida em todos os seus termos.’’ (GOMES, 2006, p. 7) Ainda no entendimento de Rogério Zuel Gomes (2006, p. 7), esse tipo contratual oferece uma ‘’maior rapidez na celebração dos negócios, à medida que se dispensa a preparação e discussão das cláusulas contratuais’’, e permite aos empresários uma ‘’homogeneização das estratégias de condução dos negócios, trazendo uma forma efetiva de adaptar a sociedade à nova relação de consumo. ‘’ Sobretudo, por outro lado, destacou o autor que esta prática ‘’potencializa os abusos por parte daquele que confecciona o contrato posto a disposição do aderente’’, ressaltando a importância de buscar vias de controle daquele conteúdo elaborado unicamente pela fornecedora dos serviços. Importante destacar que, em eventual claúsula abusiva fixada em prejuizo do consumidor, essa será obrigatoriamente nula, conforme disposto no art. 51 do CDC12 e, por força do parágrafo 2° deste mesmo artigo13, a nulidade verificada em uma cláusula contratual não invalida o a integralidade do contrato, mas somente aquela que está defeituosa, com a ressalva daquela que, se ausente, cause ônus excessivo a qualquer das partes. Como exemplo, nos termos em que pontuou Ramon Mariano Carneiro (2020, p. 219), podemos destacar a cláusula de limitação de responsabilidade do Youtube, a qual enfatiza que o usuário concorda em defender, indenizar e isentar o Youtube e seus funcionários de toda e qualquer ação judicial, danos, obrigações ou dívidas e que, em nenhuma circunstância, serão responsabilizados por qualquer tipo de dano. 11 Art. 54 do Código de Defesa do Consumidor: “Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo 12 Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: 13 § 2° A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes. 12 O diploma do Código de Defesa do Consumidor prevê a limitação de responsabilidade em determinadas situações justificáveis, nos termos em que preceitua a parte final do art. 51, I14. Todavia, não se pode confundiruma limitação de responsabilidade justificável com uma isenção integral de responsabilidade, conforme acima exemplificado. Salienta Carneiro (2020, p. 219), ainda, que, ‘’desta forma, quando o provedor de serviços online traz uma previsão contratual de irresponsabilidade total, esta cláusula deverá ser considerada nula de pleno direito.’’ A fim de evitar eventual prejuizo e transtornos desconhecidos ao tempo da contratação, é fundamental a leitura atenta do contrato para ter conhecimento ou, no mínimo, uma ideia dos termos contratuais e condições lá estabelecidas. 4 RESPONSABILIDADE CIVIL DAS EMPRESAS E PLATAFORMAS DIGITAIS Passemos a tratar a respeito da responsabilidade que recai sobre as empresas e plataformas digitais nos casos de ataques virtuais e possíveis falhas na prestação dos serviços prestados por essas entidades. Quando se fala em responsabilidade civil, inevitável citar alguns diplomas legais deste ordenamento jurídico, quais sejam, o Código Civil, Código de Defesa do Consumidor e, certamente, a Constituição Federal de 1988. Ainda, por estarmos tratando de matéria em âmbito digital, importante considerarmos o disposto no Marco Civil da Internet. De início, importante destacar que a responsabilidade pode imergir em dois âmbitos, contratual e extracontratual. Nos dizeres de Vasconcelos (2002, p. 188): A responsabilidade contratual é cristalina, definida em lei e para ser consolidada, basta que as partes cumpram o que está avençado no contrato. Já a responsabilidade extracontratual decorre de atos ilícitos, ou seja, está afeta àqueles agentes que causarem danos a outrem. Derivada da culpa aquiliana, a 14Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; 13 responsabilidade extracontratual tem como princípio legal gerador o enunciado do art. 186 do Novo Código Civil. Veja-se, a responsabilidade contratual nasce da violação dos termos contratados no instrumento particular, ou simplesmente do descumprimento da obrigação pactuada. Assim sendo, é necessário que haja um contrato, que regirá previamente os interesses das partes. Frisa-se, aqui há um vínculo preexistente. Para o surgimento da responsabilidade extracontratual, o agente deverá violar um dever legal, posto que, neste caso, não há vínculo juridico previamente estabelecido entre a vítima e o agente. É o caso do supramencionado art. 186 do Código Civil15, que define cometer ato ilícito aquele que viola direito e causa dano a outrem. Nas palavras de Carlos Alberto Garbi (2022, online): Seguindo a doutrina clássica, quando o dano decorre do ilícito contratual, caracterizado pela violação ao dever convencionado, ou propriamente pelo inadimplemento da obrigação contratada, estamos diante da responsabilidade contratual. Em qualquer outro caso de ilícito, a responsabilidade é extracontratual, aplicando-se, como regra, o art. 186 do Código Civil. Ainda, nos ensimanetos de Carlos Roberto Gonçalves (2020, online) sobre referido dispositivo normativo: ‘’A análise do artigo supratranscrito evidencia que quatro são os elementos essenciais da responsabilidade civil: ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, relação de causalidade, e o dano experimentado pela vítima.’’ Com efeito, deve haver uma conduta voluntária que cause um dano, patrimonial ou extrapatrimonial. Este dano deve ocasionar um resultado que, por sua vez, deve necessariamente decorrer da conduta inicial, seja ela comissiva ou omissiva. Sendo assim, quando se fala em responsabilidade das plataformas digitais e empresas forncedoras de serviços, deve-se atentar as circunstâncias de cada caso. De uma maneira geral, se a invasão do perfil ou o dano decorre do descumprimento de alguma 15 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 14 cláusula específica contratada, pode-se falar em responsabilidade contratual; todavia, em se tratando de falha na implementação de medidas de segurança ou negligência a riscos possivelmente evitáveis, em linha com as discussões aqui abordadas, tratamos da responsabilidade extracontratual. Sobre o tema, cumpre observar trecho de decisão em votação unânime da 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que condenou a Rede Social a indenizar o usuário vítima de invasão por hackers (Apelação nº 1024894- 07.2020.8.26.0007)16: Com relação à alegação de fato de terceiro (hacker), essa não isenta o réu de responsabilidade pela reparação dos danos, eis que tal escusa não se aplica à hipótese em que incide o chamado risco da atividade. Ademais, se é adotado um sistema que permite que terceiros invadam a conta de um cliente e a altere em seus próprios arquivos, não está presente a excludente do artigo 14, § 3º, inciso II, da Lei 8.078/90, isto é, a culpa exclusiva de terceiro O entendimento dos magistrados tem sido no sentido de que as plataformas são responsáveis por indenizar o usuário prejudicado não somente pelos danos materiais, mas também pelos danos morais, pois a prática dos golpes ‘’extrapolam o conceito de meros aborrecimentos’’. (HIGÍDIO, 2023, online) Ressalta-se que as empresas agem com negligencia ao permitir falhas na segurança das informações dos usuários, e, deste modo, devem ser imputadas ao dever de indenizar e ressarcir os danos causados. Tal égide é estabelecida pela própria Carta Magna, que em seu art. 5, inciso X17, assegura o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação, e, ainda, traz a baila em seu inciso XII18 a inviolabilidade do sigilo dos dados, correspondencias e comunicações. 16 Fonte: https://www.tjsp.jus.br/Noticias/Noticia?codigoNoticia=85423&pagina=1 17 X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; 18 XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; 15 Vale mencionar que, em âmbito criminal, já existe uma responsabilidade expressa para esse tipo de invasão, prevista no Código Penal em seu art. 154-A19, onde se pune aquele que obtém vantagem ilícita invadindo dispositivo informático de uso alheio. Com efeito, é possível responsabilizar as empresas que ofertam serviços sem prestar o atendimento adequado ou adotar as cautelas necessárias para garantir a segurança dos usuários em suas plataformas. 4.1 Responsabilidade Objetiva e Subjetiva A responsabilidade civil pode ser objetiva e subjetiva, conforme será abordado nesta oportunidade. Antes, todavia, cumpre observar elementos imprescindíveis para a caracterização deste ônus. Presentes os mencionados pressupostos iniciais, quais sejam, a conduta danosa, o resultado e o nexo de causalidade, nasce a responsabilidade civil. Nos dizeres de Cavalieri (2015, p. 44): ‘’a partir do momento em que alguém, mediante conduta culposa, viola direito de outrem e causa-lhe dano, está-se diante de um ato ilícito, e deste ato deflui o inexorável dever de indenizar, consoante o art. 927 do Código Civil.’’ O caput trazido pelo jurista indica uma conduta culposa. Vale dizer que, em um primeiro momento, surgiuna sociedade a responsabilidade civil subjetiva, concepção tradicional, na qual a vítima somente poderia ter direito ao ressarcimento do dano se provasse a culpa do agente. Como qualquer ciência, tal qual o direito, estamos em constante evolução e, com o desenvolvimento da indústria e crescimento populacional, vislumbrou-se novos cenários que não mais seriam sustentados através da culpa em seu conceito clássico. Sob esta perspectiva, acerca dos elementos deste dever legal, assevera Caio Mario (Pereira, 2018, p. 507): 19 Art. 154-A. Invadir dispositivo informático de uso alheio, conectado ou não à rede de computadores, com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do usuário do dispositivo ou de instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita. 16 A regra geral, que deve presidir à responsabilidade civil, é a sua fundamentação na ideia de culpa; mas, sendo insuficiente esta para atender às imposições do progresso, cumpre ao legislador fixar especialmente os casos em que deverá ocorrer a obrigação de reparar, independentemente daquela noção. Não será sempre que a reparação do dano se abstrairá do conceito de culpa, porém quando o autorizar a ordem jurídica positiva. A despeito da responsabilidade civil objetiva, esta decorre de uma tendência jurisprudencial a priori sob uma apliação do conceito de culpa e, nesse contexto, nos brinda Silvio de Salvo Venosa (2003, online): Surgiu, daí, a noção de culpa presumida, sob o prisma do dever genérico de não prejudicar. Esse fundamento fez também nascer a teoria da responsabilidade objetiva, presente na lei em várias oportunidades, que desconsidera a culpabilidade, ainda que não se confunda a culpa presumida com a responsabilidade objetiva. Percebe-se que, em determinadas situações, não é possível eximir o sujeito de sua responsabilidade, isso por ser o perigo inerente a atuação que promove, mesmo que empreenda todos os esforços na tentativa de evitar o dano. Isso é proveniente da chamada teoria do risco profissional, que foi posteriormente adotado pela legislação brasileira, nos termos expressos pelo art. 927 , parágrafo único, do Código Civil20. Este dispositivo previu um regime de responsabilidade objetiva quando a atividade desenvolvida pelo autor implicar risco a direito de outrem. Segundo Henrique Bortolo, ‘’Nesses casos, haverá a responsabilização do ofensor independentemente da análise de culpa, bastando ao ofendido a comprovação de existência do dano e do nexo de causalidade com a conduta do agente’’. (BORTOLO, 2021, p. 57) Neste sentido, alguns se debruçam sobre a subsidiaridade da responsabilidade civil subjetiva. Segundo Cavalieri (2003, p.35): Vale ressaltar, sempre que não tivermos disposição legal expressa consagrando a 20Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. 17 responsabilidade objetiva, persiste a responsabilidade subjetiva, como sistema subsidiário, como princípio universal de direito; posso não responder objetivamente por falta de previsão legal, mas, subjetivamente, se causar dano a outrem, vou ter sempre que responder Quando se fala em responsabilidade civil motivada por empresas fornecedora de serviços, tais quais as plataformas digitais, redes sociais e afins, abarca-se um cenário consumerista e, nestes termos, o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor traz a aplicabilidade da responsabilidade objetiva sobre o fornecedor de serviços21, diploma este que, inclusive, se estende em âmbito digital, sobretudo após a ratificação prevista pelo Marco Civil da Internet em seu art. 7, inciso XIII22. Logo, em eventual responsabilização das empresas fornecedoras de serviços, o juizo é de que estas respondem independentemente da existência de culpa, considerando que o usuário é parte vulnerável e hipossuficiente, sendo, portanto, protegido nesta relação de consumo. 5 ESTUDO DE CASOS E ANÁLISE JURISPRUDENCIAL Iremos, nesta oportunidade, abordar alguns julgados cujo cerne é a falha na prestação de serviços das plataformas digitais, e a consequente indenização devida ao usuário prejudicado, assunto que vem sendo frequentemente debatido nos tribunais de justiça pátrios. Confira-se, nestes termos, entendimento da 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no sentido de que a invasão de hackers não isenta a plataforma digital de responsabilidade pela reparação dos danos sofridos pelo usuário (Apelação Cível nº 1024894-07.2020.8.26.0007): APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. Restabelecimento de duas contas 21 Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. 22 Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos: XIII - aplicação das normas de proteção e defesa do consumidor nas relações de consumo realizadas na internet. 18 hackeadas do aplicativo Instagram. Aplicação do CDC. Falha na prestação dos serviços configurada. Ato de terceiro que não libera o requerido da responsabilidade civil. Dano moral caracterizado. Montante de R$ 10.000,00, que se apresenta razoável para a hipótese dos autos. Sentença de parcial procedência reformada, em parte. Recurso do autor provido, não acolhida a apelação do requerido (grifos meus). Segundo interpretação do relator, o próprio Código de Defesa do Consumidor imputa ao fornecedor a responsabilidade por falha relativa à prestação de serviços, frisa-se, independentemente da existência de culpa. Ainda, pontuou o magistrado revisor que, ‘’se é adotado um sistema que permite que terceiros invadam a conta de um cliente e a altere em seus próprios arquivos, não está presente a excludente do artigo 14, § 3º, inciso II, da Lei 8.078/90, isto é, a culpa exclusiva de terceiro’’ Exatamente neste sentido foi a decisão da 27ª Câmara de Direito Privado deste mesmo Tribunal, que condenenou o Facebook a indenizar um usuário vítima de golpe por um perfil hackeado na Rede Social (Apelação Cível n° 1001785-81.2022.8.26.0010)23. Veja, neste caso, os invasores tomaram posse do perfil de um amigo do autor e anunciaram produtos à venda por valores bem abaixo do mercado. Desta forma, o usuário despendeu a quantia de R$5.000,00 aos golpistas, querendo adquirir um aparelho videogame e uma televisão. Com efeito, considerou o relator que a falha na prestação de serviços da plataforma permitiu que a invasão fosse perpetuada, causando quebra na segurança e boa-fé, uma vez que o usuário ‘’acreditava estar se comunicando com pessoa conhecida’’ Acrescentou o desembargador, ainda, que ‘‘diferente do argumentado pela requerida, a responsabilidade não se dá por mera propaganda enganosa ou falta de entrega do produto, mas sim pela falha de segurança que permitiu a invasão da conta por pessoa que visava cometer fraude’’. 23 Maiores informações em: https://www.conjur.com.br/2022-out-08/facebook-indenizar-usuario-teve-conta- invadida-hackers/ 19 Apresentamos aqui apenas alguns exemplos pontuais, mas que seguem uma linha de posicionamento que tem sido majorante nos tribunais de todo o país. A responsabilidade objetiva e a teoria do risco são frequentemente invocadas, estabelecendo-se o direito à indenização do usuário e vítima, em detrimento da responsabilidadeda plataforma fornecedora de serviços. Em maior escala, vale destacar um caso de vazamento de dados no qual a justiça condenou o Facebook a pagar R$20 milhões a título de danos morais coletivos e R$5 mil a título de dano individual para cada usuário diretamente atingido pelo vazamento nos anos de 2018 e 2019.24 (Ações Civis Públicas n° 5127283-45.2019.8.13.0024 e 5064103- 55.2019.8.13.0024). Esse julgamento ocorreu no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, e teve por deliberação central um vazamento de dados ocasiado pela falha na segurança da plataforma digital, que permitiu a invasão de muitos perfis por hackers, além do acesso aos seus dados pessoais e informações confidenciais. A advogada Lilian Salgado, presidente do comitê técnico do Instituto Defesa Coletiva, Autor nas ações civis públicas ora mencionadas, denunciou que a plataforma digital cometeu ‘’flagrante ofensa a diversos direitos dos consumidores’’ e, ainda, asseverou ser cristalina a afronta ao dever de informação, assegurado pelo art. 6° do Código de Defesa do Consumidor, bem como no artigo 7° do marco civil da internet e artigo 6° da LGPD. Ainda sobre este tema, cumpre enfatizar recente sentença proferida pela vara de Interesses Difusos e Coletivos da ilha de São Luís, em Maranhão, que condenou a empresa do Facebook a indenizar 8 milhões de brasileiros por vazamento de dados (Ação Civil Coletiva n° 0812915-60.2021.8.10.0001)25. 24 Mais informações em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/08/justica-manda-facebook-pagar-r- 20-milhoes-por-vazamentos-de-dados-no-brasil-veja-como-pedir-indenizacao.shtml 25 Mais informações em: https://www.migalhas.com.br/quentes/383657/facebook-indenizara-8-milhoes-de- brasileiros-por-vazamento-de-dados e também em: https://www.conjur.com.br/2023-mar-23/juiz-condena- facebook-indenizar-milhoes-vazamento- dados/#:~:text=No%20Brasil%2C%208%2C064%20milh%C3%B5es%20de,informa%C3%A7%C3%B5es %20sens%C3%ADveis%20expostas%20pela%20empresa.&text=Al%C3%A9m%20disso%2C%20o%20Fa cebook%20foi,Fundo%20Estadual%20de%20Interesses%20Difusos. 20 A indenização fixada pelo juizo foi de R$72 milhões a título de danos coletivos, e R$500,00 a cada usuário diretamente afetado pelo vazamento de dados ocorrido em 2021. O magistrado responsável, Douglas de Melo Martins, em sua decisão de sentença, sustentou: Oportuno pontuar que os agentes de tratamento devem adotar medidas de segurança, técnicas e administrativas, aptas a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou qualquer forma de tratamento inadequado ou ilícito" A decisão se respalda na salvaguarda especial da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem, direitos estes invioláveis conferidos pela Constituição Federal, garantindo-se o direito à indenização por sua violação. Sob esta perspectiva, a plataforma digital, permitindo a extração de dados de milhões de usuários, agiu em absoluta dissonãncia à estrutura normativa pátria, isso porque era seu dever e responsabilidade garantir a proteção dos dados pessoais cadastrados em suas instalações. 6 CONCLUSÃO À medida que enfrentamos um cenário inteiramente inovador e em constante evolução, é fundamental que estejamos com um olhar atento para perspectivas futuras em termos de segurança cibernética e proteção dos usuários, sobretudo diante do exponencial aumento das fraudes e crimes cometidos no ambiente digital. Segundo Schawb (SCHWAB, 2016, p. 12-13, apud Coelho e Rammê, 2021, p. 139) criador do Fórum Econômico Mundial, estamos inseridos na Quarta Revolução Industrial, uma vez que esta possui características que a diferem de todas as outras revoluções industriais, tais como a velocidade, amplitude, profundidade e impacto sistêmico. O autor alega que as tecnologias emergentes estão cada vez mais em evidência, usando como exemplo a inteligencia artificial, algoritimos, aprendizado de máquina, automação, internet, carros autonomos, entre outros, enfatizando sua influência direta nos comportamentos sociais (SCHWAB, 2016, p. 12-13, apud Coelho e Rammê, 2021, p. 139). 21 O mundo está em constante transformação, e isso demanda uma adaptação no mesmo sentido, sobretudo para a segurança dos indivíduos, que ficam a todo o tempo expostos a esse tipo de risco. Mais do que nunca, a privacidade de dados pessoais tem sido um assunto importantíssimo, especialmente pelo fato de que hoje, tudo isso é mediado por dispositivos eletronicos conectados a internet – dados bancários, informações sigilosas, mídias pessoais, hábitos de consumo, entre outros. Nos termos delineados por Matt Waxman (2023, online): Os dados são a força vital de todas as organizações modernas, tornando a sua gestão e proteção uma prioridade máxima para praticamente todos os departamentos de TI. Com importância crescente a cada ano, se antecipar e projetar riscos e ações futuras é fundamental para as empresas. Pensar em proteção não é uma preocupação exclusiva das empresas, mas para a sociedade como um todo. Todos estamos expostos a riscos neste ambiente, inclusive com o crescente desenvolvimento das tecnologias, tais como as inteligências artificiais (IA), que, como qualquer ferramenta, podem ser usadas para fins benéficos ou não. De acordo com Jian-hua Li, (LI, 2019, internet, apud Souza e Moraes, 2021, p. 32)‘’Os avanços da ciência e da tecnologia de IA podem também ser aproveitados por criminosos Cibernéticos, que podem utilizar e adaptar essa tecnologia para criar softwares mal intencionados mais complexos e com um custo menor.‘’ O elemento-chave para alcançar a segurança, desta forma, é manter-se atualizado e buscar constantemente conhecer e entender as novas tecnologias, pois somente assim poderemos nos resguardar das complexidades do cenário digital contemporâneo, antecipando e neutralizandio potenciais riscos que estão por vir. 22 7 REFERÊNCIAS BORTOLO, Henrique Ceolion. A responsabilidade civil dos provedores de aplicação de internet. 2021. Dissertação (Mestrado em Direito) - Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2021. BRAGANTINE, Ester Côco. Conta invadida por hackers: qual a responsabilidade civil das redes sociais?. 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