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A IMPORTÂNCIA DA INTRODUÇÃO ALIMENTAR ADEQUADA PARA O DESENVOLVIMENTO DAS CRIANÇAS: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA 1. INTRODUÇÃO O leite materno possui uma composição única, capaz de atender às necessidades nutricionais da criança conforme sua idade, além de conferir proteção contra doenças e auxiliar no desenvolvimento cerebral. Recomenda-se o aleitamento materno até os dois anos de idade ou mais, porém, a amamentação deve ser ofertada de forma exclusiva até os seis meses de vida, sem necessidade de oferecer água, chá ou outros alimentos (BRASIL, 2019) A partir dos seis meses, o aleitamento materno exclusivo não é mais suficiente para atender as necessidades da criança, sendo necessário a complementação da dieta, desta forma, deve ser realizada a introdução alimentar de forma lenta e gradual (WHO, 2002). A alimentação complementar é caracterizada pela introdução de alimentos classificados como nutritivos, com objetivo de associar novas fontes de nutrição com o leite materno que é consumido. Recomendações sugerem que esta introdução seja iniciada no período indicado, a fim de evitar que seja realizado precocemente (GIUGLIANI; VICTORA., 2000). A oferta de novos alimentos além do leite materno se torna necessária para acompanhar o crescimento e desenvolvimento da criança, porém, aconselha-se que estes alimentos sejam saudáveis, in natura, e minimamente processados (BRASIL, 2019) A introdução de uma alimentação saudável pode proporcionar desenvolvimento e crescimento apropriados, influenciando na otimização do funcionamento de órgãos e sistemas, e também na prevenção de doenças (WEFFORT et al., 2012). Os movimentos e estímulos musculares realizados durante os atos de sucção e mastigação estão diretamente ligados ao processo de desenvolvimento motor oral, iniciados nos primeiros meses de vida (CASTRO et al., 2017). Além disso, outros estímulos relacionados aos hábitos alimentares incentivados à criança, como o tipo do utensílio utilizado no momento da alimentação e a consistência do alimento oferecido são importantes para a adequação de funções como a deglutição, respiração, mastigação e fonoarticulação (SCHAURICH; DELGADO, 2014). Segundo Caetano et al. (2010) no primeiro ano de vida os lactentes estão expostos a um elevado risco nutricional, com potenciais complicações, relacionado a introdução alimentar precoce e ao consumo de alimentos inadequados como leite de vaca e produtos industrializados ricos em sódio e açúcar. Esta introdução de alimentos inadequados para o consumo influencia diretamente na baixa ingestão de micronutrientes, provocando deficiências, e também elevando o risco de desenvolvimento de doenças crônicas futuramente. Neste sentido, os hábitos alimentares inadequados são considerados uma das principais causas que influenciam diretamente no desenvolvimento da desnutrição em crianças. Na maioria dos países o índice de casos de desnutrição apresenta aumento considerável na fase de 6 a 18 meses de idade, e as deficiências adquiridas neste período são difíceis de recompensar nas outras fases na infância (WHO, 2002). Além disso, a prevalência de obesidade infantil cresce a cada ano no Brasil, sendo fundamental evitar o ganho de peso desnecessário, através de uma alimentação saudável e adequada (BRASIL, 2019). Desta forma, pode-se identificar a importância da introdução alimentar adequada, de acordo com as recomendações, para a promoção da saúde da criança. Além de influenciar diretamente na formação do hábito alimentar saudável desde o primeiro contato com o alimento. O presente estudo teve como objetivo geral identificar a importância da introdução alimentar adequada, e sua influência na promoção do desenvolvimento da criança, através de uma revisão sistemática. Teve-se como objetivos específicos, identificar como a introdução alimentar é importante para a formação dos hábitos alimentares das crianças, e discutir como os hábitos alimentares podem interferir no desenvolvimento da criança. 2. METODOLOGIA Este estudo teve como metodologia a revisão sistemática, a partir de publicações científicas previamente selecionadas. A revisão sistemática consiste em uma forma de pesquisa que utiliza a literatura como fonte de dados sobre determinado tema (SAMPAIO; MANCINI; 2007). A busca do conteúdo foi realizada no mês de março de 2023 por meio das bases de dados da Scielo (Scientific Electronic Library Online), PubMed (MEDLINE/PubMed – Biomedical Literature Citations And Abstracts e BVS (Biblioteca Virtual em Saúde), utilizando os descritores: “introdução alimentar”, “desenvolvimento da criança”, “nutrição”, combinados a partir do operador booleano "AND". Para a seleção dos estudos foram utilizados os seguintes critérios de inclusão: a) publicados a partir do ano 2000 b) artigos disponíveis na íntegra c) artigos com abordagens voltadas para introdução alimentar Foram excluídos os artigos duplicados, comunicações curtas, resumos, e artigos com títulos que não se enquadravam no tema. A partir dos critérios adotados foram selecionados 13 estudos na base de dados da SciElo, 1 estudo na PubMed, e 22 estudos na BVS, totalizando 36 trabalhos (Figura 1). Após leitura dos títulos, resumos e trabalhos completos, obteve-se uma amostra de 7 artigos que se enquadravam neste estudo. O sistema utilizado no processo de identificação e seleção dos artigos é evidenciado na figura 1. Por se tratar de uma revisão da literatura não é necessário que o estudo seja submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa, contudo, pressupostos éticos foram considerados buscando a devida citação de ideias de outros autores, utilizadas na construção do presente trabalho. Figura 1. Modelo esquemático do fluxograma de identificação e seleção de artigos. Fonte: Autoria Própria 9 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO A presente revisão selecionou 7 artigos, de acordo com os critérios de inclusão, os quais estão identificados na Tabela 1. Tabela 1. Caracterização dos artigos selecionados sobre a introdução alimentar AUTOR (ANO) TÍTULO OBJETO DE ESTUDO IDIOMA OBJETIVO DO ESTUDO MODESTO; DEVINCENZI; SIGULEM, 2007 Práticas alimentares e estado nutricional de crianças no segundo semestre de vida atendidas na rede pública de saúde Crianças no segundo semestre de vida Português Avaliar o estado nutricional e as práticas alimentares de crianças no segundo semestre de vida atendidas na rede pública de saúde do município de Taboão da Serra, SP SIMON; SOUZA; SOUZA, 2010 Aleitamento materno, alimentação complementar, sobrepeso e obesidade em pré-escolares Crianças de até 2 anos Português Analisar a associação do sobrepeso e da obesidade com o aleitamento materno e a alimentação complementar em pré-escolares 10 CAETANO et al., 2010 Alimentação complementar: práticas inadequadas em lactentes Lactentes Português Avaliar o consumo alimentar de lactentes entre 4 e 12 meses SCHAURICH; DELGADO, 2014 Caracterização do desenvolvimen- to da alimentação em crianças de 6 a 24 meses Crianças de 6 a 24 meses Português Caracterizar a alimentação de crianças de seis a vinte e quatro meses MOREIRA, et al., 2019 Introdução de alimentos complementares em lactentes Lactentes Português Analisar a frequência, a idade e a tendência temporal da introdução da alimentação complementar em lactentes SANTOS et al., 2019 Práticasalimentares entre crianças menores de um ano internadas em hospital público Crianças de até 12 meses Português Conhecer a alimentação complementar praticada por crianças menores de um ano, internadas em um hospital público BECKER et al., 2023 A introdução precoce de sucos pode influenciar desfechos antropomé- tricos e consumo alimentar em idade pré-escolar? Crianças até 2 anos Português Avaliar o impacto do consumo de sucos antes dos 6 meses de idade no IMC/I e no consumo alimentar em pré-escolares Fonte: Autoria Própria 11 O presente estudo é uma revisão sistemática que teve como objetivo compreender como a introdução alimentar pode exercer influência sobre o desenvolvimento infantil. Desta forma, buscou-se obter respostas para alguns questionamentos como: a introdução alimentar, em momentos temporais não recomendados, pode ser prejudicial para a criança? Qual a importância da introdução alimentar para a formação dos hábitos alimentares da criança? Como os hábitos alimentares podem influenciar no desenvolvimento da criança? Mediante os questionamentos levantados, foram selecionados artigos para melhor compreensão do tema. Um dos artigos selecionados, escrito por Modesto, Devincenzi e Sigulem, publicado no ano de 2007, e intitulado como “Práticas alimentares e estado nutricional de crianças no segundo semestre de vida atendidas na rede pública de saúde”, teve como objetivo avaliar o estado nutricional e as práticas alimentares de crianças no segundo semestre de vida atendidas em uma rede pública de saúde. Na metodologia utilizada pelos autores realizou-se aplicação de questionários, pelos quais foram coletadas informações sobre a criança, sobre os pais, moradia e histórico da introdução dos alimentos. O consumo alimentar foi registrado pelo método recordatório de 24 horas, e a amostra estudada foi selecionada de forma espontânea, entre crianças de 6 a 11 meses que frequentavam Unidades Básicas de Saúde (UBS) para acompanhamento do crescimento e do desenvolvimento. Os resultados obtidos, por meio da avaliação das práticas alimentares de cada criança participante, mostraram que a prevalência da amamentação é baixa em todas as crianças, independente da sua condição socioeconômica, evidenciando que o desmame precoce é comum na população estudada. Os autores identificaram a introdução precoce de determinados alimentos, como água, chá, frutas, sopas, e a maioria das crianças avaliadas fazem uso do leite de vaca, associados ou não com o leite materno. A partir da alimentação ofertada, a ingestão de ferro, e de vitaminas A e C foram avaliadas, desta forma, pode-se constatar o consumo inadequado de alimentos fontes de ferro, e consequentemente, a identificação de crianças anêmicas, atingindo 30,6% da amostra estudada. Estudos apontam que os casos de anemia por deficiência de ferro, em crianças menores de dois anos, possuem uma alta prevalência em todo o país (BRASIL, 2005). Os autores também observaram um valor mediano para a ingestão de vitamina C, o que pode indicar possíveis deficiências na alimentação, ressaltando a necessidade de uma alimentação infantil de qualidade, rica em nutrientes, e salientam a importância da suplementação, se necessário. Isto é, a introdução da alimentação complementar de qualidade, e de maneira adequada, pode ser decisiva para a saúde da criança nos primeiros anos de vida, de modo a permitir um crescimento e desenvolvimento satisfatórios. Quanto ao estado 12 nutricional, poucas crianças foram identificadas em déficit nutricional, sendo a maioria da amostra composta por crianças eutróficas. O segundo artigo, escrito por Simon, Souza e Souza, publicado no ano de 2010, e intitulado como “Aleitamento materno, alimentação complementar, sobrepeso e obesidade em pré-escolares”, teve como objetivo avaliar a relação do sobrepeso e da obesidade com o aleitamento materno e a alimentação complementar em pré-escolares. Na metodologia utilizada foi realizada avaliação antropométrica, e aplicação de questionários com os responsáveis de crianças de 2 a 6 anos de idade, a fim de obter informações específicas como: condições socioeconômicas da criança e sua família, duração do aleitamento materno, alimentação complementar e alimentação atual, dados que foram utilizados para fortalecer a base da pesquisa. Os autores identificaram, a partir dos resultados obtidos, que a alimentação complementar vem sendo introduzida precocemente. Dentre os alimentos, água e chá foram os mais consumidos de forma precoce para maior proporção de crianças, com 72,1%, seguido das frutas com 66,4% e leite não materno com 53,2%. Outros alimentos também foram introduzidos no mesmo período, como preparações adocicadas, achocolatados, iogurtes, entre outros. Na avaliação antropométrica observou-se que 60,2% eram eutróficas, 34,4% apresentavam sobrepeso ou obesidade, um índice considerado elevado para a faixa etária das crianças estudadas, e 5,3% tinham baixo peso. Pode-se observar que o aleitamento materno exclusivo por seis meses ou mais e o aleitamento prolongado por mais de dois anos de vida, são fatores de proteção contra o sobrepeso e obesidade, assim como a introdução de alimentos ricos em açúcar, no período em que a criança está formando seus hábitos alimentares, pode levar ao maior consumo desses alimentos, por possuírem sabor agradável para as crianças, e consequentemente, elevando o risco do desenvolvimento de sobrepeso e obesidade. Sugere-se que açúcares e preparações adocicadas não devem ser ofertadas às crianças menores de dois anos. A oferta de açúcares precocemente elevam as possibilidades de ganho excessivo de peso na infância e consequentemente, o desenvolvimento de doenças no futuro. Ainda, o consumo de açúcares pode interferir na aceitação de outros alimentos como verduras e legumes, ou seja, evitar esta oferta contribui diretamente para a formação de hábitos alimentares mais saudáveis (BRASIL, 2019). O artigo escrito por Caetano et al., publicado no ano de 2010, intitulado “Alimentação complementar: práticas inadequadas em lactentes”, teve como objetivo avaliar o consumo e as práticas alimentares de lactentes, utilizando a metodologia de análise quantitativa e qualitativa 13 dos registros alimentares, e aplicação de questionários. Pode-se observar neste estudo que a introdução da alimentação complementar tem sido iniciada em média aos 4 meses de idade. Cerca de 50,3% das crianças não consumiam mais o leite materno, e a maioria fazia uso do leite de vaca integral. Foi identificado alto percentual no consumo de alimentos processados, principalmente refrigerantes e sucos artificiais, e elevada frequência no acréscimo de açúcar, cereais e achocolatado nas preparações, mesmo para crianças menores de 6 meses. Os autores evidenciaram o possível risco nutricional aos quais os lactentes estão expostos, visto que é frequente a introdução precoce de alimentos processados, ricos em sódio, açúcares, e gorduras, associados a curta duração do aleitamento materno, ao uso do leite de vaca, e baixa ingestão de micronutrientes. Este consumo alimentar inadequado, e a redução do período de amamentação, podem influenciar diretamente no aumento do risco de desenvolvimento de doenças crônicas no futuro. Os autores também verificaram inadequações quanto ao consumo de ferro, zinco e vitamina A, evidenciando as deficiências de zinco em 75%, e ferro em 45% da amostra estudada. O artigo escrito por Schaurich e Delgado, publicado em 2014, e intitulado “Caracterização do desenvolvimento da alimentação em crianças de 6 a 24 meses”, teve como objetivo caracterizar a alimentação de crianças de seis a vinte e quatro meses, seguindo a metodologia de estudo descritivo, com aplicaçãode entrevistas com as famílias das crianças que frequentavam uma determinada Unidade Básica de Saúde (UBS). Neste estudo, os autores constataram que 86,4% das crianças receberam Aleitamento Materno Exclusivo (AME) com duração média de três meses e meio, mas, 55,7% da amostra, já não consumia mais o leite materno. Cerca de 82,9% dos casos analisados realizaram a introdução alimentar complementar de forma precoce, principalmente líquidos como água, chá e outro tipo de leite, chamando atenção a média de 45,0% das crianças que consumiram o chá antes do terceiro mês de vida. Foi identificado que as crianças que realizaram o consumo de chá e água realizaram o desmame mais cedo, comparando-as às crianças que não receberam estes líquidos. Em relação a qualidade da alimentação, foi identificado que 80,7% das crianças faziam consumo de refrigerantes, e 76,1% possuíam salgadinhos industrializados em sua dieta, sendo estes alimentos introduzidos antes dos 12 meses. Uma alta incidência da introdução alimentar complementar precoce, assim como, a oferta inadequada de alimentos ultraprocessados, como refrigerantes e salgadinhos, foi constatado entre as crianças avaliadas. O artigo escrito por Moreira et al., publicado em 2019, e intitulado “Introdução de 14 alimentos complementares em lactentes”, teve como objetivo analisar a frequência, a idade e o período da introdução da alimentação complementar em lactentes, seguindo a metodologia de estudo retrospectivo, realizado entre os anos de 2012 a 2015, avaliando dados de lactentes atendidos no setor de nutrição em uma comunidade. Formulários e entrevistas aplicadas com os responsáveis também consolidaram a base da pesquisa. Os autores identificaram neste estudo a introdução alimentar sendo ofertada de forma precoce, sendo a água, a fórmula infantil e o chá os primeiros alimentos introduzidos, no período de três meses de vida, em média. Alimentos processados também foram identificados no consumo alimentar destes lactentes, sendo engrossantes e biscoitos os mais frequentes, porém, este consumo apresentou redução considerável ao decorrer dos anos avaliados pelo estudo, passando de 30,8%, em 2012, para 15,6%, em 2015, entretanto, as amostras avaliadas foram diferentes, o que pode ter influenciado nos resultados. O artigo escrito por Santos et al., publicado no ano de 2019, e intitulado como “Práticas alimentares entre crianças menores de um ano internadas em hospital público”, teve como objetivo conhecer a alimentação complementar e o histórico do aleitamento materno ofertado às crianças menores de um ano internadas em um hospital público. A metodologia seguiu por um modelo de estudo descritivo, com abordagem quantitativa, e aplicação de formulários. Os autores observaram que a alimentação complementar foi ofertada às crianças antes dos seis meses de idade, de forma precoce. Alimentos como sucos, mingau e frutas foram os mais frequentes, e também alimentos adoçados com açúcar. Foi identificado, dentre as 174 crianças estudadas, que apenas 20,1% receberam AME até o sexto mês, e a amostra restante recebeu outros alimentos antes do sexto mês. A maioria das crianças no período de seis a doze meses não recebiam mais o leite materno, e consumiam apenas outros alimentos. Foi apontado um aumento crescente no consumo de alimentos não recomendados para a faixa etária, como refrigerantes, salgadinhos, biscoitos, e sucos industrializados, evidenciando as práticas alimentares inadequadas, seguindo em contraposição às recomendações que orientam dar preferência para alimentos in natura e minimamente processados. O artigo escrito por Becker et al., publicado no ano de 2023, e intitulado como “A introdução precoce de sucos pode influenciar desfechos antropométricos e consumo alimentar em idade pré-escolar?“ possuiu como objetivo avaliar o impacto do consumo de sucos antes dos seis meses de idade no Índice de Massa Corporal e no consumo alimentar de pré- escolares. A metodologia deste estudo foi realizada em duas fases, onde a primeira fase 15 selecionou uma amostra de 400 pares mãe-filho, em três hospitais públicos, coletando informações por meio de entrevistas no pós-parto e aos seis meses. Na segunda fase do estudo, realizada nos anos seguintes, a amostra foi constituída por mães e filhos, entre três e seis anos, que haviam participado da primeira fase, nesta ocasião foi realizada a aplicação de questionários identificando o estado nutricional da criança, e seus hábitos alimentares. Os autores identificaram alta prevalência da introdução de sucos naturais e artificiais em lactentes menores de seis meses de vida. Pode-se verificar que a ingestão precoce de sucos esteve associada ao consumo de alimentos industrializados, como alimentos ricos em açúcar, e bebidas açucaradas, na idade pré-escolar. Também foi observado que o momento da introdução dos sucos estava associado a um maior consumo de biscoitos recheados e refrigerantes, em crianças na idade pré-escolar, e constatou que as crianças que receberam suco artificial antes dos seis meses apresentaram maior prevalência no consumo destes alimentos. Desta forma, compreende-se que os primeiros alimentos expostos às crianças nos primeiros meses de vida são capazes de moldar as suas preferências alimentares e influenciar também na sua frequência alimentar ao longo dos anos. Em relação à avaliação antropométrica, não foi possível observar associação entre introdução de suco de forma precoce e alterações do estado nutricional na idade pré-escolar. Pode-se observar nos artigos selecionados, que a introdução alimentar e a interrupção do aleitamento materno de forma precoce, é uma prática comum e recorrente. Os alimentos mais ofertados para as crianças antes dos seis meses foram a água, o chá, os sucos e outros leites. Foi possível identificar também a frequente introdução de alimentos não recomendados, como biscoitos, salgadinhos e refrigerantes, e alimentos adocicados, assim como, a percepção de que os primeiros alimentos ofertados à criança podem influenciar nas escolhas de suas preferências alimentares ao decorrer dos anos. O período de introdução da alimentação complementar é considerado um fator de risco para a criança, além de ser recorrente a oferta de alimentos com pouca qualidade nutricional, que não são recomendados, há também alto risco de contaminação por práticas inadequadas no momento de preparo e manipulação dos alimentos ofertados, influenciando na incidência de doenças diarréicas e desnutrição (WEFFORT et al., 2012). Neste contexto, os estudos mostram a necessidade de realizar ações para evidenciar os riscos associados à complementação alimentar precoce em lactentes, e também salientar a importância da amamentação até os dois anos de vida, que se mostra essencial para manter a saúde e qualidade de vida da criança. Segundo Mercês et al. (2022) a introdução precoce de alimentos e até mesmo líquidos, como água e chás, promove desvantagens para a saúde da 16 criança. Além disso, a oferta de alimentos antes dos seis meses pode aumentar as chances de cólicas e do desenvolvimento de alergias e/ou infecções (BRASIL, 2019). Ademais, a criança que é amamentada, ao receber outros alimentos além do leite materno, antes do período recomendado, tende a diminuir a frequência da amamentação, e como nos primeiros seis meses o leite é capaz de suprir todas as suas necessidades nutricionais, não deve ser realizada a introdução de outros alimentos que façam a criança reduzir a ingestão do leite materno (BRASIL, 2019). As crianças que recebem o aleitamento materno exclusivo até os seis meses, não necessitam consumir nenhum outro tipo de alimento, nem líquidos, como água, chá, suco ou outros leites. Do mesmo modo, a criança que recebe fórmula infantil, preparada de forma adequada, também não necessita da oferta de água eoutros alimentos, antes dos seis meses. Entretanto, para as crianças que fazem uso do leite de vaca, as recomendações e período da introdução alimentar são diferentes, a oferta de novos alimentos pode ser iniciada a partir dos quatro meses a fim de evitar deficiências nutricionais, visto que o leite de vaca não possui os nutrientes que a criança necessita (BRASIL, 2019). Na maioria dos artigos estudados, as mães ou responsáveis pelas crianças, relataram seguir orientações do profissional de saúde, principalmente do pediatra, da própria família, ou de conhecidos, em relação ao tempo de oferta do leite materno, o período do início da introdução alimentar e práticas alimentares adotadas para a criança. Pode-se observar também nos estudos selecionados, que a situação socioeconômica do indivíduo influencia diretamente nas decisões da mãe e dos responsáveis a respeito das práticas da amamentação e dos alimentos ofertados na alimentação complementar. Desta forma, nota-se a necessidade e importância da atuação do profissional Nutricionista, principalmente em redes públicas, para orientar as mães e as famílias de forma adequada. 17 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir do presente estudo é possível compreender que a introdução da alimentação complementar precoce tem sido predominante. Neste contexto, nota-se a necessidade da divulgação de informações relacionadas a esta temática, e a implementação de políticas públicas para apoiar não apenas a promoção à amamentação até os dois anos, mas também para promover a introdução alimentar adequada, respeitando o período, qualidade e consistências recomendadas, visando obter resultados positivos destas práticas na saúde e no estado nutricional das crianças. Se mostra essencial também, uma ampla distribuição e divulgação do material didático “Guia Alimentar para crianças brasileiras menores de dois anos" elaborado pelo Ministério da Saúde, para que as mães ou responsáveis possam ter à sua disposição como instrumento de consulta e orientação. Desse modo, evidencia-se a importância da atuação do profissional Nutricionista, e do contato destes profissionais com as famílias desde o primeiro momento do nascimento da criança, para que as mães ou responsáveis sejam orientados da forma adequada, a fim de auxiliar positivamente na promoção à saúde e desenvolvimento da criança. Sugere-se que novos estudos sejam realizados a fim de avaliar outras possíveis consequências que a introdução de alimentos precocemente pode ocasionar no estado nutricional das crianças. 18 5. REFERÊNCIAS BECKER, P. C. et al. A introdução precoce de sucos pode influenciar desfechos antropométricos e consumo alimentar em idade pré-escolar?. Ciência & Saúde Coletiva, v. 28, n. 1, p. 269–280, jan. 2023. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde da criança: nutrição infantil: aleitamento materno e alimentação complementar / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. - Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2009. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primaria à Saúde. Departamento de Promoção da Saúde. Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção Primaria à Saúde, Departamento de Promoção da Saúde. – Brasília : Ministério da Saúde, 2019. BRASIL. Ministério da Saúde. Guia alimentar para crianças menores de 2 anos / Ministério da Saúde, Organização Pan-Americana da Saúde. – Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2005. CAETANO, M. C. et al. Alimentação complementar: práticas inadequadas em lactentes. Jornal de Pediatria, v. 86, n. 3, p. 196–201, maio 2010. 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