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Ai, Mercúrio, que este raio que ignominiosamente adorna a minha omnipotente dextra é o que agora se fulmina contra o meu peito! Não é esta aquela trissulca chama que devorou a soberba dos Ancélados e Tifeus; é, sim, a frágua de todos os raios, a fúria de todas as fúrias e o estrago de todos os estragos; e, para melhor dizer, é o simulacro de Cupido, cuja voadora seta, penetrando as eminências do monte Olimpo, sacrilegamente atrevida, chegou a penetrar a imunidade de meu peito; e assim, como ofendido e lastimado, já que nesse rapaz tirano, nesse monstro, nesse Cupido, não posso vingar o mal que padeço, quero ao menos na sua estátua debuxar as linhas da minha vingança. MERCÚRIO Explica-me, Senhor, a causa de tanto excesso; que, suposto sejas o mais sábio de todos os deuses, também não duvidas que sou Mercúrio, inventor das subtilezas e estratagemas; e assim, já que o teu entendimento se acha preocupado de um frenético delírio, com maior razão poderei eu acertar na cura de teus males. JÚPITER Pois atende, Mercúrio. Canta Júpiter a seguinte ária e Recitado Eu vi a Alcmena, ai, Alcmena ingrata! Aquela, cujo assombro peregrino foi rémora atractiva, que, atraindo a isenção de toda esta divindade, por ela em vivas chamas, extremoso, suspiro, querendo amante em lânguidos delíquios sacrificar-me todo nos altares desta melhor, mais bela Citereia; e por mais que publico em triste pranto tanto amor, tanto incêndio, extremo tanto, nem por isso Cupido compassivo alívio facilita ao meu tormento; antes, porém, mais bárbaro e tirano, por vingar-se talvez de meus poderes, dificulta o remédio às minhas ânsias. E, pois, cruel amor, falsa deidade, o suspiro que exalo não te abranda, o impulso feroz de meus rigores saberá castigar-te, lacerando teu simulacro, que, em átomos partido, (Despedaça a estátua.) dos ventos serás rápido despojo. Sinta, pois (ai de mim!) , a minha ira quem contra o Deus Tonante assim conspira. 155