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Indaial – 2020 Formas Democráticas De ParticiPação social e a meDiação Familiar, escolar e comunitária Prof.ª Ângela Martins Rorato Prof.ª Cláudia Deitos Giongo 2a Edição Copyright © UNIASSELVI 2020 Elaboração: Prof.ª Ângela Martins Rorato Prof.ª Cláudia Deitos Giongo Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: R787f Rorato, Ângela Martins Formas democráticas de participação social e a mediação familiar, escolar e comunitária. / Ângela Martins Rorato; Cláudia Deitos Giongo. – Indaial: UNIASSELVI, 2020. 182 p.; il. ISBN 978-65-5663-233-9 ISBN Digital 978-65-5663-231-5 1. Mediação. - Brasil. I. Giongo, Cláudia Deitos. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 340 aPresentação Caro acadêmico, você está pronto para uma aventura na apreensão de novos conhecimentos? Realmente esperamos que sim, pois todo este conteúdo foi preparado com muito carinho. Antes de iniciarmos os estudos da disciplina Formas Democráticas de Participação Social e a Mediação Familiar, Escolar e Comunitária, apresentamos um breve currículo das professoras autoras deste livro didático. A prof.ª Cláudia Deitos Giongo é mestre em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2000). Possui graduação em Serviço Social pela Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1984). Atua como professora universitária desde 1989 em diferentes instituições de ensino, tanto na graduação quanto pós-graduação. Atua como professora e supervisora no DOMUS – Centro de terapia individual, casal e família – parceria com a Faculdade Mário Quintana. É coordenadora do curso de pós-graduação Trabalho Social com Famílias e Comunidades. É uma das coordenadoras do curso de extensão em Mediação com parceria da Defensoria Pública de Porto Alegre. É responsável técnica pelo Programa DOMUS/SUAS. Atua como Mediadora Judicial e Extrajudicial. Presta serviços de assessoria e capacitação a Prefeituras nas áreas de Gestão do SUAS, Modelo Assistencial e Gestão do Trabalho. Tem experiência em ensino, pesquisa, extensão universitária e consultoria nas áreas de política de assistência social, família, mediação e redes sociais. A prof.ª Ângela Martins Rorato é especialista em educação pela UNIFRA (1996) e possui graduação em Estudos Sociais (1989) pela mesma instituição. Atua como professora desde 1994. Dedica-se ao estudo e à prática dos métodos autocompositivos desde 2014, atuando como mediadora de conflitos familiares e empresarias e facilitadora de círculos conflitivos e não conflitivos, tanto no âmbito público quanto privado. Ministra cursos nas áreas de mediação e Justiça Restaurativa em cursos de pós-graduação e de extensão. É integrante do grupo de estudo e pesquisa em direito civil- constitucional, família, sucessões e mediações de conflitos da Faculdade de Direito da UFRGS. É membro atuante do grupo de mediação do SAJU/ UFRGS, em ambiente de extensão universitária. Também realiza pesquisa e faz palestras na área de comunicação, cujo tema principal é a comunicação não violenta. Possui certificação internacional de mediadora pelo ICFML (Instituto de Certificação de Formação de Mediadores Lusófonos) e IMAP (Instituto de Mediação e Arbitragem de Portugal). Iniciaremos os estudos da disciplina apresentando, na Unidade 1, a confluência de temas como participação, conflitos e comunicação. O Tópico 1 direciona o estudo para o tema participação social, cidadania e autonomia, buscando apresentar discussões conceituais e perspectiva histórica sobre como a população brasileira tem operado em termos de participação, considerando marcos legais que impulsionam para isto, mesmo que correlações de forças instituídas no país possam representar resistências. Os temas cidadania e autonomia estão correlacionados à ideia de participação da população em uma comunidade política, o que gera comprometimento autônomo e pertencimento social. O conteúdo apresenta discussões sobre a importância da internalização de normas partilhadas, para que diferenças possam ser superadas por meio de discussões públicas na ideia de bem comum. Disso advém a importância do Tópico 2, que discorre sobre diferentes entendimentos das relações humanas, cujo conflito é inerente a essas relações. Apresenta a Moderna Teoria de Conflitos, que propõe superar ideias preconcebidas de entendimento do conflito como algo a ser evitado. No Tópico 3, é apresentada a teoria da Comunicação Humana e a importância da comunicação não violenta. A discussão perpassa a ideia da dificuldade em estabelecer processos comunicacionais, com compreensão genuína sobre o que é dito, mesmo em um mundo onde os meios de comunicação expandiram as fronteiras de forma inimaginável. A Unidade 2 apresenta a Justiça Multiportas com o objetivo de oferecer possibilidades de conhecimento e análise para a busca de soluções mais adequadas, em um tempo histórico de excessiva litigiosidade e inseguranças jurídicas. O conteúdo do Tópico 1 apresenta dados que defendem a importância do entendimento da Justiça Multiportas no atual momento do país. No Tópico 2 são apresentados os meios heterocompositivos com seus dois caminhos de solução de conflitos: a Jurisdição e a Arbitragem. O texto ressalta a importância do reconhecimento de semelhanças e diferenças entre eles. Já no Tópico 3 são apresentadas informações sobre meios adequados para superação da cultura litigiosa e dados sobre os esforços empreendidos em diferentes contextos, para que possa ser reconhecida a importância de as pessoas em situação de conflito identificarem interesses e aplicarem esforços para o seu alcance. O Tópico apresenta informações sobre Negociação, Conciliação e Mediação. A Unidade 3 apresenta dados sobre contextos para utilização da mediação como meio para resolução adequada de conflitos. O Tópico 1 se ocupa com a Mediação Familiar, oferecendo a oportunidade de entendimentos sobre a dinâmica relacional da família que podem indicar a necessidade da utilização da Mediação Familiar como método para a superação de conflitos. Os Tópicos 2 e 3 se dedicam a apresentar dados sobre o espaço escolar e o espaço comunitário como espaços onde conflitos emergem cotidianamente, mas que podem ser espaços geradores de soluções. Dessa forma, apresenta a Mediação Escolar e a Mediação Comunitária como formas de construção de agentes para a solução de conflitos e fortalecimento de espaços de participação social. Boa leitura e bons estudos! Prof.ª Ângela Martins Rorato Prof.ª Cláudia Deitos Giongo Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novi- dades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagra- mação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilida- de de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assun- to em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiaisimpressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complemen- tares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! LEMBRETE sumário UNIDADE 1 — PARTICIPAÇÃO SOCIAL, CIDADANIA, AUTONOMIA, RELAÇÕES DE CONFLITO E COMUNICAÇÃO ASSERTIVA ................................................................................. 1 TÓPICO 1 — PARTICIPAÇÃO SOCIAL, CIDADANIA E AUTONOMIA ............................... 3 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 3 2 VISITANDO O TEMA DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL ............................................................... 3 2.1 PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO BRASIL ....................................................................................... 4 2.2 ONDE A PARTICIPAÇÃO PRECISA SER FOMENTADA ...................................................... 6 2.3 ESPAÇOS DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL .................................................................................... 8 2.4 MARCOS NORMATIVOS REFERENTES À PARTICIPAÇÃO SOCIAL................................ 9 3 CIDADANIA: ENTENDIMENTO CONCEITUAL ................................................................... 11 3.1 CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA NO BRASIL...................................................................... 13 4 AUTONOMIA: COMPREENSÃO CONCEITUAL E CONTEXTUAL .................................... 16 4.1 CONSTITUIÇÃO DE UM SUJEITO AUTÔNOMO ................................................................. 17 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 19 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 21 TÓPICO 2 — RELAÇÕES DE CONFLITO ...................................................................................... 23 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 23 2 MODERNA TEORIA DO CONFLITO .......................................................................................... 23 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 27 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 28 TÓPICO 3 — COMUNICAÇÃO ASSERTIVA ................................................................................ 29 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 29 2 A COMUNICAÇÃO ......................................................................................................................... 30 2.1 TEORIA DA COMUNICAÇÃO HUMANA ............................................................................. 31 3 COMUNICAÇÃO NÃO VIOLENTA............................................................................................. 35 4 A IMPORTÂNCIA DA ESCUTA PARA UMA COMUNICAÇÃO CONSTRUTIVA .......... 40 5 OS QUATRO COMPONENTES PARA A CONSTRUÇÃO DE AVANÇOS NOS PROCESSOS COMUNICACIONAIS – OS QUATRO PASSOS DA CNV ............................... 43 5.1 OBSERVAÇÃO ............................................................................................................................. 43 5.2 SENTIMENTOS............................................................................................................................. 44 5.3 NECESSIDADES ........................................................................................................................... 48 5.4 PEDIDO .......................................................................................................................................... 51 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 56 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 61 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 62 UNIDADE 2 — OS MEIOS QUE COMPÕEM O SISTEMA DE JUSTIÇA MULTIPORTAS ..... 63 TÓPICO 1 — JUSTIÇA MULTIPORTAS ......................................................................................... 65 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 65 2 DEFINIÇÕES PRELIMINARES ...................................................................................................... 65 3 COMPREENSÃO HISTÓRICA ...................................................................................................... 66 4 LEGISLAÇÃO RELACIONADA .................................................................................................... 68 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 73 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 74 TÓPICO 2 — MEIOS HETEROCOMPOSITIVOS ........................................................................ 75 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 75 2 JURISDIÇÃO ...................................................................................................................................... 75 3 ARBITRAGEM – CONCEPÇÃO HISTÓRICA ............................................................................ 78 3.1 DEFINIÇÕES PRELIMINARES .................................................................................................. 79 3.2 PRINCÍPIOS E PROCEDIMENTO ............................................................................................ 80 3.3 ÁRBITRO ........................................................................................................................................ 81 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 82 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 83 TÓPICO 3 — MEIOS AUTOCOMPOSITIVOS ............................................................................. 85 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 85 2 LEGISLAÇÃO RELACIONADA .................................................................................................... 85 2.1 RESOLUÇÃO 125/2010 CNJ ........................................................................................................ 86 2.2 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL 2015 ........................................................................................ 86 3 NEGOCIAÇÃO .................................................................................................................................86 3.1 DEFINIÇÕES PRELIMINARES .................................................................................................. 87 3.2 PRINCÍPIOS E PROCEDIMENTOS ........................................................................................... 89 3.3 FASES DA NEGOCIAÇÃO ........................................................................................................ 92 3.4 O NEGOCIADOR ......................................................................................................................... 93 4 CONCILIAÇÃO ................................................................................................................................. 95 4.1 DEFINIÇÕES PRELIMINARES .................................................................................................. 95 4.2 PROCEDIMENTO ........................................................................................................................ 97 4.3 TÉCNICAS .................................................................................................................................... 99 5 MEDIAÇÃO ...................................................................................................................................... 102 5.1 DEFINIÇÕES PRELIMINARES ................................................................................................ 102 5.2 A PESSOA DO MEDIADOR ..................................................................................................... 103 5.3 FUNÇÕES DO MEDIADOR ..................................................................................................... 105 5.4 REGRAS E PRINCÍPIOS DA MEDIAÇÃO ............................................................................. 105 5.5 ESCOLAS OU MODELOS DA MEDIAÇÃO .......................................................................... 106 5.6 PROCEDIMENTOS .................................................................................................................... 107 5.7 TÉCNICAS PARA A CONDUÇÃO DE UMA MEDIAÇÃO ............................................... 109 LEITURA COMPLEMENTAR .......................................................................................................... 113 RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 116 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 117 UNIDADE 3 — PROCESSOS DE MEDIAÇÃO: FAMILIAR, ESCOLAR E COMUNITÁRIA .......119 TÓPICO 1 — MEDIAÇÃO FAMILIAR .......................................................................................... 121 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 121 2 PERSPECTIVA HISTÓRICA DA MEDIAÇÃO FAMILIAR ................................................... 121 3 FAMÍLIAS E FAMÍLIAS CONTEMPORÂNEAS ...................................................................... 123 3.1 CONCEITOS ............................................................................................................................... 123 3.2 DINÂMICA RELACIONAL DA FAMÍLIA ............................................................................ 127 3.3 DIVÓRCIO E SUAS FASES ....................................................................................................... 129 4 TEMAS PARA MEDIAÇÃO .......................................................................................................... 130 4.1 DIVÓRCIO ................................................................................................................................... 130 4.2 PENSÃO ALIMENTÍCIA DOS FILHOS, TAMBÉM CHAMADA DE ALIMENTOS AOS FILHOS ......................................................................................................................................... 131 4.3 GUARDA E PARENTALIDADE FUTURA DOS FILHOS .................................................... 131 4.4 CUIDADO DE IDOSOS/DOENTES ......................................................................................... 131 4.5 RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE ........................................................................... 131 5 ÂMBITO DE ATUAÇÃO DA MEDIÇÃO FAMILIAR ............................................................. 132 6 PARTICULARIDADES DA MEDIAÇÃO FAMILIAR ............................................................ 133 7 TÉCNICAS DE MEDIAÇÃO FAMILIAR ................................................................................... 135 8 MEDIABILIDADE ........................................................................................................................... 136 RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 139 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 140 TÓPICO 2 — MEDIAÇÃO ESCOLAR ........................................................................................... 141 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 141 2 ESPAÇO ESCOLAR ......................................................................................................................... 141 2.1 CONFLITOS NO AMBIENTE ESCOLAR ............................................................................... 143 3 DIMENSÕES E FINALIDADES DA MEDIAÇÃO ESCOLAR .............................................. 145 3.1 TÉCNICA DE INTERVENÇÃO NA GESTÃO E RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS ....... 148 3.2 METODOLOGIA DE DESENVOLVIMENTO PESSOAL E SOCIAL .................................. 149 3.3 ESTRATÉGIA INTEGRADA DE PREVENÇÃO ................................................................... 149 4 A ESTRUTURA DE UM PROJETO DE MEDIAÇÃO ESCOLAR ......................................... 151 4.1 DIAGNÓSTICO – LEVANTAMENTO DE DADOS .............................................................. 151 4.2 PLANO DE AÇÃO ..................................................................................................................... 152 4.3 SENSIBILIZAÇÃO ...................................................................................................................... 152 4.4 FORMAÇÃO: CAPACITAÇÃO TEÓRICA E PRÁTICA ...................................................... 153 4.5 INSTITUCIONALIZAÇÃO ....................................................................................................... 153 RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 157 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 158 TÓPICO 3 — MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA ............................................................................... 159 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 159 2 RELAÇÕES DE PARTICIPAÇÃO COMUNITÁRIA NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS ...... 159 2.1 PERSPECTIVA CONCEITUAL ................................................................................................. 160 3 BREVE HISTÓRICO DA MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA ..................................................... 161 4 CARACTERÍSTICAS DA MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA .................................................... 162 5 FUNÇÕES DA MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA ......................................................................... 164 6 FASES DA MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA ................................................................................ 167 7 O PAPEL DO MEDIADOR COMUNITÁRIO ........................................................................... 167 LEITURA COMPLEMENTAR ..........................................................................................................170 RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 172 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 173 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 175 1 UNIDADE 1 — PARTICIPAÇÃO SOCIAL, CIDADANIA, AUTONOMIA, RELAÇÕES DE CONFLITO E COMUNICAÇÃO ASSERTIVA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • compreender o significado de participação social, cidadania e autonomia na sociedade brasileira em uma perspectiva histórica; • compreender a relação entre participação, cidadania, autonomia e rela- ções de conflito; • compreender a nova teoria do conflito; • identificar e reconhecer conceitos relacionados à comunicação e comuni- cação não violenta; • reconhecer a importância da comunicação humana no tratamento positi- vo do conflito. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – PARTICIPAÇÃO SOCIAL, CIDADANIA E AUTONOMIA TÓPICO 2 – RELAÇÕES DE CONFLITO TÓPICO 3 – COMUNICAÇÃO ASSERTIVA Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 3 TÓPICO 1 — UNIDADE 1 PARTICIPAÇÃO SOCIAL, CIDADANIA E AUTONOMIA 1 INTRODUÇÃO No cenário atual, o Brasil se apresenta como um dos países com os mais altos níveis de desigualdade social. O cenário tem-se mantido mesmo com o longo processo de transformações tecnológicas, culturais, econômicas e sociais. Essas transformações geram, a cada dia, novas situações e necessidade de envolvimento da população para construção de outras formas de convívio e relações. A importância de garantir discussões sobre conceitos de participação social, cidadania e autonomia tem sido cada vez mais relevante, considerando o aumento de possibilidades de inclusão da população nas decisões sobre políticas públicas no Brasil, prioritariamente a partir da Constituição de 1988. O grande desafio é o fortalecimento da mobilização da população para o fomento e disseminação da preocupação com o bem-estar comunitário e social, visto que diferentes conflitos e questionamentos a respeito da falta de diálogo e de compreensão entre as pessoas têm provocado o distanciamento entre elas e, muitas vezes, o fortalecimento do pensamento individualista. 2 VISITANDO O TEMA DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL São distintas as terminologias utilizadas para tratar de participação social, tais como: inclusão social, participação de cidadãos, participação popular, participação democrática, participação comunitária ou só participação, sendo que práticas similares podem ser nominadas de diversas formas ou uma terminologia pode representar práticas distintas. Independentemente do nome, a ideia de participar mais ativamente nos processos de tomadas de decisão coletivas sempre foi um anseio da própria população. Quando se agrega o adjetivo “social” à palavra “participação”, resulta um termo muito difundido, que diz respeito à construção de espaços que criam interconexões entre os gestores e a sociedade. Ele pode representar uma conquista da população pela busca da democratização e tem significado histórico para países que viveram em regimes autoritários. Pela luta, a participação tornou-se um direito do cidadão. UNIDADE 1 — PARTICIPAÇÃO SOCIAL, CIDADANIA, AUTONOMIA, RELAÇÕES DE CONFLITO E COMUNICAÇÃO ASSERTIVA 4 2.1 PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO BRASIL No Brasil, só foi possível romper com a Ditadura Militar pela ampla e efetiva mobilização e participação da população. Esta reação, segundo Gohn (2005), possibilitou novo significado para o que era entendido como sociedade civil, fundando sua atuação na contraposição ao regime ditatorial, com o objetivo de construir bases democráticas na sociedade política brasileira. Desta mobilização/ participação social decorreram mudanças importantes, considerando os espaços representativos e institucionalizados de participação social e de alterações da relação desta sociedade com o Estado. “A Constituição Federal de 1988 é o marco da legalidade da questão social, um avanço na gestão das cidades, uma nova forma que na teoria exibe que o poder de decisão não mais se restringe a pequenos grupos com poder econômico e político, mas também a sociedade civil” (GARBELINE, 2017, p. 4). IMPORTANTE As alterações na Constituição permitiram, como já foi assinalado, a participação popular, que representa as múltiplas ações que diferentes forças sociais desenvolvem para influenciar a construção, execução, fiscalização e avaliação das políticas públicas. Nessa perspectiva, convém assinalar como deliberação da Constituição a formação dos conselhos gestores de políticas públicas, espaços públicos que fazem parte da gestão pública, sendo permanentes. Como exemplos temos os Conselhos de Assistência, de Saúde, de Educação etc. É importante assinalar que, embora ligados à estrutura do Poder Executivo, não são subordinados a ele. Isto é, são autônomos nas suas decisões. Os conselhos são constituídos por representantes da sociedade civil e do Estado, não pertencendo a nenhum desses segmentos, isto é, tanto os representantes da sociedade civil quanto do Estado, são corresponsáveis pelas decisões tomadas. FONTE: <http://www.crianca.mppr.mp.br/pagina-71.html>. Acesso em: 29 nov. 2019. NOTA TÓPICO 1 — PARTICIPAÇÃO SOCIAL, CIDADANIA E AUTONOMIA 5 Os Conselhos Gestores atuam como instâncias para promover uma mudança na gestão das políticas públicas a partir de "um novo padrão de relação entre Estado e sociedade, criando formas de contrato social, por meio da ampliação da esfera social pública" (GOHN, 2004). O cidadão, com uma nova consciência, pode exercer controle social, interferindo diretamente na evolução das políticas públicas na medida em que exige e promove transparência e uso adequado de recursos públicos. Para Jardim (2017, p. 95), “todos os avanços societários que tivemos até então na construção de esferas e contextos democráticos foram caminhos de participação que, por sua vez, ampliaram as bases democráticas numa relação de contínua interdependência”. Nessa perspectiva, a participação social tenciona, segundo a autora, uma gestão democrática, cujo Estado se ocupa em atender a interesses coletivos e incide nas desigualdades fundadas, fundantes e nascedouras do capitalismo. A população realmente se implica com a participação social quando reconhece a impossibilidade de avanços societários em um momento histórico em que se enaltecem valores individualistas e mercantis que se sobrepõem à dignidade do ser humano. Segundo Machado (2016, p. 184), a participação da população, [...] como processo de incidência social e política, deve estar comprometida com alguns pressupostos da existência humana, contribuindo para o desenvolvimento do ser humano enquanto ser social, pois todos os homens devem ter condições de viver para poder fazer história. Participar não se limita a uma atitude de aderir a alguma proposta ou projeto, pressupõe o compartilhar, colocar-se em movimento. Desta forma, participação pode ser um qualificativo da convivência, uma forma de compreender os fenômenos de forma ampliada, que inclui posicionar-se nas decisões que lhe dizem respeito (BRASIL, 2009). Esta compreensão de participação social direciona o olhar para a perspectiva de direitos, sejam elescivis, políticos ou sociais. O Estado tem papel primordial, já que adota a garantia de direitos a todos os cidadãos participantes da sociedade. Foi com a consolidação do capitalismo, e na relação contraditória entre as demandas do capital e as dos trabalhadores, que se criaram as condições objetivas para a identificação das lutas das classes trabalhadoras para ver incluído nas suas pautas de reivindicações o acesso a esses direitos. Direitos esses que vão se expandindo na medida em que determinada fatia da sociedade tem força e legitimidade para acessar a eles [...] (COUTO, 2006, p. 37). UNIDADE 1 — PARTICIPAÇÃO SOCIAL, CIDADANIA, AUTONOMIA, RELAÇÕES DE CONFLITO E COMUNICAÇÃO ASSERTIVA 6 Os direitos civis foram consolidados no século XVIII, e estão diretamente relacionados às liberdades individuais, tais como liberdade de expressão, de pensamento, de imprensa e de fé, direito de ir e vir, de associação e reunião, à propriedade privada e ao trabalho. Em outras palavras, o direito à justiça. No seguimento, foram consolidados os direitos políticos que garantem a participação social no poder político comunitário. Esse grupo de direitos permite ao cidadão votar e ser votado, direito à associação e organização. Esses direitos passaram a cobrir uma quantidade crescente de membros da comunidade cívica. Quanto à consolidação dos direitos sociais, estes se dão pelo reconhecimento de que as desigualdades sociais são gestadas no capitalismo. A concretização dos direitos sociais é responsabilidade do Estado, eles são fundamentados pelo ideal de igualdade e expressam o direito à educação, à saúde, ao trabalho, à assistência e à previdência. No intuito de aprofundamento teórico sobre o tema “direitos sociais”, é necessário considerar que são fundamentais para viabilizar vida digna para a população. São eles que “[...] permitem aos cidadãos uma participação mínima na riqueza material e espiritual criada pela coletividade” (BOBBIO, 2004, p. 19). Nos períodos de maior autoritarismo vivenciados no Brasil, foram os movimentos sociais que se apresentaram resistentes, com destaque para o período da Ditadura Civil-Militar, de 1964 a 1985. Nesse período, a participação e ampliação da democracia foram interrompidas. Os anos de 1980 foram marcados pela ampliação das mobilizações sociais. A promulgação da Constituição, em 1988, representou uma conquista para o fortalecimento dos direitos sociais e da democracia. Dessa forma, qualquer alusão à participação social pressupõe compreender ampliação de relações de solidariedade e atenção às necessidades dos outros. Entretanto, não se pode esperar mudanças societárias apenas com a participação no plano micro, mas é a partir dele que se instauram processos de mudança (GOHN, 2005). Pequenas ações de resistência podem impactar nas determinações estruturais que têm impacto direto na vida cotidiana. 2.2 ONDE A PARTICIPAÇÃO PRECISA SER FOMENTADA A palavra participação é recorrente nas falas de diferentes grupos e parece ser a palavra de ordem dos dias atuais. Entretanto, quando se olha para o cotidiano, é possível perceber que a participação não depende unicamente do desejo e disposição pessoal, ela pode estar relacionada à estrutura conjuntural que determina quem e como participa. TÓPICO 1 — PARTICIPAÇÃO SOCIAL, CIDADANIA E AUTONOMIA 7 Mafalda foi uma tira escrita e desenhada pelo cartunista argentino Quino. As histórias, que apresentam uma menina (Mafalda) preocupada com a humanidade e a paz mundial, e que se rebela com o estado atual do mundo, apareceram de 1964 a 1973, usufruindo de uma altíssima popularidade na América Latina e Europa. DICAS FIGURA – MAFALDA FONTE: <https://bit.ly/2TiXMgY>. Acesso em: 6 jan. 2019. Nas atividades humanas e sociais, segundo Guareschi in Silveira (2008), participar pode significar atitudes diferentes para diferentes pessoas. Também é possível identificar tipos prioritários de participação: participação no planejamento, participação na execução e participação nos resultados. Quanto à participação na execução, Guareschi in Silveira (2008) afirma que o povo brasileiro executa muito, trabalha muito. Diferentemente do que é divulgado e parece fazer parte das representações sociais, pode ser possível indicar, com alguma certeza, que é um dos povos que fica envolvido com trabalho por mais horas, se comparado a outros países. Quanto à participação nos resultados, ela é extremamente desigual no Brasil. O brasileiro é o povo com pior distribuição de renda do mundo e, dessa forma, participa muito pouco dos resultados. Resta discutir a participação no planejamento, sendo ela que decide quem faz e quem fica com os resultados. Quanto à participação nos resultados, na realidade brasileira, a maioria das pessoas é excluída. Mesmo que através do voto sejam eleitos os representantes do povo e, através da democracia participativa, os eleitos passem a decidir pelo povo, essas são práticas muito precarizadas e não se pode concluir que haja participação no planejamento. Qualquer alteração na perspectiva de participação nos resultados não se dá sem embates efetivos no campo da gestão, que é o espaço onde se decidem prioridades políticas. É necessária, e mesmo imprescindível, a participação da sociedade civil nessa disputa. https://pt.wikipedia.org/wiki/Argentina https://pt.wikipedia.org/wiki/Quino https://pt.wikipedia.org/wiki/Humanidade https://pt.wikipedia.org/wiki/1964 https://pt.wikipedia.org/wiki/1973 https://pt.wikipedia.org/wiki/Am%C3%A9rica_Latina https://pt.wikipedia.org/wiki/Europa UNIDADE 1 — PARTICIPAÇÃO SOCIAL, CIDADANIA, AUTONOMIA, RELAÇÕES DE CONFLITO E COMUNICAÇÃO ASSERTIVA 8 A importância da participação da sociedade civil se faz nesse contexto não apenas para ocupar espaços antes dominados por representantes de interesses econômicos encravados no Estado e seus aparelhos. A importância se faz para democratizar a gestão da coisa pública, para inverter as prioridades das administrações no sentido de políticas que atendam não apenas às questões emergenciais, a partir do espólio de recursos miseráveis destinados às áreas sociais (GOHN, 2005, p. 78). É necessário, no entanto, ressaltar que a participação não tem um fim nela própria, isto é, a participação não se esgota em si. Assim, o ato de participar adquire sentido quando está vinculado à construção de um projeto de sociedade. Atente para a importância da Participação Social e o que pode decorrer dela nos espaços comunitários: • As decisões do governo ficam mais próximas dos desejos e necessidades da população. • O controle da população sobre as ações do governo aumenta, colaborando com a fiscalização sobre o uso dos recursos públicos e as decisões das políticas do Estado. • Abre-se espaço para negros, mulheres, população de rua e outros grupos vulneráveis que historicamente estiveram afastados dos processos decisórios. • Evita-se que somente aqueles que possuem canais privilegiados de acesso incidam sobre os tomadores de decisão. FONTE: Adaptado de <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4108539/mod_resource/ content/1/Participa%C3%A7%C3%A3o%20social%20-%20aula.pdf>. Acesso em: 3 dez. 2019. ATENCAO 2.3 ESPAÇOS DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL A participação social faz parte do cotidiano dos cidadãos que, de uma maneira ou de outra, sentem a necessidade de unir forças na busca de objetivos que dificilmente seriam alcançados caso fossem perseguidos de maneira isolada. No Brasil, ela pode se apresentar a partir de importantes vertentes: a participação institucionalizada e a não institucionalizada (AVRITZER, 2016). A primeira diz respeito à atuação de entidades e órgãos, como categorias sindicais, conselhos (saúde, educação, assistência social, entre outros), conferências e assembleias nos orçamentos participativos.A segunda compreende a participação não institucionalizada e se manifesta através de movimentos sociais, sem a categorização como entidade ou órgão. TÓPICO 1 — PARTICIPAÇÃO SOCIAL, CIDADANIA E AUTONOMIA 9 No Orçamento Participativo, ano a ano a comunidade é chamada a discutir suas prioridades e eleger os que irão decidir sobre a execução das obras. Há um envolvimento do maior número de pessoas possível. Numa cidade como Porto Alegre, onde essa prática já possui uma dezena de anos, dentre os 700 mil votantes, 200 mil chegam a participar diretamente nas decisões do orçamento. Ano a ano ele discutem e rediscutem sua vida, suas práticas e tomam decisões (SILVEIRA et al., 2020). NOTA A participação social pode ser reconhecida nas diferentes instâncias de poder: Legislativo, Judiciário e Executivo. No Legislativo, os cidadãos podem participar por meio do voto. Votar significa eleger representantes e confiar que eles atuarão na perspectiva de luta pelos direitos. No poder Judiciário, ela pode ocorrer na convocação para participação em júri popular, participando no julgamento de crimes dolosos contra a vida. Já a participação popular no poder Executivo pode ocorrer através dos conselhos e comitês gestores de políticas públicas, sendo que grande parte das políticas e programas implementados pelo Governo têm como exigência o controle social, tanto para garantir sua gestão quanto o acesso das pessoas para as quais os programas existem. 2.4 MARCOS NORMATIVOS REFERENTES À PARTICIPAÇÃO SOCIAL Buscar respaldo no aparato legal pode ajudar a compreender o esforço empreendido para que a população tenha possibilidades reais de participar. Jardim (2017, p. 98) apresenta uma retrospectiva histórica da Política de Assistência Social quanto ao fomento à participação. Ele destaca que “no Artigo 5º da NOB/ SUAS (2012) constam como diretrizes estruturantes da gestão o fortalecimento da relação democrática entre Estado e sociedade civil, o controle social e participação popular”. Já no Art. 3º do documento é mencionado que “as organizações de usuários são sujeitos coletivos, que expressam diversas formas de organização e de participação caracterizadas pelo protagonismo do usuário”. Nesse mesmo documento, segundo discussão de Jardim (2017, p. 100), há a apresentação da normativa que estabelece: Instâncias de mobilização e organização dos usuários para a sua participação na política, que também, consecutivamente, qualificarão a sua participação institucionalizada nas instâncias deliberativas do controle social, como os conselhos e as conferências de assistência social. UNIDADE 1 — PARTICIPAÇÃO SOCIAL, CIDADANIA, AUTONOMIA, RELAÇÕES DE CONFLITO E COMUNICAÇÃO ASSERTIVA 10 A autora apresenta registro das instâncias de organização previstas na Resolução. Segundo Jardim (2017), mesmo que sejam previsões ou algo idealizado, não significa que não devam ser perseguidas para sua efetivação. O controle social só será efetivo se for precedido de movimentos anteriores que ainda precisam ser fomentados. Organizações Caracterização Coletivos de usuários Organizam usuários tendo como referência os serviços, programas, projetos, benefícios e transferência de renda no âmbito da Política Pública de Assistência Social, com o intuito de mobilizá-los a reivindicar ações e/ou intervenções institucionais e pautar o direito socioassistencial. Associações de usuários São organizações legalmente constituídas, que têm os usuários em sua direção e que preveem, em seu estatuto, os objetivos de defesa e de garantia dos direitos de indivíduos e coletivos usuários do SUAS. Fóruns de usuários Tratam-se de organizações de usuários que têm como principal função a sua mobilização, elencando e debatendo as demandas e necessidades dos usuários, bem como temas relevantes como a articulação de políticas de atendimento que atravessam os diversos tipos de vulnerabilidade social, a integração entre serviços e benefícios, a qualidade do atendimento e a qualidade da infraestrutura disponível nos equipamentos do SUAS, dentre outros. Conselhos locais de Usuários Instituídos nos equipamentos públicos da Política de Assistência Social com o intuito de mobilização e discussão de temas relevantes relacionados ao território de vivência e de interesse imediato das famílias e coletivos, para encaminhamento ao poder público local. Rede Articulação de movimentos, associações, organizações, coletivos, dentre outras formas de organizações de usuários e usuárias para a defesa e a garantia de seus direitos. Comissões ou associações comunitárias ou de moradores Organizadas em base territorial, têm o intuito de promover esclarecimento, informação e formação da comunidade no âmbito da Assistência Social, desenvolvendo projetos comunitários relacionados à política de assistência social. QUADRO 1 – ORGANIZAÇÕES DE USUÁRIOS PREVISTAS PELA POLÍTICA PÚBLICA DE ASSIS- TÊNCIA SOCIAL FONTE: Jardim (2016, p. 98) TÓPICO 1 — PARTICIPAÇÃO SOCIAL, CIDADANIA E AUTONOMIA 11 Mesmo que o tema desta unidade não seja a Política de Assistência Social (e, no caso do registro das instâncias, mais propriamente a Proteção Básica), a apresentação quer demonstrar possibilidades de espaços de participação e protagonismo. Para aprofundar essa temática, sugerimos que assistam ao documentário PALMAS, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=yuXbEPQUbD8. DICAS 3 CIDADANIA: ENTENDIMENTO CONCEITUAL Cidadania e participação social são conceitos que se inter-relacionam e dizem respeito à apropriação pelos indivíduos do direito de construção democrática de seus destinos. Dessa colocação advém a ideia de que a democracia é uma das principais ferramentas para o acesso à cidadania, visto que ela pressupõe participação intensa dos cidadãos no processo de sua construção. Para Magalhães Filho (2002, p. 114): Estado Democrático de Direito é aquele que se estrutura através de uma democracia representativa, participativa e pluralista, bem como o que garante a realização prática dos direitos fundamentais, inclusive dos direitos sociais, através de instrumentos apropriados conferidos aos cidadãos, sempre tendo em vista a dignidade humana. Não iremos aprofundar a discussão sobre cidadania, visto que o Livro Didático Direitos humanos e cidadania apresenta um material muito rico em informações sobre o tema. Neste livro trabalhamos a relação entre cidadania e participação social. FONTE: PEIRITZ, V. L. H.; BONETTI, J. C. S.; FRANZMANN, N. M. Direitos humanos e cidadania. Indaial: UNIASSELVI, 2016. DICAS UNIDADE 1 — PARTICIPAÇÃO SOCIAL, CIDADANIA, AUTONOMIA, RELAÇÕES DE CONFLITO E COMUNICAÇÃO ASSERTIVA 12 O termo cidadania pode ser problematizado a partir de uma visita aos antigos gregos. Na busca da compreensão das práticas desse povo é possível identificar o que pode ser chamado de verdadeira cidadania. As discussões sobre o destino das suas cidades eram realizadas em praça pública. Não bastava sentar- se na praça para ser considerado cidadão, era necessário que se falasse. Alguém era considerado cidadão somente no momento em que desse sua opinião, expressasse seus desejos, planejasse a construção da cidade. Qualquer discussão sobre cidadania precisa contemplar a discussão de Marshall (1967) em seu famoso livro publicado originalmente em 1950, Citizenship and Social Class, para quem cidadania é um status adquirido por toda e qualquer pessoa que tem participação integral na comunidade ou na sociedade à qual pertence, e de onde advém um código de direitos e deveres a serem seguidos por todos. A cidadania, nessa perspectiva, tem relação com um conjunto de direitos civis, políticose sociais que podem ser reivindicados pela população: • Cidadania civil, os direitos de liberdade da pessoa que tiveram um desenvolvimento significativo no século XVIII. • Cidadania política, ou os direitos de participar na vida política, conquistados pelas classes trabalhadoras no curso da luta pela igualdade política no século XIX. • Cidadania social, que consiste no reconhecimento e ampliação, durante o século XX, de uma série de direitos sociais em períodos de desemprego e de doença, para permitir às pessoas participarem do bem-estar econômico e social da comunidade. Cidadania, nessa perspectiva, atende ao que é preconizado por Hannah Arendt (2010), quando diz que o ser “cidadão” implica em ser membro de uma comunidade. É o direito a ter direitos, que pressupõe igualdade, liberdade e a própria existência e dignidade humana. Coutinho (2008, p. 50-51) define cidadania como: [...] capacidade conquistada por alguns indivíduos, ou (no caso de uma democracia efetiva) por todos os indivíduos, de se apropriarem dos bens socialmente criados, de atualizarem todas as potencialidades de realização humana abertas pela vida social em cada contexto, historicamente determinado. Essa conceituação introduz a ideia de construção, visto que, para o autor, a cidadania não é algo dado aos indivíduos permanentemente, não é algo que vem de cima para baixo, mas é uma conquista, resultado de um processo histórico de longa duração, uma luta firme e constante, travada quase sempre a partir de baixo, das classes subalternas. Dessa forma, é importante insistir que, em sua plenitude, a cidadania só se consolida na presença da participação social, entendida, como já foi apresentado, como ação coletiva, consciente e voluntária. Convém assinalar que a falta de uma cultura de participação, aliada à lógica individualista e competitiva instauradas, muitas vezes é obstáculo a uma participação mais efetiva na vida comunitária. TÓPICO 1 — PARTICIPAÇÃO SOCIAL, CIDADANIA E AUTONOMIA 13 Esta segunda forma de pensar a cidadania promove, então, um modelo de participação ativa dos cidadãos nas instituições e nos serviços públicos. Para Coutinho (2008), essa forma de conceituar cidadania vai além da reivindicação dos direitos já consagrados na constituição. Trata-se da cidadania ativa, uma importante dimensão da política social. A relação entre cidadania e democracia aparece na noção apresentada por Marilena Chauí (1984), para quem cidadania deve ser compreendida pelos princípios da democracia, o que significa conquista e consolidação social e política. Para ela a cidadania exige instituições, mediações e comportamentos próprios, constituindo-se na criação de espaços sociais de lutas (movimentos sociais, sindicais e populares) e na definição de instituições permanentes para a expressão política, como partidos, legislação e órgãos do poder público. NOTA Não se trata de cidadania passiva, mas sim cidadania ativa, aquela que designa o cidadão como alguém que tem direitos e deveres, mas prioritariamente alguém com condições de criar direitos para abrir novos espaços de participação política. A autora, ao defender a cidadania ativa, fala da importância de ampliação dos direitos políticos para que o cidadão possa ampliar a participação no processo das decisões de interesse público. Cidadania, nessa perspectiva, introduz a ideia de participação da população em uma comunidade política, gerando pertencimento social. Isso pressupõe a internalização de normas partilhadas, cujas diferenças podem ser superadas por meio de discussões públicas e respeito às leis, fundamentadas na ideia de bem comum. 3.1 CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA NO BRASIL Falar em construção diz respeito ao processo histórico, o que significa falar da dinamicidade da vida, algo que não está finalizado, que existe um devir a ser considerado. No Brasil, a prática da cidadania ainda não se concretizou, muito provavelmente devido aos problemas socioeconômicos que ainda perduram no contexto do país, mesmo considerando o advento da Constituição de 1988, que privilegia os direitos fundamentais e a dignidade humana. A conquista do direito de ser cidadão ainda sofre influências dos tempos da colonização. A primeira grande conquista de cidadania, mesmo considerando todas as inverdades relacionadas a esse feito, foi a abolição da escravatura, UNIDADE 1 — PARTICIPAÇÃO SOCIAL, CIDADANIA, AUTONOMIA, RELAÇÕES DE CONFLITO E COMUNICAÇÃO ASSERTIVA 14 que, para Carvalho (2008), foi um fato mais formal que real, considerando que aos libertos não foram oportunizadas possibilidades de participação quanto a emprego, educação e terras. O autor enfatiza que um número considerável voltou para as fazendas e muitos outros se juntaram à já existente população desempregada. Outro pequeno avanço rumo à cidadania no Brasil a ser considerado, é o movimento operário, que se iniciou em 1917, perdendo força por causa das sucessivas repressões sofridas e das deportações de estrangeiros. Em 1930, pode ser identificada nova força quando o movimento operário luta para ter reconhecidos seus direitos sociais, através da busca pela criação de legislação específica trabalhista, como regulamentação de horários, descanso e férias. As carências no plano da cidadania na história brasileira são muitas. Saes (2001) apresenta uma lista, que pode ajudar a entender essas carências em termos de cidadania política: • ausência do voto feminino, do voto secreto e de uma Justiça Eleitoral de cunho burocrático e profissional, até o Código Eleitoral de 1932 e a Constituição Federal de 1934; • limitação prática do exercício do direito de voto durante toda a Primeira República, por obra da submissão da maioria do eleitorado a práticas coronelísticas; • crescimento constante, desde a redemocratização do Regime Político em 1945, do clientelismo urbano, como instrumento de deformação das vontades no plano eleitoral; • supressão total (no caso do Estado Novo) ou quase total (no caso do Regime Militar) dos direitos políticos etc. Várias idas e vindas marcaram a construção da cidadania no Brasil. Atualmente, essa se dá de maneira heterogênea porque, quando se garante os direitos políticos, os diretos civis e sociais são ignorados ou fragmentados e, assim, intercalam-se na posição que ocupam, deixando sempre uma lacuna na garantia plena da cidadania, porque a democracia se faz através da garantia de todos os direitos e não somente de um em detrimento do outro. Com o surgimento do pensamento dos novos liberais, os mais otimistas pensariam que haveria uma mudança mais efetiva na visão de cidadania. Então foi a vez da população que, não compreendendo o sentido real da democracia, reivindicou uma cidadania coronelista, que dizia mais respeito ao direito de ser livre pelo poder econômico e ao direito de consumir do que à consciência de serem igualmente merecedores desses direitos (CARVALHO, 2008). Romper com esse pensamento individualista a respeito da cidadania e promover conhecimento emancipatório é sair do senso comum para uma apropriação coletiva na garantia da cidadania. A participação deve ser a mola propulsora da democracia. Isso é importante quando se fala na noção de cidadania TÓPICO 1 — PARTICIPAÇÃO SOCIAL, CIDADANIA E AUTONOMIA 15 no Brasil, pois pode ser reconhecida uma certa ambiguidade, tanto na vertente mais progressista, quanto na conservadora. Posições de “direita” e “esquerda” estão, assim, na pauta da discussão. Para a esquerda, segundo Benevides (1994), muitas vezes, cidadania é apenas aparência de democracia, pois discrimina cidadãos de primeira, segunda, terceira ou nenhuma classe, acabando por reforçar adesigualdade. Para a direita, a cidadania torna-se indesejável e até ameaçadora, pois a elite depende do oposto do controle público para a manutenção dos seus privilégios. A elite tem a tendência de considerar a desigualdade legítima e os excluídos uma classe de perigosos. Essa discussão parte do pressuposto que no Brasil as reformas sociais nunca visaram à cidadania democrática. Foram realizadas reformas institucionais, econômicas e sociais. Entretanto não foi alterado o acesso à justiça, segurança, distribuição de renda e tantas outras que efetivamente viabilizassem inclusão social, deixando de pensar em direitos só para alguns que vivem sob determinadas condições. É importante enfatizar que, na teoria constitucional moderna, cidadão é o indivíduo que tem um vínculo jurídico com o Estado. Esse cidadão é portador de direitos e deveres anteriormente definidos por um marco legal, que lhe confere um senso de pertencimento social, através da nacionalidade. Os cidadãos brasileiros são, em tese, livres e iguais perante a lei, entretanto uma pergunta parece crucial: até que ponto, em uma sociedade marcada pela desigualdade e desequilíbrios é possível pensar em cidadania e fazê-la funcionar de forma ativa? Até que ponto é possível vincular participação popular/cidadania e consolidação da democracia? É claro que essa questão não tem resposta pronta e acabada. Entretanto é possível entender a participação popular como uma forma de aprendizado para a cidadania. Isso implica em superar a argumentação amplamente divulgada de que o povo brasileiro é apático e despreparado e, dessa forma, incapaz de participar de decisões que lhe dizem respeito. Torna-se, assim, impreterível reconhecer que a cidadania emancipa o sujeito e o torna autônomo para participar de mudanças societárias, para promover a democracia, que se entende por um sistema político exercido majoritariamente e não imposto pela minoria sobre a maioria. Essa forma de entender a participação popular do brasileiro nos convida à discussão da categoria autonomia. É sobre isso que versa o próximo item. UNIDADE 1 — PARTICIPAÇÃO SOCIAL, CIDADANIA, AUTONOMIA, RELAÇÕES DE CONFLITO E COMUNICAÇÃO ASSERTIVA 16 4 AUTONOMIA: COMPREENSÃO CONCEITUAL E CONTEXTUAL Em uma perspectiva etimológica, o termo “autonomia” é formado pelas palavras gregas: autós – que significa “por si mesmo” – e nomos, que é traduzida por “lei”. Assim, autonomia é a capacidade de autodeterminação (BLACKBURN, 1997). Entretanto, conforme Zatti (2007), essa capacidade não pode ser entendida como absoluta, tampouco como sinônimo de autossuficiência. Autonomia diz respeito à capacidade de dar a si a própria lei ou a faculdade ou competência de realizar algo. O primeiro aspecto vincula-se à liberdade, fantasia, imaginação e decisão. Já o segundo, relaciona-se ao poder ou à capacidade de fazer (ZATTI, 2007). A autonomia, para o autor, passa a ser real quando as duas categorias, liberdade e poder, estão presentes. Agir com autonomia, no sentido apresentado, consiste em ter capacidade de eleger opções sobre o que fazer e sobre como fazer. Um agente é autônomo quando suas ações são verdadeiramente suas (BLACKBURN, 1997). Não é só ser livre para agir, mas, acima de tudo, ser capaz de eleger objetivos e crenças, poder valorá-los e sentir-se responsável pelas escolhas. Pereira (2002) relaciona autonomia com cidadania, ao referir que a primeira é uma necessidade básica fundamental para o exercício da cidadania. Nessa perspectiva, autonomia é entendida como “a capacidade do indivíduo de eleger objetivos e crenças, de valorá-los com discernimento e de pô-los em prática sem opressões” (PEREIRA, 2002 p. 70). O desenvolvimento da autonomia vai implicar a apropriação que o sujeito tem da sua própria força no contexto em que as necessidades e as possibilidades se inscrevem, articulando as três variáveis em um processo de negação da tutela e da subalternidade, decidindo sobre seu próprio destino. A perspectiva ampla, referida no início desta unidade, diz respeito às condições socio-históricas em que a maior parte da população brasileira vive. Essa realidade condiciona o sujeito a uma situação que o impossibilita de construir-se integralmente, seja em aspectos éticos, políticos, estéticos ou culturais. Essas são marcas que se opõem à possibilidade de autonomia, considerando que, segundo Zatti (2007, p. 9-10), “a autonomia engloba tanto a liberdade de dar a si os próprios princípios, quanto à capacidade de realizar os próprios projetos”. A concepção de autonomia está atrelada à concepção de cidadão enquanto sujeito que dá razão e sentido a sua existência e que, vivendo em sociedade, é verdadeiramente parte dela, por produzir ação no contexto onde vive. Guzzo (2002, p. 109) afirma que “autonomia conduz diretamente à cidadania. Autônomo não é o indivíduo isolado: autônomo é o sujeito ativo, sujeito da práxis. Ao lutarmos por autonomia, o fazemos porque a desejamos para todos”. TÓPICO 1 — PARTICIPAÇÃO SOCIAL, CIDADANIA E AUTONOMIA 17 Dessa forma, autonomia é compreendida como a capacidade de um sujeito para realizar escolhas, questionamentos, decisão e ações na vida privada e atuar na esfera pública condizente com valores socioculturais e normas coletivas. Essa noção de autonomia atende ao que é preconizado por Freire. Segundo o pensador brasileiro, a autonomia propicia ao ser humano a libertação do determinismo neoliberal, assumindo que a história é um tempo de possibilidades. Ainda, conforme a prática freireana, “uma tarefa fundamental no ato de educar seria fundamentalmente a autonomia do direito pessoal na construção de uma sociedade democrática que a todos respeita e dignifica” (MACHADO, 2009, p. 56). 4.1 CONSTITUIÇÃO DE UM SUJEITO AUTÔNOMO A prerrogativa inicial para o desenvolvimento da autonomia é a possibilidade do sujeito se encontrar livre de qualquer jugo imposto por outros indivíduos ou instituições. Somente dessa forma ele pode viver livre de opressão. Para Pereira (2002), que identifica a autonomia como necessidade básica fundamental para o exercício da cidadania, é necessário considerar três níveis de autonomia individual, que interferem diretamente na possibilidade ou não do exercício da cidadania: a saúde mental do sujeito, entendida como capacidade de definir prioridades para a sua vida; a possibilidade de se reconhecer no processo de construção de sua identidade e subjetividade; a capacidade de se apropriar das próprias possibilidades e das impossibilidades de participação na sociedade. Um segundo nível, descrito pela autora, diz respeito à habilidade cognitiva do sujeito, que representa o grau de compreensão que ele tem de si mesmo e de sua cultura, sua capacidade de definir prioridades para si e as suas oportunidades objetivas de ação. Por último, a oportunidade de participação que possibilita o acesso aos meios objetivos para exercer papéis sociais significativos na sua vida social e cultural. Na ausência de qualquer uma dessas categorias, ocorrerão sérias restrições à autonomia pessoal, as quais podem ser causadas por diferentes fatores, que vão desde regras culturais (exclusão de minorias de certos papéis), circunstâncias econômicas (desempregos ou pobreza), até sobrecargas de demandas conflitivas (dupla jornada de trabalho da mulher) (DOYAL; GOUCH, 1991 apud PEREIRA, 2002, p. 72). Portanto, o desenvolvimento da autonomia vai implicar, em um primeiro momento, a apropriação da força do sujeito no contexto em que as necessidades e as possibilidades se inscrevem, articulando as três variáveis em um processo de negação da tutela e da subalternidade, decidindo sobre seu próprio destino. UNIDADE 1 — PARTICIPAÇÃO SOCIAL, CIDADANIA, AUTONOMIA, RELAÇÕES DE CONFLITO E COMUNICAÇÃO ASSERTIVA 18 Na busca de identificar fatoresque podem interferir na autonomização do sujeito, Couto (2006, p. 40) refere que há dois tipos de liberdade que interferem na autonomia. A primeira é a liberdade positiva, que possui o sentido ideal de que as práticas humanas seriam guiadas pela razão em prol das necessidades comunitárias, objetivando a autorrealização e emancipação do homem enquanto início, meio e fim de seus atos. Outra forma é a concepção negativa da liberdade, que diz respeito somente às escolhas individuais e pode ser entendida como independência, o que faz com que o sujeito ignore as necessidades coletivas em detrimento das suas vontades. O que está em jogo nessa discussão é a relação a práticas que buscam o bem comum e práticas centradas no desenvolvimento individual. Para Faleiros (2010), a autonomia é a base mais sólida na promoção da cidadania. Visto que um cidadão sem autonomia é um cidadão sem identidade, que não se conhece e reconhece como sujeito de direito e, por isso, não exerce seus papéis sociais, deixando essa outorga à mercê do Estado. Para compreender o porquê da despersonalização na identidade autônoma, é necessário percorrer o caminho inverso na construção da cidadania. Assim, podemos definir cidadania como um processo de emancipação do homem, que o tornará livre, capaz de se organizar e se reorganizar, e de exercer plenamente o seu direito democrático de cidadão. A práxis cidadã não ocorre sem que sejam expostas diferenças individuais ou coletivas, de diferentes ordens, sejam elas culturais, políticas ou religiosas. Como consequência, surgem conflitos que, mesmo fazendo parte da natureza humana, posto que cada indivíduo possui características únicas e pensamentos diversos, tendem a tensionar relacionamentos. A grande questão que será discutida na Unidade 2 é como entender e lidar com esses conflitos através de caminhos que privilegiem a construção de processos democráticos conscientes. 19 Neste tópico, você aprendeu que: • A participação social faz parte do cotidiano dos cidadãos que, de uma maneira ou de outra, sentem a necessidade de unir forças na busca de objetivos que dificilmente seriam alcançados caso fossem perseguidos de maneira isolada. • No Brasil a participação pode se apresentar a partir de importantes vertentes: a participação institucionalizada e a não institucionalizada. A primeira diz respeito à atuação de entidades e órgãos, como categorias sindicais, conselhos (saúde, educação, assistência social, entre outros), conferências e assembleias nos orçamentos participativos. A segunda compreende a participação não institucionalizada e se manifesta através de movimentos sociais, sem a categorização como entidade ou órgão. • O ato de participar adquire sentido quando está vinculado à construção de um projeto de sociedade. • A Constituição Federal de 1988 é o marco da legalidade da questão social, um avanço na gestão das cidades, uma nova forma que na teoria exibe que o poder de decisão não mais se restringe a pequenos grupos com poder econômico e político, mas também à sociedade civil. • A democracia é uma das principais ferramentas para o acesso à cidadania, visto que ela pressupõe participação intensa dos cidadãos no processo de sua construção. • Qualquer discussão sobre cidadania precisa contemplar a discussão de Marshall (1967) em seu famoso livro publicado originalmente em 1950, Citizenship and Social Class, para quem cidadania é um status adquirido por toda e qualquer pessoa que tem participação integral na comunidade, ou da sociedade à qual pertence, e de onde advém um código de direitos e deveres a serem seguidos por todos. A cidadania, nessa perspectiva, tem relação com um conjunto de direitos civis, políticos e sociais que podem ser reivindicados pela população. • A autonomia é entendida como a capacidade do indivíduo de eleger objetivos e crenças, de valorá-los com discernimento e de pô-los em prática sem opressões. • O desenvolvimento da autonomia vai implicar a apropriação que o sujeito tem da sua própria força no contexto em que as necessidades e as possibilidades se inscrevem, em um processo de negação da tutela e da subalternidade, quando ele decide sobre seu próprio destino. RESUMO DO TÓPICO 1 20 • A autonomia é a base mais sólida na promoção da cidadania, visto que um cidadão sem autonomia é um cidadão sem identidade, que não se conhece e reconhece como sujeito de direito e, por isso, não exerce seus papéis sociais, deixando essa outorga à mercê do Estado. 21 1 O conhecimento sobre cidadania precisa contemplar a discussão de Marshall (CITIZENSHIP AND SOCIAL CLASS, 1950), para quem cidadania tem relação com um conjunto de direitos civis, políticos e sociais que podem ser reivindicados pela população. Baseado na concepção de Marshall, assinale a alternativa INCORRETA: Baseado na concepção de Marshall, assinale a alternativa incorreta: a) ( ) Cidadania civil diz respeito aos direitos de liberdade da pessoa. b) ( ) Cidadania política consiste na possibilidade de as pessoas participarem do bem-estar econômico da comunidade. c) ( ) Cidadania social diz respeito ao reconhecimento e ampliação de direitos relacionados a empregabilidade, saúde, entre outros. d) ( ) Cidadania política está relacionada aos direitos de participar na vida política. e) ( ) Os direitos sociais tiverem reconhecimento e ampliação durante o século XX. AUTOATIVIDADE 22 23 TÓPICO 2 — UNIDADE 1 RELAÇÕES DE CONFLITO 1 INTRODUÇÃO Desde que o Homo sapiens percebeu que viver em comunidade poderia ajudar a garantir a sua sobrevivência e, consequentemente, a perpetuação da espécie, ele se tornou um ser social. Uma vez que não possuía garras ou dentes afiados, não era veloz, nem possuía veneno ou uma couraça capaz de protegê-lo das ameaças de um mundo inóspito e selvagem, viver em comunidade trouxe muitas vantagens, tais como o desenvolvimento da linguagem, da comunicação e da criação coletiva. Se por um lado viver em grupo formando comunidades trouxe benefícios, por outro, incluiu a convivência e as relações entre indivíduos possuidores de visões de mundo muito diversas. Viver em comunidade sempre representou desafios, pois cada indivíduo é possuidor de valores, opiniões e interesses próprios e distintos, que precisam ser negociados com o outro o tempo inteiro, para que assim seja possível viabilizar a participação social em uma lógica autônoma e cidadã. Por isso, a necessidade de uma comunicação eficaz é imprescindível. Atualmente, a vida acontece em um mundo globalizado, onde muitos problemas enfrentados têm a ver com a convivência entre as pessoas. As ameaças enfrentadas hoje já não são as mesmas da Pré-História. Hoje a vida se dá em comunidades cada vez mais ampliadas, a comunicação se tornou muito mais rápida e os conflitos acontecem cotidianamente. Apesar de ser capaz de resolver muitas questões do dia a dia de maneira satisfatória, o ser humano pode e deve abrir espaço para pensar e desenvolver habilidades que possibilitem a resolução de conflitos de modos mais eficazes. Este tópico tem como objetivo apresentar possibilidades de transformação de conflitos potencialmente destrutivos em oportunidades de geração de opções e soluções mais satisfatórias para os agentes envolvidos. 2 MODERNA TEORIA DO CONFLITO O ser humano é essencialmente social, está o tempo todo se relacionando e interagindo com o outro. Essa interação, de modo geral, produz desconforto quando não está claro o que o outro quer, pensa, sente ou deseja, isto é, o ser humano lida com muitos aspectos desconhecidos em relação aos seus pares, apenas baseando-se em suposições. 24 UNIDADE 1 — PARTICIPAÇÃO SOCIAL, CIDADANIA, AUTONOMIA, RELAÇÕES DE CONFLITO E COMUNICAÇÃO ASSERTIVA A visão de mundo do outro é incerta e,por isso, a convivência, essencial para a sobrevivência do ser humano, torna-se tão desafiadora. É a partir da necessidade humana de convivência e, ao mesmo tempo, deste estranhamento do outro, de visões diferentes de mundo, que os conflitos emergem. Segundo Jean-Marie Muller (2007), o conflito significa o confronto da vontade de um com a vontade do outro, pois cada um deseja vencer a resistência alheia, o que remete à rivalidade, competição. De modo geral, o conflito produz ideia de oposição, de divisão entre as pessoas, que passam a ser um obstáculo para a satisfação pessoal. Portanto, o conflito pode ser visto como uma crise, um impasse na relação com o outro. Se as diferenças fazem parte das relações e da própria condição humana, é possível afirmar que o conflito é inerente às relações humanas. Para Fernanda Tartuce (2018), a maioria das pessoas veem o conflito como embate, oposição, briga, luta e, por causa dessas nomenclaturas, o conflito costuma também ser sinônimo de “controvérsia”, “disputa”, “lide” e “litígio”, remetendo ao entendimento de crise nas interações. FIGURA 2 – O CONFLITO COMO SINÔNIMO DE DISPUTA FONTE: <https://hypescience.com/wp-content/uploads/2014/05/8--838x721.jpg>. Acesso em: 21 jan. 2020. Como vimos, as relações humanas são permeadas pelas diferenças, envolvendo percepções, valores, posições e interesses diversos. Dessa forma, é possível afirmar que o conflito é parte integrante dessas relações. Segundo Eduardo Vasconcelos (2014), é impossível uma relação interpessoal ser totalmente consensual, pois cada pessoa possui uma gama infinita de experiências, visões de mundo diferentes, construídas a partir de vivências únicas e, em alguma medida, mesmo nas relações mais afetivas, haverá discordância e, portanto, algum grau de conflito estará presente. TÓPICO 2 — RELAÇÕES DE CONFLITO 25 A Moderna Teoria do Conflito percebe o conflito como fato natural, um importante fenômeno inerente às relações, pois caso o conflito seja pensado como algo a ser combatido ou evitado, é possível que os envolvidos caiam na armadilha de impossibilitar a sua solução de maneira construtiva. O conflito visto como algo negativo impede o diálogo, a busca do entendimento, e acaba por fomentar a disputa, o confronto e, consequentemente, várias formas de violência. Nesse ponto de vista, é possível encarar o conflito em si como um acontecimento neutro, nem positivo nem negativo. É possível afirmar que, dependendo da maneira como se lida com o conflito, ele pode se tornar fonte de discussões, brigas e rompimentos, tornando-se, assim, negativo. Por outro lado, quando a partir dele, através do diálogo, houver a busca por soluções conjuntas para as questões postas, ele pode evoluir para a construção de novas combinações que possam satisfazer a todos os envolvidos, fortalecendo laços de convivência, tornando-se fonte de mudanças positivas. De acordo com John Paul Lederach (2012), o conflito é algo normal nos relacionamentos humanos e, assim, é encarado como motor de transformações e mudanças tanto nos relacionamentos interpessoais quanto num âmbito maior, estimulando a construção de comunidades mais saudáveis. A visão do conflito como algo a ser eliminado, suprimido da sociedade, como se a paz fosse a sua ausência, não se sustenta mais. Enxergar e compreender o todo, através de uma visão sistêmica, significa entender o conflito como uma situação que, quando bem conduzida, pode vir a trazer mudanças positivas e significativas, além da oportunidade de ganhos mútuos, tanto para o indivíduo quanto para a comunidade a qual pertence. Nesse sentido, Vasconcelos (2014, p. 25) aponta que os conflitos decorrem da convivência social do homem com suas contradições e pode ser dividido em quatro pontos que se incidem cumulativamente: • Conflitos de valores – morais, ideológicos, religiosos. • Conflitos de informação – informações incompletas, distorcidas, conotações negativas. • Conflitos estruturais – diferentes circunstâncias sociais, políticas e econômicas dos envolvidos. • Conflitos de interesses – reivindicação de bens e direitos de interesse comum e contraditório. Quando o conflito é tratado de modo destrutivo, ou seja, quando há enfraquecimento ou rompimento das relações devido à competitividade com que é tratado, na perspectiva de vencedores e perdedores, é possível perceber expansão do conflito em uma espiral crescente. Nesses casos, os envolvidos frequentemente perdem o foco das causas iniciais da questão. Por outro lado, quando encarado de forma construtiva, o conflito fortalece as relações. 26 UNIDADE 1 — PARTICIPAÇÃO SOCIAL, CIDADANIA, AUTONOMIA, RELAÇÕES DE CONFLITO E COMUNICAÇÃO ASSERTIVA Existem vários caminhos e estratégias para lidar com conflitos: negá-los, fugir deles, ignorá-los, ceder, barganhar etc. Por outro lado, é possível escolher cooperar, integrar as diferentes opiniões e construir algo novo a partir dessas divergências. Sendo assim, é possível afirmar que existem duas estratégias principais de tratamento dos conflitos: uma distributiva, baseada na competição e foco na escassez dos recursos, e outra integrativa, que visa “aumentar o bolo”, sendo que os envolvidos buscam a cooperação como estratégia principal. Quando a busca de soluções cooperativas e integrativas é a estratégia escolhida, as chances de fortalecimento dos laços interpessoais e comunitários tendem a aumentar, estreitando as relações, trazendo inúmeros benefícios aos envolvidos. Fato é que não existe uma forma única de tratamento dos conflitos, e a estratégia escolhida pode variar de acordo com o grau de envolvimento, a importância dada às relações e o próprio bem-estar dos envolvidos. David Bohn (2005) destaca que, caso as pessoas decidam cooperar necessitam criar algo que seja comum aos envolvidos no processo comunicacional, pois cada uma delas ouvirá a outra de acordo com o filtro de suas experiências pessoais. Para ele, estar aberto a novas ideias e pontos de vista pode ser bastante desafiador, mas possível. Importante enfatizar que, caso as pessoas realmente desejem viver em harmonia com elas próprias e com seus pares, resolvendo diferenças de maneira construtiva sem evitar o conflito, utilizando-o como mola propulsora de mudanças importantes, elas precisam ser capazes de comunicar de forma clara, estando atentas as suas próprias necessidades, bem como às necessidades dos outros, possibilitando, assim, a expressão e construção de diálogos mais saudáveis. 27 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • Os seres humanos são seres únicos, eminentemente sociais, estão o tempo todo interagindo uns com os outros e dessas interações emergem os conflitos. Isso acontece porque cada um tem vivências, valores e visões de mundo diferentes. Conviver com essas diferenças é um constante desafio. • O conflito é uma sinalização de que algo nas relações precisa ser revisto, repensado, recompactuado. • A moderna teoria do conflito encara o conflito como um evento neutro, nem bom, nem ruim. O que determinará sua essência será a forma como cada um lida com ele: ᵒ Se encarado de forma positiva, como fator de mudança de comportamentos e regras que não servem mais à sociedade e aos cidadãos, o conflito pode trazer transformações necessárias e possibilidade de ganhos múltiplos para os envolvidos, reforçando laços e abrindo espaço para a construção conjunta de mudanças necessárias. ᵒ Se encarado como uma competição sobre quem está certo e quem está errado, buscando estabelecer vencedores e vencidos, será atribuído um caráter destrutivo ao conflito. 28 1 Como o conflito pode ser definido? 2 Os conflitos decorrem da convivência social do homem com suas