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GESTÃO DE SERVIÇOS SOCIAIS AULA 3 Prof.ª Carla Andréia Alves da Silva Marcelino 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, falaremos da gestão social separada pela natureza da oferta dos serviços sociais: públicos governamentais e públicos não governamentais (ofertados pelo terceiro setor). O foco desta aula é a gestão dos serviços sociais públicos estatais. Além de questões de alinhamento conceitual, veremos como o Estado concretiza expressões da questão social que geram demandas por serviços públicos em políticas públicas que ofertem serviços que deem respostas a estas demandas. É muito comum assistentes sociais assumirem processos de gestão governamentais e almejarem de início implantar novos serviços, programas ou projetos, mas acabarem esbarrando em questões orçamentárias. Por que isso acontece? Por que na área pública não fazem o que não esteja no orçamento previamente indicado? Como inserir pautas no orçamento público? Assim, vamos tentar responder à pergunta: como um problema social se transforma em problema de Estado? Para isso, vamos apresentar o ciclo das políticas públicas em suas diversas fases e seus principais instrumentos: os planos plurianuais, as leis de diretrizes orçamentárias e as leis orçamentárias anuais, os quais são fundamentais de serem dominados pelo assistente social quando estiver no exercício da sua profissão, especialmente quando estiver atuando em processos de gestão de serviços públicos. TEMA 1 – GESTÃO SOCIAL PÚBLICA – PRINCÍPIOS Kauchakje, Gonçalves e Moreira (2015) relatam que a gestão pública de serviços sociais, no Brasil, teve seu ápice com a Constituição Federal de 1988, com a prerrogativa posta de asseguramento dos direitos sociais a todos os cidadãos brasileiros, com a primazia da oferta deles pelo Estado, especialmente em relação à seguridade social e à educação, além de trazer à baila outros direitos, como a segurança alimentar e a moradia digna. Nesse sentido, os referidos autores reforçam que a gestão pública de serviços sociais está ligada diretamente à oferta de serviços que vão garantir direitos e cidadania à população: A gestão social refere-se à gestão de ações sociais públicas para o atendimento de necessidades e demandas dos cidadãos, no sentido de garantir os seus direitos por meio de políticas, programas, projetos e serviços sociais. A garantia de direitos se concretiza por meio de 3 políticas públicas que são instrumentos de ação do governo a serem desenvolvidas em programas, projetos e serviços de interesse da sociedade. (Kauchakje, 2007, p. 26-27) Atuar na gestão social de serviços públicos perpassa por um processo que envolve negociação e conciliação de conflitos entre o interesse da população e o interesse do Estado, decidindo coletivamente sobre o que deve ser feito, por que, como, por quem e para quem, conforme pondera Fisher (2002). Nesse sentido, o assistente social ocupar um espaço desse é de suma importância, pois estando imbricado no poder de Estado, as possibilidades de assegurar direitos para a população são ampliadas, já que temos uma formação crítica e compromissada com os direitos da classe trabalhadora e da população em maior vulnerabilidade. Apesar de estarmos falando de gestão social, não temos como nos furtar de que nós, do Serviço Social, não pensamos em gestão que não seja dessa forma (social), mas ao estarmos ocupando o poder de Estado, estaremos também sujeitos às regras da administração pública, muito pautadas na gestão estratégica, apresentando alguns princípios constitucionais que devem ser seguidos por todos os gestores. Assista à videoaula na qual trabalharemos mais sobre os princípios da gestão pública de serviços sociais. TEMA 2 – CICLO DA ELABORAÇÃO E OFERTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS – DEFINIÇÃO DE PROBLEMAS E FORMAÇÃO DE AGENDA Para que um serviço social público chegue à população usuária, é necessário que antes um caminho seja seguido e nem sempre, a depender do momento em que se está no ciclo das políticas públicas, é possível começar algo novo ou ampliar algo existente, pois além da vontade política de fazer o serviço acontecer, é necessário que haja recurso para tal e que esse recurso esteja disponível no orçamento público para essa finalidade. Vale lembrar-nos de que todo serviço social advém de uma política pública maior e não é isolado no tempo e espaço. Por se tratar de dinheiro público, há processos formais a serem seguidos, os quais visam dar transparência aos atos, permitir a participação popular, conforme preconiza a Constituição Federal de 1988, bem como seguir alguns ritos necessários, os quais são chamados de fases do ciclo das políticas públicas. Na videoaula, apresentaremos o diagrama desse ciclo e o 4 explicaremos passo a passo, destacando que as fases não são estanques e nem lineares e podem, muitas vezes por lapsos, outras por necessidade, não seguirem a ordem apresentada. Reconhece-se nesse processo, segundo Reader (2014), no mínimo cinco fases: a) percepção e definição de problemas; b) formação de agenda decisória; c) formulação de programas e projetos; d) implementação das políticas delineadas; e) monitoramento e avaliação. Assista à videoaula, na qual abordaremos os dois primeiros itens: definição de problemas e inclusão desses problemas na agenda decisória das políticas públicas. Para que uma política pública seja democrática, é necessário um amplo debate com a população envolvida e com a sociedade civil, para que os serviços sociais atendam de fato às necessidades e assegurem os direitos sociais. Nesse sentido, Rico e Raichelis (1999, p. 10) afirmam: A gestão das políticas sociais só poderá produzir respostas consistentes se e quando as pressões e reivindicações dos movimentos da sociedade civil organizada conseguirem penetrar na agenda estatal, transformando demandas sociais em políticas públicas que assegurem o seu alargamento e a consolidação da cidadania para as maiorias. TEMA 3 – CICLO DA ELABORAÇÃO E OFERTA DE POLÍTICAS PÚBLICAS – FORMULAÇÃO DE PROGRAMA E PROJETOS, IMPLANTAÇÃO E AVALIAÇÃO Incluída na agenda a expressão da questão social que se quer enfrentar, a qual na literatura de gestão social encontramos como “o problema”, parte-se para a formulação propriamente dita de uma política que possa enfrentar tal situação, por meio de serviços sociais que chegarão à população. Definida essa agenda, é necessário que existam recursos orçamentários para que uma política seja planejada, implantada e implementada, lembrando que o pacto federativo brasileiro estabelece uma responsabilidade tripartite no financiamento destas, devendo ser disponibilizados recursos federais, estaduais e municipais. Sobre o ciclo do orçamento, falaremos no nosso próximo tema. Sempre que se iniciar um processo de formulação, é necessário um diagnóstico da situação, até para que se estabeleçam indicadores que, mais tarde, servirão para avaliar as políticas ofertadas e saber se estas enfrentaram os problemas postos. Feita essa “fotografia” do cenário atual, passa-se à formulação de estratégias de enfrentamento. É a etapa de se responder à pergunta: como? Esta é uma fase importante de tomada de decisão para o 5 gestor, pois as ações, para que sejam factíveis, precisam dar respostas e precisam ter à disposição recursos materiais e humanos para que se tornem realidade. Muitas vezes, no processo real, é a disponibilidade orçamentária do momento que define a amplitude e o alcance de uma política pública, implicando uma tomada de decisão puramente racional e muitas vezes unidimensional. Com base nisso, constroem-se os programas e os projetos, os quais nos oferecerão a diretriz para a ação, até chegarmos à oferta dos serviços sociais. Após a elaboração dos programas e projetos, passa-se à fase de implementação, definida por Secchi (2012,p. 55) como “aquela em que as regras, rotinas e processos sociais são convertidos de intenções em ações”. Neste processo de tornar realidade para a população uma política planejada, passa-se pela regulamentação das políticas e serviços, pela divulgação e pelas formas de prestação do serviço. Após o início da prestação do serviço público, iniciam-se as fases de monitoramento e avaliação. Assista à videoaula em que explicaremos as etapas de formulação, implantação e avaliação das políticas públicas. TEMA 4 – CICLO ORÇAMENTÁRIO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS – PLANO DE GOVERNO E PLANO PLURIANUAL Os serviços sociais advindos das políticas sociais públicas são financiados com recursos públicos, os quais, apesar de serem geridos pelo Estado, pertencem a todos os cidadãos. O recurso público, também conhecido como receita pública, que financia as políticas vem de tributos pagos por todos nós, como o IPVA, IPTU, Imposto de Renda, ICMS, ISS; as taxas cobradas pelo Estado também se revertem em recursos para financiar as políticas públicas, tais como as taxas pagas nos Departamentos de Trânsito para fazer ou renovar a carteira de habilitação ou as tarifas pagas para solicitar alvarás. Porém, esses recursos não podem ser gastos a esmo, conforme a vontade do gestor. Eles devem passar pelo ciclo orçamentário e estar previstos nos instrumentos de gestão e nas chamadas peças orçamentárias, das quais fazem parte o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Você já ouviu falar em Plano de Governo? Se sim, antes de votar nas últimas eleições, você procurou saber o que continha o plano de governo do seu candidato a prefeito, governador ou presidente? Esse plano é um instrumento 6 obrigatório, no qual cada candidato, ao registrar sua candidatura, registra também suas intenções e suas prioridades se vier a ser o chefe do poder executivo. Portanto, é importante trabalhar para que as pessoas se envolvam na construção dos planos de seus candidatos, pois se uma expressão da questão social estiver contemplada nesse plano, certamente ela estará na agenda de governo. Se não estiver, o prefeito, govenador ou presidente poderá ser cobrado por isso. Já o Plano Plurianual é um instrumento elaborado pelo poder executivo, no qual constam os objetivos, as metas e as previsões orçamentárias para cada quatro anos de gestão. Vale ressaltar que esses quatro anos não coincidem com os mesmos quatro anos que dura um mandato de chefe do poder executivo. O PPA é elaborado durante o primeiro ano de uma gestão e se estende pelos quatro anos subsequentes. Portanto, um candidato eleito, no seu primeiro ano de gestão, terá que cumprir as metas físicas e orçamentárias do último ano de PPA do gestor anterior e somente poderá executar o PPA elaborado por sua equipe nos três anos posteriores. Assim, é possível perceber que é um instrumento fundamental para a política pública, pois se um tema não estiver ali contemplado, possivelmente ele não entrará na agenda pública e não haverá serviço público que possa ser ofertado para enfrentá-lo. Assista à videoaula para saber mais sobre o PPA. TEMA 5 – LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL E LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS Como visto no tema anterior, o ciclo orçamentário tem três peças: PPA, LDO e LOA, os quais precisam estar obrigatoriamente alinhados. Enquanto o PPA é elaborado a cada quatro anos, a LDO e LOA são propostas pelo poder executivo anualmente ao poder legislativo, que pode aprovar, reprovar ou propor emendas (ajustes). A LDO é elaborada normalmente até o mês de abril ou maio e é aprovada pelo poder legislativo no mês de julho de cada ano, para vigorar no exercício seguinte (nome dado ao ano, na gestão pública). Enquanto o PPA prevê as ações estratégicas, com valores ideais de quanto estas ações custariam, a LDO ajusta esse orçamento ideal ao orçamento real que o Estado terá para suas ações. Ou seja, na LDO são consideradas as metas do PPA versus a receita prevista para o Estado e, assim, faz-se o ajuste do que poderá ser de fato 7 executado e de quanto se terá disponível para o exercício seguinte. Por exemplo, se o Estado não prever na sua LDO valores para cobrir o aumento anual do salário mínimo, não poderá conceder tal aumento no ano posterior. Normalmente, a LDO estabelece os limites de gastos do Estado para o ano posterior. A LOA, último instrumento das peças orçamentárias, é o orçamento do próximo ano, propriamente dito, desdobrado inclusive por áreas, conforme os tetos já estabelecidos antes na LDO. Na LOA, todos os gastos do governo devem estar previstos em detalhes, prevendo as receitas, os gastos com as políticas públicas e os investimentos, tais como obras. Quando da execução do orçamento, as despesas devem acompanhar as arrecadações previstas, caso contrário, o Estado terá um déficit orçamentário. A LOA normalmente é proposta pelo poder executivo no início do segundo semestre de cada ano, devendo ser aprovada até o final de dezembro de cada exercício, para vigorar no ano seguinte. Assista às videoaulas para compreender melhor sobre as peças orçamentárias públicas. Saiba mais Assista ao vídeo a seguir, o qual oferta uma explicação adicional bem clara sobre o PPA, a LDO e a LOA. VILLAÇA, E. Noções básicas de Orçamento Público - PPA, LDO e LOA. 23 abr. 2017. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ZfECBTbuDsU>. Acesso em: 22 jul. 2019. NA PRÁTICA Conheça, no link a seguir, o Programa Leite das Crianças, existente no Estado do Paraná, gerido pelo governo estadual. Tal programa surgiu em função de dois problemas que foram pautados para a gestão: desnutrição de crianças, que afetava, além de outras coisas, a aprendizagem; e os baixos preços pagos pelas indústrias leiteiras aos produtores rurais de leite, incluindo os produtores assentados, gerando excedentes do produto, os quais os produtores negavam- se a vender aos preços ofertados pelo mercado. Diante dessa pauta, o governo inseriu os temas na sua agenda, previu em seu orçamento recursos e propôs o Programa Leite das Crianças, o qual consiste na compra de leite direto dos 8 pequenos produtores previamente cadastrados e selecionados e entrega do produto, diariamente, para famílias selecionadas pelo programa. Para operacionalizar, o governo adquiriu freezers adequados e colocou em escolas públicas estratégicas, fazendo a entrega diária do leite às famílias. Assim, uniram-se agendas pela segurança alimentar e nutricional e pelo incentivo e geração de renda aos pequenos produtores rurais. <http://www.leitedascriancas.pr.gov.br/> Para compreender melhor esta aula, sugerimos que você busque na internet o PPA, a LDO e a LOA do seu município. Normalmente, essas informações podem ser encontradas no sítio eletrônico da Câmara de Vereadores ou na Secretária Municipal responsável pela área de planejamento do município. FINALIZANDO Como já visto em todo o decorrer do curso de Serviço Social, as políticas sociais estatais têm sido responsáveis pela oferta da maior parte dos campos e postos de trabalho do Serviço Social. Cada vez mais assistentes sociais vêm sendo chamados aos postos de gestão, especialmente após a aprovação da lei que criou o Sistema Único de Assistência Social no ano de 2012. Porém, não há como ser um gestor de política pública sem compreender o ciclo dessas políticas e as peças orçamentárias, compreendendo assim como os temas se inserem na agenda pública, como recursos são levantados pelo Estado e de que forma se pode alinhar as demandas à agenda e a agenda ao orçamento público, já que, sem financiamento, não há a oferta de serviços sociais à população. Visando dar um panorama geral sobre a gestão pública de serviços sociais, iniciamos esta aula abordando questões conceituais acerca da gestão social na área pública,vendo que os serviços sociais são a fase terminal das políticas sociais, as quais são formuladas e geridas de forma a transformarem- se em direitos sociais e cidadania para a população. Na sequência, debatemos um pouco sobre o ciclo das políticas públicas, na intenção de compreender como uma expressão da questão social se transforma de um problema social para um problema público que deve ser enfrentado pelo Estado, pautando agendas de governo, orçamentos e programas e projetos que precisam dar respostas a estas manifestações das expressões da questão social. Por fim, vimos que, para que existam políticas públicas, estas precisam ter seu financiamento assegurado no 9 orçamento público, o qual tem sua aplicação definida com base nas peças orçamentárias: PPA, LDO e LOA. O assistente social, como gestor de serviços sociais, precisa dominar tais instrumentos de gestão para que possa orientar a população a participar da formulação de tais peças, bem como ele próprio participar e inserir na agenda de Estado pautas que assegurem os diretos das parcelas mais vulneráveis da população. 10 REFERÊNCIAS FISHER, T. Poderes locais, desenvolvimento e gestão: introdução a uma agenda. In: FISCHER, T. (Org.). Gestão do desenvolvimento e poderes locais: marcos teóricos e avaliação. Salvador: Casa da Qualidade, 2002. KAUCHAKJE, S. Gestão pública de serviços sociais. Curitiba: Ibpex, 2007. KAUCHAKJE, S.; GONÇALVES, M. T.; MOREIRA, T. A. Modalidades de gestão social no Brasil. Revista InSitu, São Paulo, v. 1, n. 2, p. 131-154, 2015. READER, S. Ciclo de políticas: uma abordagem integradora dos modelos para análise de políticas públicas. Revista Perspectivas em Políticas Públicas, Belo Horizonte, v. VII, n. 13, p. 121-146, jan./jun. 2014. RICO, E. de M.; RAICHELIS, R. Gestão social: uma questão em debate. São Paulo: EDUC: IEE, 1999.