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Filosofia Contemporânea Rosana de Oliveira Filosofia Contemporânea 2 Introdução A rigor, a filosofia contemporânea compreende toda a produção filosófica iniciada no século XX, de modo que a fenomenologia, o existencialismo e o empirismo lógico podem ser classificados nesta periodização. Você deve se lembrar que nossa abordagem ao longo dos conteúdos buscaram destacar essas filosofias a partir da relação com a modernidade. Já neste conteúdo, vamos abordar a filosofia contemporânea, em particular a chamada teoria crítica, que assume um lugar no debate público cuja ressonância chega até os dias atuais por inaugurar um novo modo de filosofar. Na base deste novo pensamento se encontra tanto a adoção do marxismo como ponto de partida filosófico quanto a ocorrência das experiências totalitárias, que exigiram da reflexão filosófica uma atenção especial para compreender não só o que possibilitou tais experiências, mas como evitá-las. Nesse sentido, razão, diagnóstico e emancipação se tornaram algumas das palavras-chave para entender a sociedade, apoiando-se em suas diversas formas de expressão, como na educação e na arte. Objetivos da Aprendizagem • compreender o projeto da Escola de Frankfurt enquanto crítica da razão. • tematizar as consequências do avanço tecnológico para as produções humanas científicas e artísticas. • examinar as relações entre educação e sociedade após Auschwitz. • analisar as relações entre arte, técnica e sociedade. 3 Para aonde nos leva a razão? O termo razão veio à tona em variados momentos no estudo da filosofia. Isso porque a história da filosofia é a história e o desenvolvimento da razão, seja ao se diferenciar do mito, seja ao se diferenciar da fé até alcançar o ponto da modernidade, quando a razão se torna conceito central para Kant, com seu projeto crítico da razão pura e da razão prática para Hegel, e é retomada por Husserl. Entretanto, no período da filosofia contemporânea surge outra concepção de razão, intimamente ligada aos acontecimentos do mundo. No contexto dos movimentos totalitários, da Segunda Guerra Mundial e da ascensão capitalista, teóricos começam a identificar que a humanidade se encaminhava para o retorno à barbárie. Nesse sentido, como pensar a razão? Esta se tornou uma das preocupações fundamentais da filosofia contemporânea, sobretudo dos pensadores da Teoria Crítica e em sua vertente denominada Escola de Frankfurt, que vamos estudar neste conteúdo. Escola de Frankfurt Costuma-se denominar Escola de Frankfurt a reunião interdisciplinar de pesquisadores participantes do Instituto de Pesquisa Social no período aproximado de 1950. O instituto surgiu em 1923, em Frankfurt, na Alemanha, como um projeto de Felix Weil com participação de Friedrich Pollock e, posteriormente, de Max Horkheimer, com o intuito de desenvolver investigações interdisciplinares a partir do referencial teórico de Marx. Nesse sentido, o marxismo era o ponto de partida para as pesquisas em áreas como filosofia, economia, sociologia e política, mas sem implicar uma adesão partidária. Tratava-se de um grupo interdisciplinar que, mesmo agrupado em um referencial teórico comum, tinha por vezes opiniões divergentes. Na década de 1930, Horkheimer (1895-1973) assume a direção do instituto e publica o ensaio “Teoria tradicional e teoria crítica”, no qual apresenta a teoria tradicional como normativa e focada na ocorrência e no encadeamento dos fenômenos e menos na ação no mundo, sobretudo, quando se trata das ciências humanas. Sobre a teoria crítica, vamos abordar mais à frente, por enquanto, basta indicar que Horkheimer insiste nas relações entre teoria e prática. De todo modo, o grupo do Instituto de Pesquisa Social passa a ser tratado sob o nome de “teoria crítica”. Até então, o nome Escola de Frankfurt ainda não era usado. No período da direção de Horkheimer, a orientação marxista do instituto, sediado em terras alemãs em plena ascensão do nazismo, culmina na transferência da instituição 4 para os EUA. Para lá imigra a maioria dos seus teóricos que permanecem em atividade até por volta de 1950, quando o Instituto retorna para a Alemanha. É quando começa a se reforçar a denominação Escola de Frankfurt, referindo-se mais especificamente aos teóricos participantes do Instituto de Pesquisa Social que retornaram à Alemanha e ali passaram a se pronunciar publicamente tanto sobre o recente passado da experiência totalitária nazista quanto sobre o presente, sobre os rumos da sociedade em sentido mais amplo, como nas consequências do capitalismo. Os autores dessa fase destacam-se, além de Horkheimer, Adorno (1903-1969) e Marcuse (1898-1979). Do referencial teórico de Marx, esses pensadores guardam em comum a ideia marxista de um diagnóstico do tempo presente e da possibilidade de emancipação. Quando estudamos a filosofia de Marx, abordamo-la primeiramente em contraposição ao idealismo, e indicamos brevemente o diagnóstico de Marx sobre o capitalismo. Para nossa compreensão da teoria crítica, é importante reter que Marx coloca no centro de sua teoria materialista a ideia de produção e do trabalho, seja do ponto de vista da mercadoria, seja do próprio trabalho enquanto mercadoria. Isso porque o capitalismo se assenta sobre duas categorias principais, a dos capitalistas, que detêm os meios de produção, e a do proletariado, que só pode vender sua força de trabalho. Nessa troca, porém, o trabalhador recebe menos do que sua força de trabalho representa, e o que sobra desta equação é chamado mais-valia, que gera o lucro para o capitalista. Quando mencionamos a análise de Marx sobre as novas fontes de energia com a Revolução Industrial, estava presente ali outro aspecto importante: a separação entre a força de trabalho, isto é, o homem, e o instrumento de trabalho que surge sob a nova forma da ferramenta e que permite produzir os bens a serem trocados. Daí o aprofundamento cada vez maior da alienação e do fetichismo da mercadoria. A ideia de emancipação surge como possibilidade inscrita no próprio regime capitalista à medida que Marx enxergava no capitalismo a orientação para a possibilidade de liberdade e de igualdade, mas uma possibilidade que era condicionada pela revolução do proletariado e pela supressão do capitalismo. Esse potencial emancipatório chama a atenção da teoria crítica e passa a ser um dos seus pontos capitais. Partindo desse pano de fundo teórico em que se sobressaem o diagnóstico de tempo e a orientação para emancipação, a teoria crítica se desenvolve em várias perspectivas. Uma delas é a do materialismo interdisciplinar; outra é a da “Dialética do Esclarecimento”, onde Adorno e Horkheimer analisam o Iluminismo – ou esclarecimento – como operador do desencantamento de mundo, valendo-se da acepção de Max Weber. Haveria no Iluminismo um movimento, que não se restringe unicamente a este período, que é o movimento da razão – que por meio das diversas teorias, busca uma “desmitologização do pensamento” (GHIRALDELLI JR, 2011, p.23) e se constitui como 5 um tipo específico de razão, da qual também a ciência estaria impregnada. A esta razão damos o nome de razão ou racionalidade instrumental. A razão ou racionalidade instrumental, ou ainda razão iluminista, significa que a razão, num determinado momento da humanidade, passa a funcionar como meio para dominação, isto é, a razão, os saberes e a ciência são instrumentalizados em prol da opressão. Atenção Ao redor da ideia de racionalidade instrumental se organizaram os teóricos da chamada primeira geração da Escola de Frankfurt, tendo como membros, além de Adorno e Horkheimer, Marcuse e Pollock, dentre outros. De acordo com eles, haveria algo como um desvio da razão, que se torna instrumental e passa a atuar na dominação dos homens. Se pensarmos no contexto da experiência nazista –anos distante da primeira geração da Escola de Frankfurt –, seria uma espécie de desvio da razão desse tipo que o arquiteto Peter Eisenmanquis destacar no Monumento do Holocausto, de 2005, em Berlim: a ideia era representar o desconforto e a instabilidade gerados pela perda de contato entre um sistema pretensamente ordenado, racional, e os homens. Figura 1 - Memorial do Holocausto Fonte: Plataforma Deduca (2018). Da orientação dos teóricos da primeira geração sucedeu-se a segunda geração da Escola de Frankfurt, cujo nome principal foi Habermas (1929-), outrora assistente 6 de Adorno. Aqui entra em cena a continuidade de uma modificação no que toca um conceito fundamental para o marxismo, o trabalho: A primeira geração da teoria crítica começou a desconfiar do potencial emancipatório inscrito no conceito de trabalho, denunciando não apenas a justificação positiva que as forças produtivas, interpretadas depois pela chave da razão instrumental, chegaram a exercer no modelo de Marx e do marxismo, mas também reagindo contra determinada visão economicista misturada a tentativas insuficientes de uma crítica da economia política (...)” (MELO, 2013b, p. 26-27). Ora, se a primeira geração havia identificado esta desconfiança quanto ao paradigma marxista da produção, Habermas, na segunda geração, a leva à frente por notar que a capacidade transformadora do trabalho não tinha mais alcance como na teoria marxista. Outro ponto de interesse para Habermas era a tese de Marcuse da ciência como ideologia, à medida que, por conta da razão instrumental, ela encobre os processos que de fato ocorrem. Contra esses pontos, Habermas pensa a comunicação e as formas de interação baseadas na linguagem, e propõe outra forma de razão, a razão comunicativa, na sua teoria chamada de teoria da ação comunicativa, desenvolvida especialmente na obra “Teoria do agir comunicativo”: A teoria da ação comunicativa é uma ‘volta ao início’ com o intuito de estabelecer o ideal de uma razão cuja forma aparece tanto no exercício da linguagem quanto na ação, uma razão que se sustenta no médium da linguagem e alcança objetividade no agir orientado ao entendimento (REESE-SHÄFER, 2009, p. 178) (QUINTANA, 2014, p. 239). A teoria da ação comunicativa também representa o lugar de Habermas na teoria crítica enquanto diferenciação de uma concepção de razão voltada para a relação entre sujeito-objeto, tal como era na modernidade, substituída pela concepção que coloca os próprios indivíduos em relação, uma teoria da intersubjetividade (QUINTANA, 2014, p. 240). Tal teoria parte da ideia da linguagem, através da intercambialidade de argumentos, como ferramenta de transformação, tanto de aspectos objetivos, quanto subjetivos e sociais. Os efeitos das teses de Habermas eram tão fortes que se colocou em discussão se suas teorias representavam uma sequência ou uma descontinuidade da Escola de Frankfurt. De todo modo, a ideia de intersubjetividade presente na teoria da ação comunicativa de Habermas inspira Honneth (1949-), que foi seu assistente e um dos principais 7 nomes da terceira geração da Escola de Frankfurt, a formular uma nova orientação para a teoria crítica: Honneth entendeu ser necessário investigar mais a fundo o que estaria na base de toda intersubjetividade comunicativa: a tarefa da teoria crítica consistiria antes em compreender a gramática moral do conflito que subjaz a toda interação social (MELO, 2013a, p. 145). De acordo com isso, o conceito de reconhecimento, tema central na obra “Luta por reconhecimento - A Gramática Moral dos Conflitos Sociais”, de Axel Honneth se torna o cerne de sua teoria e possibilita que pesquisas sobre temas da antropologia, tais como questões de gênero e raça passem a integrar o repertório do Instituto. Um desses casos é o do trabalho de Nancy Fraser (1947), que, ao tratar de questões de justiça, aborda o par reconhecimento-redistribuição: populações em ação na luta por reconhecimento exigem diferenciação dos grupos, enquanto populações em ação na luta por redistribuição pregam a desdiferenciarão, isto é, a dissolução das diferenças, de modo que a tarefa é conciliar estas duas perspectivas, em princípio opostas, da diferença e da igualdade. O dilema redistribuição-reconhecimento nas questões de gênero e de raça representa a possibilidade de conflito entre soluções. Por um lado, prega-se a afirmação das identidades para o reconhecimento social; por outro, prega-se a dissolução das diferenças para a distribuição econômica. Você consegue pensar em alguma solução para o dilema entre igualdade e diferença? Reflita Considerando o que apresentamos até aqui, nota-se então que a teoria crítica e a Escola de Frankfurt passaram por várias gerações e por vários teóricos. Observe no quadro a seguir um resumo da Escola de Frankfurt. Gerações Teóricos Característica/Linha de pensa- mento 1. Geração Horkheimer, Adorno Razão instrumental 2. Geração Habermas Teoria do agir comunicativo 8 3. Geração Honneth Reconhecimento Quadro 1 - Escola de Frankfurt: gerações e teóricos Fonte: Elaborado pela autora (2018). Assim, na Escola de Frankfurt, podemos perceber o mecanismo da frequente reformulação de suas teses para estar em conformidade com seu objetivo originário de diagnóstico do presente e, a partir dele, elaborar prognósticos para o futuro na efetivação da emancipação. Dessa forma, mais do que por um conjunto de teses fixas – tal como seria a teoria tradicional – a teoria crítica progride pela sua atualização e revisão constantes e aponta sempre para a perspectiva interdisciplinar. Barbárie, emancipação e educação A partir da ideia da racionalidade instrumental, a identificação do encaminhamento para a barbárie se estende, com Adorno, para outro campo, o da educação. Em variados escritos sobre educação e emancipação, Adorno coloca não apenas a tentativa de compreensão da experiência nazista, mas a necessidade de evitá-la, uma vez que a barbárie, tal como a psicanálise a conceitua, nasce e se encontra ligada à própria civilização de modo irreversível. A interpretação de Freud, na obra “O mal-estar na civilização”, é o que levaria Adorno a tal conclusão. Sem a pretensão de criar planos educacionais, Adorno coloca a necessidade de se despertar para a consciência coletiva dos fatos e de personalidades autoritárias e manipuladoras, de modo que a educação teria de assumir um caráter sociológico, centrada na ideia da constituição do eu forte. Frente a esta espécie de sentença definitiva da relação entre barbárie e civilização, a saída seria rumar para o elemento subjetivo de modo a analisar os culpados e tais personalidades (GHIRALDELLI JR, 2011). Em seus escritos sobre educação, o autor afirma a necessidade de uma educação humanística, voltada à construção da consciência crítica, que torna o sujeito pleno de autonomia, capaz de refletir sobre as contradições do coletivo e resistir aos processos alienantes, opressores e massificadores. 9 Figura 2 - A educação tem papel central no enfrentamento da barbárie Fonte: Plataforma Deduca (2018). É interessante aqui contrapor a interpretação de Adorno a outra interpretação da filosofia contemporânea, a de Hannah Arendt (1906-1975). Mas antes é preciso explicar o papel de Arendt nos acontecimentos da época. Arendt escreve a obra “As origens do totalitarismo”, na qual analisa a constituição histórica do antissemitismo anterior ao nazismo e atua como jornalista ao cobrir o julgamento de Adolf Eichmann, em Jerusalém, pelos crimes do genocídio. A partir desse julgamento é formulada a ideia da banalidade do mal. Arendt, no livro “Eichmann em Jerusalém – um relato sobre a banalidade do mal” observa que Eichmann não representava uma figura sádica e cruel, mas, sim, cumpria o dever de modo burocrático.Daí surge a percepção de que o indivíduo que cumpria ordens perversas era um indivíduo substituível, isto é, outra pessoa poderia ter sido responsável pelas mesmas atrocidades cometidas, deixando de lado uma personificação do mal. Acrescente-se a isso a própria origem judaica de Arendt, que a leva a emigrarpara os EUA, onde dá prosseguimento ao seu trabalho e também escreve sobre educação. Considerando, sobretudo, o contexto da educação americana, com seus pressupostos de relações sociais como as geradas pela imigração, Arendt identifica uma crise educacional, descrita como resultado de uma crise maior, própria do mundo moderno. Ora, ao dar ênfase na crise da educação americana, Arendt não só tem plena consciência do contexto mundial como ressalta que, frente à gravidade dos acontecimentos da Segunda Guerra e do pós-guerra, uma crise da educação como a que os EUA presenciavam parecia um fato de menor importância. Entretanto, aponta ela, a demonstração da relevância de tal crise é o fato de que ela se tornou política e extrapolou o campo pedagógico. 10 O fato de a crise na educação se tornar uma questão política, especificamente nos EUA, tem a ver com o papel que a educação desempenha ali. Em primeiro lugar, por ser um território preponderantemente de imigrantes, e pelo ímpeto por uma nova ordem mundial – como consta na nota do dólar – desemboca-se na atenção ao novo, sintetizado na figura da criança. Característica das utopias políticas, esta forma de pensamento constitui o que Arendt chama de pathos do novo, que transforma a educação em um instrumento da política. Como veremos a seguir, este pathos do novo representa um conflito para a concepção arendtiana de educação, que parte da ideia da natalidade, entendendo tal conceito não a partir da perspectiva biológica, mas sim essencialmente política, uma vez que é a partir da natalidade que surge espaço de participação, responsabilidade e pertencimento. Arendt não acredita na relação entre política e educação. Pelo contrário, enquanto vê a política como campo de inovação e ideias em constante renovação, motivados por objetivos de liberdade e igualdade, defende uma educação conservadora, conduzida pelos adultos que devem instruir as crianças. Não entende adultos e crianças como iguais, sendo a política campo estrito dos primeiros. Por isso, a educação nos EUA teve a realização de projetos pedagógicos progressistas. O perfil político do país resulta também na crise da autoridade do professor, quando seu princípio de igualdade se estende à relação professor-aluno. Arendt, em seu escrito “A crise na Educação”, apresenta o que se chama de três pressupostos básicos prejudiciais à educação, explicados abaixo: 1. O isolamento da criança no mundo infantil, ao qual o adulto não tem acesso, mas no qual a criança se encontra à mercê de uma maioria e não se libertaria. 2. O pragmatismo educacional, que teria transformado a pedagogia em conteú- do generalista, uma das causas da crise da autoridade do professor. A au- toridade se baseava no fato de que ele sabia mais e estava apto a ensinar a matéria. No sentido pragmático, importa mais o modo ou a própria ação do ensinar, o pragmatismo prescinde do conteúdo. 3. A teoria moderna da aprendizagem, numa possível referência a John Dewey. Nessa teoria, em vez do aprendizado, o foco estaria na ação, no fazer, em ha- bilidades que deixariam de lado o currículo padrão. Daí a ideia da substituição do trabalho pelo brincar, que restringe a criança ao mundo da infância. Com base nos pontos elencados, a sociedade falharia ao preparar a criança para o mundo dos adultos. 11 De acordo com os pontos expostos podemos perceber que Adorno e Arendt veriam de modo diferente a relação entre política, sociedade e educação, como apresentado no quadro logo a seguir. Para Arendt, por mais que a educação devesse ser um dos pontos de atenção da sociedade e de engajamento de todos, ela não deve se tornar um instrumento político, pois os agentes da política não são os mesmos da educação; a educação deveria se direcionar para preparar as crianças para o mundo. Já Adorno, veria uma função social na educação no campo da política, para evitar o retorno da barbárie. Pensadores Ideias Arendt Educação como natalidade: seres nascem para o mundo. É contrária à visão da educação como instrumento da política. Adorno Educação para evitar a barbárie. Quadro 2 - Ideias de Arendt e Adorno Fonte: Elaborado pelas autoras (2018). Indústria Cultural Tratamos aqui de alguns teóricos declaradamente ligados à Escola de Frankfurt, como Adorno e Horkheimer. Havia, porém, outros teóricos próximos à Escola, como Walter Benjamin (1892-1940), que contribuiu para os debates sem nunca de fato se associar ao grupo. Uma de suas teses centrais abordou a relação entre a arte e a sociedade, especialmente no escrito “A Obra de Arte na Era da Sua Reprodutibilidade Técnica”. O pano de fundo para a tese de Benjamin era o desenvolvimento técnico que possibilitava a reprodução em massa de obras de arte, que o autor abordou sob a ideia da reprodutibilidade técnica da obra de arte, com exemplos como os da fotografia e do cinema. A reprodução, que sempre fora uma possibilidade, torna-se agora real, mas implica em modificações na obra de arte. Com a reprodução, perde-se a autenticidade da obra, que consiste na sua relação com a tradição, bem como se perde também sua aura. Para Benjamin, o conceito de aura refere-se ao caráter de existência singular e única da obra, um aparecer-aqui-e-agora, que, mesmo assim, causa naquele que consome a obra o efeito de um distanciamento. 12 Figura 3 - Meios de comunicação em massa Fonte: Plataforma Deduca (2018). Mas há também outras implicações: a técnica pode oferecer alguns elementos a mais que o original, até mesmo em sentido técnico. Benjamin se vale do exemplo da fotografia. Com a lente, é possível captar mais detalhes do que o olho é capaz e, ademais, a reprodução pode diminuir a distância entre o indivíduo e a obra, como ocorria no original. No limite, para Benjamin, até mesmo a perda da aura seria passível de um efeito positivo já que permite a maior disseminação da arte pela sua reprodutibilidade, ainda que sob o peso da perda da autenticidade, isto é, do aqui e agora da obra. Haveria, então, uma dimensão política na perda da aura da obra de arte à medida que se apresenta uma possibilidade de democratização das obras. Com isso, os meios de comunicação em massa teriam um “potencial revolucionário” (HERWITZ, 2010, p. 83). Essa dimensão política se expressa também pela modificação do tratamento que era aplicado à arte antigamente, no qual as obras adquiriam sua aura a partir da função de ritual, ligadas, portanto, à teologia e, contra isso, a obra de arte na era da reprodutibilidade tem uma função social. Considerando esses aspectos, estaria em jogo uma autonomia da obra de arte em relação à religião. Já Adorno e Horkheimer expressaram outro ponto de vista sobre a reprodutibilidade da obra de arte na “Dialética do Esclarecimento” com a introdução da ideia da indústria cultural. De acordo com a ideia, a cultura neste momento padecia dos mesmos problemas identificados com a razão instrumental: com a propagação dos meios de comunicação em massa, ela se transformaria em mercadoria, em entretenimento, na ideologia do negócio, e entraria na própria lógica capitalista. É preciso aqui diferenciar dois conceitos: de um lado haveria a cultura de massas, que representaria uma 13 criação da própria população, e de outro a indústria cultural, que estaria vinculada ao capitalismo e aos seus efeitos nocivos. Cultura de massas Cultura de massas Representa a criação da própria população Vinculada ao capitalismo e seus efeitos nocivos Figura 4 - Cultura de massas e indústria cultural Fonte: Elaborada pela autora (2018). Como consequência, o acesso à cultura e ao entretenimento enquanto lazer se daria de modo programado como uma extensão do próprio trabalho, e só haveria a oferta do mesmo tipo de entretenimento padronizado. Como ideologia, o consumidor não perceberia esta ilusão, mas seria a ideia por trás dos mass media, os meios de comunicação em massa, como a televisão, o rádio e o cinema e, sobretudo, com o avanço da propaganda,quando passa a ocorrer quase uma fusão entre arte e publicidade. A propaganda, com seus recursos como os slogans, incorpora um uso persuasivo da linguagem em favor do consumismo e da manutenção do sistema.. Os meios de comunicação em massa partilhariam então de uma mesma possibilidade de alienação que víamos com Marx no contexto da produção, mas agora quanto à cultura, isto é, entre o indivíduo e os produtos culturais que ele consome. Assim, o ponto em que Benjamin vê como a possibilidade de democratização da cultura, Adorno e Horkheimer veem como o lado negativo de transformação da cultura em mercadoria acrítica. Os meios de comunicação em massa e seu potencial alienatório foram, e ainda são, objetos da ficção científica. Livros como “1984”, de George Orwell – que deu origem ao programa televisivo Big Brother – e “Fahrenheit 451”, de Ray Bradbury, destacam o papel dos meios de comunicação na construção de suas distopias. Curiosidade 14 Conclusão Vimos neste conteúdo alguns dos pontos centrais da filosofia contemporânea, que vamos agora resumir. • Teoria crítica foi uma revisão da teoria tradicional, orientada pela ideia de teo- ria como um conjunto de certezas, em lugar da qual se institui a teoria como uma relação com a prática com comportamento crítico. O referencial teórico é o marxismo no que diz respeito ao diagnóstico do tempo presente e à atenção para com a emancipação. • Um determinado conjunto de teóricos da teoria crítica, composto especialmen- te ao redor de Adorno e Horkheimer, é designado como Escola de Frankfurt. Com eles surge o modelo de teoria crítica centrado na ideia de razão instru- mental, isto é, de que o percurso da razão a transformou em um instrumento de dominação, e de que o esclarecimento contribuiu para isso. Para esta ideia contribuíram o exame dos eventos da época como a ascensão do nazismo e do capitalismo. Foi a chamada primeira geração da Escola de Frankfurt. • A segunda geração identifica alguns pontos fracos tanto na matriz teórica do marxismo quanto no próprio conceito de razão instrumental. Contra isso, Habermas se direciona para as relações intersubjetivas e desenvolve o con- ceito de razão comunicativa e a teoria do agir comunicativo. • Partindo da proposta habermasiana da intersubjetividade, a terceira geração da Escola de Frankfurt analisa os conflitos nas relações intersubjetivas a par- tir do conceito de reconhecimento, aplicando-o às questões de gênero e raça. • Com Adorno, as investigações da teoria crítica se expandem para a educação, ponto em que trata das possibilidades de emancipação e da necessidade de se conter a barbárie. Como contraponto, Arendt defende que a educação não deve ter o papel de transformar a política, pois se tratam de públicos distintos. • As reflexões da teoria crítica também se encaminham para os efeitos da razão instrumental na cultura: o capitalismo absorve inclusive o lazer e transforma a diversão em expansão do trabalho, controlando o modo de diversão e o acesso aos produtos de entretenimento, que caem numa lógica massificada e dissolvida com a colaboração dos meios de comunicação em massa e o advento da propaganda. • Benjamin, que não era um membro de fato, mas esteve próximo da Escola de Frankfurt, vê de modo positivo a reprodutibilidade da arte. A reprodução possibilitaria detalhes impossíveis ao original, ainda que implicasse na perda 15 da autenticidade e da aura da arte. Mesmo assim, o ganho seria a democrati- zação da obra. A indústria cultural e os meios de comunicação em massa são temas que reconhecemos em nosso cotidiano. Para uma análise mais pormenorizada da permanência desta temática em nosso contexto, sugerimos a leitura do artigo “A atualidade da discussão sobre a indústria cultural em Theodor W. Adorno” de Jean Henrique Costa, disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ar ttext&pi- d=S0101-31732013000200009&lng=pt&nrm=iso. Saiba mais 16 Referências COSTA, J. H. A atualidade da discussão sobre a indústria cultural em Theodor W. Adorno. Trans/Form/Ação, Marília, v. 36, n. 2, p. 135-154, ago. 2013. Disponível em: http:// www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31732013000200009&lng= pt&nrm=iso. Acesso em: 15 mar. 2018. GHIRALDELLI JR, P. A aventura da filosofia II de Heidegger a Danto. Barueri, SP: Manole, 2011, p. 109-114; 117-137, HERWITZ, D. Estética. Conceitos-chave em Filosofia. Tradução de Felipe Rangel Elizalde. Porto Alegre: Artmed, 2010. MELO, R. (coord.) A teoria crítica de Axel Honneth: reconhecimento, liberdade e justiça. São Paulo: Saraiva, 2013a. ________. Marx e Habermas: teoria crítica e os sentidos da emancipação. São Paulo: Saraiva, 2013b. QUINTANA, F. Ética e política: da antiguidade clássica à contemporaneidade. São Paulo: Atlas, 2014, p. 237-257.