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セ
LEIA lAMBEM:
É o HOMEM PRODUTO DO 'ACASO?
W. A. Criswell
Refutoçõo bíblica à teoria do evolucionismo.
".....
I
O HOMEM NÃO SUBSISTEPORSI MESMO
A. C. Morrison
Estudosvisandodemonstraraos filósofos
a existênciade um Ser superior.
!. EDiÇÕES JERP
."
Cf)-o
O
r-
O
G)-:t>
C.»
.JERP
MERVAL ROSA
Professor de Psicologia da Religião no Seminário
Teológico Batista do Norte do Bras"
PSICOLOGIA DA RELlGIAO
21 edição
1979
Edição da Junta de Educação Religiosa e Publicações
da Convenção Batista Brasileira
CASA PUBLICADORA BATISTA
Caixa Postal 320 - ZC 00
Rio de Janeiro - RJ
Todos os direitos reservados. Copyright @1979 daJUERP paraa
língua portuguesa.
_.19
Ros·psl Rosa,Merval
PsIcologiada reUgIão.2. edição.Rio de Janeiro,Junta
deEducaçãoBeUgioue PubUcações,Un9.
251p.
1. Psicologiada BeUgIão.I. Título.
CDD - 200.19
Capade<leccoDi Númerodecódigopara pedidos:28.201
JuntadeEducaçãoBeUgiosae PubUC&ÇÕesda
ConvençãoBatistaBrasileira
Caixa POBtal820- CEP: R ッ ッ
RuaSUvaVale, '781 - Cavalcante- CEP:21.8'70
Rio deJaneiro,RJ,BrasU
Impressoemgráftcaspróprias
Este livro é carinhosamentededicado à minha pri-
mogênita, ANEOI, pela passagemdo seu décimo sétimo
aniversário natalício.
Recife, !5 de junho de 1969
NOTA AO LEITOR
Este livro não é umsistema de psicologia da religião, isto é,
não tem por objetivo formular uma teoria geral do comporta-
mento religioso do homem e da sociedade. Aliás,diga-se de pas-
sagem, qualquer livro hoje com tal pretensão,a nosso ver,seria
prematuro, pois ainda não temos umateoria geral do comporta-
mento humano,de carátercientifico incontestável.Temos algumas
tentativaslouváveis, masnenhumadelas podearrogar-seo direito
de considerar-sea única interpretaçãocorreta. O mesmo podemos
dizer das tentativasde formulação de teorias gerais docomporta-
mento religioso. Sãoapenastentativas,e nenhumapode conside-
rar-se melhor do que asoutras.
Cremos que, nopresente,a melhor posição teórica é manter
uma atitude critica para com todas essasteorias e prosseguirna
observaçãosistemáticado fenômenorelígíoso,até que, com a coope-
ração de vários pesquisadores,cada um estudandodeterminadoas-
pecto daexperiênciareligiosa,seja possível a formulação deteorias
gerais em basescientificasmais sólidas, que possamresistir a exame
mais sério econtribuir para a melhor compreensão desseimpor-
tante aspecto docomportamentohumano. Essaé a posiçãoteórica
do presentetrabalho. Cremos no caráter reducenteda ciência e
desconfiamos dequalquer teoria geral de comportamentoque não
seja baseadaem observaçãoempírica ou experimental.
Apesar docarátermeramenteintrodutório do presentetrabalho,
há certos princípios que permeíameste livro. Um deles, por exem-
7
plo, é a crença na causalidadedo comportamentoreligioso. teso
significa que acreditamosser o comportamentoreligioso aprendido
como aprendidaé qualqueroutra forma de comportamentohuma-
no. Mesmoadmitindo que a capacidadede comportar-sereligiosa-
mente seja natural ao homem, o conteúdo espec1f1codesse com-
portamento,contudo,é aprendido.Dai, por que algunssão reiigiosos,
e outros não o são.
o princípio da evolução efuncionalidade do comportamento
religioso é outra atitude teórica do presentevolume. Com isso que-
remos dizer que a evoluçãoespiritual do homemobedeceàs mesmas
leis gerais da evolução dasoutras dimensões desua personalidade.
wo significa, outrossim,que o comportamentoreligioso cumprepro-
pósitos especíücosem diferentes fases da evoluçãohumanae tem
característicaspeculiaresem cada uma delas.
Outra posição teórica aqui assumida é o principio crítico, se-
gundo o qual nenhumateoria sociológica,antropológica,psicológica
ou teológica deveser aceita sem discussão ouser tomada como
dogma. Acataremosas hipótesesplausíveís, porém as tomaremos
sempre como instrumento de trabalho, e nunca como axiomas ou
verdadesóbvias e indiscutíveis.
O leitor notarátambéma ausênciade tom dogmáticonas afir-
mações doautor, talvez parao constrangimentoe decepção demui-
tos. Ao invés de afirmações categóricas,o leitor encontraráum
convite ao debate e à pesquisa. Arazão principal dessaposição
teórica é que sabemostão pouco arespeito do comportamentore-
ligioso que qualquer outra atitude seria prematurae - por que
não dizer - arrogante.
Como livro didático que pretendeser, o presentevolume segue
as linhas gerais de obras congêneres.A repetiçãoé parte do estilo
didático e o leitor vai encontrar,nestetrabalho,tópicos repetidos,se
bem que,sempre que possível, com umtratamentoum pouco di-
ferente. Seguimos aqui a divisãotradicional e apresentamoscapí-
tulos que ordinariamentenão faltariam a um texto de introdução
à psicologia da religião. Oconteúdo de cada um dessescapítulos
visa chamar a atençãodo leitor para o que setem dito sobre o
assunto,atravésde uma exposiçãosimples e acessível a todos.
O livro não tem qualquerpretensãode originalidade. Trata-se,
repetimos,de obra introdutória e didática, cujo propósito é reunir,
num só lugar, informaçõesgerais Sobre o tema de que se ocupa.
O autor procura dar o devido crédito a todas as fontes de onde
extraiu informações. Muito do material, entretanto,é resultadode
assimilaçãoatravésde demoradocontatocom vários autores,o que
toma extremamentedifícil a identificação adequadade cada um
deles. Tanto quanto poss[vel, porém, asafirmaçõessão documenta-
8
das através de citaçõesdiretas ou indiretas, os autores origina1.s
são indicadose suasobras mencionadas,paraque os leitores possam
conferir o pensamentooriginal com o que se diz no texto.
Quanto à bibliografia, reconhecemos que épredominantemente
inglesa. Deve-seisso a uma circunstânciapeculiar: este livro foi
planejadoe quase todo escritoenquantoo autor se encontravanos
Estados Unidos,estudandopsicologfa. Alémdisso, não se podenegar
que quasetoda a literatura existentenesse campo é, de fato, em
língua inglesa. Esperamos,entretanto,que, em futuras edições, se
as houver, possamosampliar essabibliografia, estendendo-aa outras
literaturas.
Agora, uma palavrade agradecimento.Na realidade,somos de-
vedores atantaspessoas que, setentássemosmencioná-lasnominal-
mente, correríamoso rísco deomitir algumas. Assim sendo, quere-
mos dizer que somosgratos a todos quecontribuírampara a reali-
zação desse trabalho. De modo especial, queremosmencionar 08
segtüntescredores:
A direção da famosa biblioteca doSouthemBaptist Theological
Seminary,em Louisvllle,Kentucky, U. S. A. começando por seu di-
retor - o Dr. Crismon - pelas inúmerasatençõesdispensadasdu-
rante a fase inicial de pesquisas.
Ao Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil e a seus
alunos em particular, pelo ambienteacadêmico em que oconteúdo
deste livro foi testadoe enriquecido pelas discussões em classe.
Ao colega José AlmeidaGtümarães,pela paciênciade ler o ma-
nuscrito e tentar reduzir algumasde suasasperezasde estilo. Suas
críticas foram de inestimávelvalor, e os senões queainda restem
devem ser atríbutdos exclusivamenteao autor.
'í 'A minha ram lia - esposa e filhos - pelosaeríncícdas longas
horasem que estiveausentedo convíviofamlllar. Sem o apoioirres-
trito de minha fam1lia, este livro nãopoderia ter sido escrito. A
todos, portanto, multo obrigado.
Finalmente, desejamosagradecera qualquer leitor que, tendo
uma crítica. a fazer aopresente trabalho,escreva aoautor. Não
haja hesitação. Toda crítica honestaserá bem-vinda. Acataremos
com o mãxímo deinteressea palavrado leitor que se der aotraba-
lho de estudarcríticamenteeste livro e sobre ele sedignar de emitir
sua opinião. Esperamossua cooperação nesseparticular.
9
CONTEÚDO
DEDICATóRIA. o....... • •••••••• o ••••• • ••••• • o •••• o'
NOTA AO LEITOR ..... o •••••• o ••••••• o. o' •• o o' •••••• o o ••
Capitulo I. PSICOLOGIA DA RELIGIAO:
Páginas
5
7
Definição o o • • • • • • • • 15
H1.stória . o ••••• o • o • • • • • • • • • 19
Métodos o o....... 32
Sumário . o •••• o ••••• o , •••••• o o ••••••••• o • • • • • • • • • • 38
Capitulo n. O FENÔMENO RELIGIOSO:
Definição de Religião o ••••••••• • ••••• • ••••••• •••• o 42
Origem da. Religião 44Experiência. Religiosa. .o • • • • • • • • • • • • • • • •• • •••••• o 49
comportamentoReligioso 56
InterpretaçõesPsicológicas ' ', '.. 57
A Teoria de Freud 57
A Teoria. de Jung o' •• o o •••• o • • • • • • • • • • • • • • • • • 63
A Teoria. de Gordon Allport 66
A Teoria de Anton Bo1sen '''''''''''''''''''' 68
Sumário o ••••••••••• o o 70
Capítulo III. EVOLUÇAO DA EXPERmNCIA RELIGIOSA:
A Rel1gião da Infância .. o • o •••• o o •• o • o o •••• o •• o • • 73
A Religião da Adolescênciae da Mocidade... o • o o • • 82
A Religião do Adulto 94
A Religião da Velhice 101
Sumário .. . . . . . . . . 103
Capitulo IV. Ft E DúVIDA:
A Fé Religiosa, .. 105
Niveis de crença 107
crença e Fé 108
Funçõesda Fé 110
A Dúvida Religiosa 111
SuasCausas 115
Ateismo 115
Sumário 118
Capitulo V. CONVERSA0 RELIGIOSA:
Importânciado Assunto 120
ExemplosClássicosde conversãoReligiosa 122
O Apóstolo Paulo 124
JohnBunyan 127
GeorgeFox 130
Ramakrishna 131
O Processoda ConversãoReligiosa... 134
F.atoresda ConversãoReligiosa 135
Tipos de ConversãoReligiosa 138
Sumário 141
Capitulo VI. MATURIDADE RELIGIOSA:
Definição 144
Teorias
SigmundFreud 145
Carl Jung 145
Erich From·m 146
William James 148
Gordon Allport ., 151
Viktor FrankI 151
Sumário................... 154
Capitulo VII. ORAÇAO E AOORAÇAO:
Oração- ConteúdoBásico 157
Motivos da Oração 160
Tipos de ()raçâo ,...................... 162
Adoração- ElementosBásicos................... 166
Sumário 177
Capitulo VIII. MISTICISMO RELIGIOSO:
Importânciada ExperiênciaMística 181
Tipos de MISticismoReligioso
MíBticLsmo de Ação 183
Misticismo de Reaçã::> 184
Característicasda ExperiênciaMística 185
FatoresPsicológicosda ExperiênciaMística 189
O MétodoMístico 192
Exemplosda ExperiênciaMística 197
Sumário 207
Capitulo IX. VOCAÇAO RELIGIOSA:
SentidoBíblico de Vocação.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 210
Motivação para o MiniStério 212
PessoasInfluentes.. . . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 217
Sumário .. . . . . . . . 220
Capítulo X. RELIGIAO E SAÚDE MENTAL:
Religião e Medicina 223
FatoresReligiososnas DoençasMeIiiais 224
ContribuiçõesEspecíficasda Religião 234
Religião e Psicoterapia 236
Sumário " . . . . . . . . . . . . . . 242
BIBLIOGRAFIA GERAL 245
Capítulo I
PSICOLOGIA DA RELIGIÃO
Definição - História - MétoOOs de Estudo
Definição
Psicologia da religião é o estudo do fenõmeno religioso doponto
de vista psicológico, ouseja, a aplicação dosprincípios e métodos
da psicologia ao estudo científico docomportamentoreligioso do
homem, quer como indivíduo, quer como membro deuma comuni-
dade religiosa. Nessa definição,"comportamentoreligioso" refere-
-se a qualquer ato ou atitude, individual ou coletiva, pública ou
privada, que tenha específicareferênciaao divino ousobrenatural.
Obviamente, esse divino ousobrenaturalé definido em termos da
fé pessoal decada indivíduo.
Psicologia da religião,portanto, não é nem a defesanem a
condenaçãoda religião. Não é tampouco o estudo de um credo ou
de determinadaseita, se bem quetal estudo seja possível e até
recomendável. Psicologia da religião é o estudo descritivo e,tanto
quanto possível, objetivo do fenõmeno religioso, onde quer que ele
ocorra.
Gostaríamosde salientar aqui duas implicações dadefinição
acima sugerida.
16
Dissemos, emprimeiro lugar, que psicologia darellgilo • a apU-
cação dosprincípios e métodos da psicologia ao estudocientlfico
do comportamentoreligioso do homem, quer como indivíduo, quer
comoparte integrantede um grupo religioso. Reconhecemos quere-
ligião, especialmentedo ponto devista do seu estudo psicológico,
é algo essencialmenteindividual. Não podemosnegar, entretanto,
que essaexperiênciatipicamentepessoal seexpressatambém cole-
tivamente no comportamentodo grupo religioso. Assim sendo, o
psicólogo da religião não selimita ao estudo dos fenômenos religio-
sos'estritamentepessoais,tais como a experiênciamística, a con-
versão ou a vocação, mas seinteressatambémpor aqueles aspectos
da experiênciaque serefletem no comportamentoreligioso de uma
coletividade, tais como um ato público deadoraçãoou uma pere-
grinaçãocoletiva a umlugar sagrado.
Dissemos, outrossim, que a psicologia da religiãoé o estudo
objetivo do fenômeno religioso, onde quer que ele ocorra. Não se
limita, conseqüentemente,à determinadareligião ou a uma seita
particular. Portanto, quando o psicólogo da religiãoestuda fenô-
menos como a oração, a conversão religiosa ou o misticismo,tanto
quanto possível, eleprocura apresentá-loscomo experiênciasreli-
giosas comuns a indivíduos das maisvariadas crenças.
Convémsalientar,entretanto,que, na maioria dos casos, o con-
teúdo deste livro seaplica quase exclusivamenteà descrição e
à interpretaçãodo fenômenotal como se observa nocristianismo,
e especialmentedentro da tradição protestante. Procuraremosde-
monstrar, entretanto,que mesmo aqueles aspectos daexperiência
religiosa quealguémsuponhaexclusivos docristianismosão comuns
à experiênciareligiosa de indivíduos deoutras religiões. Emoutras
palavras,a dinâmica da experiênciareligiosa tem aspectosuniver-
sais e pode serestudadado ponto devista psicológico,independente-
mente de qualqueridéia sectária. Por exemplo, adinâmica da expe-
riência religiosa da conversão, da oração ou do misticismo,para
citar apenas três aspectosimportantesda experiência religiosa, é
essencialmentea mesma, quer se estude orenômenono cristianismo,
no budismo ou nohinduísmo.
Orlo Strunk Jr. define psicologia da religião como "o ramo da
psicologia geral quetenta compreender,controlar e predizer o com-
portamentohumano - tanto profundamentepessoal comoperifé-
rico - percebido pelo indivíduo como sendo religioso esusceptível
a um ou mais dos métodos da ciênciapsícológíea"."
1. Orlo S:runk Jr., Religion: A Psychological Interpretation, New York:
Abingdon Press (1962), p. 20.
Nota: No texto acima, 8trunk usa o adjetivo "propriate", empregadopor
Gordon AIlport e definido como relativo ao proprium: característico
de um padrão de comportamentoem que o individuo busca atingir
16
Como se podenotar a definiçãQ deStrunk tenta enquadrara
psicologia dareligião no escopogeral da psicologiaexperimentalou
cíentíüca, Aliás, em 1909, no Congresso Psicológico deGenebra,o
psicólogo M. Flournay sugeriu que se considerassea psicologia da
religião comoautênticae legitima área de investigaçãocíentíüea,o
que vale dizer que ocitado psicólogo advogousua inclusão como
parte da psicologiacientÍfica geral. Reconhecemosque a simpática
posição deFlournay, de Strunk e de tantos quantosadvogama in-
clusão da psicologia da religião no campo da psicologiacientlfica
representaum esforço louvável, mas nopresenteé apenasum ideal.
A posição de W. H.Clark é mais realista e está mais de acordo
com a presentesituação. Ele observa acuradamenteque, "ao con-
trário do que acontececom outros ramos da psicologia, apsicologia
da religião nunca desfrutouposição acadêmicarespeitável. Ela per-
tence parcialmenteà religião e parcialmenteà psicologia e fre-
qüentementese encontraentre as duas.'!2 Podemos dizer queesta
posição ambíguada psicologia da religiãotem dificultado sua in-
clusão ereconhecimentocomo áreaespecializadada psicologiacíen-
tífica.
Clark apresentatrês razões por que a psicologia dareligião
ainda não desfrutastatusrespeitávelno campo da psicologiacien-
tífica geral. Examinemo-lasrapidamente:
A complexidadedo comportamentorelígíoso. Não há dúvida de
que o comportamentoreligioso é altamentecomplexo. Noentanto,
cremos queisso não é razão suficiente, porque, em multas outras
áreas igualmente complexas, a psicologia temalcançadoalto nível
de desenvolvimentoe é hoje grandementerespeitadacomo disciplina
os alvos de seu prõprto "eu" em evolução. sem esperar pelas cir-
cunstâncias,mas procurando ou criando as condições favorâvels à
consecuçãodessespropósitos. (Veja Engllsh & Engllsh. A Compre.
hensive Dictionary of Psychological and PsychoanalyticalTerms,
New York: David McKay Company, Inc. (965), pâg• 414.) Proprium,
na linguagem de Allport, significa aqueles aspectosdapersonali-
dade exclusivos e peculiares de cada Individuo e que formam sua
individualidade e lhe dão unidade Interior. Para melhor compre-
ensão dessesconceitos. ver especialmenteo livrinho de Allport.
Becoming: Basic Considerationsfor a Psychology of Personality,
New Haven: Yale University Press,1955. E, para uma discussãoda.
diferença teórica entre pessoae personalidade,ver o trabalho de
Vanderveldte Odenwald, Psiquiatria e Catolicismo, Lisboa: E,1ditorial
Aster, Ltda. (1962). pã.gs, 7-19. Ver também "Algumll4! Reflexões
sobre o Conceito Cristão de Pessoa",de Paul Louis Landsberg,em
O Sentido da Ação, Rio: Editora Paz e Terra Ltda. (1968). págs.
7-19, e o trabalho de Josef Goldbrunner, Pastoral Personal: Psico-
logia Profunda y Cura de Almas, Madrid: Ediclones Fax (1962).
pâgs. 20-32.
2. W. H. Clark, The Psychology of Religion: An Introduction to Reli·
gious Experience and Behavior, New York: The MacMillan Company
(1959). pAg. 5.
17
científica. Mas há certa razão de serna afirmação de Clark, por-
que é difícil chegar a conclusõesclaras e específicas arespeito de
muitos aspectos docomportamentoreligioso. E o mistério que pa-
rece envolver aexperiência religiosa espantao cientista, que, via
de regra, está mais imediatamenteinteressadono estudo de fenô-
menos a respeito dos quais possa fazergeneralizaçõesque conduzam
a resultadosmais objetivos e,sempreque possível, quantificáveis.
Outra razão apresentadapor Clark é afalta de adequadotreino
científico por parte do erudito religioso. Via deregra, os indivíduos
que escrevem sobre psicologia da religião foramtreinados em se-
minários onde receberamexcelente equipamentopara especulações
teóricas, mas quasenada quanto a métodos empíricos deobserva-
ção. Talvezseja essa uma das razões por que agrande maioria
dos livros existentesno campo da psicologia da religião revelam a
tremendainfluência da teoria freudianasobre seusautores. :m que
a naturezaaltamenteespeculativada teoria de Freud parecefazer
irresistível apelo à mente do erudito religioso, que, como dissemos,
prefere especulações teóricasà penosae humilde observação empí-
rica. Cremos que esse é um dos maiores empecilhosà respeitabili-
dade cient1fica da psicologia da religião. Quando lemos livros sobre
a psicologia da religião,na grandemaioria dos casos, temos a im-
pressão de que seusautores estão apenas tentando enquadrar a
experiênciareligiosa dentro de uma das teorias psicológicas, espe-
cialmente daquelas menos experimentais e mais especulatívas,
Freud, Jung,Adler e otto Rank figuram entre os preferidos.
Desejamosdeixar bem claro que não somoscontraesses teóricos,
se bem que não concordemos com amaior parte do que eles dizem,
por acharmosque lhesfalta baseempírica ou experimental. O que
realmente queremos dizeré que, se a psicologia da religião vai
alcançara respeitabilidadeque procura, deve abster-sede compro-
missos incondicionais com teorias e envolver-se decididamenteno
estudo objetivo do fenômeno religioso,através de métodoscientí-
ficos aceitos pelacomunidade científica do mundo moderno. Ou,
como observa Goodenough: "Atarefa da psicologia da religião não
é enquadrara experiênciareligiosa nosescaninhosde Freud ou de
Jung, nas categoriasda psicologia da forma,estímulo-respostaou
qualquer outra teoria, mas, sim,procurar verificar o que os dados
da experiênciareligiosa em si mesmossugerem."3
Em terceiro lugar, Clark diz que a psicologia da religiãoainda
não alcançoua respeitabilidadede outros ramos da psicologiacien-
tífica por causa de interesseeclesiástico ou porcausado natural
sentimentodo indivíduo de quesuaexperiênciareligiosa é algoínti-
mo e privado. Muitospensamque a experiênciareligiosa é dema-
3. Erwin Ramsdell Goodenough, The Psychology of Religious Experien·
ees, New York: Basic Book, Inc. Publishers (1965), pâg. XI.
18
siadamentesagradaparaser expostaao estudo objetivo de um obser-
vador. Achamesses que o estudo objetivo daexperiênciareligiosa
seria a profanaçãode algo extremamentesagrado. Julgamos des-
necessáriodizer quão ridícula é esta atitude, mas não podemos
negar que ela existiu e ainda existe, até mesmoentre líderes re-
ligiosos de grande influência no mundo moderno.
Voltemos,agora,àquela parte da definição deStrunk que deu
origem ao comentárioacima. Sedefinirmos psicologia da religião
como o estudocientífico do comportamentoreligioso do homem, se-
gue-se logicamenteque ela pode e deve serconsideradaum ramo
da psicologia geral, que, por seuturno, é o estudocíentíncodo com-
portamentohumano. Nessemesmosentido,pode-se dizer queapren-
dizagem,percepçãoetc. são ramos da psicologia geral. Logicamente,
repetimos,o estudopstcoiõsíccda experíêncíareligiosa pertenceao
campo da psicologia cient1fica. Narealídade, porém, esse estudo
ainda é mais do teólogo que do psicólogo. Mesmonas grandesuni-
versidadesem que há um departamentode teologia, psicologia da
religião é estudada,quando muito, em cooperação com odeparta-
mento de psicologia, como função do teólogo, e não do psicólogo.
Esperamos, porém, que, em breve, os compêndios de psicologia
comecem aconsiderara psicologia da religião como um dos ramos
reconhecidos da psicologiacíentincageral. Cremos que issoacon-
tecerá quando os estudiosos doassuntoforem mais bemtreinados
nos processos da observaçãoempírica e começarem ausar métodos
mais precisosna investigaçãodo comportamentoreligioso do ho-
mem e dascomunidadesreligiosas.
História da Psicologia da Religião
À semelhançada psicologiacientífica moderna,a psicologia da
religião tem suasraízes históricasna filosofia ouna chamadapsi-
cologia racional. Homens como Buda, Sócrates,Platão, Jeremias,
Agostinho, Pascalsão exemplostlpícos de indivíduos querefletiram
sobre a vida interior e descreveramsuas próprias observações. O
fruto da observaçãointrospectivadessesgrandesvultos da huma-
nidade constitui, por assim dizer, o primeiro esforço rumo aoestu-
do psicológico daexperiênciareligiosa.
A história da psicologia da religiãoestá também relacionada
com a chamadateologia filosófica. Osescritores dessa linha se
preocuparamcom extensasdiscussões de teses, como:monísmover-
sus dualismo; idealismo versusmaterialismo e empirismo. :l!: aqui
tambémque encontramoso célebre debateda relaçãoentre o espí-
rito e a matéria. O dualismo interacionistade Descartes, oparale-
lismo psicofísico de Leibnitz e o psícomontsmode Berkeley. que
surgiramao tempo como solução do problema,ainda hoje são dis-
cutidos esua influência se faz sentir no mundo moderno.
19
No entanto,como observa SewardHiltner, se nosativermosao
aspecto puramentefilosófico-especulativoda psicologia da religião,
correremos o risco deestar fazendo aperguntaerrada. Na filosp-
fia mental ou psícología raéíonal,diz ele, poderíamosinquirir sobre
abstraçõesque nada têm que ver com o homem decarne e osso.
Na teologia filosófica,poderíamosenveredarpelo terreno de espe-
culaçõesmetafísicas,de poucasconseqüênciaspara a compreensão
empírica do fenômeno religioso.4
Por razõesdidáticas, podemos dizer, comWalter H. Clark, que
a história da psicologia da religião, emsua concepçãomoderna,se
desenvolveu apartir de estudos teóricos dos fenômenosrelacionados
com o comportamentoreligioso e de preocupações de ordemprática,
tal como se refletem especialmentenos grandes movimentos de
saúdemental no mundo moderno. Seguiremos essecritério na apre-
sentaçãodeste breve esboçohistórico.
Estudos Teóricos. No mundo moderno,uma das primeirase mais
expressivastentativas de compreensãopsicológica do fenômenore-
ligioso é o trabalho intitulado A Treatise Concerning Religious
Affections (1746), da autoria do grandepregadorJonathanEdwards.
JonathanEdwards (1703-1758) foi o pregadordo Grande Avi-
vamentoReligioso que,surgindo em Massachusetts,espalhou-sepor
vários estadosda Nova Inglaterra, nos Estados Unidos da América
do Norte. No livro acima citado, Edwards fezvárias observações
válidas quanto à naturezada experiênciareligiosa. Essasobserva-
ções revelam oespírito intuitivo dessegrande pregador. Por exem-
plo, ele notou a diferençaentre a experiênciarelígíosaespúriae a
experiência religiosa genuína; entre os elementosessenciaise os
elementossecundáriosou supérfluos da experiênciareligiosa. Re-
velou também profunda compreensãodo assunto ao afirmar, por
exemplo, queraramenteo problemaapresentadopelo paroquianoa
seu pastor é o real problema que o aflige. Em geral, diz ele, o
problemadiscutido éapenasum pretexto para iniciar uma relação
que torne possível acomunicaçãodo real problema que o preocupa
no momento.
Em 1799 apareceuoutro livro que iria exercer considerávelin-
fluência no estudo da psicologia da religião.Trata-se da obra de
Friedrich Schleiermacher(1768-1834),tl'ber die Religion: Reden an
die.Gebildetenunter ihren Verachtern (Traduzida em inglês sob o
título On Religion: 8peeches toIts-CulteredDespisers). Nesse livro,
Schleiermacherreage contra a interpretaçãointelectualistada na-
tureza da religião eestudaa experiênciareligiosa particularmente
do ponto de vista do sentimento. Contra o intelectualismodomí-
4. SewardHíltner, OI The Paychologfca.lUnderstandlngof Rellgious", Crozer
Quaterly, Vol. XXIV, N9 1 (jan., 1947), pâga, 3 - 36.
20
nante do tempo,SChlelermacherargumentaque a essência dare-
llglãonão é nem o raciocínio nem a ação, mas, sim, aIntuição e o
sentimento.Paraele, a experiênciareligiosa consisteessencialmente
do sentimentode absolutadependênciade Deusna vida humana.
Essa tese, como veremos, foiexplorada com outras intençõespor
Freud e alguns dos seus seguidores.
Ao apresentara religião comoautoeonseíêneíaimediata e como
sentimento de' absoluta dependência,scníeiermecnersugere, diz
Richard Niebuhr, pelo menosquatro aspectos doproblema que exi-
gem menção especial.
Em primeiro lugar, o uso do termoautoconsciênciasugere que,
para Schleiermacher,a religião tem que ver com amaneira como
o "eu" se apresentaa si mesmo. Religiãonão é mera especulação
intelectual.
Em segundolugar, esse "eu"presentea si mesmo nesse modo
de consciência,isto é, na experiênciareligiosa, é o"eu" em sua
identidade original, não qualificado ou determinadopor energías
e objetos específicosexistentesno seu próprio universo.
Em terceiro lugar, a frase "absoluta dependência"sugere que
o "eu" que assim se percebe<isto é, como absolutamentedepen-
dente> não se apresentaa si mesmo como objeto desua própria
vontade,mas emvirtude de uma causalidadeque não podeser re-
duzida aostermos de qualquer conceito específico. Osentimento
religioso, portanto, não é derivado dequalquer concepçãoprévia,
mas é a expressaooriginal de uma relaçãoexistencial imediata.
Nota-se, finalmente, que, no conceito deSchleiermacher,reli-
gião não é propriamenteuma idéia, mas osentimentode depen-
dênciade umPodermaior do que o próprio homem.5
Em meados do séculoXVIII, David Hume <1711-1776)publicou o
livro The Natural History of Religion, em que advogou a tese de
que a religião temsuasorigens nosentimentode medo e ao mesmo
tempo nosentimentode esperança,evocados pelo conflitoentre as
necessidadesdo homemprimitivo e as forças hostis danaturezaque
o rodeia. Essa tese de Hume tem sidoapresentada,atravésdos anos,
em diferentesroupagense com maior ou menor grau de aceitação.
Deixando agora os estudos teóricos das filósofos e dos teólogos,
vamos encontrar,no fim do século XIX, um psicólogopreocupado
com problemasde psicologia da religião.Esse psicólogo é Granv1lle
StanleyHall <1844-1924). Em 1881, Hall começou aestudara con-
versão religiosa em conexão com oproblemacentral da adolescência
- o problemada identidadede cada indivíduo - e chegouà con-
clusão de que a conversão religiosa é um fenômeno típico da ado-
5. Rlehard Nlebuhr, Schleiermacheron Christ and Religion: A New ln-
troduction, New York: CharJesS::r1bner'sSons (1964), pAgs. 182, 184.
leseêneía. Argumentou ele que o crescenteinteresse na religião
está intimamenteassociado com a adolescência como fase doama-
durecimentosexual e daímpressíonabílídadegeral do serhumano.
Em extensaspesquisasentre adolescentesde várias denominações,
Hall descobriu que a média da idade da conversão é dezesseis anos
e quehá estreitacorrelaçãoentre o amor sexuale a conversão re-
ligiosa. Para Hall, portanto, a conversão religiosatem tonalidade
sexual ou, pelo menos, serelaciona com o amadurecimentosexual
da pessoa.
A plausibilldadedessa tese sebaseiano fato de que é apartir
dessa fase doamadurecimentodo serhumanoque ele setorna capaz
de incluir o "outro" no seu sistema de valores e emsuas relações
com o universo. Esteassuntoserá mais amplamentediscutido no
capítulo sobre a conversão religiosa.
o primeiro livro intitulado Psicologia da Religião foipublica-
do por Edwin Diller Starbuck,em 1899. Essa obramarcou época e
podeser consideradao ponto inicial do estudosistemáticoda psico-
logia da religião nosentidomoderno do termo.
Ao tempo deStarbuck,o tema central de interessenos estudos
psicológicos do fenômeno religioso era a conversão. Asemelhança
de Stanley Hall, com quemtrabalhou mais tarde na universidade
Clark, ele advogou que a conversão religiosaé fenômeno predomi-
nantementeadolescente.
Sabe-se, por exemplo, que a adolescênciaé o perlodo em que
o homem procura e define sua própria identidade. A conversão,
portanto,faz-se necessáriaquando,parausar alinguagemde Karen
Horney, o "eu" ideal écontrastadocom o "eu" real e ocontraste
se torna chocantementevívido. Por essa eoutras razões, a tese de
Hall e Starbucké essencialmentecorreta. Isto não quer dizer que
só haja conversão religiosana adolescência, mas, sim, que esse fe-
nômeno favorece aocorrência da conversão religiosa, sendo que,
mesmo quando ela sedá fora dessafaixa etária, a experiênciare-
ligiosa da conversão tem ascaracterísticasdo problemacentral des-
sa fase da evolução do homem.
SegundoStarbuck, hã três tipos básicos de conversão religiosa,
a saber, a conversão volitiva, a conversãonegativa ou mera sub-
missão e a conversãogradual. Seu estudo revelatambém que a
vida religiosa daqueles quetiveram uma experiênciade conversão
na adolescência não diferefundamentalmenteda vida religiosa da-
queles cuja conversão se deu pelo processogradual. O que real-
mente importa é a experiênciade conversão. Comoesta conversão
se deu - momentâneaou gradual - é ordinariamentede pouca
conseqüência,especialmenteno caso de indivíduos comuns.
22
A contribuição deStarbucknão se limita ao estudo e compreen-
são da conversão religiosa. Seu estudo lançou luzes também sobre a
compreensão do desenvolvimento religioso do homem. A experiência
religiosa estásujeita ao processo evolutivo, do mesmo modo que
as demais fases da vidahumana. Na criança, por exemplo,Star-
buek notou quatro fases de evolução religiosa. A princípio, existe
apenasuma atitude de conformação ao meio religioso em que a
criança. vive. Essa fase de meraeonrormaçâoé seguida deoutra
em que começa a existir uma relação deintimidade com Deus. liI
o caso, por exemplo, de uma dasminhas filhas, então com cinco
anos de idade, que meperguntouqual o número do telefone de
Jesus Cristo.Paramim, isso revela a realidade de Jesus Cristo e a
intimidadepessoal com o Salvador. Naterceirafase,quando a evo-
lução religiosa dacriançaé normal, o medo desaparece, dandolugar
ao amor eà confiançaem Deus.Finalmente,vem a fase em que
a criançacomeça adistinguir entre o certo e o errado, emoutras
palavras,o desenvolvimento deuma consciência moral começa a
manifestar-se.
Na adolescência, as idéias religiosasaprendidasna infância se
esclarecem e se definem melhorna mente da pessoa.As idéias a
respeito de Deus edas obrigações morais do homem tomam nova
forma e significação. Deustoma-se o tema central, e os valores
da vida têm primazia nas preocupações do adolescente.
Na vida adulta, a idéia demortalidadepessoaltorna-sea nota
tônica da vida religiosa do homem. E, na proporção em que a vida
interior se enriquece e amplia, o homem vai-se apegando aos ele-
mentos essenciais da religião eabandonandoos supérfluos. A esse
fato, SherrUlchamade processo de simplificação da vida, queserá
apresentadono capítulo sobre oamadurecimentoreligioso da pes-
soa adulta.
Podemos dizer, sem medodeerrar, que a maior contribuição
de Starbuckpara'o estudopsicológico do fenômeno religioso ésua
tese de causalidade docomportamentoreligioso, bem comosuacom-
preensão de que a experiência religiosa do homemestá sujeita b
leis da evolução.
A obra deStarbucktem sidocriticadade vários ângulos. Alguns
acham, comcerta razão, que ele se preocupoudemais com a con-
versão religiosa, como se fosse a única forma decomportamento
religioso queinteressaao psicólogo. Outros dizem que sua"amostra"
não era bemrepresentativada realidade religiosa que procurou es-
tudar, isto é, esses críticos questionam a validadeestatísticada pes-
quisa de Starbuck. Acrítica mais forte que se pode fazer aStarbuck,
entretanto,é que ele sugere que a adolescência,tomadacomo fe-
nômenopsicológico, é a causa da conversão religiosa.:li: óbvio que
ele ignorou os fatores sociais eculturais que influenciam a conver-
23
são relígtosa, não só na adolescêncía,mas em qualquer Idade.
Outrossim. o que é verdade na adolescêncíanorte-americana,no
que tange à conversão relígtosa, não o será necessariamenteno
Brasil ou em outras partes do mundo.
Outra obra píoneíra do estudoda psíeologíada relígíão é a de
GeorgeAlbert Coe - The Spiritual Life - publicadaem 1900. Nesse
trabalho, Coe apresentao resultadode suasInvestigaçõesem várias
áreas do comportamentoreügíoso, íncluíndo o despertamentoreli-
gioso, a conversão,a cura milagrosa e o significado da espírítualí-
dade, O mérito por excelênciadessa obraconsisteno seu método
de pesquisa. Oautor usa uma lista de perguntassemelhantesàs
técnicas projetivas modernas. Além das respostasao questíonárío,
ele tentou verifIcar a validade das respostaspor melo deentrevis-
tas de amigosdaquelesque responderamàs perguntas. Além disso,
ele usou o métodohípnótíco como Instrumento de pesquisapara
estudara correlaçãoentre sugestionabllldadee a conversãoreligio-
sa dramática. ESSe rot, talvez, oprímeíro esforço deestudarexperi-
mentalmentecerto aspecto do comportamentorelígíoso. Segundo
Coe, existe, defato, correlaçãoentre sugestíonabílídadee a forma
dramátíeade conversãoreligIosa.
A preocupaçãoempírtca de George Coe serevela também no
seu livro The Psychology01 Religion, publicadoem 1916. Nessaobra,
Coepreocupa-secom váriosaspectosda psícologíada religIão. Entre
eles,tratao autordas origens da IdéIa de Deus, bem como daconver-
são,descobertareligiosa,místícísmo,ídéíade Imortalidade,oração,etc.
Entre os píoneíros no campo da psíeología da relígíâo, entre-
tanto, nenhumse notablllzou tanto como Wllllam James. Sua obra,
The Varieties 01 Religious Experience (1902), aínda é o livro mais
famoso no campo dapsícologíada rellglão. Essaobra é o resultado
das PreleçõesGifford apresentadasna Universidade de Edimburgo
<1901-1902). A preocupaçãode James, nesse lívro, são os casos
extraordinários de experíencía relígíosa. Através de documentos
pessoais,procurou estudar a experíêncía relígíosa daqueles para
quem "relígíâo existe não como hábIto rotíneíro, mas como uma fe-
bre aguda".
Nesse livro, revela-setambém o espírito altamentepragmático
de Wllliam James. Assim sendo, o valor da experIêncIa religIosa
não é medido por sua veracIdadeou por sua falsIdade, mas antes
por sua funcIonalidade. Para James,o que realmenteImporta é o
que esta experíêncíasígnífíca para o Indivíduo, os frutos que ela
produz em sua vida.
Os capítulossobre aconversãoreligiosa e o místíeísmoreligIo-
so figuram entre os mais Importantesda obra deJames. Sua elas-
sítícaçãoda relígíão em duascategorias- a da mentesadíae a da
24
mente doentia- é das maisfrutlferas no estudo da psicologia da re-
ligião e aindahoje exerceconsiderávelinfluência nesse campo espe-
cializado.
A obra de William Jamesserá constantementecitada através
do presentelivro.
outro pioneiro no campo da psicologia da religião éJames
Bissett Prlttt. Em 1907 ele publicou The Psychology 01 Rellgious
Beliel, em que discute anaturezada crença religiosa não sónas
chamadasreligiões superiores,como também entre os povosprimi-
tivos. Um dos aspectos maisinteressantesdessa obra é o estudo
evolutivo da crença religiosa, a começar dainfância, atravessando
a juventudee indo até a velhice.
Pratt chegouà conclusão,contrária à opinião vulgar, de que a
crençareligiosa não sebaseiaem merointeressepessoal, se fordado
à palavrainteresseum sentidode fruiÇão ou de busca de benefícios
imediatos. A maioria das pessoas quepoderiam ser consideradas
emocionalmenteamadurecidasbusca a Deus não porque esperere-
ceber dele alguma recompensa,mas peloprazer da camaradagem
com ele. SegundoPratt, isso é verdade especialmentena prática
da oração. Ocrente espiritualmentemaduro ora não para receber
uma dádiva, mas para comungarcom Deus. Naproporçãoem que
amadurecemosespiritualmente,nossa oração vaiperdendoseu ca-
ráter utilitarista e se torna cada vez mais um processo deíntima
comunhãocom o Criador.
Em 1920, ele escreveu The Rellgious Consciousness, que,segun-
do Clark, é o livro mais importante nesse campo, depoisdeThe
Varieties 01 Religious Experience, de William James. Um dos feitios
mais interessantesda obra de Pratt é que,sendoele mesmo um
homemprofundamentereligioso, escreveu sobreassuntosde sua pró-
pria experiênciareligiosa. Outroaspectoimportante de sua obra é
que tentou estudaro fenômeno religioso fora de seupróprio am-
biente cultural. Assim é que fezpesquisas eestudou aspectosda
religião da fndía. Os cincocapítulossobre misticismo e adiferença
estabelecidaentre adoraçãoobjetiva e adoraçãosubjetiva figuram
como grandescontribuiçõespara o estudo psicológico do fenômeno
religioso.
Sob a influência de Comte,Walter Rauschenbush,e sobretudo
do fUósofo Harald Hõffding, Edward Scribner Ames escreveu The
Psychology of ReligiousExperience (1910). Baseado especialmente
em dados antropológicos, Amesdefendeua tese de que religião é o
esforço do homemparaconservarseus valores sociais. Assim sendo,
para Ames, a idéia de Deus, por exemplo,é um símbolo ou objeti-
vação dos valores sociais elaborados pelo homem no decurso desua
evolução social.
25
Ao contrário da tese de Ames,Durkheim e outros, que vêemna
religião um fenomeno tipicamentesocial, George MalcolmStratton
defendeua tese de que areligião tem sua origem no conflito inte-
rior que ocorredentro de cada indivíduo. Em seu livro The Psycho-
logy 01 Religious Lile (1911),Stratton apresentaa experiênciare-
ligiosa basicamentecomo algo queresulta de emoções emotivações
conflitivas dentro do índívíduo. Ou, no dizer de Stolz, "a tese de
Stratton é que acaracterísticacentral da religião é tensãointerIor
causada por forças antitéticas".6 Podemos dizer,portanto, que
Stratton se antecipou aos autoresde teorias psicológicasmodernas
que pretendemexplicar o fenômeno religioso comodecorrênciade
conflitos interiores no homem. Algumas dessasteorias serão apre-
sentadasmais tarde.
Outro trabalho de certa Influência na história da psicologia da
religião é o de JamesH. Leuba, A PsychologicalStudy 01 Religion
(1912). No trabalho de Leuba,notam-seduas tendências:a huma-
nista, segundoa qual eleafirma que a idéia de Deus nada.mais é
do que umproduto da imaginaçãocriadorado homem; e a natura-
lista, segundoa qual eletentou explicar fenômenosreligiosos, mos-
trando a similarIdadeentre o relato da experiênciamística e o re-
lato verbal de indivíduos sob o efeito de determinadasdrogas.
Não se podetraçar a história da psicologia da religião, sem
mencionara contribuição teórica de SIgmund Freud.
Entre os muitos trabalhosde Freud, em que ele dá asua inter-
pretaçãodos fenômenosreligiosos,salientam-sedois: Totem e Tabu
e O Futuro de uma nusão. No prímeíro ensaio, eletenta explicar
psicologicamenteo comportamentodo homem primitivo e chega à
conclusãode quehá relação de similaridade entre as práticas reli-
gIosas dohomem primItivo e as várias formas de neurosedo ho-
mem moderno. Em O Futuro de uma nusão,ele defendea tese de
que religião é uma ilusão, não necessariamenteporque sej a errada,
mas porque leva o homem a evitar a dura realidade de suaspró-
prias limitações humanas. A conclusãogerala que Freud chegou
é que religIão é uma espécie deneuroseobsessivacoletiva, caracte-
rizada pela fuga da realidade,e que representanada mais do que
a projeção de nossa imagem paterna, da qual dependemospara
nOSSa segurançaemocional.
Um estudo mais detido da tese freudiana, no que respeita à
religião, revelaque ele sepronuncioua respeitode temasmulto além
de sua competêncIae, conseqüentemente,fez vastasgeneralizações,
sem qualquer validade cientlflca, visto que tais generalizaçõesnão
são baseadasem fatos observados.Sua posição teórica, porém, será
6. Karl Stolz. The Psychology of Religious Living, Nashvllle: Ablngd<>n
- CakesburyPress(1937). Jlâg. 132.
26
discutida mais adiante, quando falarmos sobre as interpretações
palcológicas do fenõmeno religioso.
Outro teórico que não podemosignorar é Carl Gustav Jung
(1875-1961).A obra deJung,no que se refereà religião, caracteriZa-
-se por certa ambigüidade. Escreveuamplamentesobre o assunto,
mas nuncadeixou bemclara sua verdadeirainterpretaçãodo fenô-
meno rel1&10s0. Em certos lugares, parece muitosimpático; noutros,
pareceapresentaruma atitude bastantehostil ou, pelo menos, ve-
ladamentehostil. Ao leitor interessado,recomendaríamosa leitura
pelo menos de Psicologia e Religião,traduzidapor FaustoGuimarães
e publicada por Zahar Editores, Rio (1965).
Na impossib1l1dadede apresentartodas as obras que decerto
modo contribuírampara o desenvolvimento dahistória da psicolo-
gia da religião,passaremossimplesmentea enumeraraquelas que
consideramosmais importantespara esse desenvolvimento.
Em 1923, Rudolf Otto publicou seu famoso livro DasBeWce,·
em que eleapresentaa experiênciareligiosa como algoabsoluta-
mente sul pneri&
"Para Otto, !ate senso derealidade é objetivamenteofere-
cido como dadoprimário e imediato da consciência não dedu-
zfvel de outros dados. A esse dadopeculiar de um 'Totalmente
Outro', ele chama o 'numínoso',do latim numen, quesignifi-
ca a força divina ou poder,atribuído a objetos ou a serespara
quem se olha com reverência.'Esse estado mental é perfeita-
mente sui generis eirredutível a qualquer outro estado.' Re-
presentauma percepçãodireta da realidade independentede
outras formas deconhecimento."7
Também em 1923, Robert H. Thouless publicou,na Inglaterra,
um livro Intitulado The Psychology 01 Religion, que exerceucerta
influência no mundo de Ungua inglesa e cujomaior defeito é a
quasetotal dependênciada teoria freudiana,na explicação psicoló-
gica do fenômeno religioso.
Elmer T. Clark estudouextensivamenteo fenõmeno do Avi-
vamentoReligioso,sobretudoem sua relação com a conversãore-
ligiosa e, em1929, publlcou o resultado de suas pesquisas no livro
intitulado The Psychology 01 Religious Awakening, que setomou
clâssico no gênero.
• A versãoinglesadessaobra se intltula The Idea of Th. Holy: An ln-
quiry Into th. non·rationalfactor In the idea of the divlne and Itl re-
lation to the rational (Traduçãode John W. Harvey), New York: Ox-
forci University Press (1982).
7. Paul Jobnson, PsychololJY of R.llgion, New York: Abingdon Press
(1959), ーセァN 55.
Nota - Essaobra existe em portuguêssob o titulo Psicologia da Religião,
tradução de Carlos Chaves e publicada pela ASTE, São Paulo.
1964. Através deste trabalho, entretanto,citaremossempreo texto
original, visto que a maior parte do presentetrabalho foi escrito
quando seu autor se encontravanos EstadosUnidos e a tradução
portuguesanão lhe era conhecida.
Em 1937, Karl R. Stolz publicou The Psychology 01 Religious
Living, que exerceu positiva influência no campo daeducaçãore-
ligiosa e na área da psicologiapastoral.
As obras de Paul E. Johnson,Psychology01 Religion e Persona-
lity and Religion, são tentativas de integraçãode algumas moder-
nas teorias de personalidadee da religião. Johnsoné um dos auto-
res mais bem informados no campo da. psíeologtada religião, mas,
a nosso ver, toma as teorias psicológicas como se todas fossem
fatos observados,e não merosinstrumentosde pesquisa. Como re-
sultado dessa atitude, faz grandes generalizações,difíceis de ve-
rificar no mundo real.
Em nossos dias, ohomem que mais contribuiu para a respeí-
tabilidadeacadêmicada psicologiada religião foi GordonW. Allport,
Seu livro, The Individual and Bis Religion, tem exercido grande
influência nos meios acadêmicosem que seestuda psicologia da
religião. O prestígio intelectual do autor é um dos fatores dessa
grande influência. Allport, recentementefalecido, era professor de
psicologia em Harvard e quando escreveuesse livro era Presidente
da American PsychologicalAssociation. Allport volta à tese defen-
dida por Williarn Jamesde que aexperiênciareligiosa é algo tipi-
camente individual. Entretanto, ao contrário de James, que, por
causa da óbvia influência de Schleiermacher,advogou a predomi-
nânciado sentimentona experiênciareligiosa, Allport dá mais ênfa-
se ao intelecto do que aosentimentona experiênciareligiosa. Vol-
taremos ao seu trabalho, quando tratarmos da evolução da
experiência religiosa, especialmenteno capitulo sobre maturidade.
Em 1958, W. H. Clark públicou seu The Psychology01 Religion:
An Introduction to Religious Experience and Behavior, um dos li-
vros mais beminformadossobre oassunto,e que, nodizer de alguns
autores,é, provavelmente,um trabalho definitivo como obra intro-
dutória ao estudo da psicologia da religião.. O presenteautor muito
deve ao trabalho de Clark, e procura dar-lhe, através deste livro,
o crédito que merece.
Lamentavelmente,nestesúltimos anos nenhumaobra realmente
marcante apareceuno campo da psicologia da religião. Oaspecto
prático dos estudosda psicologia da religião, especialmenteo mo-
vimento prático de psicologia pastoral ou de aconselhamentopas-
toral, tem, por assim dizer, monopolizadoeste campo de estudose
quase todas as publicaçõessão 、セ caráternimiamenteprático, sem
revelar grande preocupaçãoteórica.
Recentemente,Paul W. Pruyser publicou um livro que, cremos
nós, exercerá considerável influência no campo da psicologia da
religião. O livro se íntítula A Dynamic Psychology01 Religion. A
obra foi publicada por Harper Row Publishers,New York (1968>.
28
A respeito desse livro, diz SewardHiltner, um dos maisprofundos
conhecedoresdo assunto: "ESte livro marcará época, do mesmo
modo que o livro deJames- The Varleties of Religious Experience."
Não há dúvida de que setrata de uma obra de fôlego e quenão
poderá ser ígnoradapelos estudiosos do assunto.
Estudos Práticos - Os estudospráticos da psicologia da reli-
gião produziram vários efeitos deprofundasconseqüênciasna vida
e doutrina da igreja cristã. Entre essesresultados,podemosmencio-
nar a crescenterelaçãoentre a religião e amedicina,expressapar-
ticularmente no movimento de Religião e SaúdeMental, tão em
voga em nossos dias. Acrescenteênfase em psicologiapastoral e
principalmenteo chamadotreinamentoclíníco do ministério refle-
tem a grandeinfluência dos estudos de psicologia da religião.Outra
área da educaçãoteológica em queesta influência se faz sentir
é a da educação religiosa.
O movimento de educação religiosa, que é um fenômenotipi-
camentenorte-americano,foi grandementeinfluenciado pelo fun-
cionalismo deJohn Dewey. ESSe movimento de educação religiosa
foi, a nosso ver, um bomantídoto contra o exageradootimismo da-
queles quequeriam "salvar" o mundo nos limites cronológicos de
sua própria geração. Aênfaseda educação religiosa não é"salvar"
menos, masadmitir que a salvaçãocompleta é atingida pelo pro-
cesso da educaçãopara o cristianismo. Ao invés da conversão mo-
mentânearequérída no tempo do Grande Avivamento, a ênfase
agora é no processocontínuo da redençãodo homem.
Na grande maioria dos semináriosdo mundo moderno, otrei-
namentoclínico feito emhospitaisde clínicas gerais e emhospitais
de doençasmentais é parte integrante da educação teológica de
ministros e futuros ministros da religião.
Em conferênciapronunciadaperanteos supervisoresde treina-
mento clínico doministério, do Concílio de TreinamentoClínico, o
Prof. Wayne Oatesapresentoualgumas das maiorescontribuições
do treinamentoclínico do ministérioà educação teológica em nos-
sos dias. O que se seguerepresentaessencialmenteo que ele disse
naquelaocasião, se bem que nãosejam suaspalavras textuais.
O treinamentoclínico do ministério contribuiu para dar corpo
ou representaçãoconcretaa certas idéias abstratas. Por exemplo,
o conceito de graça, pecado, perdão, culpa etc. pode ser,na sala
de aula, mera abstração,porém, ao contato vivo com homens e
mulheresde carne e osso, essaspalavrasdeixam de sermerasabs-
trações, pois vemossua expressãoobjetiva nas mais variadas for-
mas decomportamentodos indivíduos com quemtratamosna vida
real.
Outra contribuiçãopositiva desse movimento é aquebrada bar-
reira artificial entre estudosteóricos eestudospráticos em educa-
ção teológica. Essa dicotomiatende a desaparecer,na proporção
em que secompreendeque o ministro serve ao homemintegral,
e não ao homem comomera coleção devárias partes. Assim sendo,
o ministro, em sua preocupaçãode servir ao homem, ao invés de
dicotomizar entre problemas materiais e problemas espirituais,
os consideracomo problemashumanos. Em outras palavras,o ho-
mem age como um todo,Gonseqüentemente,todo e qualquer pro-
blema queenfrente representarárelações comtodas as dimensões
do seu ser.
Essa novaperspectivaem educação teológicacontribuiu tam-
bém para a ampliaçãodo conceito do sacerdócioindividual do cris-
tão. Esse conceito seamplia e se torna, de certo modo,comunitário.
Quando opastor tenta ajudar o homem na solução dedeterminado
problema e o envia aoutro profissional,para assisti-lo na área de
sua especialização, eleestá, com isso, reconhecendoque o minis-
tério desseprofissional pode ter significaçãotão profundaquanto o
seu próprio ministério.
O treinamentoclínico do ministério ajuda tambémo homem a
livrar-se de certas formas de idolatria. Idolatria aqui é definida
em consonânciacom o Princípio Protestante,de que falou Paul
Tillich, e significa a atitudepela qual o homem"absolutizao finito".
Em contato com a realidadeda vida, oministro aprendea aceitar
a sua própria finitude, bem como afinitude de seu semelhante.
Essaaceitaçãode nossafinitude tem grandevalor terapêutico,espe-
cialmentena redução de tensões emocionais, que levamàs neuroses
coletivas do mundo moderno.
Finalmente,o treinamento clíníco do ministério ajuda a colo-
car o problema humano em sua própria perspectiva- diante de
Deus. A luz dessaperspectiva,os problemas.humanossão encara-
dos pelo prisma da responsabilidadepessoal do homemperante
Deus, e,eventualmente,interpretadospelo prisma da esperança,que
ajudao homem aaceitarsuacondiçãohumanasem setornar cínico
ou apático perante a vida.
No ínícío deste século, clérigos e médicoscomeçarama esta-
belecer uma'relaçãomais intima entre religião e medicina. Parece
que uma dasprimeiras tentativas desserelacionamentoé o livro
Religion and Medicine (1905), escrito por Worcester, McComb e
Cariat, dois clérigos e um médico.
Foi, porém, Anton T. Boisen quem deugrande impulso ao mo-
vimento de Religião e Saúde Mental. Talvez se possa dizer, com
propriedade,que Boisen fez,até hoje, a maior contribuição para o
estreitamentodas relaçõesentre religião e medicina em geral, e
especialmenteentre religião e psiquiatria.
lln
•
A obra de Bolsen, queseráfreqüentementecitada atravésdeste
llvro, tem sua origemnuma crise pessoal de desajustam.ento emo-
cional.
Devido a sério transtornoemocional, diagnosticado como esqui-
zofrenia do tipo catatõníco, Bolsen foi levado a umhospital de
doentes mentais, onde, depois de váriassemanasde tratamento,foi
recuperado.
Como resultado dessaprofunda experiência pessoal, Boisen se
interessou pelo estudo dos fatQres religiosos nas doenças mentais,
e se tomou o primeiro capelãoprotestantenum hospital de doen-
tesmentaisnosEstadosUnidos. Essehospital-em Worcester,Esta-
do deMassachusetts- tomou-seo primeiro centro detreinamento
cl1n1co do ntlnlstérlo. Desde então, ainfluência da obra de Bolsen
se tem feitosentir no campo da educação teológica, especialmente
na tentativade relacionarrellgião com medicina, eparticularmente
com a. psiquiatria.
Entre OS muitos livros que Boisen escreveu, talvez o mais fa-
mososeja The Exploration 01 The Inner World (1936), em que ele
apresentauma concepção dinãm1cadas doenças mentais, e em
que defendea tese de que a esquizofreniaé uma tentativa à inte-
gração ouà unidadedo "eu". A diferença essencialentre o xntstico
e o psicótico,diz ele, é a direção ou amaneiracomo cada um re-
solve seu problema.Fundamentalmente,a causa pode ser a mesma
- um se toma "santo", outro se torna "louco".
Essa nova dimensãoaberta por BoisenintrodUZiu nova meto-
dologia nos centros psiquiátricos dos Estados Unidos e,eventual-
mente, penetraránoutras áreas do mundo. Como exemplo dessa
influência, vemos quena Menninger Clinic em Topelta, Kansas, um
dos centrospsiquiátricos mais respeitáveis do mundo, odeparta-
mento de psicologia da religiãoé parte integrantedo funciona-
mento dessa instituição.
Também, como resultadodessa grande obra de Boisen,surgiram
várias organizações acadêmicas e vários periódicos quetratam do
estudo cientifico do fenômenoreligioso. Entre 08 periódicos, oa
mais conhecidos sãoPastoralPsychology e TheJournal01 Pastoral
Care. Das associações,mencionaremos The Society forthe 8cientifto
Stndy 01 Rellgione The Academy 01 Rellgion and MentalBealth,
cujo objetivo é promover a cooperação mais Intimaentre ntlnlstros
de religião epsiquiatras.
A nosso ver, o estudopsicológico dos fenômenosreligiosos, que
começou embases tão promissoras,enfrentano presenteuma crise
muito séria. Por um lado, existe atendênciapouco cient1ficada
aceitação nãocritica de teoriaspsicológicasque, como.dlssemosaci-
ma, levam 08 autores nesse campo a simplesmente"enquadrar"o
li"
fenômenoreligioso dentro do esquemadessasteorias. Muitos auto-
res não discutema tesefreudiana,por exemplo;simplesmenteadmi-
tem a validade de seus postuladose o resultado é que, ao invés
de observareme descreveremfatos, eles coletam e expressamopi-
niões ou dãoexplicaçõesà base de uma teoria que aceitam sem
esptríto crltico.
Esperamos,entretanto, que em breve apsicologia da religião
venha a alcançar maior respeitabilidadeacadêmica. Isso aconte-
cerá, dizíamos nós,quando desenvolvermosmelhores métodos de
pesquisa;quando tivermos uma atitude mais científica para com o
estudo do comportamentoreligioso do homem; quando,ao invés de
apego incondicional a qualquer teoria existente,na qual enquadra-
remos nossasdescobertas,começarmosa formular teorias baseadas
em fatos observadoscom mais rigor cientIfico e baseadosem hi-
póteses testáveis.
Métodos de Estudo da Psicologia da Religião
Qualquer disciplina que tenha a pretensãode ser considerada
ciência terá, forçosamente,de adotar uma atitude cientlfica na
investigaçãodos fatos que constituemo seu objeto formal. A essa
atitude chama-semétodo científico de investigação.
A Psicologiacomo ciência lança mão dométodo cientlfico como
seu principal instrumento de pesquisa. Basicamente,esse método
consistena observaçãosistemáticade fatos, na formulação de hi-
póteses, queserãotestadas,de preferência,por experimentação,e na
formulaçãode príncípíosgeraisou leis psicológicas, queserãosempre
leis estatísticasou leis de probabilidade.
Até que ponto, entretanto,pode-seusar essemétodo no estudo
do comportamentoreligioso? Temos quereconhecerque, até hoje,
não se conseguiueliminar o subjetivismo dos métodos de pesquísa
em psicologia da religião, como já se logrou, emgrande parte, eli-
minar a introspecçãocomo método de pesquisana psicologia cíen-
tlfíca em geral. O psicólogo dareligião ainda dependemuito da
íntrospecção..e suas conclusõesaté agora são altamentesubjetivas,
porque baseadasquase totalmente em relatos verbais de expe-
riências relígíosas que não podemser diretamenteobservadas.
Em tese,porém,e comodesafio a quem seinteressapelo estudo
cientIfico do comportamentoreligioso do indivíduo e das comuni-
dades religiosas, advogamosa possibilidade do estudo objetivo do
comportamentoreligioso nas suas múltiplas manifestações.Se a
objeção é queo psicólogo dareligião não pode ser objetivo em seu
estudo do comportamentorelígícso, porque ele próprio é religioso,
o mesmo argumentopoderia usar-se,mutatis mutandis, para dizer
que o psicólogonão pode estudarobjetivamenteo comportamento
do homem, porque ele mesmoé um ser humano.
---------._----------,
Voltemos à pergunta aeima levantada. Até que ponto a psi-
cologia da religião seenquadradentro dos padrõescientlficos da
psicologia moderna? Sabemos que a psicologiacientIfica, partici-
pando da naturezageral da ciência,tem por objetivo a compreen-
são, predição e controle do comportamento.Poderemossupor que
a psicologia da religiãotenha a mesmapretensão?Muitos dizem
que não. A psicologia da religião, ao menos nopresenteestágio, não
vai além daprimeira fase. Isto é,na opinião dessesautores,a psi-
cologia da religião não pode ir além dafase demera compreensão
e descrição docomportamentoreligioso. Acreditamos,entretanto,
que, se usarmosmétodos cientlficos de observaçãosistemática,te-
remos boamargem de predição do comportamentoreligioso. E, se
preenchermosesses dois requisitos, isto é, acompreensãoe a pre-
dição, podemos dizer,nesse caso, que a psicologia da religião se
qualifica como ciência, visto que controle, se bem que desejável,não
é condição essencialà ciência. Talvez omelhor exemplo distoseja
a ciência astronômica,em que se podeobservare predizer, mas
não se podecontrolar ou manipular experimentalmente.
Apresentaremos,a seguir, alguns dos principais métodos de es-
tudo do comportamentoreligioso, tanto do indivIduo quanto de
determinadacomunidadereligiosa.
Documentos Pessoais -Drakeford define documentopessoal
como sendoqualquerdocumento que, de propósito ou não,prestain-
formaçãoa respeitoda estrutura,dinâmicae funcionamentoda vida
mental de seu autor.
A rigor, não se pode dizer quedocumentospessoaisconstituem
um método propriamentedito, porém são o meio maisfreqüente-
mente usado para o estudo psicológico de fenômenos religiosos.
Allport diz, em seu The Use01 PersonalDocumentsin Psycho-
logical Science, que, emvirtude da naturezaaltamentesubjetiva da
experiência religiosa, os documentospessoaisainda constituem o
meio mais eficazpara o estudo docomportamentoreligioso. Essa
afirmaçãofoi feita em 1942 e ainda hoje expressauma grandever-
dade. Lamentavelmente,os métodos de pesquisa empsicologia da
religião não têm melhoradotão rapidamentequantoos métodos em
outras áreasda psicologia.
Documentos pessoais incluemautobiografias,diários, cartas,me-
mórias, confissões, etc. Talvez aautobiografiamais importantepara
o estudo psicológico da experiência religiosa em todo omundo
ocidentalsejao livro de Agostinho - Confissões. Nesse livro, Agos-
tinho relata a experiência dramática de sua conversão religiosa,
bem como outrosaspectos sugestivos desua experiência rel1giosa,
que olevarama uma completaentregade sua vida a Deus.Outras
obras de caráterautobiográficoque podemlançar luz sobre o pro-
blema religioso de seusautoressão: As Confissões, deJeanJacques
Rousseau, e oSartorResartus,de Carlyle.
as
William Jamese Anton Boisenfizeram amplo uso dedocumen-
tos pessoais no estudo do fenômeno religioso. Boisen, por exemplo,
estudouseriamenteo Joumal, de George Fox, e oDiário Espiritual,
de Emanuel Swedenborg, e, apartir desses documentos,procurou
reconstruir a experiênciareligiosa de seusautores.
O problema principal quanto ao uso dedocumentospessoais
como método de pesquisa em psicologia da religião ésaberse eles
podem serestudadospor métodos cíentíncos,ou melhor, como es-
tudá-los cientificamente.
R. K. White, citado por Clark, sugere o método deanálise de
valores para o estudo dedocumentospessoais. Esse método con-
siste essencialmenteem analisar o documento, contando as pala-
vras que contêmvalores dealguma ordem eclassificando-asde tal
modo que se chegue a umpadrãodo sistemade valores doindividuo
sob consideração.
Outro método de estudo de documentos pessoais ésugeridopor
L. W. Ferguson. Oautor fez um estudo completo de todos os dados
biográficos e documentosrelacionadoscom a vida de Jonathan
Swift, e depoispreencheua Escala de Valores deAllport-Vemon
como ele supõe que Swiftteria preenchido.
Os trabalhosde White, deFergusone de outros são louváveis.
No entanto, é fácil verificar-se que documentos pessoais deixam
muito a desejarcomo método de pesquisa, visto que neles osubje-
tivismo, tanto do autor como do intérprete, é inevitável.
Questionários - O questionárioconservamuitas das earacterís-
tícas dedocumentospessoais. Noentanto,como método de pesqui-
sa, pode ser maisobíetrvo e não dá ao individuo a mesmaliberdade
e espontaneidadeda respostados documentospessoais, o que equi-
vale a dizer quehá certo controle na investigaçãodo fenômeno que
pretendeinvestigar. E, quanto maior o controle na pesquisa, mais
precisosserão os resultados.
O questionárioainda é um dosinstrumentosmais úteis no es-
tudo psicológico da religião. A começar deStarbuck, que dele se
utilizou para suas pesquisas sobre a conversão religiosa e a evolu-
ção psicológica, e Leuba, queinvestigou a crença na imortalidade
e a crençaem Deus por meio dequestionários,até nossos dias esse
método tem sido dos maisfrutlferos.
Há várias formas dequestionáriosusados em pesquisa no cam-
po da psicologia da religião, bem como em pesquisas psicológicas
em geral. Stolzapresentacinco desses tipos dequestionários.
O método de escolhamúltipla consistena apresentaçãode um
estimulo na forma de certa afirmaçãoe na sugestãode várias res-
postas, deixando-seao respondenteescolher aquela que lhe parece
mais acertada. Exemplo dequestionáriodesse tipo: Na concepção
cristã, Deus é:
34
a) uma força impessoal;
b) a representaçãoideal da bondade;
c) a expressãomáxima do amor;
d) o protetor dos justos;
e) o criador e sustentadordo universo.
o questionáriodo tipo certo ou errado é aquele que fazafir-
mação que o respondentejulgará cena ou errada. Esse tipo de
questionárioé particularmenteútil para medir o conhecimentore-
ligioso da pessoa, bem comosua crençaa respeitode eertcspontos
doutrinários. Exemplo:
Errado
o Evangelho de Marcos foi oprimeiro a
ser escrito .
A crençana inspiraçãoda Blblia significa
que Deusmesmo a escreveu e que os seus
autoresforam meros instrumentospassivosna
sua produção .
Outro tipo de questionárioé aquele em que orespondenteé
convidado amarcar todas as palavrasde determinadotexto que se
relacione com o assuntosugerido pelo pesquisador.Esse método
pode fornecer dados quanto ao significado simbolizado por tais pa-
lavras. Pede-se, por exemplo, que o individuosublinhe wdas as
palavras,em determinadotexto, que tenham alguma relação com
sua experiênciareligiosa.
Outra técnica é aquela em que o respondenteé convidado a
completar certas frases. ESSe tipo de questionárioé mais próprio
para a avaliaçãode conhecimentosteóricos da vida religiosa, mas
pode tambémprestar-seà investigaçãode atitudessobre ofato que
se investiga.
Finalmente,existe o tipo dequestionáriobaseadona associa-
ção depalavras. Nessequestionário,apresenta-seuma lista de pa-
lavras ao respondentee se lhe pede querespondacom a primeira
palavraque lhe vierà mente. Esse método é baseadona teoria de
associação de CarlJung e exige consideráveltreino para julgar
corretamente.Em principio, porém, pode ser um método válido de
pesquisapsicológica. Jung distingue quatro tipos de associação:
Intrínseca, extrínseca, tonal e mista. Mediante vocabulário bem
selecionado, podemostirar conclusões válidas desse tipo de ques-
tionário.
Como dissemos acima, oquestionáriopode ser excelenteinstru-
mento de pesquisa, mastem defeitos quenão podemos ignorar.
Entre esses defeitos, diz Clark, o método pressupõe a cooperação
do respondente,bem comosua compreensãodos itens do questio-
nário, que, obviamente, depende do seu nivel deinteligência. A
fraseologia dositens requer alto grau de habilidade da parte do
construtor do questionário; caso contrário, serão confusos e pode-
rão trazer resultadosou respostasque não se procuram. O maior
problema no uso doquestionário,porém, ésaberse ele é repre-
sentativo, estatisticamentefalando.
Reconhecendoque há vários problemastécnicos envolvidosna
construçãode questionáriosque possamservir como instrumentode
pesquisa psicológica,apresentaremos,a seguir, algumas sugestões
quanto à sua estrutura. Essas sugestões, que podemser encontra-
das em vários livros quetratam de métodos de pesquisa, sãosubs-
tancialmentefeitas por Ernest M. Ligon, em seu livro Dimensions
01 Character.
Informaçõesquanto ao questionário:
a) Titulo descritivo do estudo;
b) Breve descrição do propósito do estudo;
c) Nome da instituição que patrocina o estudo;
d) Nome e endereço da pessoa ouinstituição a quem o ques-
tionário deve ser devolvido;
e) Instruçõesquanto ao modo como asperguntasdevem ser
respondidas.
Quanto à fraseologia, devemosobservaros seguintespontos na
construçãodo questionário:
a) A perguntadeve serfeita de modo simples, objetivo e espe-
cifico;
b) Deve-se exigir um mínimo depalavras para responderàs
perguntas;
c) Cada perguntadeve sercompleta em si mesma;
d) A formulação da perguntanão devesugerir a respostaque
se deseja;
e) O vocabulário deve ser bem conhecido pelorespondente,a
fim de evitar uma respostaque se nãoprocura;
f) Os itens devemser arranjadosem ordem lógica.
Quantoab critério de validade doquestionário,será o mesmodo;
qualquerteste psicológico, istoé, sua administraçãoa vários grupos
e a manipulaçãoestatIsticados resultadostabelados.
Ordinariamente,o uso doquestionárioé completamentadopela
entrevista. O propósito daentrevistaé obter informaçõesmaia pro-
fundas a respeito de certos aspectos do estudo que se faz e que o
questionárionão pode oferecer. Aentrevista,todavia, requer tam-
bém adequadotreino, para que cumprasua finalidade como instru-
mento de pesquisa.
Há dois tipos básicos deentrevista: a entrevista padronizada,
em que a mesmaperguntaé feita a todos os indivlduos queparti-
cipam do estudo, e aentrevistanão-diretiva,em quecadaindividuo
é livre para falar sobre assuntosque lhe pareçamrelevantes,com
um mínimo deinterferênciada parte do pesquisador.
Experimentação- Até que ponto podemosexperimentarem
religião? pセ・」・ óbvio que, sedefblirmos experimentaçãocomo a
rigorosa técnica de laboratório, incluindo o controle adequadode
variáveis que possaminterferir nos resultados da experiênciaque
se realiza, ainda não podemos falar de método experimental no
estudo psicológico do fenômeno religioso. Noentanto, se dermos
mais flexibilidade ao termoexperimentação,paracom elesignificar
a observaçãocontroladae sistemática,com o propósitode descobrir
determinadosfatos eestabelecergeneralizações, nesse caso pode di-
zer-se que é possível aexperimentaçãono estudo psicológico do fe-
nômeno religioso. Um bom exemplo dessatentativa de experimen-
taçãoé o estudo de Coe, em que ele usou ohipnotismopara estudar
a sugestíonabíüdadee sua relação com certas formas dramáticas
de conversão religiosa e com o misticismo.
O método recriativo sugerido por Stolz consistena tentativa de
reconstruir as experiênciasreligiosas do homemprimitivo com o
auxUio da antropologia,da psicologia social e da psicologiagené-
tica. Admitimos queos dadosantropológicossobre o homempri-
mitivo podem ser muitointeressantes,porém achamosque como
método de pesquisa deixam muito adesejar,porque ainterpretação
desses dados éaltamentesubjetiva.
Literatura- As grandesobras deliteratura sagradada huma-
nidade são fontes de excelenteinformação para o estudo psicoló-
gico da religião. A Blblia, por exemplo,presta-sea estudospsicoló-
gicos, como a conversão, o poder decurar, o dom dellngua, certos
tipos de personalidadereligiosa, etc.
1: verdadeque muitos psicólogostendem a rejeitar a validade de
literatura como fonte de informação psicológica. Outros, porém,
achamque é possívelaproveitara intuição de escritorestalentosos,
na investigaçãode fatos psicológicos. Allport, por exemplo,acha
que oescritor tem certasvantagenssobre o psicólogo e que oestudo
da literatura pode ajudar na pesquisa psicológica.As obras literá-
rias de autorescomoShakespeare,Dostoievski,lohn Bunyan, Ibsen,
Goethp. e muitos outros podemrevelar aspectosbastantesugestivos
da personalidadehumana.
O método clínico - Por definição, esse método consistena obser-
vaçãocllnica de casos individuais. O métodocl1nico é um dos mais
deficientesna coleção de dadosnasciências psicológicas. Noentanto,
ao menos nopresente,há muitos aspectos da vida psicológica que
não podemser investigadospor outros métodos.
o.,
Testespadronizados- Apesar detodas as deficiênciasque pos-
sam apresentar,os testespadronizadosainda são osmelhores ins-
trumentos de pesquisa psicológica. Oproblema é construir testes
para medir o comportamentoreligioso. Trata-se de tarefa extre-
mamentediflcil. Existem muitos testes que, apesarde não have-
rem sidoconstruídoscom o propósitoespecIfico demedir o compor-
tamentoreligioso, servembem a esse fim. (Veja-se a esserespeito
qualquerbom livro sobretestespsicológicos, eespecialmentea gran-
de obra de O. K. Buros, TheMental MeasurementYearbook,publi-
cada de cinco em cinco anos.)Tanto os testes objetivos como03
projetivos podem ser usadosnessaspesquisas.Entre os projetivos
mais usados em pesquisas, no campo da psicologia dareligião,en-
contram-seo "Rorschach"e o "ThamaticApperceptionTest" (TAT).
Na escolha do método deinvestigaçãopsicológica, opesquisa-
dor, sempreque possível, deveoptar pelo método mais objetivo e
que se preste às manipulaçõesestatísticas,pois a possibilidade de
quantificaçãoemprestamaior respeitabilidadecient1fica à observa-
ção do pesquisador.
SUMÁRIO
Psicologia da religião é aaplicação dos príncípíos e métodos
da psicologia ao estudocientlfico do comportamentodo homem,
quer como indivIduo, quer como membro deuma comunidadere-
ligiosa.
Comportamentoreligioso é qualquer ato ou atitude que tenha
especíncareferência ao sobrenatural.
Religião, do ponto devista do seu estudo psicológico,é um fe-
nômeno tipicamente individual, mas pode e deve serestudadoem
sua expressão social e coletiva.
O estudo psicológico do fenômeno religioso podeser feito em
qualquer religião ou seita, em qualquer parte do mundo. A dinâ-
mica da experiência religiosa tem aspectosuniversais e pode ser
estudadado ponto de vista psicológico,independentementede qual-
quer idéia sectária.
Apesar do esforço dealguns de enquadrara psicologia darelí-
gíão no campo geral da psicologiacientlfica, ainda existem certas
barreirasque impedemtal relaçãomais Intima. Na proporção,po-
rém, em quemelhoresmétodos de pesquisa foremintroduzidos no
estudo psicológico do fenômeno religioso, a psicologia da religião
desfrutarástatus acadêmico mais favorável.
A história da psicologia da religião pode sertraçadaa partir
de obras teóricas, bem como detrabalhospráticos. Entre as obras
teóricas de maior influência, podemos mencionar os trabalhos de
JonathanEdwards, Friedrich Schleiermacher,David Hume, stan-
ley Hall, Starbuck,Albert Coe, William James,Rudolf otto, James
Leuba, Freud,Jung, para citar apenasos mais importantes. Quan-
to aos trabalhos práticos, basta que mencionemos agrande obra
de Anton Boisen e o que ele fezpara estabeleceruma relaçãomaJs
Intima entre o psiquiatrae o ministro de religião, tal como vemos
no movimento de SaúdeMental no mundo moderno.
No estudo psicológico do fenômeno religioso,precisamosde nos
libertar de submissãoIncondicional a teorias gerais do comporta-
mento e nosempenhardecididamentena coleta de dadoscientifica-
menteobservados que seprestemà formulaçãode teoriasférteis em
hipóteses testáveis.
Nenhumaciência é melhor do que os métodos depesquisapor
ela adotados. Os métodos usados no estudo psicológico dofenôme-
no religioso ainda não atingiram a perfeição técnica alcançadaem
outras áreasde investigaçãopsicológica, mashá sinais de quenão
estamoslonge de atingir esse alvo,especialmenteem áreas mais
acess1veisdo comportamentoreligioso.
Tradicionalmente,têm-se usado documentospessoais,questio-
nários, entrevistase o método clinico de observação no estudo psi-
cológico do fenômeno religioso.Experimentaçãopropriamenteditaainda não é prática generalizada,por nos faltarem os meiosade-
quados de controle. Sempre que possível, porém, ela deveser
estimulada,pois dela dependegrandementea respeitabilidadeaca-
dêmica, bem como a eficiênciados estudos psicológicos do compor-
tamento religioso.
Capítulo n
o FENôMENO RELIGIOSO
Definição de Religião- Origens da Religião - Experiência.
Religwsa-ComportamentoReligioso - Interpretação Psi-
cológica do Fenômeno ReligÍ08o.
A religião tem sido uma dásconstantespreocupações dahu-
manidadedesde os seus primórdios. Em quasetodas as culturasque
hoje conhecemos, o fenômeno religiosoestá presente,em menor ou
maior escala.
Ao psicólogo da religiãointeressanão somenteo fato de que
em todas essasculturas se encontram formas de comportamento
religioso, mas também o fato singular de que,apesardas grandes
diferençasquanto às crençase práticasdos vários povos,há muitas
similaridadesentre elas, o que sugere aexistênciade um fator co-
mum à experiência religiosa de todos os homens.Spinks sugere
que essassemelhançassão devidas aexperiênciascomuns a todos
os mortais. Por exemplo, auniversalidadedas necessidadeshuma-
nas, tanto as de ordem flsicaquanto as de ordemespiritual, a
tendênciaà unidadee completaçãodo homem comoser finito que
ê e a consciência daexistência de um poder transcendentalope-
rante no mundo, se bem que de modo Intangível.1
1. G. StephensSpinkl, Psychologyand Religlon: An Introductlon to Con·
エ ・ ュ ー ッ イ G イ セ ViewI, Boston Beacon Press, pll./li'. 3.
A.
E tarefa do psicólogo da religião,portanto, observare descre-
ver o fenômeno religiosotal como elese expressanas mais varia-
das formas docomportamentohumano. A fim de poder saber
quando determinadocomportamentoé tido como religioso, elepre-
cisa definir o termo religião, explicando o seu significado no
contexto de sua disciplina.
Definição de Religião
Há, literalmente,centenasde definições de religião. Não temos
o propósito, entretanto,de apresentaruma longa lista de defini-
ções. Apresentaremosalgumasapenas,a titulo de ilustração.
Segundo Leuba, que coletouquarentae oito definições dereli-
gião, essas definições podemser classificadasem dois grandesgru-
pos: definições queencarama religião como oreconhecimentode
um mistério, queexige interpretação,e definições quesugeremo
tipo indicado por Schleiermacher,que define religião como osen-
timento de absoluta dependênciade Deus.
Outra maneira de classificar essas definições étomar por base
o elementoque salienta. Verificamos aqui basicamentedois tipos:
o que dá ênfaseaos aspectos coletivos eq que destacao aspecto
Individual da religião.
A definição de Sir James Frazer é particularmentesugestiva
para o psicólogo da religião. Diz ele que"religião é a propíeíação
ou conciliação de poderessuperioresao homem, que, se crê,diri-
gem o curso danaturezae da vida humana". Como se verifica,
segundoessadefinição, religião consiste de doiselementos,um teó-
rico e um prático, isto é, "a crença em poderesmaiores do que o
homem e o desejo deagradara essespoderes".sDiz o citado autor,
no mesmolugar: "obviamente,a fé vem primeiro,pois precisamos
de crer na existênciade um ser divino antesde procurarmosagra-
dá-lo. Mas, anão ser que a crençaleve o homemà prática corres-
pondente,ela nãoseráuma religião, massimplesmenteuma teologia:'
Para Émile Durkheim, religião é um fato essencialmentecole-
tivo. Diz ele: "Religião é um sistemaunificado de crençase prá-
ticas relativasa coisassagradas,isto é, a coisasseparadase proibi-
das - crenças e práticas que unem, numa comunidade moral
chamadaigreja, a todos aqueles que a elasaderem."3
Não se podenegar a significação do aspecto coletivo dareli-
gião, porémparece-nosóbvio quetambémnão se podereduzirreligiãoà
2. Sir James Frazer, The Golden Bough, edição resumida (1952), pâg,
50, citado por Spinks, op. cit., pâg, 7.
3. :E:mile Durkheim, The Elementary Forms of the Religious Life, tradu-
zido do francês por Joseph Ward Swaln, Londres: George Alten &;
Unwin Ltda. (1915), pâg. 47.
mera experiênciacoletiva. Dal, por que diz Spinks: "Qualquer de-
finição que salientaos aspectoscomunitários da religião emsacrí-
flcio do elementoindividual é defeituosa,pois um dos aspectos mais
importantesda religião é a apreensãoindividual de um Poder, Obje-
to ou Principio supremo."4
Ao contrário dos quedestacamo aspecto social da religião, te-
mos psicólogos, como Gordon Allport e William James, queapre-
sentama religião como algotipicamenteindividual. :&: verdadeque
Allport não apresentouuma definição formal de religião, mas não
há düvida de quesua ênfaseé sobre aexperiênciapessoal. Até o
titulo do livro em quetrata especificamentedo assuntorevela sua
posição teórica. O livrointitula-se The Individual and Bis Religion,
obraque serácitadaváriasvezesnestelivro. E William Jamesdísse
que "no sentidomais amplo e emtermos gerais, pode-se dizer que
a vida religiosa consistena crença de que existeuma ordem invi-
slvel e que nossa felicidadesupremaconsiste empormo-nosem har-
monia com essa ordem em que cremos". E, emconsonânciacom sua
posição teórica, diz ele: "Religião,portanto,como euagora arbitra-
riamente vos peço admitir, significará para nós os sentimentos,
atos e experiênciasde indivlduos emsuasolitude, enquantose per-
cebem asi mesmos emrelaçãocom o que quer quesejaque eles con-
siderem divino." 11
Uma posiçãoIntermediáriaé representadapor J. Blssett Pratt,
pois, ao definir religião, ele inclui tanto o aspecto coletivo como o
individual. Diz ele: "Religião é uma atitude social de indivlduos
ou de comunidadespara com o poder, ou poderes, que eles crêem
exercer controle final sobre seusInteressese destinos."8
Mesmoreconhecendoas deficiências desua definição, o que se-
ria verdadea respeitode qualqueroutra, Pratt advoga que elare-
presentadois pontos positivos. Em primeiro lugar, a definição diz
que religião éuma atitude. Ora, diz ele, a palavra atitude, tal
comoé usadaaqui, significa o lado responsívo da consciência,encon-
trado em fenômenos como aatenção,o interesse,a expectação,o
sentimento,as tendênciasà reação,etc. A definição,portanto,suge-
re que religiãonão é questão dedeterminadodepartamentoda vida
pslquica, ma!; envolve ohomem como um todo.
A outra vantagemdesse conceitoé que eleindica que religião é
Imediatamentesubjetiva, diferindo, assim, das ciências que dão
ênfaseao conteúdo, ao invés deà atitude, mas ao mesmotempoela
4. G. StephensSplnks, op. cit., pãg, 6.
5. Wll1iam Jamcs,Th. Vari.tiss of Rsligious Exp.ri.ncs,New Yark: The
New American Library or Warld Literature, Inc. (1958), pA.g. 42.
6. J. Blssett Pratt, Th. セ i ゥ ァ ゥ ッ オ N Consciousnell,citado por Splnks. op.
cit., pâg. 8.
indica que religião envolve e pressupõe aaceitação do objetivo.
Portanto, "religião é atitude de um 'eu' para com um 'objeto' em
que elegenuinamenteacredita",7
Através deste livro, e simplesmentecomo instrumento de tra-
balho, adotaremosa detíníção de Clark, que diz: "Rel1gião é a
experiência Intima do índívíduo, quando ele sente um Transcen-
dente, e quese expressaem seucomportamento,quando ele ativa-
menteproeuraharmonizarsua vida com esseTranscendente."8 Em
nossa concepção,portanto, religião é o atoque tem referênciaespe-
cifica ao Transcendente.Dai, por que definirmos comportamento
relígíoso como sendoqualquer ato ou atitude que tem referência
especíncaao divino ou sobrenatural.
Origem da Religião
Os estudos deantropologiacultural parecemindicar que expres-
sõesreligiosas existem praticamenteem todos os nlveis de civili-
zação. A religião,portanto,nasceucom o próprio homem pré-histó-
rico. HerbertKühn diz que, apríneípío,a religião seexpressavaem
mágíca, bruxarias, danças, encantamentos,cânticos sagrados,etc.
Mais tarde, o homem começou a desenvolverformas coerentesde
pensamentos,conceitos subjetivos e concepções mágicas douniver-
so. Finalmente,em fase altamenteevoluída, ele passou aelaborar
explicações maisracionaisdo universo, dando,assim, origemà filo-
sofia e às formas daschamadasrel1giões superiores.9
Seria dif1cil, cremos nós, dizer qual aforma maisprimitiva do
fenômenoreligioso. Segundoalgunsautores,é possíveltraçar a ori-
gem da religião a começar do conceito demana. Mana é uma pa-
lavra polínésíaque significa uma força vaga, impessoal,mecânica,
que controla os destinos do universo.Pareceque em todas ascultu-
ras de que temosconhecimentoe em quehá formas decomporta-
mento religioso, acrença num poder quecontrola os destinos do
uníverso é básicae universal.
SegundoEdwardTylor, em seul1vro Religion in Primitive Cultu-
re, animismoé a forma básicada rel1giãoprimitiva. Diz ele: "Ani-
mismo é, de fato, o fundamentoda Filosofia daRel1gião, desde :l.
rel1gião do selvagematé a do homem civilizado. E, se bem que,
à primeira vista, ofereceapenasuma suficiente definição daquilo
que seria o mínímo para poder serconsideradorelígtão, o animismo
é praticamentesuficiente, pois, onde seencontra a raiz, os ramos
7. Id. ibid., pâg', 8.
8. Walter H. Clark, The Psychologyof Religion: An Introduction to R.·
Iigious Exp.rienceand Behavior, New York: The MacMillan Companv,
pAgo 22.
9. Herbert KUhn, On the Track of Prehiatoric Man (1958), pâg-ll, 184. 185.
citado por Spinks, op. cit., pAgo n.
são geralmenteproduzidos."10 A posição teórica de Tylor é coeren-
te comsua definição de religião, que ésimplesmente"fé em seres
espirituais".
Se tomarmos a definição deanimismo como sendo a"crença
segundo a qual todas as coisas,animadasou inanimadas,estão do-
tadas de almas pessoais, quenelas residem", admitiremos, então,
que o anímatísmoseria um passo além do animismo,Animatismo
é a "crençasegundo a qual todos oudeterminadosobjetos impor-
tantes estão dotados de vida oucontêm uma energia comunicável
(mana). Se é suficientementeforte para constitui-los em objetos
de magiaou de adoração, sãorespeitadoscomo veículos de um poder
impessoal ou como capazes deatuar por motivos de tipo pessoal."11
Outros vêem na magia a forma maisprimitiva e elementarda
religião. Não queremosnegar que na religião do homemprimitivo
haja algo de magia. Podemos mesmo dizer que elaainda se encon-
tra em,várias formas imaturas da 'religião do homem civilizado.J!:
possível queDurkheim tenha certa razão quando vêna magia o
elemento intermediário entre ciência e religião. Convémsalientar,
no entanto, que a tesenão é de todo defensável, porque religião
e magia diferem tanto em sua origem quanto em seu método. Pela
magia, o homemtenta controlar os poderessobrenaturais;na reli-
gião, o homemprocura agradare pôr-se em harmonia com os po-
deres sobrenaturais.
Outra forma de religião encontradaentre vários povosprimi-
tivos é o totemísmo, Ototem pode ser uma árvore, umanimal,
um rio ou qualquer outro fenômenona ordem natural com que o
homem primitivo se sinta especialmenterelacionado. Em tomo
dessetotem se cria um tabu, isto é, uma crençana SU3. intocabili-
dade. O'totem se toma, portanto, um objeto proibido. J!: proibido
matar, comer e até mesmo tocar nesse objetosagrado.
A origem dototem é difIcil de explicar. Entre as várias teorias,
encontramosa de Spencer, que diz que ototem surgiu como tenta-
tiva de explicar a concepção e onascimentode um ser vivo. O
totem, portanto,seria o elementofertUlzante que penetrano corpo
da fêmea.ParaDurkheim o totemse origina da concepçãoprimitiva
da exístêncía" de forças pessoaispresentesem determinadosobjetos.
E, paraMurphy, o totem é uma extensãodo mana. Diz ele: "Como
sistemareligioso primitivo, o totem surge do interessepelo alimen-
to, pois eleé o animal ou planta comestíveísconsideradosmisterio-
sos, mas benéficos. A idéia depertencer ao mesmosangueou à
10. Edward Burnett Tylor, Religion in Primitive Culture, New Yorl,;
Harper & Brothers PubJishers(1958), pãg', 10.
11. Dicionário de Sociologia, Rio: Editora Globo (1961), pâg. 23.
46
mesmacarnedo totem leva o primitivo a sentir seu parentescocom
ele... o totem-divindadeé o pai ou ancestraldo clã."12
Qualquerque sejasua origem, o fato é que ototem é uma das
concepções religiosas maisantigasda história da humanidade.Tan-
to assim que W. RobinsonSmith o considerouo ponto de partida
de todas as religiões. Maisserá dito sobre oassuntoquando estu-
darmos ainterpretaçãode Freud, um poucoadiantenestecapítulo.
Para Herbert Spencer, o culto doantepassadoé o princípio de
toda religião. Diz ele:
"Parao selvagem, tudo quetranscendeo ordinário é sobrena-
tural ou divino; o homem extraordinário,superior aos demais.
Essehomem extraordinário pode ser simplesmenteo ancestral
mais remoto tido como ofundador da tribo; pode ser o chefe
que se distingue por sua fôrça e bravura; pode ser o curan-
deiro de grande reputação;pode ser o inventor de algo novo.
Então, ao invés de ser um dos membros da tribo, ele podeser
um estranho superior que traz arte e conhecimento;ou pode
ser alguém deuma raça superior que dominou pelaconquista.
Sendo aprínctpío um ou outro dessesconsideradocom admira-
ção durante sua vida, essaadmiraçãoaumentadepois desua
morte, e a propícíaçãode seu espírito, sendomaior do que a,
propiciação de espíritos menos temidos,torna-se uma forma
estabelecidade culto. Nãohá exceção. Usando afrase adora-
ção doantepassadono seusentidomais amplo,abrangendotodo
culto aos mortos,sejam eles do mesmosangueou não, chega-
mos à conclusão de que o culto doantepassadoé a raiz de toda
religião." 13
Investigaçõesmais recentesindicam que a tese deSpencernão
é de todo defensável. O culto doantepassadodesempenhapapel
relativamenteinsignificante na religião do homemprimitivo.
A personificaçãoda naturezae sua conseqüenteadoraçãopa-
recem haver desempenhadopapel importante no desenvolvimento
das idéias religiosas do homem. Max Müller propôsuma explica-
ção língüístícaà adoraçãoda naturezacomo uma das formas mais
primitivas da religião. Diz ele que ohomem primitivo tinha nomes
para objetos individuais, mas nem sempre tinha um termo para
objetos da mesma espécie. Assim sendo, esses nomestendiama con-
fundir-se. Acrescentando-sea personificaçãode objetos mana, o
resultadofoi a combinaçãode vários deuses em um e aseparação
de um em multos. Segundo Max Müller, os objetos de culto são de
três classesdistintas: coisas que podemser apanhadascom as mãos,
chamadasfetiches; coisas que podem serparcialmenteapanhadas,
mas sãodemasiadograndespara seremlevantadas,chamadasdeu-
12. John Murphy, Lamps of Antropology (1943), pág. 4, citado por Bpínke,
op. cit., pág, 42.
13. Herbert Spencer,Principies of Sociology (1885). VoI. I, pág. 411, citado
por E. O. James, Comparative Religion. New York: University P .. -
perbacks (1961), pâgs, 37, 38.
46
ses naturais; e coisas quenão podem ser apanhadascom as mãos,
como o sol, asestrelas,etc. Estassão consideradasGrandesDeuses,
acima dos quais fica oInfinito. Assim, pois, a partir da consciência
de poderes que neleeXistem e que vão além desuaprópria consciên-
cia, o homemprimitivo chega auma concepção religiosada vida e
do universo.
Finalmente,uma das idéiasfundamentaJsque deram origem à
religião é inegavelmentea idéia do misterioso, ou,para usar a
linguagemde otto, a idéia do numinoso. Muito antesde o homem
ser capaz deverbalizarsuaconcepção de vida e do universo,já indi-
cava preocupaçãocom o mysterium tremedumet fascinansque o
envolve. ESSemysteriumtremedumcapaz deincutir medo tem tam-
bém o extraordinário poder de atrair o homem. Ou, como diz
Spinks, a repulsão e afascinação. são pólos gêmeos das reações do
homem ao estranho,ao tremendo,ao sugestivo e ao terr1vel. Vista
desse ângulo,portanto,a religião é arespostado homem a esse mis-
terioso que lheinfunde pavor e ao mesmo tempo ofascinae atrai.14
Até aqui nossaapresentaçãodas origens da religião se tem
'limitadp ao chamadohomem primitivo. O animismo ou anima-
tismo, a magia, o totemismo, a adoração dos antepassadose a
adoraçãoda naturezasão consideradosformas primitivas de religião.
A idéia do numínoso, entretanto,se bem queeXistindo desde as
formas mais elementaresde religião,não é limitada à religião pri-
mitiva. Mesmonas formas mais evoluídas dos conceitos religiosos,
esta fascinaçãopelo mistério está presente. O mysterium é parte
integrantedaexperiênciareligiosa.
Apresentaremos,a seguir, o desenvolvimentohistórico das idéias
de Deus no monoteísmo comoforma superior de religião. Convém
notar, entretanto,que o termo superior aqui não Implica um [uíso
de valor. É usado apenaspara referir-se à religião do homem e
em fase maísavançadade suaevoluçãohistórica.
Quando falamos em"Deus", estamos usando um termo decarac-
terístíeasbem mais definidas. As idéias de"esplrito" ou de mana
são vagas e impessoais;falta-lhesindividualidade. Os deuses,entre-
tanto, como observa Coe, têmindividualidade. O homem com eles
se relacionapor meio deoraçãoe outrasformas sociaisrelativamente
permanentes,tais como votos epactos,etc.
É extremamentediflcll dizer-se como o homem chegouà idéia
de deuses. Talvez omelhorque sepossa fazer éafirmarque, apartir
da combinaçãode várias idéias fundamentais,o homem chegou a
conceber aidéia de deuses ゥョセゥカゥ、オ。ゥウN Obviamente, aquinão se
discute o conceito teológico de Revelação, pois por eleDeus se fez
conhecerao homempor suaprópria iniciativa.
U. G. StephensSpinks. op. cit., pâg, 46.
47
Seguindo a exposição de Stolz,meneíonaremosas várias fasesda
evolução dessa idéia, sempretender,contudo, queestaseja a ordem
cronológica dos acontecimentose sem negar que outros fatores te-
nham contnbuídopara a formaçãode tal idéia.
Ao que tudo Indica, apríncípío o homematribui vida a todos os
seresna natureza.Desde cedo eleaprendeuque estesseresnaturais
podem ser benéficos oumaléficos. O "esplrito" existente nestes
seres, porém, édiferente de seu"esplrito". Dal a conclusão de que
há fora do homem forças quecontrolamseu bem-estare seu destino.
Conseqüentemente,há necessidadenão só decrer nos deuses, mas
de descobrirmeios deagradaraos benéficos e expelir osmaléficos.
Os deusesobviamentese relacionamcom a vidasócio-econômica
dos índívíduos que nelescrêem. Em muitos casos, os deusespri-
mitivos eram animais, árvores, rios,etc. A aquisição dealimento
teve papel importantenesse processo.As forças naturaisbenéficas,
tais como o sol e a chuva,foram naturalmentetransformadasem
deuses e agratidão pela ceifa abundantedeu origem aosacriflcio
a esses deuses generosos.
Em fase maisavançadade sua evolução, ohomem começa a
procurar respostaspara a origem desteuniverso. A respostamais
óbvia é a de que acriaçãopressupõeum Criador. A contemplação
da naturezae dosmistérios que ela encerralevou o homem auma
explicação religiosa domundo. Nessa explicaçãoestá impl1cita a
idéia de Deus ou de deuses.
Como resultado de suas múltiplas relações sociais, o homem
chegou à noção do dever. Ao lado dosentimentodo dever,surge
o sentimentode culpa e desua própria finitude. A experiênciado
sofrimento, da solidão e daangústiaé outro fator social queentra
na formaçãoda idéia de deuses, comorespostaao problemafunda-
mental do homem.
Uma vezcrendo nos deuses,coube ao homemorganizá-loshie-
rarquicamente. Cada deus temcerta função especifica, enem todos
têm a mesmaimportância. Esta é a significação básicado termo
politeísmo. Ao longo daHistória, esses deusesdesenvolveramcarac-
terísticascada vez maissemelhantesao homem. As peculiaridades
de cadaum, bem como arivalidade existenteentre eles sãopreser-
vadas nas várias mitologias, das quais talvez a maisrica e variada
seja a greco-romana. As obras de Homeroapresentamo politeísmo
grego na sua forma mais bela e expressiva. Ao que tudoindica, a
religião na Babilônia, na Asslria e no Egitoantigo nunca passou do
estágio dopoliteísmo.
O povo judeu,dentre todos os povos daantiguidade,salientou-se
em suasconcepções religiosas.Partíndo,talvez, das formas de poli-
teísmo prevalecenteno seu mundocultural e geográfico, esse povo
atingiu a forma mais refinada de monoteísmo de que se tem co-
nhecimentona História.
Aparentemente,o povo hebreunão pulou do politetsmo ao mo-
notetsmo. Houve uma forma intermediária,chamadahenoteísmo,
ou seja,aliançacom um deuspatronode suatribo ou desuanação.
Pareceque essehenoteísmoexistiu ao lado dacrençana existência
das divindadesde outros povos. Oshebreustemiam os deuses das
outras nações, masnão os adoravam. Essa formaavançadado
políteísmo, diz Stolz, échamadamonoteísmoprático.
Através de Moisés, o povo éapresentadoa Jeová. ComoMoisés
chegou aconhecerJeová éproblemapraticamenteinsolúvel. Pro-
vavelmente,ele abraçouo culto henoteístade Jeová,durante sua
peregrinaçãoem Midiã. Sob o comando de Moisés, Jeová livrou
ISrael docativeiro eglpcio eagora faz um pacto com eleparaser o
seu protetor. Na terra prometida,o povohebreuentraem contato
com outros deuses. Amaioria tenta um sincretismo,mas osprofetas
restauramo culto a Jeová. Com aajuda dos seusgrandesprofetas,
o povo de Israel chegou a elaborar a crença monoteísta,que, ao
lado desua concepção daHistória como o desenrolarde um plano
de Deus,constitui sua maior contribuiçãopara o mundo. Segundo
o monoteísmo ético do povo hebreu, Deus não éapenaso Deus de
Israel. Ele é o único Deus que existe. E o Deus de todo o mundo
e a ele devemadoraçãoe obediênciatodas as criaturasda terra.
O monoteísmocristão é basicamenteo mesmo queencontramos
nos profetas de Israel. No cristianismo,Deus é apresentadocomo
Pai e o homem setorna filho de Deus por adoção em JesusCristo.
Tanto o Velho como o NovoTestamentodão maior ênfaseà Trans-
cendênciade Deus, mas, noNovo Testamento,Deus é apresentado
como sendo bondoso e acessível aohomem. Conforme o monoteísmo
cristão, Jesus Cristo é a expressãomáxima da revelação docaráter
de Deus.
A Experiência Religiosa
A definição de religião interessaao presenteestudo, porque, de
certomodo, estabelece o seu campo deinteresseimediato. A evolução
histórica das concepções religiosastambém nos interessa,porque
vemosatravésdela que o fenômeno religioso tem assumido e assume
as maisvariadasformas. No entanto,do ponto devista do psicólogo
da religião, o que mais lheinteressanesse processo é o fenômeno da
experiênciareligiosa.
Há vários tipos deexperiênciase todas elas podem ser concei-
tuadascomorespostaa diversosestímulos. A psícoüsícaencarrega-se
de determinaro limiar da consciênciade.determinadasrealidades,
ou seja,o ponto em que o organismo setorna sensível a essareali-
dade. Não cabe aquiuma discussão da psicoflsica e seus métodos
de pesquisa. Areferênciaé feita apenaspara estimularo leitor a
estudaralgo sobre tãoimportanteassunto.
Quandose trata de uma experiênciasensorial,por exemplo,não
é diflcil determinaros estímulos que a tornam possível, bem como
o tipo de reaçãodo organismoa essesestímulos. Em se tratando,
porém, da experiênciareligiosa, não é fácil determinar o estímulo
que a produz. Albert C. Knudson, citado por Johnson,distingue
quatro tipos de experiências: sensorial,estética, moral e religiosa.
Diz ele: "O homem possui capacidadeinata para cada um desses
tipos de experiência." São partesda estruturada naturezahuma-
na... únicase não derivadas.A que Johnsonacrescenta:"Nenhuma
dessasexperiênciaspode ser deduzidade uma ou reduzida a outra.
A experiênciareligiosa a priori é um dom único ouuma potencia-
lidade que consistenão de conteúdoespecIfico, masna capacidade
de ter experiênciasreligiosas." 15
De um ponto de vista mais pragmático,Frank S. Hickman diz
que as principais fases da experiência religiosa são a volição, o
sentimentoe o pensamento. Portanto,nesseparticular, a experiên-
cia religiosa não é diferente de qualquer outra experiência
psicológica, pelo menos no querespeita às suas caracterlsticas
fundamentaJs. Como distinguir, então, uma experiência religiosa
de uma não-religiosa?Johnsondiz que há três caracterlstlcasdis-
tintas da experiênciareligiosa: 1) é uma experiênciaque envolve a
idéia de valor, uma preferênciapor interessee necessidadesdignos
de seralcançados;2) tem uma referênciadivina: um esforço objetivo
na direçãode um valorsupremoe fonte de valoreseternos;3) é uma
respostasocial: nela se dá oconfronto do homem com o Tu numa
relaçãopotencialmentecriativa. 16
o problema crucial no estudo da experíêncíareligiosa é saber
sehá ou não umarealidadeobjetiva correspondentea essapercepção.
O psicólogo da religião,enquantopsicólogo,não pode respondera
essapergunta. Johnsonapresentatrês respostas,que decerto modo
são típíeas, Freud nega a existência de uma realidade última.
Para ere, portanto, a experiênciareligiosa não é real, mas ilusória.
OUo diz que essarealidade última existe e, conseqüentemente,a
experiênciareligiosa é válida e autêntica.William James,assumindo
uma atitude inteiramente pragmática, nem afirma nem nega a
existênciadessarealidadeobjetiva. Paraele, a experiênciareligiosa
deve ser julgada pelos frutos que produz na vida do indivIduo.
Como dissemosacima, não compete ao psicólogodecidir se há
ou não tal realidadeobjetiva. Sua tarefa é estudaras váriasmani-
festaçõesdessa experiêncianaquelesque a tiveram e indicar seus
resultadosem suas vidas e osefeitos na sociedade.
15. Paul Johnson, Paychology of Religion, New York: Ablngdon Pr'ess,
pâgs, 55, 56.
16. Id. ibid., pág. 57.
Há vários tipos de classificaçãoda experiênciareligiosa. Apre-
sentaremos,a seguir, duas dessasclassificações,que nos parecem
bastantesugestivas.
Erwin R. Goodenougbdedica grande parte do seu livro The
Psyohology01 ReUgioasExperiencesà descriçãodos vários tipos de
experiênciareligiosa. Ele reconheceque essaclassificaçãoé pura-
mente descritiva e que nenhumaexperiênciarepresentaapenasum
dessestipos.
Uma forma típíca de experiênciareligiosa,conformeGoodenough,
é a que elechama,legalismo,o que define como a aceitaçãode qual-
quer código que se crêincorporar "o certo", "os bons costumes",
aceitandoesse código comonorma absoluta de conduta. Essa ati-
tude se torna uma experiênciareligiosa quando,por haver obedecido
ao código, ohomemexperimentaa sensaçãode retidão interior e de
segurançaexterior paracom o próximo, com "o certo" ou comDeus.
Na experiênciareligiosa legalista, o homem revela seu ajustamento
às demandasde sua cultura. O legalismo é, portanto, um tipo de
religião que tem por alvo a solução de problemas. E basicamente
um processode socialização,sem nItida referênciapessoalao trans-
cendente. Paratais Indivíduos,religião e moral sãosinônimos. Uma
vez que ohomem não pode por si mesmo saber o que é bom, 6
necessárioque ele sesubmetaa determinadocódigo ou lei que lhe
diga exatamenteo que devefazer. Na experiênciareligiosa lega-
lista, quando o homem obedeceà letra do código que eleadota,
sente-sebem. Quando,porém, voluntariamenteo homem infringe
esse código,é perseguidopor terrIvel sentimentode culpa. Note-se
que esse código,para tornar-se válido, precisa ser mais do que
simples elaboraçãopessoal: deve proceder do grupo, da tribo, da
cultura ou do próprio Deus em que ohomem crê. A experiência
religiosa no judalsmo e no bramanismotradicionais é tipicamente
legalista, pois o que essasreligiões exigem é irrestrito assentimento
a seuscódigos, aseuslivros sagrados.ESSetipo de experiênciareligio-
sa não se limita, entretanto,às religiões acima citadas.Verifica-se o
mesmoem vários ramos do cristianismo.Por exemplo,o puritanismo
de várias denominaçõesprotestantese a demandade irrestrita obe-
diência à Igreja,no catolicismo,tendema produzir um tipo legalista
de experiênciareligiosa.
A experiênciareligiosa legalista torna-semais dlf1cll numa so-
ciedadecomplexaem que há vários códigos. Dal por que muitos se
recolhem a mosteiros,onde podem viver em obediênciaàs leis de
cada ordem ou grupo religioso, evitando, assim, ao menos parcial-
mente, o pluralismo das sociedadescivilizadas.
Mesmo reconhecendoas deficiências desse tipo de experiência
religiosa, Goodenoughchega à conclusãode que ela não é de todo
desprezívele que, na realidade, constíuí a maior parte da expe-
ríêncía religiosa dahumanidade.Além disso, diz ele: "Psicologica-
mente, o legalismotorna a vida maistranqüila,tanto interior Quanto
exteriormente,porque resolve aambigüidadedas exigências,tanto da
sociedadehumanaquantoda sociedadedivina." 17
Supralegalismo.Se no legalismo o índívlduo delega aresponsa-
bilidade moral de suadecisão a um código que ele toma comonorma
absolutade sua vida, no supralegalísmoo homem mesmo estabelece
seu ideal e setorna, por assim dizer,sua própria leí. O supralega-
lista não ignora os códigos vigentes, mas lhes dá umainterpretação
muito mais pessoal. Para usar uma expressão blblica, osuprale-
galísta dá mais valor ao espírito da lei do queà sua letra. Jesus
Cristo é um bom exemplo desupralegalísta.Ele disse: "Não penseis
que vim revogar a lei ou osprofetas:não vimpararevogar, vimpara
cumprír" (completar) - Mat. 5:17. QuandoMartinho Lutero re-
solve reformar sua própria instituição religiosa, ele o faz em nome
de uma experiênciareligiosa supralegalísta,
A experiênciareligiosa supralegalístaé profundamentecriativa.
Homens como Jesus, Paulo,Gandhi, Lutero, Francisco de Assis,
John Wesley foram personalidadesaltamente criativas. Convém
notar, entretanto,que aexperiênciacriativa desses vultosmarcantes
pode tornar-seum novo códigopara seus seguidores. Nesse caso,
o sentidomesmo desuaobra édeturpado. Os seguidores setornam
meros"imitadores" e sua experiêncianão vai além de adesão a um
novo código.
Talvez, mais do quequalquer outro mestre de religião, Jesus
Cristo tem sidovltima desse Iíteralísmo,na interpretaçãode seu
ensino. Bastaque se pense, por exemplo,na confusãogeradaquanto
à interpretaçãode suaspalavras:"Isto é o meucorpo." A interpre-
taçãodessaspalavrasdividiu ainda mais o já dividido cristianismo
do século XVI. Lutero eZwInglio, ambos empenhadosna obra de
reforma da Igreja, não puderamconcordarquanto à interpretação
do texto. Afastaram-seum do outro e, aparentemente,nunca se
reconciUaram. Orlgenes, que advogou que omandamentode oferecer.
o lado esquerdo da face quando ferido no lado direito não podia ser
tomado literalmente, visto que em condiçõesnormais somente a
pessoacanhotapoderiaatingir a outrano lado direito da face, chega
a emascular-se,porque interpretaliteralmenteas palavrasde Jesus,
quando disse que muitos secastrarama si mesmos poramor ao
Reino de Deus.
o esplríto supralegalístade Jesus sereflete especialmenteno
Sermão do Monte<Mateus,capItulos 5, 6, 7). Na opinião de Lutero
e de muitosintérpretescontemporâneos,a ética do Sermãodo Monte
17. Erwin Goodenough,The Psychology of Religious Experiences,New
York: Baslc Books Inc. Publlshers, pâgs. 100, 101.
"..
é uma ética "imposslvel". Goodenoughacha que essaera precisa-
mentea intençãode JesusCristo. "Nenhum de nós podepretender
merecero amor e o perdãode Deustomandocomo base ofato de que
amamosos nossosinimigos tão ternamentecomo amamosos nossos
amigos..." 18 O Sermãoexige a observãnciade padrõesmais altos
que os códigos sociais, mas,por ser o ideal, não se constitui apenas
um novo código. Convémtambém observar,diz Goodenough,que
o supralegalísmonunca constituiu parte saliente da religião orga-
nizada. Um bom exemploencontra-sena tradição judaico-crlatã.
Os profetas do Velho Testamentodisseramque o cumprimento da
letra de preceitose a apresentaçãode sacríncíosnão tinham a mes-
ma sígnítícaçãoda prática da justiça, do amor, dabondade,da hu-
mildade. Mas, queacontececom seusensinos?Os rabís os trans-
formaram em lei. O mesmo se pode. dizer,mutatis mutancUs, do
ensino deJesuse de seusapóstolos.
Apesar dos possíveís perigos dosupralegalísmc,não há. dúvida
de que eletem sido e é aexperiência religiosa tlpica dos gênias
espirituaisda humanidade,e que tem feito a maior contribuiçãoao
progressomoral do homem.
Ortodoxia. Esta forma de experiênciareligiosa é diferente da.s
duasacima mencionadas.Se o legalistase preocupacom a conduta,
a ortodoxia preocupa-secom a forma correta do pensamento.Ou,
como diz Goodenough,a palavra-chavedo legalismo é "obedecer",
e da ortodoxia é "crer". A característícapor excelênciada expe-
riência ortodoxaé a pretensãode que só oindividuo possui a"ver-
dade ", Uma dasconseqüênciasdessa atitude é que, via de regra,
os indivlduos cuja experiênciareligiosa é desse tipotornam-seinto-
lerantes e fazem da correção dQ seu pensamentoum fim em si
mesmo. Podeser paradoxal,mas, aparentemente,esse tipo deexpe-
riência é comum entre indlvlduos emocionalmenteinstáveis. Isto
é,o individuo não está. .seguro de si mesmo e,conseqüentemente,
precisaapoiar-seem algo quelhe assegureum mínímo de estabill-
dadeemocional. No dizer de um dos nossos alunos, essesindividuas
são cristãospor ígnorãneía,isto é, têm medo deconhecerqualquer
coisa, com receio de quetal conhecimentoos torne frios, céticos ou
"incrédulos". Note-se, entretanto,que ser ortodoxo não signlflca,
necessariamente,ser emocionalmenteinstável. Ortodoxíacomonor-
ma de coerênciana vida religiosa do homem pode ser algo alta-
mente criativo. Ela é maléfica apenasquandose torna um fim em
si e funciona como mecanismode defesacaracterizadopela intole-
rãncía,rigidez da forma e imaturidadereligiosa do individuo.
Supra-ortodoxia. A religião supra-ortodoxa,diz o autor que
estamosapresentando,geralmentecomeça comumaexperiênciaemo-
cional, mas logo se expressaem forma de idéia. O supra-ortodoxo
18. Id. Ibid., pág. 109.
tem aversãoàs formulações deoutros. Ele podeusar pontos dessas
formulações de outros, porém elas osatisfazemapenasna proporção
em que seenquadramno seu esquemapessoal. A maior satisfação
do supra-ortodoxonão residena propriedadede sua idéia, mas no
fato de que, apesar de inadequada,ela é sua. Osupra-ortodoxo
recusa-sea aceitar a explicação tradicional da vida e do mundo
e procura criar a sua própria explicação, que, aliás, podeparecer
irracional. A semelhançado ortodoxo, eleprocurasegurança,mas
estalhe vem dasuaprópria criatividadeIntelectual. Um bom exem-
plo de experiência religiosa supra-ortodoxaé Boren Kierkegaard.
Disse ele: "Eu sou um homem que devodescobriro cristianismopor
mim mesmo; cavar profundamentepara fazê-lo emergir do estado
em que seencontrasubmerso."19 Nessaexperiência,Kierkegaard
descobriu que averdadeirafé é dom gracioso eatingeo homemcomo
um todo, enão apenassua mente. Paraalcançara fé, ele julgou
necessáriorejeitar a ortodoxia,criando,assim;uma supra-ortodoxia.
Estética. A experiência religiosa estética é aquela produzida
pelas várias formas dasartes. Distinguimos dois tipos deexperiên-
cia estética:a do criador ou artista, e a doindividuo que delapar-
ticipa indiretamente. Por exemplo, aexperiênciaestéticade Hiindel,
ao compor o Messias, édiferente da experiênciados músicos ecan-
tores queapresentamesseOratório, bem como a daqueles que dele
participamcomo merosespectadores.
Convém notar, entretanto,que nem toda experiência estética
é denaturezareligiosa. Aexperiênciaestéticaseráreligiosa apenas
se tiver clara referênciaao divino ousobrenatural.
Símbolo eSacramentos. A definição católica de Sacramentoé:
"Um sinal externoe vísível deuma graça interna e invislvel." Por-
tanto, qualquerrito ou objeto que tem o poder decomunicarbene-
ficios religiosos é umsacramento.Através do símbolo ousacra-
mento, oTremedumObjetiva-se etorna-setangível.
Existem elementos simbólicos em quasetoda rorma de religião.
Esta é, portanto, uma forma comum deexperiênciareligiosa. Acon-
tece, porém, que,quando o individuo não conhecedeterminado
símbolo,ele tende a considerá-lo"superstição"ou "idolatria". Um
símbolo ousacramentosó podeser entendidoem termos da comu-
nidade religiosa a quepertence. Nesse caso, aprópria organização
religiosa ou igreja torna-se um símbolo e adquire caracteristicas
sacramentais.
Conversão. Aexperiênciareligiosa da conversão tem sido um
dos assuntos centrais no estudo da psicologia dareligião. Esta
conversão podeser gradual ou instantânea. Dada a importância
dessa experiênciareligiosa, ela será estudadaminuciosamenteem
outro capitulo deste livro.
19. Citado por Goodenough,op. cit., pâg. 132.
Misticismo. Finalmente, Goodenoughapresentao misticismo
como forma tlpica daexperiênciareligiosa. A earacterístíeafunda-
mental da experiênciamística é a tendênciado indivIduo deiden-
tificar-se com o objeto dasua fé religiosa. Esteassuntotambém
merece estudo especial. Um estudomais minucioso do misticismo
será apresentadonoutro capítulo deste livro.
Paul Johnson, em seu livro Psicologia da Religião, classifica
a experiênciareligiosa, conforme assuascaracterístícasdominantes,
em:
Individual Versus Social - Para o primeiro típo, a religião é
essencíalmenteum fato pessoal. O homem sesenteindividualmente
responsáveldiante de Deus e,muitasvezes, se isolaparapoder fruir
melhor a sua experiênciareligiosa. Para o segundo tipo, religião
é,antesde tudo, umaexperiênciasocial. E é no contexto de uma eo-
munidadeque eleencontra a mais autênticaexpressão desua fé.
Ativo Versus Passivo - O tipoativista de religião é aquele em
que o individuo está sempre procurandofazer alguma coisa, está
sempre ocupado. Outros indIvlduos sesentemmais realizados no
silêncio ena quietude. Paratais índívíduos,orar e meditar é mais
Importantedo que"fazer" alguma coisa.
Formal Versus Informal - Para muitos indivIduos, o ritual, a
ornamentaçãoe os símbolosconstituemparte integral de sua reli-
gíâo, Outrospreferema simplicidade tanto do santuárioonde se
cultua quanto do próprio conteúdo do culto. Um exemplo tlpico
seriacomparara celebração de umaMissa com umareuniãoquaker.
Conservador VersusProgressista- A religião, para o conserva-
dor, pode ser vistaapenascomo amaneirade conservaros valores do
grupo ou da sociedade. Até aí vai tudo multo bem. "Quando o
esforço para preservar,porém, vai além do esforçopara progredir,
temos o tipoconservador. As soluçõestradíeíonaísdo passado são,
assim, consideradasInquestIonavelmentesuperioresàs novas idéIas
do presente. Resiste-se a qualquerafastamentodas normastradi-
cionais como as tradições do tesouro glorioso do passado."20 Ao
contrário do 'conservador, "oprogressistaé llberal emsua acolhida
generosaà 'ondado futuro', e podeserradicalno processo de romper
com o passado,parareformaro presente".21
Tolerante Versus Intolerante - O tolerante é o indivIduo de
mente aberta,capaz de ver bem, mesmona religião ou idéias dos
outros. O Intoleranteestá convencido de que somente ele possui a
verdadeirafé.
20. Paul Johnson,op. cit., pAgo 78.
2.1. Id. ibid., pâg, 78.
65
Afirmativo Versus Negativo - A religiãoafirmativa corresponde
ao que WilliamJameschamoude "religião da mentesadia",enquanto
a negativa correspondería basicamenteao que elechamou de
"religião da mente doentia". A religião afirmativa, diz Johnson,
é otimista e saudável. Preocupa-secom a verdadee a bondade, e
não tanto com o pecado e oerro. Realçamais a confiançado que
o temor. A religião negativa,por outro lado, épessimistae tem uma
desconfiançabásica da naturezahumana. Sua maior ênfase é
sobre o pecado, atentaçãoe as várias formas deproibição.
Como dissemos acima,tais classificações sãoapenassugestivas.
Dificilmente se encontraráum tipo puro, ouseja, um tipo de expe-
riência religiosa que seenquadreapenasem um dessesrótulos.
Mas, pareceóbvio que tais classificações são válidas, se astomar-
mos comoindicativas das caractenstícaspredominantesda expe-
riência religiosa de determinadaspessoas .
ComportamentoReligioso
A experiênciareligiosa,qualquerque seja o seu tipo,expressa-se
através das várias formas de comportamentoa que chamamosde
comportamentoreligioso. l!: extremamentedif1cil determinarse dado
comportamentotido como religiosocorresponde,na realidade,a uma
experiênciareligiosa. Precisamos,portanto, de uma definição, por
inadequadaque seja, que seconstituaa pressuposiçãobásicae que
sirva de instrumentode trabalho na investigaçãodo fenômeno que
procuramosdescrever.
Como dissemos acima,comportamentoreligioso é qualquer ato
ou atitude que tem referênciaespecificaao divino ousobrenatural.
Por exemplo, umsentimentode culpa podeser uma atitude religiosa
ou não, dependendode sua referênciaespecifica. Um ato degenu-
flexão seráreligioso apenasse for feito "na presençade Deus".
Walter H. Clark classifica o comportamentoreligioso em três
categorias:
Primário - l!: o tipo de comportamentoem que o individuo, em
virtude de uma profunda experiênciainterior pessoal,procura har-
monizar sua vida com o seusobrenatural.
Secundário- Comportamentoreligioso secundárioé o quere-
sulta basicamenteda formação de hábitos. Um bom exemplo dissoé a prática da oração. Se a alma é levadaa orar, comoresultado
de um impulsointerior, a oraçãoserá um comportamentoreligioso
primário e altamenteenriquecedor . Se, porém, elaé apenasum há-
bito, temos simplesmenteum comportamentoreligioso secundário.
Quando sechamade secundárioa essecomportamentonão é para
lhe tirar a significação. ,le pode ser muitoútil e necessárioao
homem. Pode inclusiveresultar de uma experiênciareligiosa alta-
mente criativa.
.,,'
Terciário - O comportamentoreligioso terciário é aquele que
nada tem a ver comuma experiênciade primeira mão. É simples-
mente uma questãode rotina ou convencionalismo. O Indivíduo
faz tal coisa apenaspor mero conformismoa determinadatradição
religiosa.
Num livro popular, mas bem sugestivo,Stanley Jonesdiz que,
de todas as pessoas quepertencem. àsigrejas cristãs hoje (ele fala
com referênciaespecialaos EstadosUnidos, mas o mesmopoderia
dizer-se de outros lugares do mundo), apenascerca de um terço
revela o tipo primário de comportamentoreligioso. Diz ele que
essesformam "um circulo interior para quem religião ocupa o prí-
meiro lugar, é vital e capazde mudar a vida. Ela dá um alvo e o
poder para alcançá-lo. Ela purifica a culpa do passado,concede
recursos adequadospara o presentee confiança no futuro. Faz
a vida ter sentido e valor. Deus não é um nome, masuma reali-
dade."22 Um terço seclassifica como tendo apenaso tipo secun-
dãrio, e outro terço é constituldodas pessoas vazias queenchemas
igrejas.
InterpretaçãoPsicológica doFenômenoReügioso
Como dissemos noprimeiro capitulo, o estudopsicológico dofenô-
meno religioso tem suas raizes na intuição psicológica demuitos
santos e filósofos. Mais recentemente,podemos relacioná-lo com
a chamadapsicologiaracional. No entanto,em bases maisempiricas,
esseestudonão começaaté aos fins do século XIX epríncípíos do
século XX. G. StanleyHall (1891) e E.D. Starbuck(1897) procuram
estudar o fenômeno da conversãoreligiosa em basesmais experi-
mentais. J.H. Leuba aplica o hipnotismo ao estudoda experiência
mística (1902).Irving King (1910),ÉmileDurkheim (1912) e W.Wundt
(1913) fazem estudos relativos às formas prímítívas da religião.
G.M. Stratton (1911),J.H. Leuba (1912) são pioneiros no estudo
da evoluçãoreligiosado homeme E.S. Ames(1910)tentaumaapresen-
taçâopanorâmícae sistemáticado estudo psicológioo do fenômeno
religioso.
Várias teorias, desde então, têm surgido como tentativa de in-
terpretaçãodo fenômeno religioso. Apresentaremos,a seguir, al-
gumas das teorias que consideramosmais representativas.
Teoria Freudiana
Partindo dos conceitosgerais de sua teoria psicanal1tica,Freud
tentou explicar a experiênciareligiosa em termos dos conflitos que
o ser humanoexperimentano processo de seudesenvolvimentopai-
22. E. StanleyJones,Conversão(traduçãode MessiasFreire e Alice Gerab
Làbaki), São Paulo: Junta Geral de EducaçãoCristã da Igreja Meto-
dista do Brasil, S. d., págs. 9, 10.
67
cológico. Por exemplo, osentimento religioso de culpa, segundo
Freud, resulta do fato de que, acerta altura do desenvolvimentoda
personalidade,a criançaprocura.afirmar-secomo pessoa. Essaafir-
mação da personalidadeimplica no desvio dos padrões estabele-
cidos pela autoridadepaterna. Esse desvioexpressa-senas várias
formas de desobediência, e esta, porsua vez, gera o sentimentode
culpa. Outra ilustração dessa interpretaçãofreudiana é o argu-
mento da dependênciapaterna. Quando acriançase defrontacom
forças adversassuperioresàs suaspróprias,naturalmenteela recorre
ao pai. Nesse processo, acriança aprende tanto a temer como a
amar o pai. Religião, portanto, para Freud, nada mais é do que
uma regressãoà dependênciainfantil.
ParaFreud, Deus éapenasa imagemmagnífícada do pai. Em
seu estudo sobre Leonardo da Vinci, ele diz:"A psicanáliserevelou-
-nos uma conexãoíntima entre o complexo do pai e acrença em
Deus edemonstrou-noso seuDeuspessoal.nãoé, psicológicamente, se-
não umasuperaçãodo pai, aodescobrir-nosinúmeroscasos deindiví-
duos jovens, queperdem a fé religiosa tão logo cai para eles por
terra a autoridadepaterna. No complexopaterno-maternoreconhe-
cemos,pois, a raiz danecessidadereligiosa."23
:m curioso notar-seque, sendoFreud um homem essencialmente
arrelígíoso,se tenha ocupado tanto com religião. Emvárias obras,
ele se ocupa desteassunto. Apresentaremos,a seguir, alguns dos
seus trabalhossobre a interpretaçãopsicológica do fenômenoreli-
gioso.
Em 1907, ele escreveu umartígç intitulado "Os Atos Obsessivos
e as PráticasReligiosas", em queprocurou mostrar as semelhanças
entre as "neurosesobsessivas" e as"cerimôniasreligiosas". Segundo
Freud,o neuróticoobsessivo se ocupa emrepetidaspráticasque,para
o observador, podemparecer destituídasde significação, mas que
na realidade,para ele, cumprem propósitos especírícos,pois o não
cumprimento desses atos produzextrema ansiedadeno individuo.
Assim, diz ele, são ascerimônias religiosas. O nãocumprimento
dessascerimôniastende a criar sentimentode culpa nohomem reli-
gioso.
Analisando esse artigo, H. L.Philp menciona oito semelhanças
indicadas por Freud entre as neuroses obsessivas e ascerimônias
religiosas .
Em primeiro lugar, em ambos os casos,há grandereceio quanto
às aflições da consciência, aflições essascausadaspelo não cum-
primento dos cerimoniais neuróticos ou dos ritos religiosos.
23. Slgtnund Freud. Obras Completas,Rio: Editora Delta S. A .. Vol. XI.
pág. 67.
58
Aparentemente,a semelhançaaqui notadapor Freudse aplicaria
apenasa um segmentorelativamentepequeno dascomunidadesreli-
giosas - aos quesentemcerta compulsãoquanto aos seus"deveres
religiosos". Ou, comodiz Philp: "Qualquersacerdote,pastor evan-
gélico ou rabi confirmará que muitos dos membros desua congre-
gação podemomitir seus ritos religiosos semsofrer dores de cons-
ciência. Uma parte, e entre eles os obsessivos,sente-semal, mas
a maioria racionalizasua negligênciana área religiosa do mesmo
modo que o faz em outrossetoresda vida. Se Freudestivesse certo,
as cerimôniasreligiosasteriam maior freqüênciado quena realidade
têm."24
A segundasemelhançaentre os atos obsessivos e ascerimônias
religiosas ésua completa isolação deoutras atividades. Dal por
que esses atos sãoconsideradossem sentido para o observador
externo.
Mais uma vez o ponto apresentadopor Freud pareceaplicar-se
apenasa casos isolados, pois atendênciadas religiões émostrara cla-
ra relaçãoentre as cerimôniasreligiosas e as demais fases da vida
e tornar essaspráticas atos comunitários. "O neurótico obsessiv.o
não gosta de serinterrompido duranteo seu enigmáticoe inconse-
qüente cerimonial, enquanto os ritos religiososraramentesão
praticados isoladamente",25observa Philp, commuita razão.
Uma terceirasemelhançaentre os atos obsessivos e aspráticas
religiosas é aminuciosidadecom que sãotratados e a eserupulo-
sidade com que sepraticamos atos religiosos.
Cremos que emmuitas pessoas religiosas o escrúpulo podetor-
nar-se compulsório. Noentanto, não podemosconcordar com a
idéia de quetoda meticulosidadeseja necessariamenteobsessiva.
A quartasemelhançaapresentadapor Freud é o sentimentode
culpa. Freud errou completamente,a nosso ver, quando supôs que
todo sentimentode culpa éneurótico. Especialmentecom relação
à prática religiosa, osentimentode culpa pode seraltamentecons-
trutivo. O mesmo se pode dizer com relaçãoàs decisõeséticas do
homem emgeral.
A quinta semelhançatem que ver com arenúnciade instintos.
No caso doneuróticoobsessivo, esses atosfuncíonamcomosubstitutos
dos instintossexuais. No caso do religioso,suaspráticassubstituem
os instintos egolstíeos eanti-sociais. Esta tese freudianaé também
passíveí desériasrestrições.
24. H. L. Phllp, Freud and Relillious Belief, London: Rockliff Publ1shing
Corporation (1956), pág. 25.
25. Id. ibid., pág. 26.
59
Em sextolugar, há um elementode compromisso nos atos obses-
sivos e naspráticas religiosas. Elesrepresentamcompromisso, por-
que são uma defesacontraa tentaçãoe ao mesmo tempo asatísração
simbólica do impulsooriginal.
Tanto os atos obsessivos como aspráticasreligiosas são"atos de
penitência".Finalmente, nas neurcsesobsessivas enas práticas religiosas,
vê-se aexistênciade um mecanismo dedeslocamentoou transferência
emocional.
Resumindo o seu próprio artigo,Freud diz: "Depois deassinalar
estascoincidênciase analogias,poderíamosarriscar-nosa considerar
a neurose obsessiva como acompanheirapatológicada religiosidade,
a neurose como uma religiosidadeindividual e a religião comouma
neurose obsessivauniversal. A coincidênciamais importanteseria
a renúnciabásicaà atividadede instintos constitucionalmentedados,
e a diferença decisiva consistiria na naturezados citados instintos
exclusivamentesexuais naneurosee de origem egoístana religião." 26
Em Totem e Tabu(1913), Freud diz que a religião, bem como a
própria civilização, origina-se da conexão psicológicaentre o com-
plexo de Edipo e o totemismoexistentenas culturas primitivas:
"Assim, destasinvestigaçõesaqui desenvolvidas,mui-
to sinteticamente,podemosconcluir que convergemno
complexo de Edipo os começos da religião, da moral, da
sociedade e daarte, de pleno acordo com aafirmação
da psicanálise,de queesse complexo forma o núcleo de
todas as neuroses,tanto quanto, até hoje, nos têm dado
ela aconhecer. Surpreendeu-meextremamenteo fato de
que também essesproblemasda vida dos povosadmi-
tissem uma solução, apartir de um único ponto concreto,
como o das relaçõespara com o pai. Há talvez outro
problema psicológicorelacionadocom esseconjunto. Já
tivemos bastanteoportunidadede assinalar,nas origens
de importantesformaçõesculturais, a ambivalênciaafe-
tiva, o seuverdadeirosentido,tal como a coincidênciade
ódio e amor para com o mesmoobjeto. Nada sabemos
a respeito das origensdessaambivalência.Podemossu-
por que constitua um fenômenofundamental de nossa
vida afetiva. Mas também deve ser levada emconta
outra possibilidade, de que,originariamente alheia à
vida afetiva, fosse elaadquirida com o complexopater-
no, onde ainvestigaçãopsicanalíticado indivíduo, ainda
hoje, encontra a mais elevada expressão daquelefenô-
meno."27
Pelo exposto,verifica-se que o pai é temido e amado ao mesmo
tempo. Para Freud, essaambivalênciade sentimentoé a origem
da prática religiosa. Seguindo asinformações antropológicasde
26. Sigmunrl Freud, Obras Completas,VoI. XI, pAgo 106.
27. Id. ibid., Vol. XIV, pág. 234.
/lO
RobertsonSmith, ele diz que opai todo-poderoso(totem) expulsaos
filhos, para poder possuir todas as fêmeas da horda. Os filhos,
então,formam a Associação de Homens,para defenderseus direitos.
"Tomando como base orepasto totêmico, podemos
responder:Um dia, osirmãos expulsos sejuntaram,ma-
taram e devoraramo pai, pondo fim, dessamaneira, à
horda paterna. Unidos, ousarame conseguiramo que
a cada um sozinho seria imposs1vel... Tratando-sede
selvagenscanibais, é natural que tenham devoradosua
vItima. O pai tirânico teria constitu1do, certamente,o
modelo invejado e temido de cadaum dosmembrosdes-
sa irmandade. Ao devorá-lo, identificavam-se com ele
e seapropriavamde uma parte de sua força. O repasto
totêmíeo,talvez a primeira festa da humanidade,seria a
reproduçãocomemorativadesse atomemorávele crimi-
noso, com o qualtiveram começo asorganizaçõessociais,
as restriçõesュ ッ イ 。 セ e a religião."28
O Padre Wilhelm Schmidt, citado por Spinks, apresentasérias
objeçõesà tese freudiana da origem totêmica da religião. Conside-
remos algumas dessas objeções:
Em primeiro lugar, o totemismo como prática não pertenceàs
formas mais primitivas do desenvolvimentohumano. Os povosetno-
logicamentemais antigos não têm nem totemísmo nem sacr1f1cios
totêmícos.
O totemismo, diz Schmidt, não é prática universal. Três das
raçasmais importantesda humanidade- os indo-europeus,os ha-
mito-semitase osúralo-altaícos- não tinham originalmentepráticas
totêmícas.
Erroneamente,diz Schmidt,Freudadmitiu, com Roberts:mSmith,
que amatançacerimoniale o comer do animaltotêmícosão aspectos
essenciaisdo totemismo. As quatro raças que praticam essa forma
de totemismopertencem,etnologicamentefalando, aos maismoder-
nos povostotêmícos.
Povos pré-totêmícosnada sabem de canibalismo,portanto,o re-
pastoparricida teria sido impossível.
Finalmente, diz Schmidt, a mais primitiva forma de famUia
humana já conhecidanão é constituída à base de promiscuidade
geral nem de casamentogrupal. Segue-se,pois, que a tese deFreud
é insustentávelà luz desses dadosantropológicos.
Em O Futuro de uma nusão (1927),Freud diz que religião nada
mais é do que aprojeção dos desejoshumanos. A religião é uma
ilusão não necessariamenteporquesejaerrada. Freudreconheceque
28. Id. ibid., pág, 216.
61
ela cumpreum propósito social muito nobre, nosentidode restringir
instintos anti-sociais,e que podepreservaro verdadeiro.crente de
aflições neuróticas. Assim diz ele: "Quando digo que isso são
ilusões, é precisolimitar a significaçãoda palavra. Uma ilusão não
é o mesmo que um erro, não énecessariamenteum erro. A religião
é uma ilusão nosentidode que elaprocuraocultara realidadeda vida.
Isto é, ela ilude o homem e o fazrecorrer a fantasias,ao invés
de enfrentarobjetivamenteas realidadesda vida. Assim,chama-
mos auma fé uma ilusão, por isso quena sua motivaçãohá recalca-
da a satisfaçãode um desejo,há a abstraçãodas relações com a
verdade e,tal como na ilusão,há renúnciaà comprovação."29
De acordo com Freud, oamadurecimentoemocional do homem
torna a religião desnecessária.A mente maduranão necessitados
subterfúgiosda religião: enfrentaa realidadeobjetivamente.
Em Moisés e o Monoteísmo(1939), Freud retorna ao tema de
Totem e Tabu. Amorte do pai dahorda reflete-seno inconsciente
racial e cria ocontinuo sentimentode culpa. Diz Philp queFreud
adotaa hipóteselevantadapor Sellin de que osisraelitas mataram
Moisés e que essamorte foi a repetiçãoda morte do pai primitivo.
"Esta morte fez o grande crime real para os israelitas,se bem que,
permanecendoprofundamente sepultado no inconsciente racial,
aumentouo sentimentode culpa, quecontinuou a perseguiros fi-
lhos de Israel."30
Aplicando essateoria ao cristianismo,Freud afirmou que a dou-
trina do pecadooriginal se tornou chave na igreja primitiva, por-
que ela simbolizava, ao nlvelinconsciente,o assasslnio do paiprimi-
tivo. "Saulo podia dizer: Somos infelizes porquematamoso Pai",
mas a verdadeirafonte de culpa e,conseqüentemente,da infelici-
dade era o assassínío primevo. Asalvaçãodo pecadooriginal deve
ser alcançadaatravésde uma mortesacrificial. Assim sendo, o cris-
tianismo deve ser assiminterpretado: "Sua doutrina principal, de
fato, é a reconciliação com Deus o Pai, a expiação do crime come-
tido contra ele; mas ooutro lado da relaçãose manifestano Filho
- que tomou sobre seus ombros a culpa,tornando-seDeus ao
lado do Pai e. emverdadeno lugar do Pai. Originalmenteuma re-'
ligião do Pai, o cristianismo torna-se uma religião do Filho. Não
pôde escaparao fato dedestituir o Pai de suas funções."31
A interpretaçãofreudiana do fenômeno religioso éuma das que
têm alcançadomaior influência no mundo. Isto se deve ao fato
de que Freud se tornou vulto de grande influência, especialmente
29. Id. ibld .; VoI. X, pâgs. 35, 36.
30. H. L. Philp, op. cit., pág. 119.
31. H. L. Philp, cp, cit., pú g's , 119, 120.
62
na psiquiatria. Sua teoria de personalidade,bem comosua técnica
psicoterapêuticase popularizaramde tal forma que, para muita
gente, psicologia,psiquiatria e psicanálisesão termos sinônimos.
Mas, assim comosua teoria geral de personalidade,como sua
técnicapsícoterapêutícasão passíveis devárias criticas, tambémsua
interpretaçãodo fenômeno religioso merece restrições.
Entre as muitas criticas da interpretaçãofreudiana do fenô-
meno religiosoapresentadaspor Arthur Guirdham, em seu livro
Christ and Freud: A Study 01 Religious Experienceand Observance,
mencionaremostrês que nosparecemmais pertinentes:
A experiênciareligiosa dosmístícos é contrária à. teoria de que
religião seja uma ilusãobaseadaem anormalidadepsicológica. Sa-
bemos que omístíco experimentasua religião num n$vel muito pro-
fundo e pessoal.Esta experiênciaé altamentecriativa e transtor-
madora da vida. A experiênciamístícaé autênticae enriquece a
vida do homem.
Em segundolugar, diz Guirdham, a interpretaçãofreudianase-
ria aplicável apenasà. concepçãojudaica de um Deus pessoal eà.
concepção de Deusbaseadano [udaísmo. Essainterpretaçãode
Freud ignora o fato de que em religiões como obudismo a neurose
que ele dizexistir no homem por causa desua própria finitude
não seria posslvel.
Finalmente,diz Guirdham,Freud dá demasiadaênfaseà. neces-
sidade que o homem tem de Deus enada diz a respeito da neces-
sidade que Deus tem do homem.
A nosso ver, uma dasfalhas mais graves dateoria freudiana
é não haver nela lugar para a expressãosadia do sentimentoreli-
gioso. Muito desua critica pode aplicar-se à. religião imatura de
muita gente, masreduzir tudo à. dependênciainfantil ou compulsão
é obviamenteexagerare contrariar os fatos daexperiênciareligio-
sa da humanidade.Além disso, o tom dogmático com queFreudse
expressasobre oassuntoé contrário ao verdadeiro esp1rito cient1fi-
co, que devebasear-seem fatos observados ou observáveis, e não
em mera opinião pessoal.
A Teoria de Carl Jung
Oarl Gustav Jung (1875-1961), filho de um pastor protestante
suíço, desejouinicialmenteser arqueólogo. Eleinterpretouesse fato
como representandoo desejo depenetrarprofundamentenos misté-
rios da experíêncíahumana. E, ao contato com a psiquiatria, re-
68
solveu dedicarsua vida a essacíêncía, Trabalhou a princípio com
Eugen Bleuler, eestudoucom Pierre Janet. Tornou-se colaborador
de Sigmund Freud, masera grande demais para simplesmentese-
guir a orientação do mestre. A publicação de seu livro APsicologia
do Inconsciente (912) marca a separaçãodefinitiva entre Jung
e Freud.
Comparandoe contrastandoesses doisgigantes da psicologia
contemporânea,Paul Johnsondiz:
"Freud foi um individualista que realçou ocaráter
único de cada pessoa e umanalista que via as forças
contlítívas da personalidadecomo essencialmenteirre-
paráveis. Pela psicanálise,procurou capacitar seu pa-
ciente aabandonarsuasdefesas e areconhecera nature-
za dos conflitos e assimtolerá-los,trazendoo inconsciente
ao nível consciente. Jung reconheceas polaridades e
ambigüidadesno homem, mas,para ele, essasambigüi-
dades são tãocomplementarescomo as cores do espec-
tro, capazes de combinação eunificação. Como coletivis-
ta, acha que o todo é maisimportante do que suas
diferentes partes - a fonte de todo podercurativo e
de toda sabedoria. Para ele, a personalidadenão tem
fronteiras, pois o inconscientepessoal seprojeta conti-
nuamenteno inconscienteracial. Dessaenergiapsíquica
oceânica, de dimensõesuniversais,ele extrai a resposta
para todos os problemas,particularmentepara as ques-
tões religiosas."32
Para Jung, a experiênciareligiosa resulta do inconscienteco-
letivo, que, por sua vez, é composto deenergias dinâmicas e de
símbolos designificação universal. Sua idéia de um inconsciente
coletivo ou racial foi corroboradapelo que observouentre tribos
primitivas no norte-da Africa, em Arizona,Novo México e Kênia.
Jung notou, diz Spinks,grande similaridadeentre o ritual mtstico
dos povos primitivos, a religião daantiguidadeclássica e o conteúdo
do inconscientede seuspacientes.
Jung é um dos psicólogos mais difíceis deentender. Sua teoria
é grandementeexotéricaporque rodeadade tantossímbolos e con-
cepçõesmístíeas que toma-se quase impossívelsaber exatamente
o que ele quer dizer. Com respeitoà sua interpretaçãodo fenôme-
no religioso, por exemplo,há vários pontos obscuros. Ele fala a res-
peito de Deus, masclaramentenão se trata do Deus da concepção
cristã. Deus,para ele, é mais ou menos a soma das forças queím-
pelem o homemà realizaçãodos seus ideais mais nobres.Fala de
alma, mas não daalma individual, e, sim, doinconscientecoletívo
da,raça humana.
32. Paul Johnson.op. cit., pâ.g'-, 37.
64
Para Jung, observa Paul Johnson,o dogma central da teolo-
gia cristã é a Trindade, que correspondeà. tríade encontradanas
antigasreligiões da Babilônia, Egito e Grécia, esignifica a progres-
são dinâmica da dualidade pai-filho através de um terceiro ele-
mento uniiicador. Aqui, como em muitosoutros casos, a posição de
Jung não é clara. Ele fala daTrindade,mas, de fato, advoga uma
Quaternidade. Como observa Spinks:
"Outra possível objeção de ordem teológica épro-
vocada pelainterpretaçãode Jung da naturezada Trin-
dade esuasugestãode quetal Trindade deveser psíco-
lógicamenteuma Quaternidade(Tetraktys). A natureza
do quarto membro nãoé perfeitamenteclara: pode ser
a sombra ou as trevas,que se opõemà luz, ou o mal
moral (malum) em oposição ao bem. Mas, se oquarto
membro daQuaternidadeé identificado com o mal, en-
tão a Divindadeincorporao princípio do mal. Tal crença
se opõe ao ponto de vistatradicional de que - malum
est prlvatio bení,"33
Em toda a. vasta obra psicológica deJung, grande importância
se dá ao simbolismo.Seria de esperar, portanto, que ele dissesse
algo sobre os símbolos religiosos, conforme o dizPaul Johnson:
"Os símbolos religiosos não sãoinventados,mas têm
origem nas condições básicas danaturezahumana,que
Jung acreditavaserem as mesmas emtoda parte. Os
conflitos são resolvidos por esses símbolosreconciliantes,
que aparecemnos sonhos e mitos,na cultura histórica e
na religião. Pois oarquétiponão é meramenteum sim-
bolo, mas tem significaçãobastantecomplexa edinâmi-
ca, capaz deunir o indivíduo comsua raça em nIveis
profundamenteinconscientes. O objetivo da religião é
identificar-secom a psique universal, não nosentido de
submergir a consciênciapessoalnum oceano de esque-
cimento, mas nosentido de enriquecê-laatravésde re-
cursos supremos. A dimensãoúltima com a qual Jung
tenta relacionar-seé a energia psíquica impessoal ou
espírito, no sentido em que encontramoso termo no
idealismo absoluto de Hegel e nopanteísmodos monístas
hindus."3i
Estabelecendoum contrasteentre a posiçao de Freud e a de
Jung, no que'respeitaà interpretaçãopsicológica do fenômenore-
ligioso, Spinks apresenta,entre outras, as seguintesdiferenças:
Segundo Freud, o homemprecisa curar-seda neurose dareli-
gião. ParaJung, a atividade religiosa é essencíalà vida e compete
ao homem procurar entender seu comportamentoreligioso.
33. G. BtephensSpinks, op. cito, pág. 95.
34. Paul Johnson,ee. cit., pâg. 95.
66
ParaFreud, a dependênciainfã.ntil réveladano sentimentore-
ligioso serásuperadacom o amadurecimentoemocional do homem.
ParaJung,o homemsuperaesseestágioinfantil por tomar-secôns-
cio de quesua vida e pensamentosão afetadospor atividadesarqué-
típas que dãodimensõesreligiosasao conteúdode suasexperiências.
Ao contrário de Freud, que viu nos símbolos e fantasiasos meios
pelos quais o homemtendea fugir à realidade,Jungos chama"slm-
bolos de transformação"e diz que elessão meios pelosquais o ho-
mem alcança o conhecimentode realidadesque, por sua própria
natureza,não podem ser conhecidasde outra maneira.
Finalmente, para Freud, a religião é uma neurose obsessiva.
ParaJung, a ausênciade religião é a principal causadas neuroses
no homemadulto. Talvez uma das frasesmais conhecidasde Jung
seja aquelaem que ele diz que emtoda a sua longa práticapsiquiá-
trica nunca encontrouum homem de mais de trinta anos deidade
cujo problemaessencialnão fosse denaturezareligiosa. Voltaremos
a essaafirmaçãode Jungno capítulosobre religião e saúdemental.
A Teoria de Gordon Allport
Gordon W. Allport (1897-1968)f,z uma grandecontribuiçãopara
o estudopsicológico dofenômenoreligioso. Seuprestígio pessoalde
grande psicólogo,professorda Universidadede Harvard e presidente
da American PsychologicalAssociation (APA) despertouo interesse
de outros psicólogos para o estudo da experiência religiosa. Se
o assuntopôde merecera atençãode Gordon Allport, provavelmente
é digno de consideraçãomais séria da parte dos psicólogos, queaté
então se mantinhamindiferentes ao estudo dessefenômeno.
A posição teórica de Allport é chamadaa teoria personalísta.
Essa teoria reflete-senão só na interpretaçãopsicológica dos fatos
religiosos,mas em toda a obra psicológicade AIlport, que foi, acima
de tudo, um psicólogo da personalidade. Sua principal ênfaseé
sobre a naturezaúnica de cada índívíduo. Em sua opinião, a per-
sonalidadenão pode ser reduzidaa medidasquantítatívas,traços ou
abstrações. Cada pessoatem seu próprio estilo, que elechama o
proprium. Sua teoria, portanto, opõe-sea qualquer forma de cole-
tivismo. Sua idéia do proprium se assemelhaao "estilo de vida" de
que falou Adler em sua psicologia individual.
Como cientista,AIlport reconheceo caráterreducionistada ciên-
cia, mas, no quetange à personalidade,ele se opõe aqualquerfor-
ma de reducionismoque tenta converter o todo a partes, ou que
procura restringir o comportamentoa segmentos.Nesseparticular.
ele seaproxima da psicologia ge: .;áltica oupsicologia da forma.
66
Seguindouma linha a Que hOje chamaríamosde psicologia,exJs-
teneíalísta,Allport dá. maior realce aos alvos dofuturo do que ao
determinismodo passado,tão tlpico da teoria freudiana. "O pre-
sentenão pode ser explicado totalmentepelo determinismocausal
do passado,pois os motivospresentespodem funcionar de modo
autônomo. O significado do comportamentonão pode ser entendido
em separadodos objetivosfuturos e da intençãode alcançá.-Ios",35
observa Paul Johnson.
A principal obra de Allport sobre esteassuntoé The Individual
and Bis Religion. Allport vê na religião um fator de integraçãoda
personalidade.O aspectointelectualda experiênciaé mais discutido
que seu aspecto emocional. Partindo das concepções dacriança,
discute a evoluçãoespiritual do homeme apresentaa religião ama-
durecida como o alvo desejável do homem normal e emocional-
mente maduro. Estaseria, na linguagem de William James,a reli-
gião da mente sadia.
os parágrafosfinais desse livro sãouma sintese de sua inter-
pretaçãopsicológica do fenômeno religioso.Intitula-se O Caminho
Solitãrio. Diz ele:
"Meu tema tem sido a diversidadede forma que a
religião subjetiva assume. Muitos evariados motivos
podem iniciar a busca religiosa: desejos contrastantes
como o medo e acuriosidade,a gratidão e a conformi-
dade. Os homens revelam diferentes graus de capaci-
dade parasuperarsua religião infantil e desenvolverum
sentimentoreligioso maduro e bem diferenciado. Há di-
versos graus de abrangênciadeste sentimentoe de seu
poder integradorna vida. Há diferentesmodos dedu-
vidar, diferentesmaneirasde perceber o significado de
símbolos,contrastantestipos de conteúdo,que variam de
acordo com acultura, temperamentoe capacidadedo
erente. Há inúmeros tipos de intenções religiosas espe-
cificas. A maneiracomo o individuo justifica sua fé va-
ria de pessoa a pessoa, e acertezaque o homemalcança
é algo extremamentepessoal. Doprincipio ao fim da
jornadareligiosa, oindividuo é um solitário. Se bem que
seja socialmenteinterdependentecom outros em milha-
res de formas, mesmo assimninguémé capazde lhe dar
a fé que ele desenvolve,nem prescrever-lheo pacto que
faz com o cosmo.Freqüentemente,o sentimentoreligio-
so é apenasrudimentarna personalidade,mas, não raro,
existe também uma estrutura abrangentemarcadapor
profunda sinceridade. O sentimentoreligioso é a força
da personalidadeque, surgindo ao centro da vida, diri-
ge-se aoinfinito. É a região da vidamental que tem
mais longoalcanceintencionale por isso mesmo écapaz
de conferir marcadaintenção da personalidade,propor-
cionandopaz em face dastragédiase confusões da vida.
35. Paul Johnson, op. cit., pág', 40.
67
"A religião de um homem é o esforço ousado que ele
faz para unir-se à criação e ao Criador. É sua tenta-
tiva final para alcançar e completarsua própria perso-
nalidade,ao encontraro supremocontexto a que ele de
direito pertence."36
A Teoria de Anton Boisen
Anton Boisen (1876), como ficou dito noprimeiro capítulo, é
um dos vultos maisimportantespara o estudo psicológico dosfatos
religiosos. Depois dehaver estudadoe ensinadona Universidadede
Indiana, nos Estados Unidos, estudou na Universidade de Yale e
depois noSeminárioUnião de Nova York, onde seinteressoumuito
pelos estudosda psicologia da religião.Por alguns anos Boisen foi
pastorde igrejas rurais e, durantea Primeira GuerraMundial, tra-
balhou no exterior com a AssociaçãoCristã de Moços. Devolta aos
EstadosUnidos, começou aescrevera respeito de sua experiência
religiosa. Foi aí que se viu possuído deuma idéia de catástrofe
mundial em que ele mesmoestavaenvolvido. Esta crise o levou a
um hospital de doentes mentais e o diagnóstico foi esquizofrenia
catatôníca. Recuperadoda crise, Boísentornou-se o primeiro ca-
pelão de umhospital de doentesmentaisnos EstadosUnidos. Nessa
posição estratégica,estudou profundamenteo problema da esqui-
zofrenia e especialmentesuas implicações religiosas. Paul Johnson
observou:
"Baseadoem sua própria experiência,ele compreen-
deu o significado da psicosenão só para si, como tam-
bém para outras pessoasmentalmenteenfermas,e for-
mulou a hipótese de existência de uma significativa
relaçãoentre a doençamental aguda,de tipo funcional,
e a conversão religiosa, do tipo dramático,como a do
apóstolo Paulo, de George Fox emuitos outros, bem co-
nhecidosna história da Igreja Cristã. O que eleachou
de comumentre as psicoses e aconversãoé que ambas
se originam de conflitos e desarmoniainternos acom-
panhadosde agudo senso delealdade e possibilidades
frustradas."37
ParaBoísen, pois,tanto a esquizofreniacomo a experiênciare-
ligiosa são tentativasà integraçãodo "eu". A personalidadevê-se
em perigo deaniquilamento;recorre,pois, ao método queconsidera
mais viável para evitar essa catástrofe.
Em seu famoso livro,Tbe Exploration of the Inner World: A
Study of Mental Disorder and Religious Experience,Boisen desen-
volve sua tese principal, que tanta repercussãoalcançou, quer nos
círculos teológicosquer nos psiquiátricos. No prefácio à primeira
edição desse livro, Boisen diz:
36. Gordon W. Allport, The Individual and His Religion, New York: The
McMillan Cornpany (1950), pâgs. 141, 142.
37. Paul Johnson,op. cit., pág. 35.
68
"O caráter distintivo deste livro reside emsua ten-
tativa de estudaras experiênciasorgânicasde derrota e
de vitória interiores, uma à luz da outra. O livro parte
da hipótesede quehá importanterelaçãoentreas doen-
ças mentais agudasde tipo funcional e as transforma-
ções momentâneasdo caráter, tão conhecidasna Igreja
Cristã desde os dias de Saulo deTarso. O livro tenta
mostrar que ambas as experiênciaspodem originar-se
de uma situaçãocomum, isto é, deconflito e desarmonia
internos acompanhadosde agudo senso desupremaleal-
dade epossibilidadesnão atingidas. A experiênciareli-
gíosa, bem como odistúrbio mental podem envolver
severa convulsão emocional, e adesordem mental, do
mesmo modo que aexperiênciareligiosa, poderepresen-
tar a operaçãodas forças curativas da natureza. Con-
clui-se, pois, que certos tipos de desordem mental e
certos tipos de experiênciareligiosa são tentativas se-
melhantes,visando à reorganizaçãodo 'eu'. A diferen-
ça reside apenasno resultado. Onde a tentativa é bem
sucedidae certo grau de vitória é alcançado,ela é reco-
nhecida comumentecomo experiênciareligiosa. Quando
não é bem sucedida ou indeterminada,é comumente
chamada 'insanidade'. Nas transformaçõesconstruti-
vas da personalidadeque reconhecemoscomo experiên-
cia religiosa, oindividuo é libertado do seu sentimento
de isolação etrazido à harmonia com aquilo que ele
considerasupremo em sua hierarquia de lealdade. Ele
consegue efetuar a síntese entre essa experiência de
natureza critica e sua vida subseqüente,síntese essa
que o capacitaa crescerna direção daunificação inte-
rior e na adaptaçãosocial, em basestidas como uni-
versais." 38
Verificamos que a interpretação psicológica dosfatos religio-
sos apresentadapor Boisen tem muito em comum com ainterpre-
tação de Freud. Ambaspartem da afirmação de que aexperiência
religiosa se origina de um conflito. Há,entretanto,entre esses dois
autores,diferençasfundamentais. Como diz Johnson: "Para Freud,
a religião é uma solução neuróticaque lhe pareceregressivae redu-
tiva. ParaBoisen, a religião oferece acura satisfatóriae completa
do conflito, operandoatravésda crise, que leva oindividuo à malor
responsabilidadeéticae a lealdadesmais nobres."39 Para Freud,a
religião é uma fuga da realidade,para Boisen, ela é amaneirares-
ponsávelde enfrentara realidade.
As teorias aqui apresentadasnão são asúnicas existentes. Su-
pomos, entretanto,que são as maisrepresentativas,no momento.
Nenhumadelas deveser consideradaa melhor. Qualqueruma pode
conter elementosde validade. Compete aoestudanteda psicologia
da religião tentar, por meio de observaçãosistemática,a confir-
38. Anton Boísen, The Exploration of the Inner World: A Study of Mental
Disorder and Religious Experience, New York: Harper & Brothers
09-36), pâg, VIII.
::9. Paul Johnson,op. cit., pág, 36.
.11
mação dehipótesestestáveis,para que possachegar a teorias que
não sejammerasopiniões pessoais, porémbaseadasem fatos obser-
vados por métodos eíentíncos de validade incontestável. Enquanto
não temos tais teorias, sirvamo-nos dessas,como espíríto critico.
como instrumentode trabalho, e nunca como dogmas.
SUMÁRIO
De uma forma ou deoutra, o comportamentoreligioso ocorre
em quase todas as culturas de que temosconhecimento. Ao psi-
cólogo da religiãointeressaparticularmenteo fato de quehá muita
semelhançano comportamentoreligioso de todas essasculturas,
apesardas grandesdiferençasquantoàs formas decrençae, muitas
vezes,até mesmo nos propósitos e objetivos colimados.Esta seme-
lhançasugere ao psicólogo aexistênciade um fator comum à expe-
riência religiosa de todos oshomens.
A grosso modo,todasas defíníçõesde religião seenquadramnum
destes dois grupos: as querealçamo elementode mistério do uni-
verso e as quesalíentamo sentimentode dependência,como é o
caso da definição deSchleiermacher. Essas definiçõessalientam
ou o aspecto coletivo ou oelementoindividual da experiênciareli-
giosa. A definição aquiadotadaé a deWalter H. Clark, que diz:
«Religião é aexperiênciaIntima do Indivíduo quando ele seaper-
cebe doTranscendente,e que seexpressaem seu comportamento
quando eleativamenteprocuraharmonizarsuavida com esseTrans-
cendente."
Apesar do louvável esforço de antropólogos, teólogos,hístoríado-
res e outrosespecialistas,as origens de religiãoainda constituem
verdadeiroproblema. Unsapontampara a idéia do mana, outros
falam do animismo, ainda outros dizem que amagia é, de fato, a
origem dasvárias expressões religiosas dahumanidade.Na opinião
de Otto, amplamenteaceita nos meios acadêmicos, a religião tem
sua origem na percepção domysterium tremedumet fascinansque
rodeia o homem.
O homem é capaz derespondera estímulos transcendentais,
Isto é, ele é capazde ter uma experiênciareligiosa. Ao filósofo ou
ao teólogointeressa discutir se existe ou nãouma realidadeobje-
tiva a que essaexperiênciacorresponde. Ao psicólogo,enquantopsi-
cólogo, compete apenasa observação do fenômeno e amedida de
seus efeitosna vida do homem e dacomunidade.Paraefeitos prá-
ticos, a experiência religiosa podeser apresentadanuma série de
pares contrastantesde conceitos como:legalista versus supralega-
lista; ortodoxa versus supra-ortodoxa; individual versus coletiva;
.....
ativa versus passiva; formal versusinformal; toleranteversus into-
lerante; afirmativa versus negativa, cada um deles comcaraterls-
tícas típícas, porém nunca exclusivas.
Comportamentoreligioso é qualquer ato ou atitude que tem
referênciaespecifica ao divino ousobrenatural.Esse comportamen-
to seráprimário, se representauma experiênciaprofundamentepes-
soal; secundário, se representa apenas um hábito relígíoso; e
terciário, se for simplesmenteuma questãode conformaçãoconven-
cional a uma tradição religiosa.
Entre as multas interpretaçõespsicológicas dofenômeno reli-
gioso, salientamosas que nosparecemmais importantes:
a) ParaFreud, a religião nadamais é do que aprojeçãoinfan-
til da imagempaterna. Ela é uma ilusão, não porqueseja má em si,
mas porquetende a levar o homem a fugir desua realidadee con-
tingência humanas.
b) Para Jung, a experiênciareligiosa resulta do inconsciente
coletivo, que, porsua vez, é composto deenergias dinâmicase de
símbolos designificaçãouniversal. A experiênciareligiosa éfunda-
mental ao funcionamentoharmoniosodo psiquismo eajuda o ho-
mem a compreenderrealidadesdo universo que não podemser co-
nhecidasde outras maneiras.
c) Para Allport, a experiência religiosa é algo essencialmente
pessoal,sujeito às leis de evolução psicológica, e seuaspectoínte-
lectual é mais importante do que o emocional. A religiãoé fator
importantlssimona integraçãoda personalidade.Ele diz que relí-
gíão é o esforço dohomempara unir-se à criaçãoe ao Criador com
o fim de ampliar e completarsua própria personalidade.
d) Para Anton Boisen, aexperiênciareligiosa tembasicamente
a mesma dinâmica da esquizofrenia. Diz ele que tanto a esquizo-
frenia como a experiênciareligiosa profundasão tentativasà inte-
graçãodo "eu". Quando apersonalidadese vê ameaçadaao ponto
de sua desintegração,recorre ao método mais eficazpara evItar a
catástrofe. A diferença fundamentalentre as duasestá nos resul-
tados produzidos. Quando atentativa é bem sucedida,o homem
tem uma experiência religiosa altamente frutlfera e de grandes
conseqüênciasem suavida. Quando atentativafalha, o homemserá
considerado"insano".
"4
Capitulo lU
EVOLUÇÃO DA EXPERltNClA REUGlOSA
A Religião da Infância - A Religião da Adolescênciae Mo-
cidade - A Religião do Adulto - A Religião da Velhice.
A experíêncíareligiosa varia tanto em grau de intensidadecomo
em significação, de acordo com asvárias circunstânciasque ro-
deiam o individuo. Como dissemos acima, aexperiênciareligiosa
está sujeita às mesmasleis gerais da evolução psicológica doho-
mem. Em cada fase da vida do individuo, aexperiênciareligiosa
tem caracterlsticaspeculiarese serve apropósitosespecífíeos.
Através deste capftulo, procuraremosmostrar as caracterlsticas
da experiência religiosa nas várias fases da vida dohomem e o
propósitoque elacumpre em cadauma delas. Noutro capitulo, mos-
traremoso alvo desejadoda evoluçãoreligiosa do homem- a ma-
turidade religiosa.
A Religião da Infância
A grandesignificação das experiênciasda infância é reconhe-
cida. em geral,por todos os psicólogos.l: razoável, portanto, dizer-
se que a experiência religiosa da criança deve ser tomada
seriamentepelo psicólogo da religião,
A criança vem ao mundo e torna-separte do ambientesocial e
cultural de determinadogrupo humano. A religião é ordinariamente
parte dessacultura a que a criança pertence. Em condiçõesnor-
mais, pois, acriança assimila os valores religiosos desua cultura,
do mesmo modo queassimila os valores éticos esociais em geral.
A religião da criança,portanto,é parte da herançasocial e cultu-
ral que ela eventualmenteassimilará. Cremos, pois, que ocompor-
tamento religioso é aprendidoe que seuensinopara tornar-se ュ セ ウ
eficaz devecomeçar desde os maistenros anos da existênciahu-
mana.
Na apresentaçãodeste capitulo, seguiremosuma orientaçãoti-
picamenteevolutiva e discutiremosa religião da infância do ponto
de vista de sua origem, suascaraeterístícasfundamentaise alguns
dos seusproblemas.
O problema da origem dareligião da criança é extremamente
complexo. De modomuito simples,porém, podemos dizer, comPratt,
que a religião da criançase origina da influência de pessoasmaio-
res, principalmente da influência dos pais, do ensino formal do
comportamentoreligioso e dodesenvolvimentonatural da mente da
criança.
E provável que a religião da criançatenhacomo ponto de par-
tida o atendimento de certas necessidadesfundamentaisdo seu
próprio ser. Uma dasnecessidadesfundamentaisda criança, diz
Paul Johnson,é a necessidadede relaçõesínterpessoaís,Quando a
criança chora porque.sentealguma forma de desconfortoe alguém
vem para cuidar dela, ai seestabeleceuma relaçãoínterpessoalque
pode muito bemser uma das basesda fé religiosa. Enessafase
da vida que seforma o que Erik Erikson chamade "confiançabá-
sica". E aqui, portanto, que se deveencontrar a capacidadee a
possibilidadede crer.
Em sua fascinanteteoria do desenvolvimentoda personalidade,
Erik Erikson diz que os primeiros anos de vida sãocruciais para a
formação de atitudesque se refletirão atravésde toda a vida. Na
infãncia, portanto,forma-se a atitude de confiançaou desconfiança
perantea vida. Se acriança vê atendidassuasnecessidadesbásicas
nessafase da vida, elaformará para com o mundo uma atitude
confiante e amigável. Cremos, pois, que o mesmo se pode dizer
de seu futuro comportamentocom relação às dimensõesreligiosas
da vida.
Nessas relações interpessoaisque influenciam a formação re-
ligiosa da criança, pois, os pais têm papel importantissimo. Pode-
mos dizer, commuita margem de segurança,que o conceito que
a criançatem de Deusé grandementea imagemmental de seu pai.
Com ísso não queremosnecessariamenteconcordar com Freudquan-
do diz que Deus éapenasum pai magnlf1cado. Não há dúvida,
porém, de que acriançaprecisa de um modelopara o seu próprio
pensamentosobre Deus.セ ̄ッ é sem razão, pois, que a Blbliaapre-
sentaDeus sob a figura de um Pai.
Há evidência de que o conceito que formamos de Deus tem
muito que ver com o conceito que formamos denosso próprio pai.
Allport apresentao caso de um menino de seis anos de idade
que se recusava a começar a oração modelo com aspalavras"Pai
nosso...", porque .seu pai era um ébrio e ele nãopodia conceber a
idéia de que Deusfosse "Pai", porquepai,para ele,significava um
individuo ébrio. Essa criança precisava depensar em Deus sob
outra figura de linguagem, ourejeitar a idéia de Deus etomar-se
um agnóstico ou ateu.
Pratt cita Tracy quando diz: "1!: uma afirmaçãorazoavelmente
segura: umacriança que, por qualquer motivo,nunca adora sua
mãe, dificilmenteadoraráa qualqueroutra divindade."1
1!: de esperar-se,portanto,diz Clark, que as relações dacriança
com seuspais tenhamuma grandeinfluênciano seu conceito de Deus
e, conseqüentemente,na qualidade desua vida religiosa, que de-
pendegrandementedo tipo de experiência emocional que os1mbolo
paterno evoca.
Além dessefator importantlssimo na origem da religião da
criança,que é o papel dos pais, como ficou dito acima, outrofator
muito Importanteé a aprendizagem. Nãohá dúvida de que o com-
portamentoreligioso é algo que se aprende. O individuoaprendea
se comportarreligiosamente,Isto é, aprende a serreligioso. A idéia
tradicional de que religião éinata e universalmentepresenteem
todas as pessoas é diflcil dedemonstrar.Quase todos ospsicólogos
hoje reconhecem que ocomportamentoreligioso, como qualquer
outra forma de comportamento, é aprendido. Quanto ao problema
de ser ou não ser universal, éainda questãosujeita a debate. Em
consonãneía com a tese aqui defendida, dirlamos que o individuo
aprende a serreligioso onde a religião éparte integrantede sua
cultura e de seussistemas de valores.
A esta altura seria interessanteperguntar: Quando é que a
criançacomeça aaprendersua religião? Talvez se possa dizer que
há uma fase quase imperceptlvel de aprendizagem da religião se-
1. James Bissett Pratt, The Religious Consciousness:A Psychological
8tudy, New York: The MacMl1lan Company (1920), pAgo 94.
.,..
melhante à aprendizagemda língua maternaou outros valores da
cultura a que o individuopertence. Allport advoga quenão há reli-
gião propriamentedita na primeira infância. O infante não tem
ainda a capacidadee amadurecimentonecessáriosao sentimento
relígíoso, querequer uma organizaçãomental altamentecomplexa.
No entanto,desde muito cedona vida, a criançacomeça amanifes-
tar os resultadosdessa aprendizagem.As primeiras manifestações
dessecomportamentosão, por exemplo, mãospostas, baixar a ca-
beça efechar os olhospara orar (especialmenteentre ramüíaspro-
testantes),repetiçõesde orações ecânticos de hinos religiosos. A
criança faz isso do mesmo modo como sesujeita a outros hábitos
rotineiros, tais como, escovar osdentes ou pentearos cabelos.
Podemos dizer que asformas mais simples deaprendizagem
religiosa ocorrem pelo processoelementarde reflexo condicionadoe
se transformam em hábitos, a príncípío sem grande significação,
mas que depois podem setornar altamentesignificativos, na pro-
porção em que a pessoaamadurecefísica e emocionalmente.Por
exemplo, Allport conta a história de um garoto de quatro anos de
idade que costumavaorar na presençade um quadro relígíoso.
Certa noite, visitando pessoas amigas, foi convidado a fazersua
oração. Como nãoencontrasseum quadro religioso diante do qual
orar, apanhouum exemplar do SaturdayEvening Post e fez sua
oração com a mesmaaparentesatisfação. Ora, é de seesperarque,
no seu processo deamadurecimentoreligioso, essemenino tenha
alcançadoum estágio em que não maisnecessitariade um quadro
para poder orar significativamente,mas o importante é que ele
aprendeua prática da oração.
Parte do processo deaprendizagemda religião consiste em for-
mar uma consciência, quesignifica a interiorizaçãodos valores de
nossacultura, o que é um processo óbvio deaprendizagem.Mesmo
que admitamosque a capacidadede ter uma consciênciaé dom de
Deus, nosentidode ser parte integrantedos fundamentosdo nosso
próprio ser, oconteúdoespecifico dessaconsciêncianós o aprende-
mos do grupo social a quepertencemos.A prova disso, conforme
os antropólogosnos mostram, é que normas variam de povo para
povo e, mesmo emdada cultura, há diferençasentre indivIduos de
acordo com ascircunstânciasem que vivem.
No processo deformação de uma consciênciaem geral, epar-
ticularmente de uma consciênciareligiosa, há uma fase decrucial
importância, diz Clark, que é a fase da"identificação", em que a
criançase identifica com seus paisquantoaos desejos e ideaispara
a sua própria vida. O tipo deconsciênciaque aprendemospor esse
processo de "identifi-eação"é o que Erich Fromm chamaria de
"consciênciaautoritária", por ele definida como sendo "...a voz de
uma autoridadeexternaque foi interiorizada- os pais, oEstadoou
quaisquerque sejam as autoridadesna cultura eonsíderada".»Essa
consciênciaautoritária é importantepara o ajustamentopessoalda
criança,para a satisfaçãodo seu desejo dereconhecimentoe para
a descobertado seu lugar na sociedade. Mas,quando exagerada,
essa consciência autoritária torna-se extremamenterlgida e sua
viola9ão acarretaenormesentimentode culpa, quetende a impedir
o bom desenvolvimentode sua personalidade.
o contrário desse tipo deconsciênciaautoritária, ainda na lin-
guagem de Erich Fromm, seria a consciênciahumanístíea,que ele
descreve comosendo aquela consciênciaconstitulda de elementos
espontaneamentedesenvolvidos pelopróprio individuo, apropriados
às suas habilidadese essenciaisà sua-criatividade. "A consciência
numamstícaé a reação de nossa personalidadetotal ao seu fun-
cionamentoadequadoou a seumau funcionamento;não uma reação
a esta 'ou àquela capacidade,porém à totalidade das capacidades
que constituemnossa existênciacomo homense como indivlduos."3
Para alcançar uma personalidadereligiosa sadia e equilibrada,
é necessárioque ajudemosa criança a desenvolver, de modohar-
monioso, ambos os tipos deconsciência. E, para que a criança de-
senvolvatanto a consciênciaautoritária como a consciêncianuma-
nístíea,ela necessitatanto de disciplina quanto de liberdade. "Sem
a consciênciaautoritária,a criançatorna-sea suaprópria lei - per-
sonalidadepsícopátícaou imbecil amoral, sem qualquer senso de
responsabilidadepara com a sociedade, semhabilidadede obedecer.
Sem aconsciênciahumanística,a criançatorna-seapenasuma peça
na engrenagemda máquina social, sem iniciativa própria e sem
poder criativo." 4
Várias tentativas têm sido feitas no sentido de apresentaras
caracteristicasfundamentaisda religião dacriança. Nenhumadelas,
entretanto,abrange todos osaspectosdesse fenômeno. Mastodas
têm sua razão de ser e,naturalmente,seus próprios méritos.
Neste trabalho, adotaremos as característícassugeridas por
Clark, por nos pareceremfundamentadasnum acervo deobserva-
ções sistemáticasdo comportamentoreligioso da criança e, conse-
qüentemente,com maiores possibilidadesde validação cientlfica.
2. Erich Fromm, Análise do Homem (tradução de Otâvío Alves Velho),
Rio: Zahar EditIDres (1961), pâg, 133.
3. Id. ibid., pli.g. 147.
4. Walter H. Clark, op. cit., pAg. 92.
77
A religião da criançaê baseadano principioda autoridade,isto
é, suasidéias não sefundamentamna sua própria experiência,mas
na experiênciadaqueles que sãoimportantespara a criança. Tal
situaçãoresulta do fato de queos "maiores" revelam,atravésdo seu
comportamentoem geral, que tudoquantofazem éparao bem-estar
da própria criança e, porque são Obviamentemais poderosos, a
criança tende a aceitar a onipotênciadeles. Ora, sabemos queuma
das virtudes mais elogiadas em nossacultura é a virtude da obe-
diência. Dír-se-ía que todo o nossosistema educacional,quer no
lar quer na escola, tem por objetivoconvencero educandode que
a melhor polítíca é a da obediência. Não é deestranhar,portanto,
que a criança "aceite sem discutir" a maioria de nossas idéias,
inclusive nossas idéias religiosas. Cremos que essacaracterísticada
religião da criança é facilmente observável.
O fato deser baseadana autoridadede outrem faz que are-
ligião da criança seja bastantesimples. Essacaracterísticareflete
sua credulidade. Somentecrianças altamente inteligentes revelam
certo raciocínio no que serelacionacom a sua religião. A grande
maioria simplesmenteaceita o que o mundoadulto lhe diz. Tome-
se, por exemplo, asperguntasque a criança faz e a aparentesa-
tisfação obtida, mesmo com o tipo derespostaque nada responde.
Piagetadvoga que esse tipo derespostasatisfaznão porque res-
ponde à inquirição do esplrito da criança, mas porque acriança
mesma encontra respostaà sua pergunta. 1: provável que ísso se
dê em muitos casos, mas cremos quena maioria das vezestrata-
-se apenasda aceitaçãode uma resposta,que é admitida com base
na autoridadeda pessoa que a propõe.
Outra caracterlsticada religião da criança é sua egocentrící-
dade. Essacaracterlsticaé perfeitamentecompreensível, quando se
nota que tudo na criança,em certa fase desua formação,gira em
torno do seu "eu". Um dos exemplos tlpicos doegoísmo revelado
na religião da criança é sua oração. Via deregra, as criançassão
extremamenteegoístas,Piagetdiz que o egoísmoinfantil é tão pro-
nunciadoque muitas vezes acriança pensaque o sol existe com o
único propósito desegui-la e observarseu comportamento.Outra
forma de egoísmonas idéias da criança consiste nofato de ela
quererobter respostaspara todos os porquês. Quando oadulto não
é capaz deresponder,diz Píaget, ela inventa sua própria resposta,
pois não podeadmitir que haja perguntaspara as quais nãohaja
resposta. Piaget achaque mesmo quando oadulto tenta responder,
a criança pega apenasas palavrasmais conhecidase as urde no
sentido deprovidenciarSUa própria resposta.
7A
Não estamossugerindo qUê easa earacteríatíeada re11g1âo da
criançasejadestltuldade valor ou queseja necessariamenteerrada.
Achamos que elaé necessária,quandoem nlvel moderado, emqual-
quer fase da vida e queé caracterlsticada infância. Se o índívíduo
não desenvolve seu ego,não desenvolverá acapacidadede "amar
o próximo como a si mesmo".:li: necessário, noentanto,que ofereça-
mos à criançaum bom modelo em que ela vejanão só a possibili-
dade deamar-sea si mesma, mastambéma capacidadede coope-
rar com os outros e deinteressar-sepor eles. Emoutras palavras,
no processo deamadurecimentoemocional, o "eu" dacriança deve
expandir-se,possibilitando,assim, ainclusão de outros no seu pró-
prio ego. Quandoessaexpansãodo "eu" não se dá, o indivIduoja-
mais chega aser emocionalmenteamadurecidoe, conseqüentemente,
não desenvolveuma atitude religiosa sadia. Falandosobre essaea-
racterlstica,Paul Johnsondiz o seguinte:
"De modo geral, o egoísmo produzmais preju1zos e
provoca maissofrimento do que qualqueroutra prática.
Os hábitos egoístas estãofirmemente enraizadosna me-
ninice desde ainfância. A3 desordens dapersonalidade
e os fracassossociais da vidaadulta têm sua origem nas
atitudesegoístas dainfância. Aprender a sacrificar de-
sejos pessoais em favor deoutrem, aprendera alegria e
a justiça de trocar dádivase préstimos,são liçõesessen-
ciais à vida religiosa, bem comoà vida em sociedade,
pois a religiãoé uma experiênciaínterpessoalem que se
compartilhamos melhoresvalores da vida e em que ex-
pandimosnossomundo de relações e deinteresses.
"Quando a oração é apenasrepetição ego!sta para
vantagempessoal, ela desce do nlvel religioso e setoma
simples mágica sem sentido social. A oração toma-se
religiosa quandoo homemintercedepor outros e quando
procura nela o bem-estarmútuo. Logo que ascrianças
começam a orar, podemaprendera fazê-lo sem egoísmo
e entenderque religiãoé o meio pelo qual ohomempar-
ticipa de modomais amplo da vida de seusemelhante."f>
Outra característícada religião dacriançaé seu antropomorfis-
mo. A criança deriva sua concepção de Deus daconstanteexpe-
riência com outraspessoas. Logo que ela descobre adiferençaentre
o mundo de coisas e o mundo de pessoas,ordinariamente,o mundo
de pessoaspassaa ser mais importantena formação de sua perso-
nalidade. Ao menos em nossacultura, esseantropomorfismoassume
feição tipicamente masculína,isto é, a criança aprende que Deus
é um ser masculino eé assim que elapensaa seu respeito. Allport
observa que "comraras exceções, acriança visualiza Deus como
um velho, um homem rico, umsuper-homemou um rei. E,na maio-
ria dos casos, se bem quenão universalmente,como o disseFreud,
5. Paul Johson, ep , cit., pA.g. 88.
Deus possui ascaractertsticasdo pai da.criança.Il 8 Note-se tam-
bém que esseantropomorfismonão selimita às earacterístíeasfi-
sícas, A criança tende a atribuir a Deus as mesmascaracterístícas
emocionais que observa nos pais ounas pessoas com quem serela-
ciona significativamente. O que é pior é que, aparentemente,ela
se impressionamais com osaspectosmenos louváveis daspersona-
lidades humanase são eles os que maisinfluenciam seu concerto
de Deus.
A religião da criança é ritualista. Por essacaracterística,quer-
-se dizer que amaior parte da religião dacriançaconsiste dasim-
ples repetiçãode frasese gestos.Seráque se podechamara isso de
religião? Será que há valor nessasrepetiçõescuja significação a
criança ainda não conhece? Concordamos com Clark quandodiZ
que tais atos, apesarde aparentementesem significação,a príneípío
podem tornar-se grandementesignificativos. E mais, se eles não
foram aprendidosna infância, raramentealcançarãoa plena signi-
ficação religiosa que têmpara o adulto emocionalmenteamadure-
cido. Tomemos, por exemplo, o caso da oração.li:: claro que aprin-
cipio a oraçãopara a criança é um ato mais ou menosdestituldo
de significação. Mas, se o homem nãoaprendea orar na infância,
dificilmente a oração terá para ele a profunda significação que
deve ter. Convémsalientar, entretanto,que podeacontecerque a
prática da oração na vida de um homemnunca ultrapassea fase
infantil. No entanto,um homem que nãoaprendeua orar na infân-
cia pode ter uma experiência religiosa deprimeira mão e, neste
caso, a oração podeter paraele profundosignificado. A regra geral,
porém, é que aaprendizagemna fase própria do desenvolvimento
da personalidadeé mais eficaz e temconseqüênciasmais dura-
douras.
Nesseritualismo da religião infantil, que seexpressatanto em
gestos como empalavras,a criançaage por imitação e por sugestão.
li:: comum ver-se, emlares onde a religiãodesempenhapapel pre-
ponderante,as crianças brincando de igreja. Por esse processo de
imitação, a' criança vai interiorizando os valores religiosos desua
cultura que, no processo, setornam seus valores pessoais.
Finalmente,há, na religião da criança, um elemento de admi-
ração e curiosidadeque a leva auma fruição mais profunda da
vida e do universo.Esseespírito de curiosidadee de exploraçãoé
típico da faseetária entre os sete e os doze anos.li:: nessafase que
a criança faz perguntasdifíceis de responder. Em muitos casos.
6. Gordon AIlport, The Individual and His Religion, pág. 31.
on
as perguntasem S1 Ja são por demais difíceis e o problema é
agravadopelo fato de o mundo adulto rodeá-Iasde certo ar de mis-
tério. País e educadoresdevem ser extremamentecuidadosospara
não deixar sem respostaa inquirição da criança e, sobretudo,não
mostrar irritação, que seria um atestadode sua própria íncapací-
dade derespondê-la.Taisatitudespodem matar o esplrito criativo
da criança e levá-la a uma posição deindiferentismo e de apatia
para com o problemareligioso da vida.
Especialmentepensandonos pais e educadores,gostaríamosde
mencionar alguns problemasrelativos à vida religiosa da criança.
No estudodas origense das característicasda religião dacrian-
ça, verificamos que ela éaprendidano contato com significantes
outros e que, emcerta fase de seudesenvolvimento,é tipicamente
baseadana autoridadedas pessoas com quem acriança se relacio-
na de modo significativo. Isso não quer dizer,entretanto,que a
religião da criança não conheça crises e problemas. Verificamos
tambémque há um elemento de curiosidadeem sua religião. &sa
curiosidadenem sempre é satisfeita ou exploradana direção pró-
pria. Dal por que podemosafirmar, com certamargemde segurança,
que um dosproblemasda religião dacriançaé a dúvida que existe,
agora em forma incipiente, e que seconstituirá problemaseríssímo
na fase daadolescênciae juventude. Na opinião de Pratt, a düvíca
religiosa da. criança se origina de duas causas principais. Pode
originar-se dos conflitos entre a teologia e as experiênciaspessoais
da criança,ou da contradiçãoentre as idéias teológicas eéticasque
lhe foram ensinadase seu próprio senso demoralidadee de justiça.
Seja qual for a causa, a dúvida religiosa da criança não pode e
nem deveser ignorada. Ignorá-la é reduzir uma das grandespoten-
cialidadescriadorasdo homem. Reprimi-la é contribuir para a for-
mação dedesnecessáriosentimento de culpa que, por sua vez, é
também fator de inibição no desenvolvimentopleno e harmonioso
da personalidadehumana.
Outro problema extremamenteimportante para educadoresé
saberquandose deveiniciar o ensinoreligioso da criança. Jl: lamen-
tável que muitos pais estejamesperandoque seus filhosaprendam
religião por uma espécie de osmose. Outros,à semelhançade Rous-
seau, em seu Emílio,julgam que devemdeixar a escolhapara a
própria criança, quandoela achar que se deveinteressarpor ques-
tões religiosas.
Uma das poucas coisas que sesabe hoje empsicologia é que,
no processo evolutivo daformaçãoda personalidade,a aprendizagem
de certa aptidãono tempopróprio facUlta a aprendizagemde outras
habilidades. Por outro lado, a não aprendizagemno tempo próprio
dificulta todo o processo do desenvolvimento da pessoa. Por exem-
plo, se a pessoanão aprendera ler ou falar no tempo próprio, po-
derá fazê-lo mais tarde, porém terá semprecertos problemasreía-
.eíonados com essasáreasde seu desenvolvimento.
O mesmo diga-se da vida religiosa.Quantomais cedo acriança
for expostaao ensino docomportamentoreligioso, mais efetivo ele
se tornará em sua vida. A sabedoriado escritor dos Provérbiosé
sobejamentecomprovadapela modernapsicologia: "Ensina a crian-
ça no caminho em que deveandar, e ainda quando for velhonão
se desviarádêle" (Prov. 22:6).
A Religião da Adolescência e da Mocidade
Por muito tempo aadolescênciafoi consideradaum fenômeno
fisiológico. Hoje, entretanto, a tendênciaentre psicólogos é reco-
nhecer que suas característicaspsicológicas sãosocialmentedeter-
minadas. O começo e o fim daadolescênciasão grandementede-
terminadospelo contextosocial a que o índívíduopertence.A obra
antropológica de Margaret Mead é das maissignificativasa esse
respeito. Em seu livro Coming of Age in Samoa, ela advoga a tese
de que não são os ratores fisiológicos que determinama adoles-
cência, e, sim, osfatoressocíoculturaís.
Nesta seção,estudaremosa religião do índívíduo no período de
transiçãoentre a infãncia e a vida adulta. Dal por que aintitula-
mos A Religião da Adolescência e da Mocidade.
Do ponto devista da evolução religiosa do homem, essa é uma
das fases maisimportantes,se não a maisimportante, da vida.
Pratt afirma, com razão, que o quehá de mais fascinantee atraen-
te em religião começana adolescência. Aadolescênciaé uma espécie
de novo nascimento,por meio do qual o indivIduo setorna parte
de um mundo mais amplo. E nesse perlodo critico que selançam
as linhas mestrasda vida de um homem,incluindo sua dimensãore-
ligiosa.
SegundoPratt, a adolescênciatem diante de si quatro tarefas
de crucial im.portânciapara a vida. São elas: 1) desenvolverplena-
mente as capacidadese funções do corpo; 2)analisarsua herança
intelectuale transformá-laem algopropriamenteseu; 3) adaptar-se
à socíedade.daqual agoraé realmenteparte integrante;e 4) passar
da categoriade "coisa" para a categoriade "pessoa". Ofator reli-
gioso parece desempenharimportante papel em todas essas fases
de ajustamentoe transformaçãoda personalidade.
Starbuck, um dos primeiros a estudarpsicologicamentea reli-
gião do adolescente,usando o método dequestionários,procurou
esquematizara religião da juventude em termos de conflitos ine-
rentesa essaexperiência.Segundoele, o fim da infância é caracte-
rizado por umperíodode "clarificação". Esseperíodoé seguido pelo
"despertamentoreligioso espontâneo",que ocorre mais ou menos
aos quinze anos de idade.Q estudode Starbuckrevela que asme-
ninas, quando chegam aos treze anos de idade,passampor uma
fase marcadapor confusão. Os meninos enrrentamo mesmo pro-
blema aos catorze anos. Depois desseperíodo de confusão,segue-se
a fase das dúvidas, que, emmuitos casos, éacompanhadapor um
período de "alienação" ou indiferença religiosa.
Como seVê, a esquematizaçãode Starbucké bastantesugestiva,
mas não pode abrangertodos osaspectosda experiência religiosa
da adolescência,visto que nem todos enfrentam necessariamente
os problemaspor ele sugeridos, mas enfrentam outros, que deixa
de mencionar. Em outras palavras, temos de levar em conta o
contexto social e as experiênciasreais dos indivíduos, para que si
possamosanalisar significativamentea dinâmica de sua evolução
ps1cológica.
Sem pretender apresentaruma caracterizaçãogeral, podemos
dizer, com Paul Johnson, que a personalidadedo adolescentese
expandepelo menos emquatro dimensões. Essaexpansãoda per-
sonalidadereflete-sena vida religiosa do individuo do mesmo modo
como se reflete em outras facetasdo seu ser.
Verifica-se, em primeiro lugar, que as experiênciaspessoaisdo
adolescentese tornam mais profundas.
"A experiência religiosa é enriquecidapor meio de
reverênciamais profunda e maior satisfaçãona comu-
nhão com Deus. Os símbolos eclesiásticos, astradiçõese
a comunhãocom o grupo religiosotornam-sesignificati-
va e misteriosamenteatraentes. O culto que, uma vez,
significava mera repetição formal, agora tem algo de
vívido e de mistério fascinador. A oração pode levá-lo
ao êxtase,à meditaçãoe a realizaçõesde heróicossaerí-
ríeíos. A vida se transforma num verdadeiro arco-íris
de coresbrilhantes..Não é de estranharque o interesse
religioso seacentuetão vivamente na adolescência,pois
nessa idade o homem adquire a capacidadede experi-
mentar, de modo mais rico e maisprofundo, os valores
da vida."7
E nessafase daexistênciaou a partir dela que podemos come-
çar a falar de experiência religiosa pessoalno seu sentido mais
profundo. Nota-se também que os interessessociais doadolescente
se ampliam. Ele não está mais naquelafase do egoísmotípico da
7. Paul Johnson, op, cit., pág. 90.
83
Infância. Não somentedescobriu que há outras pessoas, mas pro-
cura relacionar-secom elas como pessoas.Paul Johnson observa:
"A religião, nessa fase da vida,expande-sesocial-
mente. A consciênciatorna-semais sensívela novos va-
lores e responsabilidadessociais. As falhas pessoaise
sociais produzemo sentimentode angústia, de culpa e
de remorso. Osideais de perfeição e o culto do herói
afligem o adolescente,porque elesabe de sua incapa-
cidade de alcançá-los. A dor dessa autoconscíêncíale-
va-o a atravessarsituaçõesdifíceis, mas, através delas,
pode capacitar-sea atingir o desejadoprogresso.
Nessa época de idealismo, o jovemsonhacom a pos-
sibilidade de transformara ordem social econstruir um
mundo melhor. Estessonhosdevem serestimulados,pois
constituem a maior esperançado progressohumano e
merecem lugar mais saliente nas decisões eliderança
do mundo adulto. O entusiasmosocial da religião da
juventude também deve ser estimulado.A percepção
acuradadas necessidadessociais, o desafiocorajoso fei-
to a erros antigos e crônicos, o desejoardentede servir
e a prontidão para sacrificar-sepor uma causasão ca-
racterísticasda mocidade. Essas qualidadessão essen-
ciais ao progressosocial e religioso do homem. Senão
conservamosnossa religião com essefrescor jovem e
nossa ordem social flexível às mudançasconstantesde
cada geração, nossa civilizaçãonão poderá subsistir."8
Sabemosque a socializaçãodo indivíduo começa logo nospri-
meiros anos de vida.Esta socialização,no entanto, não se dá em
caráter mais definido senãona adolescência.É nessaidade que o
companheirismose torna um dos fatos sociais mais importantes.
E, muitas vezes, a extrema lealdade ao grupo deparceiros pode
levar o adolescentea rejeitar completamenteos padrõesaceitos de
sua cultura e torná-lo um "delinqüente". A religião pode ter im-
portantepapel em ajudar o adolescentea enquadrar-senos padrões
válidos de sua cultura, dando-lhe o ensejo de se tornar criativo,
sem se tornar iconoclasta.
O adolescenteassimila de seusmaiores as preocupaçõesSOCIaIS
de segurança,estabilidadee, sobretudo,a preocupaçãode pertencer
a um gruposignificativo. Dai por que a classe social a que oindi-
víduo pertence é importante fator na determinaçãode suas leal-
dades à comunidade religiosa. O estudo de Hollingshead sobre a
juventudede Elmtown revela que jovens de classe social maisalta
mais freqüentementepertencemà igreja do que jovens de classe
baixa. As causassociais dessalealdade ou dessa indiferença são
bastanteóbvias no citado trabalho. Para usar o conceito de Durk-
heim, há mais coesão socialentre as classes maisaltas, maior
preocupaçãoem preservarseus valores. Daí por quehá, pelo menos,
8. Id. ibid., pág-, 92.
84
certo assentimentoàs práticas religiosas dogrupo a que tais indi-
víduos pertencem.
Na adolescência,como se sabe, ospoderes intelectuais do ho-
mem se desenvolvemgrandemente.l!:sse desenvolvimentointelectual,
que se reflete nas várias áreas da vida, tem profunda repercussão
na vida religiosa do indivíduo. Daí por que oadolescentenão pode
mais permanecercom aquele tipo dereligião que lhe foi mínís-
trado na infância. Pais e educadoresprecisamde ter nítida cons-
ciência desseproblema, ou correrão o risco de arruinar o destino
religioso de seus filhos. Como observaPaul Johnson, com muita
propriedade:
"A criança pode aprenderuma espécie dereligião
acanhada,inflexível, incapaz de harmonizar-secom a
experiência amadurecida. Ensinar tal espécie dereli-
gião é nutrir a possibilidadede conflitos desnecessários
que acabampor afastardela multas pessoas que aiden-
tificam com superstição.O ensino insensatoda religião,
como ashistórias popularesde Papai Noel, produz céti-
cos amargos,que desconfiamde toda e qualquer forma
de religião e seressentemcontra aqueles que osenga-
navam... A medida que o intelecto se desenvolvena
infância e adolescência,os conceitos religiosos devem
também ser ampliados. Os jovens precisam de liberda-
de para pensar, enfrentar e resolver problemas,e pre-
cisam de orientação democrática adquirida através do
convívio com adultos amadurecidosque estão enfren-
tando e resolvendocriativamenteos seusprõpríos pro-
blemas."9
Finalmente,na adolescência,dá-se a ampliação dos objetivos
da vida. As chamadasperguntasexistenciais: Quem sou eu? De
onde venho e para onde vou? Sãoperguntasessencialmentereli-
giosas. Vemos,portanto, que na adolescênciahá uma preocupação
moral muito séria e a religião podedesempenharimportantíssimo
papel nessafase inicial de transiçãona vida humana.
Clark diz, com razão, queantes da adolescênciao desenvol-
vimento pleno da moralidadenão é possível, pois,para tanto, o ser
humano precisaránão só da habilidade de formar conceitos, mas
tambémde ser capazde fazer generalizações.l!: verdade,diz ele, que
as raízes dessedesenvolvimentose encontramna infância, mas ele
não é atingido senão muito mais tarde, no perlodo daadolescên-
cia e da mocidade.
Klein. citado por Clark, chama nossa atençãoao fato de que
raramenteuma criança se torna insana, enquantoque insanidade
mental é comum entre adolescentes.A razão, diz o citado autor, é
que o desvio dos códigos demoral representapara a criançaapenas
uma ameaçade perder a afeição dos pais. mas,para o adolescente,
9. Id. ibid., V'lg. 92.
a violação de um código ético podesignificar a catastróficaperda
do respeito próprio. A razão por que oadolescenterevela essa
preocupaçãomoral é que os valores assimiladosapenassuperficial-
mente durante a infância são agora profundamenteinteriorizados
e fazem parte da estrutura mais íntima da personalidadedo indi-
viduo.
O desenvolvimento religioso do individuo prossegue semgrandes
alteraçõesaté a puberdade.Nessa fase, aschamadascrises da ado-
lescência serefletem de modomarcantena vida religiosa da pes-
soa. Esse fato, do ponto devista psícoíógtco,pode significar que o
adolescenteesteja tentando transformarem sua própria a religião
que recebeu desegundamão atravésde seus pais e de seu grupo
social. Infelizmente, porém, nemsempre os pais e lideres religio-
sos compreendemisso e a crise religiosa da adolescência podetor-
nar-se um abandonocompleto dequalquer interesseem religião,
pelo menos nos moldes convencionais.É nessa idade que muitos
jovens seafastam de suas comunidadesreligiosas. Algunsvoltam
depois depassara crise da adolescência. Outrosnunca voltam e
constroemsua vida em torno deoutro sistema de valores. Nem
todos se"perdem" moralmente,mas perdemo interessena prática
da religião.
Dependendo,entretanto,do tipo de experiênciaprévia, diz Gor-
don Allport, essatransiçãopode dar-sesem grandesconflitos. Pes-
quisas psicológicas nos Estados Unidosindicam que dois terços dos
adolescentesse rebelam contra os ensinos religiosos da fam1lia e
de sua cultura ou subcultura. Segundo Allport,metadedessa rebe-
lião ocorre antes dos 16 anos de idade e aoutra metade ocorre
um pouco maistarde.
Uma das crises maisacentuadasda religião da adolescênciae
da mocidade é oproblemada dúvida. Parte desseproblemaé cau-
sada pelo próprio desenvolvimentointelectual do individuo. Mas,
ao que tudoindica, a tradiçãoem que a pessoa écriada pareceser
um dos principais fatores na produção das dúvidas religiosas. Em
geral, o adolescentede formação religiosa protestante questiona
mais e faz mais escolhas do que oadolescentede formaçãocatólica.
O estudo dé Allport, Gillespie e Young,"The Religion of the Post
War Oollege Student" ("A Religião do EstudanteUniversitário do
Após-guerra") indicou que 85% dos moços católicosainda eram
religiosos epermaneciamna Igreja Católica, enquanto apenas
40% dos jovens protestantese judeus permaneciamfiéis às suas
tradiçõesreligiosas. Note-setambém que, numa tradição democrá-
tica, o adolescenteé encorajadoa questionara autoridade,o que
toma o duvidar um aspectonormal do desenvolvimento da perso-
nalidade. Em muitos casos, porém, quando oadolescenteprocura
separarsua religião da religião de seus pais, ele quase sempre tem
de enfrentar o problema der1gida autoridade, que cria nele um
senso de insegurança, e o resultado mais freqüente desse estado de
coisas éa. rebelião.
A rebelião t1pica da mocidade, que podeter aspectosaltamente
construtivos, é, geralmente, interpretadanegativamentepelos pais
e llderesreligiosos. O resultadoé que, em muitos casos, quando essa
crise é bastanteséria, as possibilidades dereorientaçãodessesjoveu
se tomam extremamentedif1ceis.
Essa rebeldia é, sobretudo, umaluta do jovem por suaprópria
identidade. Ele quer firmar-se como pessoa, querter suas próprias
razõesparacrer. A descoberta daidentidadedo homem nessa fase
se refletirá em toda a sua vida. Essa crise, dissemos acima,tam-
bém relaciona-se com o desenvolvimentointelectual do homem.
Será que as instituições religiosas poderiamajudar a adolescência
a canallzaressa energiaintelectualpara fins construtivos? Aquiestá
um dos maiores desafiosàs comunidades religiosas de todos ostem-
pos. 06 exemplos de Agostinho e Francisco deAssis, que canali-
zaram suas energiasintelectuais para finsconstrutivos, não são,
infelizmente, muito lembrados e seguidos. Cremos,entretanto,que,
mesmo sematingir as culminânciasde Agostinho ou de Francisco
de Assis, há milhões de jovens quetransformamsua tradição reli-
giosa em experiência pessoal sempassarempor um processoextre-
mamentepenoso de dúvidas e de rebelião.
Relacionado com o problema da dúvida religiosa e desua fre-
qüente conseqüência -a rebelião - temos o problema dosenti-
mento deculpa. O moço começa a duvidar da validade de suatra-
dição religiosa. Quando nãoencontra ambiente apropriado ao
debate intellgente de seus problemas espirituais, ele tende a con-
formar-se e toma-se religioso apenas por questão dehábito ou
conveniência social, ou então, no processo detransformar em sua
própria espéciea religião que lhe foi impostana infância, pode
rebelar-se. Essa rebeldia,ordinariamente,é seguida de profundo
sentimentode culpa. Osentimentode culpa é agravado pelo fato
de, nesse período, o jovemestar enfrentando também os proble-
mas relativos ao sexo. Certaspráticassexuais, tais como a mas-
turbação,tendem a desenvolver no adolescente um profundosenti-
mento de culpa. :l!: comumentreadolescentes aidentificaçãodessas
prãticassexuais com o "pecado imperdoável".EStesentimentode
culpa é t1pico de paísesprotestantesem que a "teologia" tende a
salientara "convicção do pecado". Nos países católicos, estesen-
timento de culpa nãoé tão acentuado, e, em certas religiões orien-
ta1a, ele 'Praticamente não existe. Clarkobserva.que entre protes-
tantes a maioria. dos adolescentes pareceencontrar considerável
aUvio para. essa crisena oração ou em outrosexerc1ciosaltamente
emocionais. Esse alIvio é temporário, porém. Entre católicos, a
confissãopareceser bastanteefetiva, especialmentequandoo jovem
encontraum sábio e compreensivoconfessor.
Todas essas crisesfazem da adolescênciaa idade propícia da
conversãoreligiosa. O capitulo quinto deste livro trata da conver-
são religiosa em maiores minúcias. No momento, o assuntoserá
apresentadoespecialmentedo ponto de vista do adolescentee do
jovem. Paraessa apresentação,recorremosao trabalho de Gordon
Allport, substancialmenteapoiado em ampla pesquisa.
Desde a extensapesquisade Stanley Hall, Starbuck e outros
pioneiros no estudo da conversãoreligiosa, ficou demonstradoque
a idade típíca da conversão religiosa é a de 16 anos, tempo
em que oadolescentetende a rejeitar o sistemade crençasde seus
pais. Aparentemente,porém, há uma tendência,agora, para abre-
viar esse período, isto é,para ocorrer antes dos 16anos de idade.
l!: provável que osvários meios de comunicaçãodo mundo moderno
contribuamparao desenvolvimentoda criançade modomais rápido,
o que acelerariatambémo aparecimentodos problemas típicos da
adolescênciaque levam à conversãoreligiosa.
As pesquisasfeitas indicam também que a conversãovaria de
acordo com a cultura ou subcultura a que o indivIduo pertence.
Por exemplo, adolescentesque vivem em zonasrurais, onde ospais
ordinariamente têm uma teologia mais rígida, mais freqüente-
mente têm uma experiênciareligiosa de conversãomais dramática
do que osadolescentesde zonasurbanas,onde, via deregra, a "teo-
logia" é mais flexIvel e liberal.
Outro fato que estaspesquisasrevelam é que hoje as conver-
sões abruptassão menos freqüentes e há, por parte de educado-
res religiosos,maior preocupaçãocom a conversãogradual.
Seguindoo modelo de S. T. Clark, em seu livroThe Psychology
of Religious Awakening, em que apresentatrês tipos de desperta-
mento gradual, Allport estudou um grande grupo de estudantes
universitáriose revelou osseguintesresultados:14% dessesrevelaram
haver experimentadouma conversãoreligiosa no sentido de ser uma
experiênciacrItica; 15% falaram apenasde um estímulo emocio-
nal, isto é, de uma experiênciaem que nãohá necessariamenteuma
grande crísé, mas em que o indivIduo, mesmo assim,é capaz de
identificar certo estímulo que o levou à experiência religiosa; '7%
da população em apreço falaram de sua experiência religiosa em
termosde um despertamentogradual.
Qual o tipo mais importante de experiência de conversão?JiJ
d1f1cll estabelecercritério rígído. Parece,entretanto,que os que
tiveram uma profunda transformaçãona vida, causadapor uma
conversãoreligiosa também profunda, tendem a evidenciar,através
de toda a sua existência,os frutos dessaexperiência.
Dos mllhares de adolescentes que escreveram sobre sua con-
versão religiosa, aprendemos queas causas dessa conversão são as
mais variadas. Alguns se referem a certosentimentovago que
sempre existiu neles e que a certo momento se definiu maisclara-
mente. Outros foram levados a essa experiência por considerações
morais. Alguém diz que a experiência daperdade um ente querido
o levou à conversão religiosa, outros podemalegar o sofrimento
pesaoa! ou outro qualquer motivo como acausa principal de uma
conversão.
Outra importante descoberta feita por Allport, em seu estudo
da religião da juventude, é que osentimentoreligioso se confunde
e mistura com outros sentimentosda adolescência. Por exemplo,
quando o adolescente seapaixonapor alguém, reconhece que essa
experiência não é diferente da experiência místíca que talveztenha
tido na esferareligiosa. O leitor está lembrado de queStanleyHall
relacionou positivamente a conversão religiosa do adolescente com
a suavida sexual. Sabemos também que TheodoreShroedertentou
explicar todo o fenômeno religioso emtermos da vidasexual. Con-
cordamos que a religião da adolescência pode ter conotação sexual,
como, por exemplo, a ampliação do "eu"para incluir o outro é uma
experiência comum ao amor eà conversão religiosa, mas a conversão
religiosa do adolescente não pode ser reduzida a sexo, isto é,Q, con-
versão é uma experiência quemarcaa vida do homem emsua tota-
lidade e não podejamaisser reduzida a umaspecto, quersejaemo-
cional, intelectualou biológico.
A seguir, apresentaremosalguns exemplos depesquisas nessa
área, com o propósito deestimular o interesse e convidar o leitor
a fazer, ele mesmo,alguma observaçãosistemáticanessa ou em ou-
tras áreas da psicologia da religião.
Vejamos, em primeiro lugar, otrabalho de Allport e seus cola-
boradores. Allport examinouextensivamentea religião deestudantes
universitários e entre os resultadosapresentadosencontramosos
seguintes:
Em respostaà pergunta- Você acha que alguma forma de
orientaçãoreligiosa énecessáriapara que o homem possaalcançar
uma filosofia adequada de vida? -70% respondeupositivamente.
Isso não significa que esta deve ser a proporção deestudantesuni-
versitáriostradicionalmentereligiosos. Pode ser que alguns quepra-
ticam, formalmenteao menos, alguma religião nãosintamessa neces-
sidade. Por outro lado, é possível quemuitos, mesmo sempraticar
qualquer religião,admitam teoricamenteque elaseja necessáriaà
formação de uma filosofia adequada de vida.
O estudo de Allport indicou também que, via de regra, asmulhe-
res revelam maior interesse, aomenos verbalmente,na religiio. Elas
vão à igreja mais freqüentemente,praticamatos devocionais e quase
sempre seencarregamda instruçãoreligiosa dos filhos.
RGI
Além do sexo, outrofator a consideraré a idade. Jovens de menos
de 20 anosordinariamenterevelam maior interesseou necessidadede
uma orientaçãoreligiosa, enquanto jovens de mais de 21 anos
de idade não revelamtanto interessena religião.
Os queresponderamnegativamentea essaperguntarefletem as
condições em que foram criados, do ponto devista da educaçãoreli-
giosa. Em 19% dos casosestudados,os universitáriosdisseramque
a religião desempenhoumarcadainfluência na educação;42% dis-
seramque ainfluência foi moderada;em 33% dos casos ainfluência
foi consideradasuperficial,e somente7% disseramnão haverinfluên-
cia religiosa emsuaeducação. Dal a conclusão a que chegou Allport:
Nenhumfator psicológico ouambientalé tão importantena criação
da necessidadereligiosa como otreinamentoreligioso nosprimeiros
anos de vida. Noentanto,essefator não é decisivo noreconheci-
mento da importância da religião para o desenvolvimentode uma
filosofia adequadade vida. O tipo de educação religiosaque a pes-
soa recebe,entretanto,é altamentesignificativo. Allport notou,
por exemplo, queíndívlduoseducadosna tradiçãocatólica- 15% do
total estudado- expressama necessidadede religião. O extremo
dessaatitude foi revelado por índívíduos educadosna tradição ju-
daicaou no protestantismoliberal. 40% dosestudantespertencentes
a essastradições responderamnegativamenteà pergunta feita. Se
semelhantepesquisa fossefeita no Brasil, provavelmentealguns des-
ses dadosseriam diferentes,particularmenteem relação a católicos
e protestantes. No Brasil, onde osprotestantesconstituemminoria,
o interessena religião é maisacentuadoentre protestantesdo que
entre católicos. l!: provável que,quanto aos judeus, a Situação no
Brasil não seja diferente da que ocorre nosEstadosUnidos.
Paraos queresponderampositivamente,procurou-sedeterminar
os fatores que teriam influenciadosua atitude para com a religião,
ou seja, o motivo por que acharamque ela énecessáriaà forma-
ção de uma filosofiaadequadade vida. Aqui estão osresultados
dessapesquisa. Em 67% dos casos, ofator mais importantefoi a
influência dos pais. A influência de outraspessoas foireconhecida
em 57%. Nota-se,portanto,que a influência de pessoas émaior do
que qualqueroutro elementona determinaçãodessapreferência. O
medo foi reconhecidocomo causaprincipal em 51% dos casosestu-
'dados. A igreja foi reconhecidapor 40% e agratidãofoi reconhecida
por 37% dessapopulação. Um terço dapopulaçãoestudadareferiu-
-se à estética,a apelos e aleituras como fatores que influenciaram
sua resposta. 27% disseramque sua posição representasimples-
mente conformidadecom a tradiçãoreligiosa. Umquarto dos parti-
cipantes nessa pesquisa dissehaver sido influenciado por estudos,
18% apresentaramsofrimentos ou perda de entes queridos como
fatoresque determinaramsua preferência,17% falaramde umavaga
experiênciamístíca e 16% referiram-sea problemassexuais como
fatores determinantesde sua escolha.
on
Uma das descobertasmais sugestivasque Allport fez refere-se
à pergunta: Você acha que sua tradição lhe pode oferecer o tipo
de religião de quenecessita?60%,incluindo índívíduos deváriastra-
dições,responderamafirmativamente. Entre os católicos, 85% ex-
pressaramsatisfaçãocom seusistemareligioso. De duzentosestu-
dantescriados emlares protestantesortodoxos,cinqüentadisseram
que religião não é necessáriapara a formação da personalidade.
14% disseramque uma religiãototalmentenova énecessáriae 16%
mudaramde denominação- de denominaçõesmais ortodoxase rlgi-
das para denominaçõesliberais. Oitenta e cinco dessesestudantes,
isto é, 42% dototal estudadorevelaram estar satisfeitos com sua
tradiçãoreligiosa.
Quantoa certasformas exterioresde religiosidade,somente15%
do grupo estudado por Allport confessaramabsoluta ausênciade
qualquerprática religiosa. Agrandemaioria revelou que pelo me-
nos de vez em quando ora, vaià igreja,etc.
Quantoà ortodoxiacristã, o estudo de Allport não revelouresul-
tados muito animadores. Somente28% dosestudantesachamque
Cristo deveser consideradodivino. A maioria o consideraapenas
como um grande mestre ou grande profeta. Nos EstadosUnidOB,
uma pesquisaentre jovens católicos, no tempo deJohn F. Kennedy,
revelou que amaioria o consideravamaior que JesusCristo.
Quanto à imortalidade, um quarto dos estudantesrevelou crer
na imortalidadeda alma. AqUi está a conclusão de Allportquanto
a esseestudo. Podemosresumir dizendo que:
1) Muitos estudantessentema necessidadede incluir a religião
como parte do processo deamadurecimentode sua personalidade;
2) Muitos crêem em Deus, se bem quesuaidéia de Deusnãoseja
a variedadetemáticatradicional;
3) Alguns são ortodoxos emmatériasfundamentaise historica-
mente fiéis ao dogma teológico;
4) A maioria mantémcertasformas depráticasreligiosas tra-
dicioaals, incluindo a prática da oração;
5) Mas a maioria dos estudantesestá claramenteinsatisfeita
com a religião institucionalizadatal como existe,tanto assim que
40% quesentemnecessidadeda religião repudiama igreja em que
foram educados. Se tomarmostodos osestudantesque tiveram trei-
namentoreligiosona infância, tanto os queexpressama necessidade
de religião como os que não a expressam,verificaremosque 50%re-
jeitam a igreja em que foramtreinados.10
Igualmentesugestivo é o estudo que Allport fez comveteranos
de guerra. Ele estudouas reações religiosas de290 veteranosde
guerra,com osseguintesresultados:55% dessesveteranosdisseram
que aguerranão os fez nem mais nem menos religiosos do queeram
antes. No entanto,26% disseramque a guerraos fez mais religio-
sos e 19%afirmaramque aguerraos fez menos religiosos. Os vete-
10. Gordon Allport, The Indiyidual and His Religion, pâg', 44.
91
ranos que negarama importância da religião para a formação de
uma personalidademadura- 36% da populaçãoestudada- substí-
tu1ram a religião porcertas formas de humanitarismosemelhante
ao "RearmamentoMoral".
Quandoo veteranose torna mais religioso movido pelo medo, no
campo debatalha,as probabilidadessão de quesua religião não vai
durar muito, pois, como dizAllport: a religião que resultasimples-
mente do medo seevaporarátão logo o perigo que aproduziu seja
removido.
Outro exemplo depesquisaque podeser facilmente repetida,com
as devidasadaptaçõese excelentesresultados,é o de M.R. Ross, em
seu livro Religious Belief01 Youth. Ross tomou um grupo de1.798
jovens, de 18 a 29 anos de idade, e lhes fez amesmapergunta: "A
respeitode que vocêpensamais freqüentementequandose encontra
sozinho?" O resultadoindica que 70% dessesjovens revelarampreo-
cupações comassuntostais como alcançaro máximo de êxito, segu-
rança econômica,felicidade pessoal,respeitabilidadee outros assun-
tos igualmenteegoístas. Menos de 14%indicarama preocupaçãocom
o plano de Deuspara a sua vida, preocupaçõesfilosóficas ou com
problemassociais.
Aqui estão os dadosestatístícosda pesquisade Ross,adaptados
por Clark:
DISTRIBUIÇAO DAS RESPOSTAS DE 1.798 JOVENS,
DE 18 A 29 ANOS DE IDADE, A PERGUNTA: "A RESPEI-
TO DE QUE VOCE PENSA MAIS FREQüENTEMENTE
QUANDO SE ENCONTRA SOZINHO?"
2,3%
3.,6%
25,4%
13,7%
12,5%
11,5%
10,8%
10,2%
5,8%
4,2%
Preocupação Porcentagem
Futuro em termosde felicidade,segurançae res-
peitabilidade .
Pessoas com quem serelacionamais imediata-
mente .
Futuro em termos de segurança econômica
Futuro em termos de grandesucesso .
Ajustamento pessoal .
r・」イ・。セ ̄ッ .
Problemassociais .
Preocupaçõesfilosóficas .
Futuro em termosdo plano de Deuspara a sua
vida .
O passadoem termosdos erros cometidose das
lições aprendidas .
100%
92
Ainda,do trabalho de Ross,tomemosoutro exemplo depesquisa
nessaárea da religião da adolescênciae da mocidade. Quanto à
práticada oração,Ross notouque.dos1.798 moços que eleentrevistou,
42% oravam regularmente,e somente15% nunca oravam. Quando
lhes fez a perguntapor que oravam,33% disseramque oravampor-
que Deus ouve erespondeà oração,27% afirmaram que a oração
ajudaem temposdiflceis, 18%declararamque a pessoa sesentebem
depoisde orar e 11% disseramque a oraçãonos faz lembrar nossos
deverespara com o próximo e para com a sociedade.
Paracertificar-seda validade dessasrespostas,o pesquisadorin-
terrogou oralmentea um grupo representativodaquelesque respon-
deramao questionárioe verificou que somente17% indicaramque a
oraçãoconstituía,para eles, um meiosignificativo de comunhãocom
Deus. Para26% deles, aoraçãoeramais ou menos um meio de me-
ditação ou auto-análise.Para a maioria, isto é, 42%, aoração era
uma espécie demágicaa querecorria nos momentosde necessidade.
Recentemente,um dos estudosmais bem feitos sobre areligião
da adolescênciaé o publicado por CharlesWilliam Stewart, em seu
livro AdolescentReligion: A DevelopmentalStudy of the Religion of
Youth (1967). Esse livrorepresentavários anos detrabalhodo autor
na FundaçãoMenningerem Topeka,Kansas,nos EstadosUnidos.
Entre as várias conclusões a queStewart chegou, salientamos
as seguintes:a adolescênciade hoje é conformistae pronta a com-
prometer-sepor uma migalha de aceitação,amizadefácil e proteção
anônima das massase multidões. Muitos estão escondendoseussentimentose desejo deconseguirsuaidentidadee integridade. Não
admitem que estão atravessandouma crise ou quenecessitamde
significado e propósito para a vida. Quando enfrentandomistérios
e incapazesde resolverseusproblemas,podem recorrera Deus.Outro
fato curioso que apesquisade stewartrevelaé que acrençaem Deus
é, geralmente,mais confusado que acrençaem Cristo. As crenças
acercado céu e doinferno são mais nebulosasdo que as crenças
a respeitodo certo e do errado. A maioria dos adolescentesenfrenta
o problemado conflito entre religião e ciência, mesmo no curso gi-
nasial ou colegial,massomenteum pequenogrupo sepreocupacom
o problemado bem e domal. Essa pesquisarevela de modo óbvio
a insatisfaçãodos adolescentescom a pobreza do ensino de suas
igrejas. Aqui estáo grandedesafioparapais e educadoresde todos
os tempos. Nesta época crItica da vida, se areligião não se torna
relevante para o individuo, ele tende a abondoná-lae substitui-la
por algo que julgue mais significativo. Se bemensinada,a religião
pode constituir-se fator ímportantíssímoem ajudar o adolescente
a atravessaressa crise e aencontrarseu verdadeiro destino como
filho de Deus.
A Religião do Adulto
Os estudosde psicologiaevolutiva, tradicionalmente,têm-selimi-
tado aos períodosda infância e da adolescência. Cremos que esse
.fato tem contribuIdo,de certo modo,para a formação de uma idéia
erradaa respeitoda evolução psicológica dohomem. Essa evolução
é um processocontinuo em todas as fases- davida. Em cadafase
da evolução psicológica dohomem,porém,há um períodoerítíco que
se reveste de maior importância, porque apresentacaracterlsticas
mais definidas e tlpícas. Outro fato reconhecidoé que há fases
mais aceleradasdessa evolução,semse perderde vista o fato de que
ela é contInua,desde aformaçãodo homem até a sua morte.
A vida adultaapresentamuitas facetasde grandeinteressepara
o psicólogo. Não se devesupor que o desenvolvimentopsicológico
do homemparena adolescênciaou na mocidade. A vida do homem,
desde asua formaçãoaté a morte, é um contInuoprocesso deajus-
tamento.
Do ponto de vísta de sua evolução psicológica, areligião do
adulto mereceespecialatençãoda partedo psicólogo. E,paraque se
tenha melhor compreensãoda dinâmica religiosa dessa idade, é
necessárioter-se uma visão geral das característíeaspsicológicasda
vida adulta.
Entre os psicólogoscontemporâneos,ninguémse tem preocupado
mais com esseassuntodo que Erik Erikson, Sua sugestivateoria
da evolução psicológica dohomem tem exercido enorme influência
no mundo moderno. Apresentaremos,a seguir, uma síntesedessa
teoria no que respeitaaos três estágiosda vida adulta de quefala
o citado autor,
o primeiro estágio,segundoErikson, .caracteríza-sepor Intimi-
dade eDístancíação. Depois que oíndívlduo alcançao senso desua
identidade,o que ocorrenormalmentedurante a luta psicológica da
juventude,ele podecresceremocionalmentee alcançaro queErikson
chama de intimidade. "A aproximaçãosexual é somenteparte do
que eu tenho em mente, porque.é óbvio que asintimidadessexuais
nem sempreesperampelo desenvolvimentode uma verdadeirainti-
midade psicológica mútua com outra pessoa."11 A amizade entre
adolescentes,'quasesempreinterpretadapelo mundo adulto como de
naturezasexual, tempapelimportanteno processo doestabelecimento
da identidade do índívíduo. "Quando um jovem não alcança essa
relaçãode intimidade com outros - e, acrescentaria,com seuspró-
prios recursosinteriores- na fase final da adolescênciaou na fase
inicial da vida adulta, ele pode isolar-se e manter, na melhor das
hipóteses,relações ínterpessoaís formaise exteriorizadas (formais
11. Erik Erikson. Identity and The Life Cycle, New York: International
Universitles Press, Inc , 1959, pág., 95.
ftJI
no sentidode lhes faltar espontaneidade,calor e real troca de ami-
zade), ou pode procurar essa intimidade em repetídastentativaae
repetidos fracassos."12
O contrário da intimidade é dístaneíação,que Erikson define
como sendo prontidão a repudiar, isolar e, se necessário,destruir
forças e pessoascuja presençapareçaperigosaao individuo.
Não se suponha que a distanciaçãopsicológica tenha apenas
aspectosnegativos. Não. Dentro de limites razoáveis, adistancia-
ção emocionalé sadia e, muitas vezes,nedessáriaà preservaçãoda
própria integridadedo individuo. A virtude estáem o homemadul-
to ser capazde manter relaçõesde intim1dadee, ao mesmotempo,
certa distânciaemocional. Talvez seja isso o queFreud quis dizer
quandoalguémlhe perguntouo que uma pessoanormal deveriaser
capazde fazer bem, e ele disse:"amar e trabalhar". Se um adulto
é eficiente nessasduas dimensões, podemos dizer quesua identidade
estáclaramentedefinida, "pois, quandoFreud disse amar, ele suge-
riu tanto a expansividadeda generosidadecomo o amor genital;
quando disse 'amar e trabalhar', indicou uma produtividade geral
que não preocupariaa pessoa aoponto de perderseu direito ou sua
capacidade de ser um individuo amoroso e capaz de atividade
sexual."13
Segundoa psicanálise,"genitalidade" é um dos sinais de uma
personalidadesadia.Erikson a define comosendo"a capacidadepo-
tencial de alcançaro orgasmo, emrelaçãocom um parceirodo sexo
oposto a quem seama". orgasmo,aqui, acrescentaErikson, não sig-
nifica apenasa descargade produtossexuais,mas a mutualidade
heterossexual,completasensitividadegenitale umadescargacompleta
de tensõesde todo o corpoo Há psicólogos queachamque orgasmo
é orgasmo,não interessao modo comoseja conseguido. Talvez de
um ponto de vista biológico, essa posiçãoseja defensável. Acredita-
mos, porém, que as funçõessexuaisno homem sãomais que pura-
mentebíolõgíeas. Nem toda descargade produtossexuaisé necessa-
riamenteorgasmoo Há condiçõesemocionaisnecessáriasa um ato
plenamentesatisfatório.
O segundoestágio da vida adulta, conforme a teoria evolutiva
de Erikson, é o que elechamade GeratividadeVersus Estagnação.
Erikson usa o termo "geratividade",em vez decriatividade ou
paternidade,porque seestáreferindo ao estabelecimentoda próxima
geraçãopor meio de genitalidadee genes. "Geratividade é prin-
cipalmenteo desejo deestabelecere guiar a próxima geração,se bem
que haja individuos que, por um infortúnio qualquer ou por causa
de dons especiais emoutras direções, não apliquem sua 'gerativi-
dade' à procriaçãoe, sim, aoutrospropósitoscriativos,queabsorvem
sua responsabilidadepaternal."14
12. Ido ibido, l'âg. 95.
13. Ido ibid., pâgo 96.
14. Id. ibid., pâg. 97.
....
Se o Indivíduo não alcançaessedesenvolvimentonesse estágio
da vida, ele tende aestagnare se torna eternoadolescente,ou, como
diz Erikson, "índívlduos que não desenvolvem'geratividade'quase
semprecomeçam a secomportar em relação a si mesmos como se
fossem seu próprio e único filho".lá
Convém notar, entretanto,que "geratívídade"não é apenasa
capacidadeou a possibilidade degerarfilhos e filhas, se bem que isto
seja importante. A idéia é mais geral e deveaplicar-sea todas as
áreasdas atividadescriadorasdo homem.
Integridadeversus Desespero é oterceiro estágio da vidaadulta,
segundo ErikErikson.
Integridade,em termos psicológicos, é aquelaconsistênciamoral
que dá ao homem o senso deunidadeou inteireza do seuser. li: o
que tambémse chamade autoconsistência. O senso deintegridade
preservaa unidade da pessoa, dá ao homem umponto central de
referênciapara todos os seusatos e lhe orienta a vida em torno
de propósitosclaramentedefinidos. Integridadepsicológica, no sen-
tido em que usamos o termo, é o mesmo que"purezade coração"na
linguagemde SorenKierkegaard. Purezade coração équererso-
mente uma coisa. Ohomem que consegueintegridadepsicológica
será "como o monte de Sião, que não seabala..." É o homem que
tem umcentrode lealdadesuprema,em torno do qualgiram todos os
seusatos e decisões. Ocontrário disso é o homem dividido, esquizo-
frênico, que desejamuitas coisas ao mesmo tempo e,na impossibi-
lidade dealcançá-las,torna-se frustrado, desiludido, amarguradoe
improdutivo.
Se, porém, o homem nãoalcançao sensode integridade,a alter-
nativa é o desespero. Note-se aqui que Eriksonnão usa a palavra
desespero nosentido Kierkegaardianodotermo. Para ele, "deses-
pero expressa osentimentode que o tempo é curto,demasiadamente
curto, para tentar outra vida e procurar outros caminhosa fim de
que alcance aintegridade. Esse desesperooculta-se,quase sempre,
por trás de umaatitude de repugnância,misantropiaou insatisfação
crônica cominstituições e pessoas - insatisfaçãoessa que, quando
não aliadaa idéiasconstrutivase a umavida de cooperação,significa
simplesmentea insatisfaçãodo indivíduo consigo mesmo."IG
Estas são, conforme ateoria exposta, aslinhas gerais da evo-
lução psicológica da vidaadulta. Note-se,entretanto,que setrata
aqui simplesmentede uma teoria e, como tal,funciona apenascomo
instrumentode trabalho. Não há dúvida, todavia, de que é uma
teoria altamentesugestivae capaz degerar várias hipótesestestá-
veis.
15. Id. ibid., pág. 97.
16. Id. ibid., pág. ss.
Do ponto de vista do desenvolvimento religioso do homem, se
bem que não queiramosestabelecerrigida distinção entre sua evo-
lução religiosa eapsicológlca,como sefossemáreasautônomasde
sua personalidade,podemos dizer, com LewisJosephSherr1ll, que o
papel por excelência da religiãoé ajudaro homemna formulação de
um conceito adequado da vida e do universo. Nestafase da vida
adulta - entre 30 e 50 anos de idade - o homemencontra-seno
processo de formulação desua filosofia de vida.
A formulação de uma filosofia de vida nãosignifica, necessa-
riamente, um sistemafilosófico que pretendaexplicar o universo.
セ simplesmentea maneira como determinadoindividuo interpreta
suaprópria história. Ou, como dizSherril, em seu livro TheStruggle
of the Soul, "a formuiaçâo de uma filosofia de vidarepresentao
esforço, daparte do individuo, para relacionar-senão meramente
compessoas, ou coisas, ou com a sociedade e o fluxo dos eventoshu-
manos, ou o mundo do adulto, mas, sim, com atotalidadede tudo
quantofoi, é ou será".17
Na formulação de uma filosofia de vida queobviamentecomeça
antesda vida adulta,Sherr1ll sugere que pelo menosquatro aspectos
devemser considerados. A esses aspectos o citadoautor chamade
níveís dêestruturado caráter.
Em primeiro lugar, temos a filosofiaadquirida, isto é, o signifi-
cado queaprendemosa dar à vida e ao universo. Essaé a filosofia
que "professamos"e "defendemos".
Em segundo lugar, temos a filosofiaespontânea,isto é, o sig-
nificado que damos ao universo eà vida como se nosapresentam
e como osenfrentamosno nosso viverdiário. セ nosso "estilo de
vida", no dizer de AdIer.
A seguir, devemosconsiderara formulação - queé a maneira
comonos interpretamosa nós mesmos ao nlvel dalinguageme pen-
samentoconscientes.
Finalmente,devemosconsiderara fórmula, quer dizer, opadrão
dinâmico decaráter que, na realidade, usamospara enfrentar os
problemas da vida.
A direção que a filosofia de vida de um individuoseguirádepende
grandementedo pressuposto básico sobre o qualé construido. Se a
fórmula básicapara determinadoindividuo é agressão, por exemplo,
sua filosofia pode seguir um de doiscaminhos. Ele podeinterpretar
o universo em termos desuahostilidadee seu perigoparaos valores
17. Lewls Joseph8herrlll, The Struggle oi the Soul, New York: the Mac.
Millan Company (1956), pâg, 101.
e interesseshumanos,ou podeinterpretarseu lugar no mundo em
termos de combatividade, isto é, da necessidade decombater algo
ou alguémcomo motivo principal davida. Do ponto de vista reli-
gioso, tal individuo tende a pensarem Deus comoameaçador,ciu-
mento evingativo. Sua religião,provavelmente,será de natureza
polêmica e eletenderáa ser intolerantee combateráidéias e cau-
sas sob opretexto de que o faz poramor e em defesa da verdade,
que, no caso, éapenasseu modo pessoal de ver as coisas.
Sherrill sugere três critérios de avaliação dograu de maturi-
dade de uma filosofia de vida: aprofundidadeda fórmula básica
que a originou, aintegridade ou incoerênciaentre a filosofia es-
pontãneae a filosofia adquirida,e a capacidadepara enfrentarrea-
lidades imprevistas.A profundidadeda fórmula refere-seao tipo ae
problema que essa filosofia estátentando resolver. A integridade
refere-seespecialmenteà relação entre a filosofia espontâneae a
filosofia adquirida de uma pessoa. "Integridadecompletaexistiria
se a fllosofiaadquirida de alguém coincidisseexatamentecom sua
filosofia espontânea. Nesse caso, o significado da vida que lhe foI
ensinado éexatamenteo mesmo quebrota espontaneamentedo mais
Intimo do seuser. E, assim, a filosofiaadquiridao ajudaa entender
a vida tal como ele a concebe, comsua própria estruturade cará-
ter." 18 Infelizmente,porém, alcançarintegridadeé algo difícil, pois
há constanteconflito entrea filosofia espontâneae a filosofiaadqui-
rida. O esforço comum do homem demeia-idade,'no sentido de
elaborarsua própria filosofia de vida, é umatentativa de livrar-se
das discrepânciasentreseu carátere sua filosofia, e assimalcançar
sua integridade. Quando essaluta existe, podemos dizer que oin-
dívíduo seestáesforçandoparaalcançarsua integridadee a unidade
do seu próprio eu.Esta filosofia deve capacitar o homem a en-
frentar o imprevisto. Sherrill ilustra esse ponto com aexperiência
de Moisés quando seencontroucom Deusna "sarçaardente". Aqui
temos o caso de um homem demeia-idadecom sua própria filosofia
de vida jáestabelecida.A certo ponto, esse homemencontra-secom
uma realidadeque vai deencontroà sua filosofia de vida. Resolve
aceitaro desafio de umachamadae, porque o aceitou,passaa ex-
plorar profundamenteuma realidadeque atéentãodesconhecia. "A
sarça ardente'representanossa confrontaçãona meia-idade com
fatos, condições ousituaçõesque não seenquadramem nossain-
terpretaçãoda vida. No momento dessaconfrontação,o homem
enfrentauma dastentaçõesmais sériasda existência:protegersua
paz de espírito,asseguradapor sua filosofia de vida,elaboradaantes
da experiênciada sarçaardente,ou apegar-sea um ponto devista
Inadequado da vida,procurandoafastarda mentequalquer coisa que
18. Id. ibid., pâgs. ]24. 125.
DA
não seenquadrena filosofia, preferindo,assim, asegurançade um
pobre porto, aos perigos doalto mar." 19
O papel por excelêncIada religião na vida adulta é, portanto,
ajudar o indivIduo na formação de uma filosofia de vida. Não se
deve esperar, entretanto,que a formulação dessa filosofia seja a
mesma para todas as pessoas,Há grande variedade de estilos, e
alguns deles podemser mais atraentesdo que outros, mas é diflcil
determinarqual o melhor. Sherrlll sugereseis níveis ou tipos de
filosofia, cada um com caractenstíeaspróprias, e advoga que um
nivel superior de ajustamentodepende do nivelou nIveis que o
precedem.
Filosofia de Dependência- Indívlduos dessaclasse não conse-
guiram libertar-sedo sensode dependênciade seuspais e de outras
pessoas. Tais índívíduos são confusos e, talvez, apavoradospelo
mundo com que sedefrontam,procurem um substituto paterno de
quem possamdepender. Nesse caso, aformulação de uma filosofia
de vida tem de ser realizada de modo que sepreserveo respeito
próprio, mas ao mesmotempopreserve-setambémo sensode depen-
dência. 20 No mundo político verifica-se que uma forma paterna-
lístíca de governoapelapara as massas,porque oferece aoindividuo
essarelaçãode dependência. Na esferareligiosa, notamosque essa
filosofia se expressade modo bemclaro na tradição católica em que
a Igreja se torna Mãe, o ministro se torna Pai e as doutrínasse
tornam infalíveis.
FilOSOfia de Funçãoou Papel - Conforme essa filosofia, oin-
divIduo se vê emfunção de determinadopapel que deveexercerna
vida. Por causado papel que elesentedeve desempenhar,pode ser
levado a rejeitar funções que deoutro modo seriam normais. Um
exemplo típícodessafilosofia é a vida monásticaou o celibato vo-
luntário. O índívlduo pode tornar-sefanático e intolerantena defesa
de suas convicçõespessoaisou da "causa" a que dedicousua vIda.
Filosofia de Julgamento- Os que professamessa filosofia são
índívlduos extremamentepreocupadoscom sua própria avaliação
moral. OrdinarIamente,tais índívlduosnão vêem em sisenãoo mal,
e quasesempresofrem de uma enfermidadea que sepoderiachamar
de autocondenaçãocrônica. Por outro lado, essafilosofiado julga-
mento pode produzir índívlduos que não vêem em sisenão o bem,
e que sofrem de auto-apreciaçãocrônica. Uma das atitudes típícas
do primeiro caso é a idéIa obsessiva de"pecado imperdoável". É
possível, pelo menossegundoa teoria freudiana, que essa filosofia
seja o resultadode mau ajustamentocom o pai do indivIduo. Agos-
19. Id. ibid., pãg, 127.
20. Id. ibid., pâg. 107.
tinho e Lutero são doisexcelentesexemplos desse tipo de filosofia.
O tipo que se elogiaconstantemente,ao contrário,pode ser otimista
em seu comportamento,mas, via de regra, é mais superficial. t
provávelqueseuexageradootimismoquantoà naturezaseja oresul-
tado de suasuperficialidadeou, talvez, de sua estagnaçãono cresci-
mento espiritual, ou que tenha praticado um ato de bondadeem
algumaocasião,dando-lhea convicção de queé real e permanente-
mente bom.
Filosofia de Psique - Essa fiIosofia tem que ver com oproblema
do crescimentoda consciênciade um "eu". O problemaé, aparen-
temente,ocasionadopela estagnaçãono processo dedesenvolvimento
do "eu". "O problema principal dessesindivíduos é que, aparente-
mente, eles não são capazesde se relacionar profundamentecom
qualquerpessoaou objetosfora de si mesmos e, ao mesmotempo,não
são capazesde se relacionarsatisfatoriamenteconsigo próprios."21
Pareceque arazãoprincipal por que elesnão podemmanterrelações
humanassignificativasé não estaremsegurosquanto à sua própria
identidade. Melancolia, apreensão,depressãoe desesperosão as
principais earaeterístícaspsicológicas dessa filosofia devida. Quando
a identidadedo "eu" estáameaçada,é possível que amentetrabalhe
de tal modo que umsistemaresulte dessaatividade Intelectualpela
qual o"eu" procuraexplicar-se. AIl filosofias baseadasnessasamea-
ças ao"eu" são ordinariamentede desesperoOU de onipotência. No
mundo filosófico, Schopenhaueré o representantetípico dessafilo-
sofia de desespero. Nomundo religioso talvez não encontremosme-
lhor exemplo do queSoren Kierkegaard,para quem "desesperoé
uma enfermidadeno espírito, no 'eu', enfermidadeessa queassume
tríplice forma: desespero denão ter consciênciade possuir um 'eu'
(desesperoimpropriamenteassim chamado),desesperode não querer
ser o que seé e desespero dequererser o que seé".22 ParaKierke-
gaardo homemé uma síntesedo infinito e do finito, do temporale
do eterno,de liberdadee de necessidade.Sendo asínteseuma rela-
ção entre dois fatores, quando assim consideramoso homem, con-
clulmos que elenão é o "eu" que potencialmentepode ou deseja
ser. A experiência espiritual de Kierkegaard, conseqüentemente,
ilustra muito bem o queKühn chamou "o encontro com o nada",
ou seja, a dolorosa experiênciado aniquilamentodo "eu", que, no
caso deKierkegaarde demuitos outros que tiveram uma experiência
religiosa profunda, foi algo extraordinariamenteconstrutivo,porque,
diante do "nada", resolveramdar o salto de fé, para que pudessem
encontraro seu verdadeiroe autêntico destino.
21. Id. ibid., pâg, 114.
22. ,SorenKierkegaard,The SicknessUnto Death (traduzidopor W.Lowrie).
Prlnceton: PrincetonUnlverslty Press(1941), pâg. 17, citado por Sherrlll.
op. cit., pâg'. 117.
100
Filosofia Materialista- "O individuo, porque Incapaz de serela-
cionar profundamentecom pessoas,aprendea relacionar-seprofun-
damente com coisas. Porque nãoencontrou profunda segurança
emocional emsuas relações com pessoas, ele aprocura no fisIca-
menteobjetivo."23
Em religião, essa filosofiaé tipicamenterepresentadanas várias
formas de ativismo relígíoso. O indivIduo temsemprede estarfa-
zendoalguma coisa, tem sempre deestarentreguea alguma ativi-
dade religiosa. Paraesseíndívíduo, a. atividade relígíosaé um fim
em si mesma.
Fllosofia de Relações - O nível mais profundo da experiência
humanaé sua relação com pessoas.A expansãodo "eu", que se dá
especialmentena adolescência,torna possível a inclusão de outros
em nossa vida. Aquiestáo segredo de relações pessoaissadiasque
marcamuma personalidadeequilibrada. Podemos dizer, semmulto
medo deerrar,que, se umíndívlduo não alcançaessenIvel de desen-
volvimento, dificilmente terá uma rellgiãosadiae criativa, pois reli-
gião é, acima de tudo, uma relação pessoal com Deus, relação essa
que sereflete em todasas dimensões de nossa relação com opró-
ximo.
A Religião da Velhice
Tudo que foi dito até agora, com exceção do terceiro estágio da
evolução psicológica dateoria de ErIkson,aplica-sede modo especial
ao índívíduo demeia-idade. Tentaremos,agora, falar mais parti-
cularmentedo homemna fase doenvelhecer.
Sabemos queenvelheceré um processo que, de fato, começa
quando seé gerado e move-seInexoravelmenteatravésde toda a
vida. No entanto,depois doscinqüentaanos de idade,ordinaria-
mente,o processoé acelerado. Várias mudançasocorrem na vida
do homemnessaidade. Essasmudançasse dãona vida f1sica, emo-
cional, intelectuale social. Do ponto de vistafisiológico, o homem
experimentamudançasnos sistemascardiovascular,digestivo,respi-
ratório e nervoso, todas elasCQm profundarepercussãono seu com-
portamentoem geral. A isolação social e a solldão a que a pessoa
idosa estásujeita,em muitos casos, égrandementeresponsável pelo
senso deinutilidade comum às pessoas idosas.
A religião podeser um dosfatores mais importantesna vida de
uma pessoa idosa nosentidode ajustá-laao processo doenvelhecer
e prepará-lapara enfrentaro fim de sua vida sem amargurasou
ressentimentos.
23. Lewls SherrlIl1 op. cit., pãg, 119.
101
SegundoSherrill, o problema central da velhiceé simplificação
que consistena habilidadede distinguir o mais importantedo menos
importante; relegaro menosimportantea plano secundárioe elevar
o mais importante ao centro de sentimento,pensamentoe ação.
Esta simplificaçãose dá em vários níveis. Há, por exemplo, a
simplificação do statussocial. Setomarmoso caso da família, veri-
ficamos que o indivíduopermanececomo pai, mãe,irmão ou irmã,
mas o significado dessa relação éconsideravelmente modificado.
A posição étambémalterada,na maioria dos casos, com aaposen-
tadoria, e o prestígio socialtende a diminuir. Há também a sim-
plificação física. O homemjá não é capaz decertasatividadesfísicas
e isso pode-seconstituir uma séria ameaçaao seu "eu". Muitos
desenvolvem a idéia de que sãoagora"tão bons comonunca", o que
é apenasuma tentativa de negar a realidade de que não podem
maís fazer o que faziamantes. Nessa idade, dá-se asimplificação
material da vida. Issoaconteceprincipalmentecom indivíduos que
desde cedona vida aprenderamque sua segurançaemocional de-
pende mais das relações pessoais do que da posse de coisas. Há,
finalmente,a simplificaçãoespiritual. Nessa fase o indivíduoaban-
dona tudo aquilo que nasua vida religiosa foi feitoapenaspor senso
do dever.Negativamente,estasimplificaçãopodedar-seem relaçãoa
doutrinas,deveres religiosos,freqüênciaà igreja,etc. Positivamente,
seria a preocupaçãocom os pontoscentraisdos valoresespirituaise
a tentativade tudo fazerparaconservarbem claro e bem ativo esse
centrode interesse.
Outro problemamuito sério da religião das pessoas idosas é que,
ordinariamente,ela seencontraestagnada.Estagnaçãoespiritual é
possível emqualquer estágio de desenvolvimento dapersonalidade,
mas podeassumirmaiores proporções nessa fase da vida. Arelígíão
dessas pessoas podetornar-secheia de ressentimento,contra Deus,
contraa igreja ou contraíndívíduos,especialmentede suafamília ou
líderes dascomunidadesreligiosas.
A religião pode serfator decisivo na vida das pessoas idosas,
especialmenteem prepará-laspara enfrentara significaçãoda vida
e a realidadeda morte. Uma religiãosadiaserá capazde ajudar o
homem a envelhecertriunfantemente. Ethel Sabin smith,em seu
livro The Dynamics of Aging, diz queestassão as leis doenvelhe-
cimento bem sucedido: acontinuidadepersistentedo "eu", signifi-
cando que o "eu" deve desenvolver-se rumoà maturidade; auto-
percepção,experiênciaque capacitaa mentea projetar-seno mundo
exterior e que resulta numa vida de atividade criativa; habilidade
de mudar e modificar-se; capacidadede adaptação:habilidade de
ter visão global da vida, queimplica na aquisição deuma com-102
preensãotanto da temporalidadequanto da eternidadeda vida.
A luz dessa visão, aexistênciahumanatende a ser vista como um
continuum mais ou menosindependentedo corpo sensoriale que
faz da realidadeda morte matéríasecundária.A fé de um homem
pode ajudá-lo na formulação de uma filosofia de vida quedeter-
minará sua atitude para com o seu próprioenvelhecere para com
sua própria morte. Ele poderá dizer com Victor Hugo: ·'Quando
eu descerà sepultura, afirmarei, como muitos outros: 'Terminei
meu dia detrabalho.' Mas não posso afirmar: 'Terminei minha
vida. I Meu trabalhocomeçaráde novona manhãseguinte. A tumba
não é uma viela; éuma passagemlivre. Fecha-seao lusco-fusco;
abre-seao romper da alva."
SUMARIO
A evolução da experiência religiosa está sujeita aos mesmos
príncípíos gerais da evolução psicológica do homem, visto quereli-
gião não é mero apêndiceà vida, porém parte integrante e vital
da personalidade.
Em cada fase da vida do homem, a religião temcaracterlsticas
tlpicas e cumpre determinadasfinalidades ou propósitos.
No estudo da religião dacriança,verificamos que ela éformada
à base das relaçõesinterpessoaiscom significantes outros, princi-
palmentecom seus pais, cujos valoresíntertorízano processo de so-
cialização. A principio, a religião dacriança pode ser apenasuma
questãode hábito,sem grandesignificação,mas depois podetomar-
se algoímportantíssímoem sua vida. As principais caracterlsticas
da religião dacriançasão: dependência,egocentrismo,antropomor-
fismo, ritualismo e curiosidade. As dúvidas religiosas dacriança
não podemser ignoradas,sob pena de se vir aperdê-la completa-
mente para a fé. A infância é o melhor tempopara se ensinar o
comportamentoreligioso, que, sedevidamenteaprendido, acompa-
nharáo homem atravésde toda a sua vida eserá fator importante
em todas as fases deajustamentode sua personalidade.
E na adolescênciaque o homemtransformaa experiênciareli-
giosa simplesmente"aceita" da infância em algo mais pessoal e
mais profundo. O adolescenteaprofundasua experiênciapessoal e
Deus passaa ter em sua vida significaçãomuito mais real. Areli-
gião do adolescenteé marcadapor grandeinteressesocial etambém
por preocupaçãode ordem moral. Essa fase da evolução religiosa
é marcadatambémpor profunda crise, que deve servista por pais
e educadorescomo potencialmentecriativa, por representaresforço
do adolescentepara transformarem sua própria espécie, por assim
1M
dizer, a religião que recebeu pormera tradição. Dependendodas
experiênciasprévias e do tipo de ambiente em que oadolescente
vive, essa crise podeagravar-seseriamentee, se não houver alguém
que possa reorientar o jovem, ele pode rebelar-secontra sua fé
ou pura e simplesmenteabandonarqualquerpreocupaçãocom prá-
ticas religiosas. Algunsvoltam quando a crise daadolescênciapas-
sa; outros encontramdiferentescentros de interessee nunca mais
voltam a praticar a religião que lhes foiimposta,porém quejamais
assimilaram. A religião bem ensinadae devidamenteassimiladaé
um dos fatores mais importantes nos ajustamentosemocionais e
sociais do adolescente,nessafase critica da vida.
Para o adulto, a religiãocumpre propósito muito nobre, qual
seja, o deajudá-lo na formulação de uma filosofia de vida que lhe
empresteas característícasde unidadee finalidade. A religião sadia
pode ajudar o homem aformular um sistemade vida e uma con-
cepção do universo que lhe dê osentido de integridadedo ser'e a
autoconsistêncianecessáriaa uma vida útil eprodutiva. Ela é capaz
de levá-lo à formação de umcentro de lealdadeque dará sentido
e direção atodas as suas ações. A religião do adulto,portanto, é
essencialmentepragmática e reflete sua concepção da vida e do
universo.
Paraa pessoa idosa, a religião devefuncionar como o elemen-
to que a ajudará a fazer a transiçãofinal da vida do modo mais
suave possível e sem ostraumasque tipicamentecaracterizamessa
fase daexistênciahumana. A religião da pessoa idosa quealcançou
integridade,e não o desespero, écaracterizadapelo processo cres-
cente desimplificação, que consiste em eliminar o supérfluo e pre-
servaro essencial e necessário. A pessoa idosacuja religião é real-
mente pessoal esignificativa tende a repetir o que alguém disse:
"O passadoé prelúdio."
104
Capítulo IV
Ft E DúVIDA
Fé Religiosa
A fé religiosa é um dosproblemasmais atraentespara o psicó-
logo da religião. O psicólogo,enquanto psicólogo, não discute a
lógica da fé,sua validade ousua veracidade. Cabe-lhe apenas a
tarefa de estudarcomo se forma, como se desenvolve e que funções
desempenhana vida do indivIduo.
Aparentemente,existe uma tendência geral para crer. Nem
todos crêemnas mesmas coisas, mas quase todoscrêem em alguma
coisa. Paul Johnsonsugere que as condições dacrençasão de dois
tipos: sociológicas e psicológicas.As condições sociológicasincluem
todas as influências resultantesdo contato com os grupos sociais.
Sabe-se, por exemplo, que em todos os grupos o indivIduoprocura
imitar o comportamentode pessoas queconsideraimportantes. "Fa-
zemos o que outros fazem,sentimoscomo outrossenteme pensamos
como outros pensam,porque desejamoscompartilhar de uma vida
comum e queremostomar-nosparte de um grupo social."1 As ati-
tudes,tradiçõese costumes, de gerações, recebem asançãodo grupo
e adquiremforça eautoridade.Portanto,podemos dizer comJohnson
que "cada geraçãotem comoponto de partida um depósítofunda-
1. Paul Johnson, op. cit., pâg. 181.
105
mental de crenças,aceitassem críticas, como axiomas e impostos
pelo consensogeral",« As condições psicológicas dacrençarefletem-
se em condições sociológicas, tais como o processo deimitação, o
fenômeno desugestãoe processossemelhantes.
O estudo psicológico da fé religiosa é,entretanto,extremamente
complexo,porque é muito difícil verificar se determinadoíndívíduo
tem ou não fé religiosa. Amaneiramais óbvia desaberse um índí-
vIduo tem fé religiosa,apesarde todos os seus defeitos como método
de pesquisa, éperguntarao próprio Indivíduo. Ampla pesquisa nesse
campo indica que a maioria dos homens crênalguma coisa e, de
certo modo, essacrença pode ser consideradafé religiosa. Vejamos
alguns exemplos dessaabundantepesquisa.
Em duas diferentes ocasiões,1914 e 1933, J.J. Leuba realizou
uma pesquisaentre homens de ciência nos Estados Unidos. Na de
1914 elesubmeteuum questionárioa mil cientistascujos nomes figu-
ram na publicaçãoAmerican Men 01 Science. Esses milcientistas
foram escolhidos ao acaso deuma lista de cerca de cinco mil e
quinhentosnomes. Nasegundapesquisa, elemandouo mesmo ques-
tionário paravinte e três mil homensde ciência cujos nomesfigura-
vam na edição de1933 da American Men of Science, da American
Sociological Society(1931) e do anual da American Psychological
Association (1933). Oquestionárioera sobre Deus e aimortalidade.
O pesquisadorescolheucientistasdosseguintesramos: fisica, biologia,
sociologia e psicologia, e conseguiurespostasde pelo menos 75% dos
homensde ciência a quemmandouo questionário.Baseado no con-
senso do mundo científico, Leuba classificou esseshomens como
grandescientistase cientistasmenores.Sua pesquisaindica que mais
ou menosmetadedesses revelamcrer em Deus, e mais dametade
crê na imortalidade.
Allport e seuscolaboradoresfizeram extensapesquisaentreestu-
dantes das Universidadesde Harvard e Radcliffe e notaram que
somente12%desses estudantesse consideravamateuse 20% disseram
ser agnósticos.Mais de dois terços dosestudantesque participaram
desseestudo crêem, deuma ou outra forma, na realidadede Deus
e nos valoresespirituais da vida.
Infelizmente,não temos dadosestatIsticossobre a fé religiosa da
populaçãobrasileira,senãopor denominação,isto é, sabemos onú-
mero de católicos, onúmero de protestantes,etc. Cremos,entretanto,
que a grande maioria do povo brasileiro tem alguma forma de fé
religiosa. Essaé uma áreade pesquisa queestá a reclamarinvesti-
gação mais bemcontrolada.
Pareceóbvio que a maioria dos homens tem alguma forma de
crença. Nem toda fé religiosa, entretanto,tem a mesmaprofundi-
dade e a mesmasignificaçãopara a vida do homem. Clark sugere
2. Id.ibid., pág. 181.
a existêncIade pelo menosquatro nlvels de crença,cada um deles
diferindo dos outrosnalgum aspecto mais ou menosrelevante.
O primeiro n1vel de crençaapresentadopor Clark é o que ele
chamade verbalismo do tipoestímulo-resposta(E-R). Essa forma
de crença,que Allport chamade "realismo verbal", começa adesen-
volver-se nosprimeiros anos de vida do homem.Para a criança,
dizer religião é religião, esuacrença estáligada à confiançamágIca
no poder depalavras. O mecanismo do processo deaprendizagem
aqui pode ser explicado pelo conceito derespostacondicionada(RC).
O adulto fala, e a repetiçãoda criança é acompanhadade recom-
pensa. O cultivo dessa fé, pelo menosnessafase inicial,não é muito
diferente da salivaçãoda famosaexperiênciade Pavlov, observa o
citado autor. Aparentemente,esse verbalismo em religiãonão se
limita à infãncia. Há muitos índívíduoscuja fé religiosa não vai
além deuma exposição verbal dedeterminadospríncípíose dogmas.
Essadiscussão verbal éuma das revelações deinfantilismo em reli-
gião. O verbalismo équasesempreabsolutamenteestéril e serve
apenasde exibição pessoal dosdebatentes. Nesse verbalismo, con-
funde-se a palavra com o ato ourealidadeque representa.
Apesar desuaaparentesuperficialidade,porém, esse tipo decren-
ça exerceprofunda influência na vida do índívíduo , Baseados em
certos príneípíosde aprendizagem,sabemos queessasrespostascon-
dicionadasda infância são diflcels de serextinguidas (extinção em
psicologia é o processo pelo qualuma respostacondicionadaé en-
fraquecidapela falta de reforço). Desde cedo acriança começa a
envolver o seupróprio "eu" em suacrença,e assim, de meroverba-
lismo, a criançapodechegara um nível mais elevado decrençacujos
efeitos podem serrealmenteduradourose benfazejosem sua vida.
O segundo nível de que falaWalter Clark é o de compreensão
intelectual. Esse é o nlvel em que o religiosointelectualopera, se bem
que nãose limite apenasao intelectual,diz Clark. Todas as pessoas
religiosas querefletemsobresuascrençase convicções têm queusar
a lógica e a razão até. certo ponto, em suatentativade compreendê-las.
"Convém lembrar, entretanto,que não importa quão
significativas as crenças religiosas intelectuais possam
parecer,elas não serelacionamnecessariamentecom a
vida do individuo. A razão pode e devedesempenharpa-
pel importante no processo da fé, porém nãogarantea
existênciade qualquernlvel além dointelecto."3
Parte da compreensãointelectual da crençaé alcançada,advo-
ga Clark, pelo método dialético de Tese, Antltese e Slntese, ouseja,
crença, dúvida e nova crença.
"A mentesegue suasaventurasteológicasatravésda
recepção da verdade, da dúvida a respeito dessaverdade
e da formaçãode uma nova compreensão, que incluitanto
ll. verdadeparcial de origem como aprópria dúvida." 4
------
3. Walter Clark, op. cit., pág. 222.
4. Id. ibid., pãlJ. 222.
107
.. --- ------,
o terceironlvel de crençaapresentadopor Clark é o de demons-
tração atravésdo comportamento.Nesse nlvel, as ações dohomem
falam mais alto do quesuas palavras. De fato, quando o homem
demonstrasua crença religiosa através de seu comportamento,ele
não se preocupamuito comsua expressão verbal ousua compreen-
s).o intelectual. Convémnotar, entretanto,que a simplesprática de
atos religiosos não éprova da existênciade fé religiosa. Esse com-
portamentopode sersimplesmenteo resultadoda formação de há·
bitos atravésdo processo decondicionamento.
Temos,finalmente,o nlvel deintegração.A3, três formas decren-
ça acima mencionadassão apenasexpressõesparciais. "Uma crença
torna-se absolutamentesalutar quando a convicçãoverbalizadaé
bemcompreendida,atravésdo pensamentocritico e criativo, e o todo é
bem integrado com o comportamento,formando uma configuração
perfeitamenteconvincente,mesmo aoobservadormisantropo. O ver-
dadeirosantotem apelouniversal. Poucos podemresistir à bondade
de Schweitzer, e mesmo os inimigos deGandhi admitiam a sua
sinceridade."li
Mais de uma vez,servindo-nosdo valiosotrabalhode Clark,pas-
saremosa considerara diferençaentre a crençareligiosa e a féreli-
giosa. Aoleitor pode parecerque setrata apenasde uma diferença
de ordem técnica, mas não é somenteisso. Há implicaçõesmais
profundas,como veremos aseguir. "Crençaé um termo mais está-
tico e não sugereuma forte e positiva atitude emocional para com
o objeto e a proposiçãocrlda."6
Mera crença,portanto, é o tipo deatitude que pode ounão ter
relação com o comportamentodo indivIduo. Fé, poroutro lado, é
um termo mais dinâmico. Sugere umarelação Intima e fervorosa
num impulso a alguma forma de ação. A frase "fé em Deus"não
quer dizer apenasuma crença verbal nele, mas uma lealdadeque
subentendedeveres daparte do que crê. Outrossim, otermo fé
indica um elementode riscopara aquele que crê. "Nãohá qualquer
risco envolvido em minha crençade que choverá amanhã,pois de
qualquermaneiranão fará grandediferençaparaa minha vida. Mas
com respeitoà minha crençaem Deus, ao nIvel daintegraçãoacima
mencionado,há uma diferença. Visto que eu não seirealmentese
Deus existe"como sei que 2+ 2 = 4, segue-seque qualquercoisa que
eu faça baseadonessapressuposiçãoé uma espécie deinvestimento
arriscado. Minha fé põeminha vida em Jogo."'1
Estabelecidaa diferença entre crença e fé, pergunta Clark:
"Como a crença torna-se fé?" Admitindo as inevitáveis diferenças
s. Id. ibid., pAgo 223.
6. Id. ibid., pâg, 224.
7. Id. ibid., pA.g. 225.
108
individuais, o que quer dizer que nem todos seguirãonecessariamentea
mesma linha, Clark sugere asseguintes hipótesesquanto a essa
transformação:
1) O amadurecimentogradualdo individuo, especialmenteatra-
vés dasinfluências da famUia. O ambiente sadio da fam1lla e a
influênciapositiva dos pais e dosmaiores são fatores decisivos nessa
transformação.Sorokln, citado por Clark,observou,emseusestudos,
que43'% dossantosdo catolicismo vieram defam1llas altrulstas,isto
é, fam1llas que deram aos filhos o ambiente adequado a seudesenvol-
vimento espiritual. O mesmo é verdade de quase70% dossantosque
Sorokln estudouna Igreja Ortodoxa Russa. Conforme esse estudo,
cerca de43% dossantosforam encaminhadosna sendade santidade
por influência dos pais ouparentes.
2) A crença de alguém podetomar-se fé atravésdo exemplo
vivo de uma pessoa. É muito provável que o exemplo de Estêvão
tenha sido um dosprincipais fatores na experiência religiosa de
Paulo deTarso. Ainda usando exemplos doestudo de Sorokln, no-
tou esse pesquisador que quase28% dos santos que ele estudou
foram Influenciados porpessoas fora do circulofamillar.
3) As instituições podem tambémcontribuir para transformar
eJnfé a crença de uma pessoa. Sorokin observou que29,2% dos
santosque ele estudou foramgrandementeinfluenciados pelaIgreja
ou pelo mosteiro a quepertenciam. É verdade que as instituições
estão intimamenteligadas à vida dos indivlduos que as dirigem e
constituem. Nessesentido,portanto,podemos dizer que ainfluência
aqui ainda é grandementepessoal. Note-se também quehá cir-
cunstâncias'em que as instituições são mais efetivas nainfluência
quevenhama exercer sobre o individuo. Por exemplo, o novoardor
de um movimento, como a OrdemFranciscanaou Jesulta,o Rearma-
mento Moral ou a Renovação Espiritual, pode produzir mais fé noíní-
cio do movimento do que com opassardo tempo. Sabe-se que o neo-
converso excede em fervor osmais antigos nacrença,sejaela religio-
sa, pol1tica ou de qualqueroutra natureza.
4) Talvez o acontecimento maisdecisivo na transformaçãoda
crença em féseja a experiência mística da conversão religiosa. O
homem comum podeter um tipo de fé razoavelmentemarcante,sem
essa experiênciadramática,eonseguídasimplesmenteatravésde um
processonatural de amadurecimentode sua experiência religiosa.
Mas as personalidadesmais marcantesdo mundo religioso tiveram,
nalgumaocasião, essaprofundaexperiência de conversão.Sorok1n
verificou queentre 30 e 57% dossantosdo cristianismo experimen-
taram alguma forma de conversãodramática.
5) Há também a possíbtlídade deque certas crises e experiên-
cias traumáticasna vida contribuampara a transformaçãode mera
crençaem fé viva e vitalparao homem. É verdade que as reaçõesin-
dividuaisparacom as crises e experiênciastraumáticasvariam muito,
109
de acordo com aformaçãoe experiêncIapréviasdos indivlduos. Para
alguns, elas podemresultar em fortalecimento da fé; para outros,
podem significar o enfraquecimentoou até mesmo aperda da fé.
Paraexplicar os efeitos deletériose os efeitosbenéficosdos trauma-
tísmos,Sorokin aventoua hipóteseda existênciade uma"lei de pola-
rização", segundoa qual asociedadeé compostade poucosheróis e
santos,de um lado da escala, e depoucos criminosos,psicopatas,do ou-
tro lado. A grandemaioria é compostade indivlduos relativamente
bem comportados,que facilmente se ajustam aos padrõesda socie-
dade. Acontece que, em face deuma crise, essa classeneutratende
a gravitar em torno de um dos pólos. Dal por que, nessesmomentos
crttícos, unspraticamatos de corageme desacrifício que emoutras
circunstânciasjamais praticariame outros se tornam problemasso-
ciais, o quetambémnão aconteceriasem estascircunstânciastrau-
matizantes.
6) Finalmente,Clark sugere que a crença pode ser transfor-
mada em fé atravésda escolhapessoal. Não ha dúvida de que há
um aspectovolitivo no ato de crer. Él verdade que a vontade do
homem é condicionadapor vários fatores sócio-culturais,mas, mes-
mo assim, podemos dizer que énecessárioquerer para poder crer.
William Jamesescreveu, em1896, interessanteensaiosobre esse as-
sunto, sob o título, The Will to Believe (HA Vontade de Crer"),
cuja leitura recomendariamosao leitor interessado.
Vimos,então,que doponto de vista psicológicohá diferençaentre
crençae fé. "A fé podeincluir a crença,mas éuma experíêncíamulto
mais amplado que meroassentimentointelectual. A fé nãose limita
a determinadoaspectoda personalidade,mas é, antes, a intenção
dinâmica da personalidadecomo um todo."8 O homempode mudar
de crença,mas de fé, nosentido em que estamosusandoo termo,
não muda. O ato de fé, como novonascimento,como a experiência
que coloca ohomemnumanova relaçãocom Deus e com o universo,
tem caracteristicasde irreversibilidade. Ela pode estagnar,como
qualqueroutro aspectoda evolução psicológica ou fisica do homem,
mas, serealmenteaconteceu,sempreexistirá.
Parao psicólogo, um dosaspectosmais importantesda fé são as
funções que eladesempenhana vida do homem. Paul Johnsonsu-
gere cinco dessas funções, quepassamosa considerar.
1) Pela fé, ohomem explora o desconhecido. A fé no desco-
nhecido nos leva a descobri-lo, diz ocitado autor. Talvez um dos
exemplos mais típicos dessafunção da fé seja ilustrado com a expe-
riência dos heróis registradosno capitulo 11 da Epistola aosHebreus.
Aqui temos oregistrode atosextraordinários,todospraticadospela fé.
2) A fé cria valores que,apesarde ínvísíveís,condicionama vida
do homeme da sociedade.
8. Paul Johnson,op. cit., pág. 200.
110
3) Tem a capacidadede unir os homensem tomo de objetivos
comuns. Toda união e cooperaçãosurgem da comunidadede fé.
Se não acreditamosnos mesmos valores,não poderemoslutar juntos
por eles, observaJohnson.
4) A fé podereduzir as tensões davida. Certo nlvel detensão
podeser altamenteconstrutivo,mas,depois dedeterminadonlvel, as
tensões podem serprejudiciais. É aqui que a fé podeajudar o ho-
mem a manter-seemocionalmenteeqaílíbrado.
5) Finalmente,a fé funcionacomofator de integraçãoda perso-
nalidade. O ser humanoé altamentecomplexo sobqualquerângulo
que o consideremos.Vários fatores militam contra sua unidade e
tentamimpeciir que ele funcione como um todo - como umorga-
nismo. A fé criativa podeserum dosfatoresmais positivosna inte-
graçãoda personalidadedo homem.
A Dúvida Religiosa
Intimamenteligado ao problemada fé está o problemada dú-
vida religiosa. A dúvida é parte integral do desenvolvimentoreli-
.gíoso do homem, bem como de todo o processo evolutivo desuaper-
sonalidade. Ao que tudo indica, aprópria finitude de criatura hu-
manafaz da dúvida umaexperiênciainevitável. No dizer deJohn-
acn, ela é "uma dolorosa perplexidadeque confude epertuba a
mente. Como rejeição negativa da crença antes aceita, a dúvida
se rebelacontra a autoridade,traindo e abandonandoa tradiçãoes-
tabelecida.A inquietaçãocausadapode apresentarsintomasde pro-
funda tristeza, insegurançae falta de confiança misturadascom
sentimentosde culpa. A dúvida, comoatitudepersistente,pode levar
o homem à indiferençae ao desespero, queconstituemobstáculo a
qualqueração construtiva e tornam Impossívelos empreendimentos
criadores. "9
Dal por que secondenaa dúvida e se lhenega o devido lugar
na evolução religiosa dohomem. Em certos ambientesreligiosos,
duvidar é pecado. Prefere-seo hipócrita ao homemhonesto,que
fala desuasincertezas. Qualquerministro de religião sabe que,quan-
do o membro desuacongregaçãovem falar-lhe sobre assuntosde fé
e traz no peito uma dúvida, amaneira de começar aconversaé:
"Gostariade lhe fazeruma pergunta. Não é que eutenha dúvida,
mas... gostaria de ser melhor esclarecido sobre oassunto." Nos
coneílíos deordenaçãode ministros,ordinariamente,faz-se a célebre
pergunta:"O senhoralgum dia duvidou desuachamadadivina para
o ministério?" Via de regra,a respostaé "não". Seráque ministros
não têm dúvidas ou é quesabemque se foremhonestosem sua res-
postanãoserãorecomendados?
A dúvida, entretanto,cumpre uma função muitoimportantena
evoluçãoespiritual do homem. Diz Johnsonque ela põeà prova a
9. Id. ibid., pág', 187.
111
presunçãooca edesafiaa hipocrisia jactanciosa. Leva o homem à
investigaçãohonesta, revela erros tradicionais e exige a correção
dos mesmos.Estimula a discussãoe a troca de opiniões que possí-
billtem o progressona busca da verdade.
Pais e educadoresdeveriamusar a experiênciada dúvida como
grandeoportunidadepedagógica. Mera repressãopode criar hipó-
critas, conformistasou incrédulosrebeldes, mas os queduvidam com
inteligência podem desenvolversuapersonalidadeharmoniosamente.
"O problemada dúvida é sabercomo duvidar inteligentementee não
às cegas, pois adúvida cega é tãosupersticiosaquanto a fé incons-
ciente. A dúvida esclarecidaé aquelaque estámais interessadaem
aprenderdo que emargumentarou defendercertos preconceitos.A
dúvida honestasignifica a corajosaautocrítíca,que desfaz aindife-
rençae o cinismo. A dúvida inteligente admite que a crençapode
ser reafirmadacomo a contraparteda negaçãoe persisteem buscar
a verdadeque desejaafirmar."10
A dúvida religiosa pode ocorrer em qualquer idade, mas é mais
freqüente na adolescência. Starbuck estudoueste problema entre
jovens de ambos os sexos enotou que 53% dasmulherese 79% dos
homensdisseramter tido o problemade dúvida a respeito da reli-
gião entre os onze evinte e seis anos. A mesmapesquisarevelou
que nasmulheresessadúvida ocorremais cedo do que noshomens.
Isto se explica, talvez,à luz do amadurecimentoda mulher que, como
se sabe,é mais rápido do que o dohomem.
Nem toda dúvida religiosa tem a mesmaprofundidade,as mes-
mas causase produz os mesmosefeitos. Há um tipo dedúvida que
é mero escapismo,especialmentena esferada responsabilidademo-
ral do individuo. Obviamente,esta atitude é negativa e deve ser
combatida. A dúvida honestabusca melhor compreensãodo pro-
blema que a suscitoue encontrasua respostana luta e no esforço
conscientepara descobriruma solução, enão na fuga da realidade.
ESSetipo de dúvida podeser comparadoao métodocritico de análise
da realidade. Sem espírito critico, nuncasaíríamosdas formas ele-
mentaresdo pensamentoinfantil. Mas a critica que constrói é
aquelabaseadano desejo demelhoraraquilo quecriticamos. Criti-
camos porqueamamos. O mesmo podemos dizer comrelação aos
aspectosposítívos dadúvida - duvidamosporqueamamos- porque
queremosrelacionar-nosmais profundamentecom o objeto de nossa
crença.
O nível de inteligência de uma pessoa temmuito que ver com
sua capacidadede duvidar, pois.paraque o individuo possa fazê-lo,
é necessárioalcançarprimeiro certo n1vel de amadurecimentointe-
lectual. Isso não quer dizer que na experiênciada dúvida haja
apenaso fator intelectual. Não. Na dúvida pode haver, e freqüen-
10. Id. ibid., pâg, 189
112
tementehá,um elementoemocional, mas o aspectointelectual é
muito mais claro epredominante.
outro fator a consideraré o ambiente em que o indivIduo é
criado. Se é criado num ambienteque condenao セーiイゥエッ crítíco,
provavelmentese tomará conformista pelo menos até o tempo
em que tenha sua própria vida ou sua independência. Por outro
lado, se crescenum ambienteem que a dúvida éentendidacomo
parte do seu crescimentoespiritual, á probabilidadeé que alcance
uma experiênciareligiosa amadurecida,de grandevalor para a sua
vida.
Ao que tudo indica, o sexoé outro elementoa considerarno es-
tudo empíríeo dadúvida religiosa. Sabe-se, por exemplo, que as
mulherescomumentesão mais religiosas do que oshomens. Seria
de esperar,portanto, que a dúvida religiosa fossemais freqüente
entre as mulheresdo queentre-os homens. Mas essenão é o caso.
Em súa pesquisa,Starbuckencontroudúvida reügíosaem 53% das
mulherese em 79% dos homens por eleestudados. Em face desses
resultados,Starbuckconcluiu que oshomensdiferem das mulheres
não somenteno fato deduvidar mais freqüentemente,mas também
quanto às origens e, talvez,à própria qualidade de suas dúvidas.
Segundo os dadosdessa pesquisa, 73% doshomensdisseramque o
processo de educação foiuma das causas desuadúvida, enquanto
somente23% das mulheres admitem amesma causapara o seu
problemareligioso. Entre as mulheres,47% atribuíramsuasdúvidas
a "causasnaturais", enquanto somente15% doshomensadmi-
tiram tal origem para as suas. Esse fato sugere, diz Clark, que as
dúvidas doshomenssão maisfreqüentementeo resultadode consi-
deraçõesracionais.
Em seu famoso livro TheIndividual and Bis Religion,Allport
tem umcapítulosobre anaturezada dúvida. A leitura desse capItulo
é indispensávela quantosquiseremestudaros vários aspectos psico-
lógicos desseproblema. Allport fala de várias causasda dúvida
religiosa. Entre elas,mencionaremosas seguintes:
1) Dúvidas associadascom as violações deauto-interesse.
Trata-se aqui do problema da substituição das formas infantis da
religião por formas maisampías.capasesde transcenderos interesses
imediatos do individuo. Ela surge aí porque essas formasinfantis,
apesarde infantis, são preciosas aohomem e podem oferecer-lhe
certosenso desegurança. Valerá apenaarriscaruma substituição?
Essa é a questão. Psicólogos deinclinação psicanal1tica explicam
essadúvida como sendo um mecanismo de defesa,muitas vezesusa-
do paraprotegera integridadedo individuo.
2) Limitações da religiãoinstitucionalizada. Não há dúvida
de que a religiãomstítucíonalísadatem pontosaltamentecriticáveis.
A:!. guerrasde religião representamum dos espetáculos maistristes
na história da humanidade. A perseguiçãoe morte de milhares de
homens e mulheres, incluindo inocentes crianças, levanta dúvidas
na mentede qualquerpessoahonesta. Essaforma de dúvida é tlpica
de jovens, quemuitas vezesadotamos princípios fundamentaisda
.fé e rejeitam as instituiçõesreligiosas. Parenteticamente,poderia-
mos repetir aqui a distinção entre fé e crença (crença,nessecaso,
seria sinônimo de religião ínstítucíonalízada), e fazer ousadaafir-
maçãode que em nome demera crençamuito sanguetem sido der-
ramado,porém em nome da fénuncase matou ninguém. Quando
odiamoso nossopróximo e o perseguimose o destruímos,não o fa-
zemos emnome da fé,e, sim, em nome demera crençaínstítucíona-
Iízadajque, por suanaturezasuperficial,não é capazde nos levar a
amar o próximo como a nós mesmos.
3) Uma dasdúvidasreligiosasmaissériasé aquelacausadapela
compreensãode quemuitas vezes a vidareligiosa parecemais uma
expressãodas necessidadeshumanasdo que deinteressesrealmente
espírttuaís e eternos. Será que há, de fato, na religião, algo
mais do que asatisfaçãode certasnecessidadesemocionaisdo ho-
mem? Seráque Freud tinha razão quandodisse que aidéia de Deus
é apenasa imagem de nossopai e que, portanto, é ilusória? Pode-
mos dizer com Schleiermacherque o sentimentoreligioso resulta de
nosso sensode dependência?São essas asdúvidas que surgem na
mente de muitos intelectuais de nosso século,especialmenteentre
as geraçõesmoças. Nãoexistem respostasabsolutas,isto é, válidas
para todos os casos.Cada um tem de encontrarsua respostapara
esseproblema.
4) O aparenteconflito entre religião e ciência é causa fre-
qüentede dúvidasna mentede muitos. A atitudecientlfica, em prin-
cipio, opõe-seà idéia de verdadese certezasabsolutasque a religião
proclama. Conseqüentemente,quando o individuo procura uma ex-
plicação científica para certos aspectosde sua fé, esbarracom um
problemaque podelevá-lo a sériasdúvidas ou até mesmo aoaban-
dono da posiçãoreligiosa. Isso não significa, entretanto,que haja
incompatibilidadeentre ser religioso eser cientista. Todo o proble-
ma consisteem fazer-sea diferençaentre a explicaçãocientífica do
universoou a atitude cientlfica do exameda realidade,e a interpre-
tação religiosa do mundo e a atitude religiosa perantea vida.
5) Finalqlente, outra causa freqüente de dúvida religiosa é a
linguagemusadana religião, ou seja, o problemasemântico. Sabe-
mos que alinguagem,apesarde sua grandeímportâneía,é um ins-
trumento bastanteimperfeito de comunicação. O problema não é
só a imperfeição da linguagem em si, mas,sobretudo,a tentativa
ingênua de interpretá-la literalmente. O literalismo na interpre-
tação da linguagemreligiosa é uma das principais fontes de dúvida.
Tomemos um exemplotípíco paraos queconhecema Biblia - a luta
de Jacócom o anjo,conforme a narrativado capitulo 32 do livro de
....
Gênesis. se,ao invés detentarumaexplicaçãoliteral dessanarrativa
b1blica, procurássemosentenderque, a certo ponto de suaperegri-
naçãoespiritual, Jacóteve uma experiênciacom Deus que modificou
profundamentesua vida, o problemaseria consideravelmenteame-
nizado. Mas tentaruma explicaçãoliteral torna o assuntoextrema-
mente delicado. A narrativa da criaçãonos primeiros capítulos do
livro de Gênesis é outro exemplo tlpico. Se, ao invés deadmitir-
mos que aquitemos.emlinguagemaltamentefigurada,ainterpretação
religiosa (não cíentíüca)das origens dohomeme do universo,insis-
tirmos numa interpretaçãoliteral dessanarrativa, estamos, talvez,
com a melhor das intenções,provocando um clima de conformismo
estéril, se não devergonhosahipocrisia.
A dúvida religiosa que nãoencontrauma soluçãoadequadapode
levar o homem auma atitude cética ouateísta.
Somos dos que crêem quehá ateus, isto é, indiv1duos que não
têm umafé religiosa. Eles podem crer emmuitasoutrascoisas,mas
sua fé não tem por objeto algonecessariamentereligioso. li: possível
que tenhamalgum Absoluto, mas esse Absoluto nãoseránecessaria-
mente transcendental.Cremos também que o homemaprende a
ser ateu assim comoaprendea comportar-sereligiosamente. Em
outras palavras, o ateísmo tem causasdo mesmo modo que a fé
religiosa ou aatitude cientlfica. Em seuimportantelivro, Psicologia
da Religião, Paul Johnsonapresentavárias causas do ateísmo, que
passaremosa considerar.
1) Revolta contraa autoridade. Essateoria é tipicamentefreu-
diana e explica o fenõmenoà luz do complexo de Édipo. DizJohn-
son que o filho queentraem desacordo com seu paitendea repudiar
a Deus - comoforma de rebeliãocontra o próprio pai. Freud,no
seu já citado estudo sobreLeonardoda Vinci, faz a mesmaafirma-
ção. Essaatitude reflete-sede modocaracterístíconos movimentos
revolucionáriosem que rebeldesgritam "Morte a Deus", pois,para
eles, Deusé o símbolo da autoridadeque desejamexterminar.Talvez
um dos exemplos mais típicosdessaafirmação seja a experiência
russa. A rejeiçãodo tzar significou tambéma rejeição do Deus que
ele representavapor séculos. Dal apropriedadeda afirmação de
Johnson:"O ateísmo, comopartido organizado,estásempreassocia-
do à rebeliãocontra a autoridadetirânica e representauma compe-
tição na luta pelo poder."11
2) Outra causado ateísmo, dizJohnson,pode ser a busca da
satisfaçãode necessidades do"eu". Conforme ateoria de Freud,
Aqui temos odrama do id em luta contra o superego, queprocura
abafá-lo. Nessedrama,o "eu" procurafirmar-see encontrara satis-
fação1e suasnecessidades.ParaAdler, o que temos aqui é aluta do
"eu" embusca depoder. Nietzscheé um bom exemplo desse conflito.
11. Id. ibid., vago 183.
115
seuataqueao cristianismoé visto por muitosintérpretescomo com-
pensaçãodo seu complexo deinferioridade. Em seu famoso livro,
Assim. Falou Zaratustra,Nietzcheconfessa: "Quero revelar-vosintei-
ramenteo coração,meus amigos; seexistissemdeuses, comopoderia
eu suportaro fato de nãoser Deus? Portanto,não existemdeuses!"
Com bastantepropriedade,Johnsonobserva: "Obviamente, a con-
clusao dessainferêncianão é lógica, mas psicológica -umaconclusão
que visa asatisfaçãodo ego e não dasregras do silogismo. Assim,
o ateísmo podenutrir o ego, fugindoà inferioridade e revestindo-se
de falsa superioridade... Deus é assimsacrificadono altar da pre-
sunção."12
3) A projeção pode sertambém uma dascausasdo ateísmo.
Projeçãoé outro conceitofreudiano e significa a tentativa de fugir
de uma responsabilidadepor atribuir a outrem a culpa pessoal.
Uma forma típica dessaprojeçãoé atribuir a Deus a culpa de nossos
erros ou de nossos fracassos. Foi Deus que me criou,portanto...
outra forma dessaprojeçãoconsiste emsimplesmentenegar a exis-
tência de Deus ou aimortalidade. Se não há Deus enem imorta-
lidade, por quepreocupar-secom moralidade? É uma forma muito
simples de escapismo.É provável que amaioria dos ateuspertença
a essacategoria. São ateus não porque Deusseja uma impossi-
bilidade lógica, mas porque apresençade Deus emsuas vidas lhes
seria extremamenteincômoda.
4) Finalmente,a racionalizaçãopode ser acausado atelsmo.
O ateu ordinariamenteargumentaque a fé em Deus éapenasa ex-
pressão do desejo de que ele exista.É interessantenotar que o
ateísta,que condenaa fé religiosa em basesracionais, ordinaria-
mentecombate a fé comtal ardor que claramentereflete o elemento
emocional desua posição atelsta. Apesar disso,concordamoscom
Johnsonquando diz que oateu tem direito a suascrenças,do mesmo
modo que aquele que crê em Deus, e deve sertratado com igual
respeito,dentro do prisma da honestidadee sinceridadede suascon-
vicções e conclusões pessoais.
Procurandodeterminar as influências sociais quecontribuiram
para o ateísmo de certos indivIduos,G.B. Vetter e M. Green fize-
ram importantepesquisa, que foipublicadano periódico TheJournal
01 Abnormal and Social Psychology, Vol. XXVII, 1932-1933,PP.
179-194. Joh,nsonsumaria esseartigo como segue: Osautoresdís-
tríbuíram questionários entre seiscentosmembros da Associação
Americanaparao Desenvolvimento do Ateísmo.Receberam350 res-
postas, 25 das quais foramdadaspor mulherese foram eliminadas
pelos pesquisadores. O estudo foi feito,portanto, com 325 ateus.
A pesquisa revelou que82,5% dos pais desses indivIduostinham
alguma afiliação religiosa. Osjudeus e os metodistascontribuíram
12. Id. ibid., pâg'. 183.
116
com o maior número de ateus. Para determinara influência reli-
giosana vida desses individuos, ospesquisadoresprocuraramverificar
o grau de intensidadereligiosa dos seuspais. O quadro abaixo de-
monstra a intensidadede atividade religiosa dos pais dessesindi-
víduos:
Grau de intensidadereligiosa
Rigorosos .
OCasionais .
Negligentes .
Sem religião .
Pai Mie Média
33 40 37
24 30 27
19 19 19
25 11 18
Observa-seaqui que amaioria dos paiseram religiosos dacate-
goria "rigorosos" ou "ocasionais" (57 pais e 70mães),enquanto
os "negligentes"e os "sem religião"perfazemapenas44 pais e 30
mães. Na opinião de Johnson,"isso indica que essesateusse rebe-
lavam, em geral,contra a crençade seus pais mais do que aaceita-
vam, e dá também evidente apoio (sic) ao emprego dateoria do
complexo de!:dipo na explicação datendênciaa identificarDeus com
o pai, na revolta contra a autoridade."13
A perdade um dos pais, ou de ambos, éoutro fato no ateísmo
dos indivIduosestudadospor Vetter e Green. Dos que sehaviamtor-
nado ateusmais ou menos aosvinte anos de idade, cerca dametade
havia perdidoum ou ambos os paisnessamesmafaixa etária. Disso
deduzimos, observaJohnson,que, se Deus foiidentificado com o pai
que morreu, houve,conseqüentemente,uma perda de fé, ou talvez,
a fé num Deus bom ejusto foi, provavelmente,abaladapelo trágico
acontecimentoda morte de um dos pais ou de ambos. A nosso ver,
o argumentode Johnson,especialmentena sua primeira parte, pa-
dece de sériodefeito. Se é essaidentificação que me fazrejeitar
a idéia de Deus, como se explicaentão que o desaparecimentodo
elementocontra o qual eu me rebelo vaiproduzir tal situação?Pelo
contrário, Deus deveriaser meu aliado, agora que elematou meu
adversário.
A pesquisade Vetter e Green revelatambémque uma infância
ou adolescênciainfelizes podem ser acausado ateísmo. O mesmo se
dá comrelaçãoàs idéias pol1ticas de muitos indivIduos. Em geral,
pessoasradicais em suasposições ideológicastiveram alguma expe-
riência traumáticana infância ou na adolescência. "Es$efato re-
13. Id. ibid., pago 18S.
117
força o ponto de vista de que ascrençashumanasnão são meros
julgamentosintelectuaisou racíoctníosabstratos,mas sãoexistenciais
no sentido de abrangertoda a vida e têm fortescomponentesemo-
cionais esociais. A pessoa crêreligiosamentecom todo o seu ser, in-
cluindo suasrelações com outrosIndivíduos."14
A dúvida religiosa é quasesempremotivo de intenso sofrimento
moral da parte de índívlduosprofundae sinceramentereligiosos. O
conflito religioso, segundo Clark, pode ser detrês tipos: conflitp entre
crença e dúvida, conflito delealdadea duas idéias religiosasdife-
rentesou antagônicase conflito entre uma vocação religiosa e uma
vocaçãosecular.Qualquerque sejaa forma de conflito religioso que
o homem experimente,ele é sempre extremamentepenoso para o
índívíduo , Cremos,entretanto,que esse conflito, bem como osofri-
mento por ele produzido sãopartesintegrantesdo amadurecimentoe
da evoluçãoespiritual do homem.
SUMÁRIO
O psicólogo,enquantopsicólogo, não discute averacidadeou a
lógica da fé religiosa. Sua tarefa consiste emverificar como a fé
religiosa se forma, como se desenvolve e que funções exercena vida
do homem.
Apesar dasmarcadasdiferençasde conteúdo e objeto,podemos
afirmar que existe umatendênciageral no homempara crer, de al-
guma forma, em algotranscendental.
Há vários nlveis decrença,cada um deles comdiferentesignifi-
cação para o Indivíduo: o verbalismo ou"realismo verbal" caracte-
rístico dacrençainfantil, quetendea confundira palavracom o ato ou
realidadeque deverepresentar. É essa acrençaque leva o homem
a falar a respeito desua religião, ao invés depraticá-la. O nível
de compreensãointelectual é necessário, mas nãobastacompreender
intelectualmente,pois o que mais"importa na religião é o efeito que
ela produz em nossavida. O nlvel da demonstraçãoprática através
do comportamentoé aquele em que o homemreflete os efeitos desua
fé religiosa no seu viverdiário. É, finalmente,o nível deintegração,
em que todos ossegmentosda personalidadesão influenciadose, por
assim dizer,unificadospor meio da fé religiosa que, no caso, se cons-
titui o núcleo de controle de todas as ações da vida dohomem.
Se bem que,muitas vezes, se usem os termoscrença e fé como
sinônimos, existe,na realidade, diferença entre eles. Crença pode
referir-seà mera atitude,que pode ou nãoter profundarelaçãocom
a vida dohomem. Fé, por outro lado, descreveuma relaçãovital
que marcaprofundamentea, vida do índívíduo que atem.
14. Id. ibid., páS'. 186.
118
Aquüo que originalmenteera mera crença pode transformar-se
em fé capaz de influenciar positivamentetodas as esferasda vida
humana.O processo detransformaçãode mera crençaem fé inclui:
o amadurecimentogradual do índívíduo, a influência e o exemplo
de pessoassignificativas, certas crises - inclusive as denatureza
traumática, e, naturalmente, a escolha pessoal, poisna fé existe
sempreo elementovolitivo.
Entre as várias funções específícasda fé podemosmencionar:
a exploraçãodo desconhecido, acriação de valores maisduráveis,
a união de sereshumanosem torno de ideais comuns, areduçãode
tensõesda vida e aintegraçãoda personalidadehumana.
A dúvida religiosa está intimamente ligada ao problema da fé
religiosa. Ao invés deencarara dúvida comoalgohorrendoe repug-
nante, devemosconsiderá-lacomo parte integrantedo processo da
evolução psicológica dohomem. Se o homem não pode duvidar,
não precisacrer. Isto é, ohomemnão precisacrer naquilo a respeito
de que não temqualquerdúvida. Se eu possoprovar, não preciso
crer. "Credo quía absurdum",disseSantoAnselmo. Eu creioexata-
mente porque não posso demonstrarpor deduçõesmatemáticas.
O principal problemados pais eeducadoresé sabercomo utilizar
a dúvida religiosa para fins construnvos. A mera negaçãode sua
existêncianão resolve oproblema,e simplesmenteimpor umasolução
é aumentara probabilidadede conflitos que poderão tornar-se in-
solúveis.
As principais causasda dúvida religiosa são: as limitações da
religião institucionalizada,o aparenteconflito entre religião e ciên-
cia, e o problemaIíngülstíco da interpretaçãoliteral dos termos re-
ligiosos.
Quando a dúvida religiosa encontra solução adequada,resulta
no aparecimentode uma fé religiosa robustae altamentesignifica-
tiva para a vida 60 homem. Quando, porém, essadúvida é mera-
mente ignorada ou suprimida pelo princIpio da autoridade,levará
o homem ao conformismo estéríl e inconseqüenteou à declarada
rebeliãoe abandonoda prática religiosa.
O ateísmo,que representaa forma extremada dúvida religiosa,
muitasvezes é amaneiramais cômoda quealgunsencontramde fu-
gir aos dolorososdramas de consciênciaque a fé hipoteticamente
lhes traria. Tornam-seateus, não pela impossibilidade lógica da
crença em Deus, mas pornão quereremenfrentar os riscos dafé
religiosa.
118
Capítulo V
CONVERSA0 REUGIOSA
Desde ostrabalhosde Starbuck,StanleyHall, George A. Coe e
William Jamestem havidograndeinteressepor parte de psicólogos
no estudo do fenômeno da conversão religiosa.Aliãs, pode-se dizer
que o estudopsicológico da conversão religiosa é, de fato, o marco
inicial dos estudos de psicologia da religião em sua versãomoderna
e contemporãnea.Há pelo menos duas razõesparaque assim acon-
tecesse. Em primeiro lugar, o inicio dos estudos dos fenômenos
religiosos, em bases mais empírícas, coincidehistoricamentecom os
grandes movimentos de avivamento relígíoso e a grande ênfasena
mudança de vidacausadapelo poder do evangelho. Além disso,
a conversão religiosa é um dos fenômenos mais claros e, conseqüen-
temente, uma das dimensões docomportamentoreligioso mais fáceis
de observar.
Reconhecemos,entretanto,que houve certo exagero porpartedos
pioneiros nesse campo. Alguns deles quase que sel1m1taram ao
estudodesse fenômeno, como se fosse o único aspecto da experiência
rel1g1osaque interessasseao psicólogo.
Na realidade, algunsnão somente serestringiramao estudo da
conversão, como tambémlimitaram mais o campo depesquisa,quan-
do disseram que a conversãoreligiosa era "um fenômeno da ado-
Ieseêncía". Como observaThouIesll: ..... a maioria dos eacritores
sobre psicologia da rellstãodeixou-ao lmpreaslonal' tanto com a
120
simplicidade da fórmula:convenáoé um fenômenoa4olescmte,que
caiu no erro de supor quenada mais poderia ser dito acerca da
experiência religiosa do ponto de vista do psicólogo".1
Em nossosdias. tem havido uma espécie demudançanesse cam-
po de Interesse. Hoje. dá-se mais ênfase ao processo evolutivo da
experiênciareligiosa do que a umadeterminadamudançabruscaque
se chamaconversão.Essa é aatitude caracterfstlcados teólogos li-
berais. queacham ter sido a conversãoexageradapelos teólogos
da velhaguardae quepreferemvê-la como uma espécie de desen-
volvimentonatural do sentimentoreligioso. O movimento de edu-
cação religiosa. que tão grande Impulso tem tomado. especialmente
nos Estados Unidos, é uma das conseqüências desse ponto de vista
da teologia liberal.li: aqUi que se debate o problemanaturezaversus
educação coma, inquestionável vitória daúltima ênfase.
Clark observa que oquase abandono do estudopsicológico da
conversão religiosa éainda mais caracterlsticode certospsicólogos,
que achamque o assuntonão merece a atenção de umcientista.
Talvez, dizem eles, o único aspecto da conversão religiosa queInte-
reB8a ao psicólogo seja seu caráter momentâneo.A razão desse
interesseé que ospsicólogosse preocupam com o processo criativo
e observam que opensamentocriativo tem caráter momentâneo.
Não é dlf1cll encontrarexemplos decarátermomentâneo dopensa-
mento criativo. Clark cita o caso do químíco Kekulé, que sal de um
estupor de embriaguez com a solução daestruturada benzina.Cita
tambémcomo Coleridgedespertade um sonho com oesbctçode sua
obra KublaKhan, e como o grandematemáticoHenrl Polncarére-
solvia complicados problemas numabrir e fechar de olhos.
Infelizmente, essa reação.contra a demasiadaênfase sobre a
conversão levoualguns psicólogosao extremo de não mais seinte-
ressarempelo fenômeno. Ora, Issoresulta em prejuísopara os es-
tudos pSicológicosdo fenômenoreligioso. pois dificilmente podem-se
ignorar experiências como a conversão de Paulo. que mudou por
completo o curso desua própria vida e que tão grandeinfluência
tem exercido em toda aclv1l1zaçãoocidental; a conversão de Agos-
tinho ou de Pascal, cujos efeitosainda se fazemsentir em nossos
dias; a conversão de Lutero. que marcoudefinitivamentea história
do cristianismo; a conversão de JoãoWesley.que mudou a face da
Inglaterrae que deu origem a umadas maisinfluentesdenominações
protestantesdo mundo contemporâneo - o metodismo.ConclUi
Clark que a conversão. quer estejamos interessados no que ela é
como elementocriador em religião, quer simplesmente como expe-
riência quelança luz sobre a dinãm1ca da personalidade, é uma
força psicológica que não pode ser negligenciada. Elaaponta para
;1. Robert H. Thouless. An Introduction to thoe P.ychology of RaJigion.
Cambrldge: The Unlverslty Press (1961). pAgo 187.
realidades desupremaimportância.na religião e revela sutilezas da
personalidade departicular interessepara o psicólogo.
No Brasil, o estudopsicológico da conversão religiosa oferece
grandesoportunidades.JJ: verdade que,na grande maioria dos casos,
a conversão religiosa no Brasil é de um ramo do cristianismopara
outro - geralmentedo catolicismopara o protestantismo.Mesmo
assim, tem havido conversõesbastantedramáticase reveladoras do
dinamismo dapersonalidade.Quando, porém,as denominações pro-
testantescrescerem mais em número de adeptos e em organização
formal, essas conversõesmarcantestenderãoa diminuir. Isso, en-
tretanto,não significa que deixe dehaver conversão religiosa, mas
essa conversão será mais um processo de evoluçãoespiritual lenta
e progressiva do que amudançaradical e brusca quecaracterizao
tipo clássico da conversão religiosa.Presentemente,o autor deste
livro está realizando uma pesquisaentre adolescentes sobre asua
experiência religiosa de conversão. Espera-se que alguma luz seja
lançadasobre o assunto aqui no Brasil.
George AlbertCoe, um dos pioneiros no campo do estudopsí-
eolõgíco do fenômeno religioso, diz quehá pelo menos seissignifi-
cados dapalavraconversão: 1) Ato voluntário demudançade ati-
tude para com Deus - sentido neotestamentáriodo termo; 2) re-
núncia de uma religião eaderênciadoutrinária ou -institucional a
outra - como no caso demudançade um ramo doerístíanísmo
para outro; 3) experiência pessoal de salvação, conforme o "plano
de salvação", com ênfase sobrearrependimento,fé, perdão, regene-
ração e certeza; 4) ato consciente e voluntário pelo qual o homem
se torna religioso, em oposiçãoà mera conformação com a famUia ou
o grupo social do indivIduo; 5) qualidadecristã de vida contrastada
com uma qualidade não cristã,isto é, um homem que"nasceude
novo"; e 6) mudançabrusca na vida de um homem, de um baixo
para um alto nlvel deexistência.2
Nesse último ponto, Coe se aproxima da posição de WilliamJa-
mes, que definiu a conversão religiosa como "o processogradualou
momentãneo pelo qual o 'eu', atéentão dividido e conscientemente
errado, Inferior e infeliz,torna-seunificado e conscientemente certo,
superiore feliz, em conseqüência de sua apreensãomais firme das
realidadesreligiosas".8
Para Stanley Hall, a conversão religiosa é o processonatural,
normal, universal e necessáriodo estágio em que o centro da vida
passa de uma baseautocêntricapara uma heterocêntrica.
George A. Coe advoga que a conversão écontinua com a evo-
lução religiosa,tanto em processo como em conteúdo.Jamesafirma:
2. GeorgeAlbert Coe, The PsycholollY of Relillion, Chicago: The Univer-
stty of Chicago Press (1916), pâg. 152.
3. Wllllam James, The Varieti" of Relillio". Experionce,pAg. 157 •
.....
"Dizer que um homem se converteu signlfica que as idéias religiosas,
antesperiféricasem sua consciência, ocupam agora lugarcentral e
que alvos religiosos formam o centrohabitual de suasenergias."
Do ponto de vistapsicológico, a conversão religiosa tempara-
lelos comoutrasexperiências. O citado George Coe diz que a expe-
riência da conversão,quantoao seucaráterInstantâneo,é semelhante
a outras experiênciashumanas,como, por exemplo, a solução de
problemas aon1vel intelectual, como foi dito acima. O conhecido
fenômeno de lavagem cerebral,praticado em vários lugares e sob
várias condições, produz efeitos profundosna vida do indivIduo.
Esses efeitos sãosemelhantesaos da conversão religiosa.
Convémnotar que, apesar de serealçarmais o aspecto momen-
tâneo da conversão religiosa, ela compreende não só o momento
dramáticode mudança, mas também o processo do desenvolvimento
religioso associado aoamadurecimentoespiritual do indivIduo. DIs-
cute-se.ínelusíve,se se devechamarde conversão aesse processo de
evolução religiosa. "Noentanto,há diferençaentrea conversão gra-
dual e o processo que é simplesmente o desenrolar de poderes ecapa-
cidadesnuma direção já evidente. Nãohá 'conversão', por exemplo,
no desenvolvimento da inteligência ou dasemoções,queé o pro-
cessonormal do crescimento dacriança. De igual modo, no desen-
volvimento das capacidadesespirituais pressupostas pela educação
religiosa, nãoexiste conversãopropriamentedita." 4
Como, então, chamar-se-áo momento em que a pessoa"aceita
a Cristo como Salvador pessoal"? Há ou nãovantagem de uma
sobre aoutra?Se chamarmos aprimeirade simplesentregaou reco-
nhecimentodo poder redentor de Cristo e de "conversão" a algo
mais dramático, em geral, em qual das duas formasseria uma
"entrega completa" mais provável? Teremos umapalavra sobre o
assuntomais adianteneste capItulo.
Como fizemosnotar no primeiro capítulo, afalta de deflnlções
operacionais eda possibilidade de controleexperimentaltomam o
estudo cientifico dos fenômenos religiososextremamentediflcil. Aqui,
comoem outros casos, o uso de questionários e de documentos pes-
soais, especialmente de autobiografias, constitui quase que o único
método de estudo da conversão religiosa. Como se pode ver facil-
mente, esse método ébastanteprecário, pois é quase impossIvel evi-
tar-seo subjetivo no estudo desses documentos, mas, mesmo assim,
podemos confiar na validade de estudos criteriosos de documentos
pessoais.
Apresentaremos, a seguir,alguns exemplos clássicos de conversão
religiosa, todos baseados no relato verbaldos próprios indivIduos ou
de outros que sobre eles escreveram.
4. Walter H. Clark, Th. Ps)'oholog)' of R.ligion, pâg. 190.
1aa
A conversão religiosa dePaulo de Tarso é uma das maisdra-
máticasde toda a história da experiênciareligiosa dohomem. Tão
dramáticafoi a experiênciade Paulona estradade Damasco que,
ao reeontá-laperanteo governadorromano,Festo disse:"Estáslouco,
Paulo; asmuitas letras te fazem delirar" (Atos 26:24). Essaspala-
vras de Festo, observa Boisen,representama tendênciageral de clas-
sificar comoloucurauma experiênciade profundasconseqüênciasna
vida de umhomem.
"Através dos séculos, aaexperiênciasde gêniosreli-
giosos têmestadosujeitasà mesmasuspeita.I.sso é es-
pecialmenteverdadeiroem nosso séculoentre os especia-
listas em anormalidadesmentais. Alguém afirmar, como
Paulo fez, que ouviu vozesvindas do céu épara a maio-
ria dos psiquiatrasuma evidência de psicose. Nossos es-
pecialistas contemporâneospodem rejeitar a explicacão
do governador romano, mas,provavelmente,concorda-
riam com seu diagnóstico, caso Paulo a eles seapre-
sentassenalgumaforma de novaencarnaçãoe lhes con-
tasse'tal história. Para essejulgamento há muita jus-
tificação. Eles podem apontar para inúmeras pessoas
mentalmentedesequilibradasque alegam ter tido expe-
riências semelhantesà de Paulo. E, em muitos dos gê-
nios religiosos dahumanidade,não podemosdeixar de
reconhecercertas característícasdefinitivamente psico-
páticas."5
Boisen advoga que Paulo e seuscontemporãneosnão negariam
que há, de fato,uma relaçãoentresuasexperiênciasreligiosas ein-
sanidademental. A diferençaé que, ao invés deadotar a lingua-
gem moderna,eles falariam em termos de possessão deesplritos.
Acontece que no NovoTestamentoa possessãotanto pode ser por
bons como pormaus esplritos. No caso de Paulo, ele foi dominado
pelo Esplrito de Deus (Gálatas2:20).
A conversão religiosa de Paulo, que tãoprofundos efeitos tem
exercido atravésdos séculos, tem recebidovárias interpretaçõespsi-
cológicas. Alguémlevantoua hipótesede que o que eleexperimentou
na estrada de Damasco foi, de fato, umataque epiléptico. Essa
hipótesehoje não élevadaa sério, porque,aparentemente,uma das
earacterístícasdo ataqueepiléptico é o esforço do índívíduo nosen-
tido de olvidar asexperiênciashavidasduranteo ataque.Ora, Paulo
repetiu várias vezes ahistória de sua conversão, o que revela que,
pelo menos desse ponto de vista, ahipóteseé insustentável.Além
do mais, os efeitos dessaexperiênciaforam tão profundosque exigi-
riam mais do que umataqueepiléptico para explicá-los.
Jung explica a conversão de Paulo emtermos de sua teoria de
incubaçãopsicológica. Dizele:
G. Anton Boísen, The e ク ー ャ ッ イ ャ A セ ゥ ッ ョ of the lnner Worl((, pAgo 58.
124
lese bem queo momento de upla conversãopareçâ,
muítas vezes, brusco einesperado,sabemos,de repetida
experiência,que tão importanteocorrênciatem um longo
perlodo de incubação inconsciente. Somente quando a
preparaçãoestácompleta,isto é, quandoo individuo está
prontoparaserconvertido,é que se dá aexperiênciaemo-
cional.São Paulohaviamuito que eracristão,masincons-
cientemente,dai a sua fanática oposição aoscristãos,
porquefanatismoexisteprincipalmenteem índívíducsque
estãolutando com dúvidassecretas.O incidentede ouvir
a voz deCristo na estradade Damascomarcao momento
quandoo complexoinconscientedo cristianismose tomou
consciente.Que o fenômenoauditivo deveria representar
Cristo explica-sepelo já mencionadoinconscientecom-
plexo cristão. O complexosendoinconscientefoi projeta-
do por Paulo sobreo mundo exterior como senão per-
tencessea éle. Incapazde se ver a si mesmo comocristão
e por causade suaresistênciaa Cristo, ele fica cego e só
poderiareadquírírsuavista por reaçãode submissãoa um
cristão,isto é, atravésde completasubmissãoao cristianis-
mo. Cegueirapsíeogênícaé, de acordo com minha expe-
riência, sempredevida ao desejo denão ver, isto é, en-
tendere aceitaraquilo que éIncompatívelcom a atitude
consciente.Esse foiobviamenteo caso dePaulo. Sua re-
cusa de ver correspondeà sua oposiçãofanática ao cris-
tianismo. Essa resistêncianunca foi completamenteex-
tinguida, e disso temos prova em suas epístolas,onde
surge,às vezes,nas crises que elesofreu. l'!:, sem dúvida,
grande erro chamartais ataquesde eplléptleos. Não há
traçosde epilepsianeles, pelocontrário,São Paulomesmo
sugerea naturezadessesataquesem suasepístolas.São
claramentepsícogênícoa,o que realmentesignifica um
retomo ao velho-Saulo-complexo,reprimido através da
conversão,da mesmamaneiraque antesexistiu uma re-
pressão.do complexo dócristianismo."6
Boisen explica a conversãode Paulo, bem como a de todos os
gênios religiosos domundo, tomando por base asemelhançaentre
o processoesquizofrênicoe a experiência transrormadorada con-
versão. Depois de estudarextensivamentemuitos casos dedoentes
mentaise compará-loscom a experiênciareligiosa de grandesvultos
da história da religião, Boísen levantou a hipótese de que "certos
tipos de desordemmental não são maus em si mesmos,mas são
experiênciaspelasquais o homemtenta resolverproblemasdo viver.
São tentativasà reorganizaçãoem queapersonalidadeinteira, até
ao mais profundo do ser, éeonvocadae suas forças reunidaspara
enfrentaro perigo do fracassopessoale do isolamento."7Segundo
essa hipótese,continua Boisen, o mal das desordensfuncionais re-
side na áreadas relaçõespessoaís,particularmentenasrelaçõesentre
o homem e sua idéia de Deus. O individuo psicótico é aquele que
aceitateoricamenteos padrõesestabelecidospor seusmentorese que
6. Carl Jung, "Th. Peychological Foundation of B.Ii.f in 8pirite", citado
por Robert Thouless,op. cit., pâgs. 189, 190.
7. Anton Boisen, op. cit., pâg. 59.
125
sabe estar afastadodesses ideais,porém não tem coragem de en-
frentar o [ulzo interior, a não ser às custasde severo diStúrbio emo-
cional. Acontece, porém, quesomenteuma criseagudapode revelar
ao indivíduo todo o perigo a que seuser estáexposto.O homemque
sofre agudacrise emocionalsenteque enfrentaum problemaserís-
símo, em queestáem jogo'toda a sua relaçãocom o universo.Nessa
crise, o homem revela grandeinteressereligioso. "O distúrbio emo-
cional serve,portanto,para esclareceras atitudesmalignase tornar
possíveluma nova sIntese."8
Pareceóbvio que Pauloenfrentouprofunda crise espiritual. No
capttulo 7 de sua carta aos Romanos, que,na opinião de alguns in-
térpretes,descrevesua condição espiritual antesde converter-se(se
bem que essequadro possa ser aplicado a qualquer homem con-
vertido), Paulo diz:
"Porquenem mesmocompreendoo meu próprio modo
de agir, poisnão faço o queprefiro, e, sim, o que detesto.
Ora, se faço o quenão quero, consinto com a lei, queé
boa. Neste caso, quem faz istojá não sou eu, mas o pe-
cado quehabita em mim. Porque eu sei que em mim,
isto é, na minha carne,não habita bem nenhum: pois o
querero bem estáem mim; não,porémo efetuá-lo. Por-
que não faço o bem queprefiro, mas omal que não que-
ro, esse faço. Mas, se eu faço o quenão quero, já não
sou eu quem o faz, e, sim, o pecado quehabita em mim.
Então,ao quererfazer o bem,encontroa lei de que o mal
reside emmim. Porque, notocante ao homem interior,
tenho prazer na lei de Deus; mas vejo nos meusmem-
bros outra lei, que, guerreandocontra a lei da minha
mente,me faz prisioneiro da lei do pecado queestános
meus membros.Desventuradohomem que sou! quem me
livrará do corpo desta morte? Graçasa Deus porJesus
Cristo,nossoSenhor.De maneiraque eu, de mim mesmo,
com a mentesou escravo da lei de Deus, mas,segundoa
carne, da lei do pecado" (Rom . 7:15-25).
Aqui temos, emrápidas pinceladas,o retrato dos conflitos lnti-
mos de Paulo. Sua experiênciade conversão,portanto, contribuiu
para a reorganizaçãode toda a sua vida. Nessa experiência,diz
Boisen,encontramosa mesmaconstelaçãode idéias comuns a vários
gênios religiosos, como Fox, Ezequiel,Jeremiase outros. Pauloacre-
ditava que o Senhor lhe apareceraem revelaçãodireta, que esta
experiência. foisemelhanteao aparecimentode Jesus ressuscitado
aos discípulose que tal experiêncialhe garantia autoridadeigual à
de qualquer um dos apóstolos. Paulo refere-seconstantementeao
fato de haver "morrídc em Cristo" (II Cor. 4:11; Gál. 2:19,20;Fil.
3:10). Fala também de haver ressuscitadocom Cristo. Refere-se,
outrossim, a experiênciasmísticas,como a quenarra em II Cor.
12:1-4. Essasidéias são muito freqüentesem pessoasmentalmente
8. Id, ibld., pág, 60.
126
perturbadas. Mas aconteceque, no caso de Paulo, ocentro da
personalidadefoi redescobertoe sua experiênciareligiosa setornou
uma das forçasespirituaismais significativas da história humana.
Servindo-nosespecialmentedo trabalho de pイ。セ apresenta-
remos outro caso típico de conversão religiosa.Trata-sede um in-
divíduo cuja experiênciadeixou marcasindeléveisna história espi-
ritual da humanidade João Bunyan - autor do famoso livro
O Perecrino.
A infância de Bunyan coincide com o apogeu dopuritanismo
na Inglaterra. Conseqüentemente,as idéias pietistas de pecado e
condenaçãoexercem profunda influência em sua mente infantil.
Ele nos conta que aos nove anos de idadejá se atormentavacom
as idéias do dia do Juízo e dotormento do inferno. Começou a ler
a Bíblia e tratadosreligiosos eatravésdessaleitura chegou a con-
vencer-sede que Deus oamava. Um dia, ouvindo apregaçãode
certas piedosassenhoras,convenceu-sede que jamais poderia con-
fiar em méritos pessoais. Aprendeutambémdas referidassenhoras
que parasalvar-seera necessárioconverter-see queessa'conversão
incluía certas experiênciasemocionais quejamais tivera. Diante
desse novoconhecimento,diz ele:
"Eu senti meu próprio coração abalar-see comecei
a desconfiarde minha condição, pois vi que em todos os
meus pensamentosacercade religião esalvaçãoo novo
nascimentonunca havia entradoem minha mente, nem
conheciaeu o conforto da palavrae da Promessa,nem o
enganoe a maldadedo meu próprio coração... Fui gran-
demente influenciado por suas palavras, tanto porque
por meio delas fui convencido de quequeriaos verdadei-
ros sinais de um homem de Deus, comotambémporque
por elas me convenci da feliz eabençoadacondição da-
quele que é piedoso."9
Essa convicção provocou no jovemBunyan uma profundainquie-
tação espiritual, mas,aparentemente,não lhe indicounenhumarota
definida a seguir. Assim, diz Pratt, Bunyan viveu miseravelmente
por vários anos,buscandosem saberexatamenteo que e semlutar
por um alvo especlfico, porquehavia aprendidoque o esforço pessoal
do homem éinútil paraa solução desseproblema.A única coisa que
ele sabia era queestava セ G ー ・ イ 、 ゥ 、 ッ B e que,para salvar-se,precisava
de fé. Acontece, porém, que a fé queesperavater era tambémde
carátermuito vago eindefinido. Então o pobre Bunyan se pergun-
tavaa si mesmoconstantemente:"Mas como se podesaberse se tem
fé? E, além disso, eu via comsegurançaque, se não tivesse fé,tinha
certezaque pereceriaeternamente."
9. John Bunyan, Grace Abounding, citado por JamesBlssett Pratt, The
Religious Counsciousness,pAgo 141.
127
Esta situação de incertezacriou nele um verdadeiro pavor do
Inferno e da condenação.E, pior do que isso, um novo medoapare-
ceu emsua vida, isto é, o medo deperdero medo esua capacidade
de ter sentimentode culpa. "Porque eu sentia que, anão ser que o
sentimentode culpa fossetirado pelo método próprio, istoé, pelo
sanguede Cristo, o homemtornar-se-iapior. Porque, seminha culpa
pesarsobre mim, podereiclamarpelo sanguede Cristo para apagá-
la, mas, sedesaparecesem osanguede Cristo (pois o senso de
pecado muitas vezes chegou quase adesaparecer),então eu luto
para fazê-la voltar ao meu coração."
Nessa fase desua experiência religiosa, portanto, Bunyan se
esforçou porconservarbem vivo osentimentode culpa e de pecado,
especialmentedo chamado "pecado imperdoável". "Essa tentação
era tão forte sobre mim quemuitas vezes euseguravameu queixo
com a mão a fim de nãoabrir a boca emuitas vezes pensei em
pular de cabeçapara baixo dentro de algum buracopara evitar que
minha boca seabrisse."
Ao que tudoindica, Bunyan foi durante toda a Sua vidasujeito
a obsessõesauditivascom relaçãoa partesda Escriturae seuestado
emocional dependiagrandementedo tipo de mensagemque recebia
atravésdessasexperiências.Assim é que, se "ouvisse" umtexto con-
fortador, dizia que tinha fé e estavasalvo. Quando o versículo era
de condenação,ele sesentia eternamentecondenado.Diz Pratt que
ele era um hipocondr1acoespiritual, sempresentindoseu pulsohe-
dôníco, extremamentesugestíonávele particularmentesujeito ao
fascínio do terr1vel e do hediondo.
Depois de certo período derelativa paz espiritual, Bunyan en-
frentou outra grandecrise. Desta vez ele ouviu vozes que lhe diziam:
"Vende o Cristo por isto ou por aquilo, vende-o!vende-o!" Essas
palavras se tornaram a mais terrível obsessão desua vida. O
próprio Bunyan conta como, um dia,estandodeitadoem sua cama,
continuou a ouvir a mesmasinistra sugestão, a querespondiacom
grande força: "Não, não, não, mil vezesnão!" Mas, esgotadasas
suasforças e com apersistênciada vozsatânica,ele finalmentecon-
sentiu em vender Cristo ereconhecera vitória de Satanás.Levan-
tando-sede sua cama, começou aandarsem destino pelos campos
e a ficar possuído da idéia desuaeternacondenação.A essaalturaveio-lhe amentea escrituraquefala sobre Esaú, "que por ummanjar
vendeu o seu direito deprimogenitura.Porque bem sabeis que, que-
rendo eleainda depois herdar a bênção, foirejeitado; porque não
achou lugar de arrependimento,ainda que comlágrimas o buscou"
(Hebreus 12:16,17). Esse texto produziu nele anítida convicção de
que havia cometido o pecadoimperdoável. Esse terrível estadode
depressão durou cerca de doisanos. Aqui estão aspalavras com
que o próprio Bunyan descreve essahorrenda experiência: "Então
eu fui atacadopor grande tremor, de tal maneira que podia, por
1?R
r
dias inteiros, sentir meu próprio corpo, bem comominha mente,
'tremer sob o senso de severojulgamento de Deus quecairá sobre
os quecometeramo pecadoimperdoável.Eu sentia tambémum ter-
rível mal-estarno estômagopor causadesse medo, emuitas vezes
eu sentia como se meuaparelho respiratório fosse arrebentar-se.
Então eu penseino que aEscritura diz a respeito de Judas: .... e,
precipitando-se,rompeu-sepelo meio, etodas as suas entranhasse
derramaram' (Atos 2:18 ). Assim eu me contorcia sob o PFsO do
fardo que me oprimia. A opressãoera tal que eu não podiaficar
de pé,nem andar nem me deitar."
Ao tempo dessaterrlvel crise, Bunyan, de vez emquando,ouvia
uma palavra de conforto como aquela que diz: "O sanguede Jesus
Cristo nos purifica de todo o pecado." Essas vozes deconforto se
fizeram ouvir mais freqüentementedo que as vozes decondenação.
Num período de sete semanas,ao fim de dois anosmarcadospela
"convicção de pecado",Bunyan conseguiu avitória, isto é, a paz
espiritual que buscava.
Antes dediscutir os méritos da conversãoreligiosa deBunyan,
lembremo-nosde que, como dizPratt,a coisaprincipal acercada con-
versão é a unificação do caráter, a formação de um novo"eu" -
o "eu" moral que eledefiniu como um grupo defaculdadesunidas
a serviço de umharmoniososistemade propósitos."O processo pode
ter muitos subprodutosde natureza emocional, podeexpressar-se
numa variedade de termos intelectuais,pode ser gradual ou apa-
rentementemomentâneo,mas a parte realmentemais importante
e essencialé este nascimento,pelo qual o homem deixa de ser
uma mera coisa psicológica ou um'eu' dividido e torna-se um ser
unificado,com um rumo definido, sob aorientaçãode um grupo de
propósitose idéias consistentese harmoniosas."10
Um exame mais detido daconversãoreligiosa deBunyan,obser-
va Pratt, revela que ela édestituídade significaçãomoral. Bunyan,
de fato, nada teve que ver com essavitória (o que, aliás, doponto
de vista tradicional da conversão,é bastanteortodoxo eapropriado).
Ele foi meramenteo passivo campo debatalhaentreo versículorefe-
rente a Esaú eoutros versossemelhantesaos textos que falam da
suficiência da graça. Avitória, portanto, não foi sua, mas mera-
mente de uma obsessãomental e de seusentimentoa respeito de
outros, eé de real interesseapenascomo fenômeno psicológico ou
mesmo patológico. Nenhum esclarecimentofoi alcançado,nenhuma
nova resolução foifeita, nenhumamudançade valures foioperada,
nenhumnovo nascimentofoi efetuado,nenhum"eu" moral foi alcan-
çado. A verdadeiraconversãode Bunyan foi a mudançade valores
que ocorreunalgum ponto entre a sua egocêntricamocidadee seus
anos verdadeiramentecristãosna prisão de Bedford... A conversão
10. JamesB. Pratt, op. cit., pág. 123.
queele descreve e quetem sido consideradacomo esplêndidoexemplo
por todas as gerações demestrescristãosevangélicos, desde os seus
días até os nossos, é quase quecompletamenteuma questãode sen-
timento e não tem mais significação moral do que a luta que a
maioria de nós tem experimentadoentre dois persistentespensa-
mentos obsessivos queocupama mente de um homem,até que um
expele ooutrc.P
o professorJosiah Royce, da UniversidadeHarvard,estudou os
aspectospatológicos da conversãoreligiosa de Bunyan e chegou à
conclusão de queBunyan era um homem genial que suportou com
heróicaperseverançao fardo pesado e mórbido deuma enfermidade
nervosa e que, ao fim, foi vitorioso. E Boisen conclui: "Ao invés
de ser homem genial apesarde seu pesado e mórbidofardo de en-
fermidadenervosa,podemos,à luz desse estudo,aventara conclusão
de que foi umhomemgenial exatamentepor causadessaexperiência
e do seuresultadovitorioso."12
Ainda do cristianismo protestantetomaremosoutro exemplo de
conversão religiosadramática.Trata-sede George Fox,fundador da
Sociedade de Amigos. Aprincipal fonte de informação de que nos
valemos aquié o trabalho de Boisen que, por seuturno, se baseia
na autobiografiade Fox tal como a encontramosem seu Journal.
Essedocumentoé, de fato, orelato das experiênciasde Fox quando
estavapreso emWorcester e retrata fielmente sua experiênciare-
ligiosa.
Com pouco mais devinte anos, Fax teve umacrise quepoderia,
por suas ídeías características,ser consideradaesquizofreniacatatô-
nica. Eleconsiderava-seintérpretede Deus a seu povo,comparava-se
aos profetas do Velho Testamentoe, em muitas passagensde seu
Journal,se identificava com o cosmo.Tinha idéias obsessivasquanto
ao fim domundoe sentiu-sechamadoa proclamaro juizo final. Em
linguagemdramática,descreve como passou dastrevas do reino sa-
tânico para a luz, e comoexperimentouo novo nascimento. Alega
que teve visõesinefáveise revelaçãoespecial de Deus.
Dos dezenove aosvinte e três anos de idade, elepassoupor uma
crise muito aguda. A princípio separou-sede seusfamiliares e ami-
gos. Suatentaçãomaior nesse períodoera o desespero.Na época
ele jejuava'freqüentemente,andava sozinho por lugares solitários
e lia a Bíblia comassiduidade.Começouentão a sentir que havia
pecado contra o Espírito Santo. Este sentimentode culpa agravou
sua crise detal modo que, se vivesse em nossos dias,provavelmente,
teria sido levado a umhospital de doençasmentais. Mas Fox resis-
tiu heroicamenteà crise e, ao que tudoindica, essa crisecontribuiu
para fazê-lo socialmenteinfluente. A maior prova disso é onúmero
11. ld, ibid., pág. 145.
12. Anton Boisen, op. eit., pág. 70.
130
11
li
I
de seguidores que conseguiu: ao tempo desua morte, contava com
quarentamil seguidores.E aindahoje a Sociedade de Amigos é uma
considerávelforça espiritual no mundo.
Toda essa crisena vida de Fox foi causadaou, melhor, desen-
cadeadapor um simplesincidente. Um primo e um amigo seu o
convidaram para tomar cerveja e, quando cada um havia bebido
um copo, elespropuseramuma aposta: o que desistisseprimeiro
pagariatoda a despesa.Fox deixou oscompanheirose não conse-
guiu dormir naquelanoite. Nessa ocasião recebeu amensagemde
Deus de que deviaafastar-sede todos, quer jovens quervelhos, e
tornar-seum estranhosobre aterra. Ora, é fácil observarque a crise
teve outros antecedentes.Entre eles, podemosmencionara pureza
pessoal da vida do jovem Fox e,naturalmente,o tipo depuritanismo
a quetinha sido exposto desde ainfância, o qual havia contribuído
para a formação de agudo senso de culpa e depecado.
O que mais nosinteressano caso,entretanto,é o resultadodessa
experiência.Sejam quais forem as causas próximas ouremotasque
provocarama crise, o fato é que ela foi oprincipal fator na reinte-
graçãoe reorganizaçãoda personalidadede George Fox. Essa expe-
riência deu nova dimensãoà sua vida. Isso nos leva aconcordar
comPrattquando diz que o elemento essencial da conversão religiosa
é dar ao homem um novocentrode valores, um novo "eu", um grupo
de propósitosharmoniosose consistentes.
As conversões até aquiapresentadassão típicas do cristianis-
mo. Não sesuponha,entretanto,que conversão religiosaseja fenõ-
meno peculiar apenasao cristianismo,ou mais particularmenteao
cristianismoprotestante.ponversãoreligiosa é fenômeno reconhecido
na antiguidadeclássica,nas chamadasreligiões de mistérios e em
todas as grandestradições religiosas dahumanidade.A conversão
de Maomé ou de Buda sãotípicas de suasrespectivastradições.Em
cadauma dessas tradições, porém, adinâmica parecevariar consi-
deravelmentede acordo com asênfasesde cada uma das religiões,
apesarde conservarmuitos pontos comuns. Apenaspara dar um
exemplo dessasdiferenças,note-seque o sentimentode culpa e a
idéia de pecado são comunsà conversãoreligiosa nos meioscristãos,
enquanto estão praticamente ausentesem certas conversões nas
religiões orientais, especialmenteno hinduísmo.
Dentre os muitos casos de conversão religiosa fora docristianis-
mo, mencionaremosum que nosparecebem representativodo fenô-
meno. Esse caso - o deRámakrishna - foi escolhido por
causadas semelhanças,bem comodos contrastescom os casos da
tradição cristã acima expostos. Norelato dessa famosa conversão,
servír-nos-emosmais uma vez dotrabalho do Pratt.
Ramakrishna,grandem\stico bengalês,fundador da ordem reli-
giosa que tem o seu nome,nasceuem 1833, e, desdecriança,revelou
131
grandeinteressena vida religiosa. Pertenciaa uma família de alta
casta.
Orgulhava-senão só desua origem nobre, mastambém de sua
ortodoxia religiosa. Ao que tudo indica, era também portador de
fortes tendênciaspsícopátícas.Conforme o seu próprio testemunho,
costumavater êxtasescontinuamente.
Aos vinte anos deidade foi ao novo templo Kali, em Daksinesh-
vara, onde seuirmão mais velho era sacerdote.A fundadora desse
templo foi uma sudrae, em virtude da grandevaidadede castaque
possuíaRamakríshna,ele recusava-sea aceitar qualquer alimento
cozido nosprecíntosdo templo. Pratt mencionaessepormenor,por-
que o orgulho de casta foi um dos pontos mais difíceis devencer
na conversãode Ramakrishna.
A visita ao santuáriode Kali marca o primeiro estágioda con-
versão deRamakrishna.Aqui, pela primeiravez, a idéia da Divina
Mãe tornou-seobsessiva emsuamente. "Ele começou a ver aimagem
de Kali comosua mãe e como mãe do universo.Acreditava que ela
era viva, respiravae recebia alimento de sua mão. Depois das for-
mas regularesde adoração,sentava-sedurante várias horas. can-
tando hinos, falando e orando a Kali, como uma criança fala com
sua mãe, até perderpor completoa consciênciado mundo exterior.
Multas vezes, elechorava horas inteiras, sem querer ser consolado,
porque não podia ver suamãe tãoperfeitamentequanto desejava."13
De vez emquando,ele recebiauma visão da deusa,mas essanão lhe
satisfaziaplenamente.A insatisfaçãoindica que o "eu" de Rama-
krishnaainda estavadividido, havendoainda conflitos não resolvi-
dos. Ao que tudoindica, o conflito principal eraseu orgulho de casta.
Falandodesseconflito, o próprio Ramakríshnadisse: "Muitas vezes
eu ia aosquartos dos serventese varredores (a classe maisbaixa
da lndia) e os limpava com minhas próprias mãos, eorava: 'Mãe,
destrói em mim toda idéia de que sougrande, de que souBrah-
mín, e que eles sãopárías inferiores; porque, que são elessenãotu
mesmaem variadasformas?' Muitas vezes eu mesentavaàs mar-
gens do Ganges, comalgumasmoedas de ouro eprata e um monte
de lixo a meulado. Com a mãodíreíta,apanhavauma moedae, com
a esquerda,um punhadode lixo, e diziaà minhaalma: 'Minha alma,
isto é o que omundo chamade dinheiro. Ele tem opoder de fazer
tudo o que o mundo consideragrande,porém jamais te ajudará a
entender o eterno conhecimento,a eterna bem-aventurança- o
Brahma. Considera-o,portanto,como escória!' Perdi toda a percep-
ção dadiferençaentre os dois, eatirei ambos no Ganges."14
13. JamesB. Pratt., op, cit., pâgs. 129, 130, citando Max Müller em The
Life and Sayings of Ramakrishna, pâg, 36.
14. Max Müller, op. cit., pâg. 42.
132
Segundo otestemunhodos que oconheceram,outra áreade con-
flito na vida deRamakrishnaera o sexo ou aschamadassolicitações
da carne. Note-se, entretanto, uma importante diferença. Numa
experiênciacristã de conversão, oproblemado sexosuscitariaquase
que invariavelmentea idéia de pecado. Naexperiênciade Rama-
krishnanão há qualquervestlgio da idéia de pecado ou desentimento
de culpa comrelaçãoao sexo. Ele chega mesmo acriticar a dema-
siada ênfase que o cristianismo tradicional tem dado aopecado.
Disse ele: "Alguém me deu umlivr.o cristão. Pedi-lheque mo lesse.
No livro havia apenasum tema- pecado e pecado do começo ao fim.
O louco querepeteconstantemente:testouamarrado,estouamarrado,
permaneceem cadeias.'Aquele querepetedia e noite: 'eu soupeca-
dor, eu soupecador',torna-sepecador, defato."15
A crise religiosa deRamakrishnadurou doze anos. Essa crise foi
tão agudaque ele a comparou a um furacão. Em seu desespero, diz
Max Müller, ele clamou: "Mãe, óminha mãe, é este oresultadode
crer em ti e invocar-te?"E a respostanão se feztardar: "Meu filho,
como é que você podeesperaralcançara verdadesupremaa não ser
que abandoneas paixões do corpo e seu 'eu'mesquinho?"Rama-
kríshnaconvenceu-se,então,de que deveriarenunciartoda ambição
mesquinhae mataro seu "eu"parapoder alcançara vitória. O "eu",
conformesua nova visão,é o maior empecilho aoconhecimentoda
verdade.Em respostaa Bhagavan,um devoto que lheperguntou:Por
que estamostão ligados ao mundo que não podemos ver a Deus?
Ramakrishnadisse:
"A sensaçãodo 'eu' é, em nós, oprincipal obstáculo
na sendada visão de Deus.Esta sensaçãonos oculta a
Verdade.Quando o 'eu' morre, todas asinquietaçõesces-
sam. Se pelamisericórdiado Senhorse realiza o 'eu não
sou o fazedor',instantaneamentese emancipao homem
nesta vida. Esta sensaçãodo 'eu' é como uma nuvem
densa. Assim como umapequenanuvem pode ocultar
o glorioso sol, do mesmo modoestanuvem do 'eu' oculta
a glória do SolEterno... Olhai-me; cubro a face com
este lenço e vós não me vereís, Contudo, aminha face
está aqui. Do mesmo modo Deus'é o mais próximo de
todos. porém, devidoà sensaçãodo 'eu',não o podeis
ver." 16
Depois de intensa luta Intima, Ramakrishnaobteve a vitória,
não por algum rasgomomentâneode intuição ou reforma, mas por
um processogradual.emque tanto o autoeontrolecomo a iluminação
intelectual e, acima de tudo,uma unificação absoluta de valores
desempenharamimportante papel. A unificação moral, intelectual
e emocional,juntamentecom a paz e aalegria delas decorrentes,
15. o Evangelho de Ramal<rishna,citado por JamesPratt, ep, cit., pâgs,
159. 160.
16. O Evangelho de Ramakrishna(segundaedição), São Paulo: Empresa
Editora "O Pensamento"(1925), pãgs, 48, 49.
133
eram agora permanentes.Ramakrishnaalcançarao estadode per-
feição mística. Ao aproximar-sedo fim, ele disse:"Cheguei agora
ao estágio em que vejo Deuspresenteem toda forma humanae ma-
nifestar-seigualmenteatravésdo Santo e do pecador,do virtuoso e
do viciado. Portanto, quando eu encontro diferentes pessoas, digo
a mim mesmo: 'Deus emforma de Santo, Deus em forma de pe-
cador, Deusna forma doinjusto e Deus naforma do justo!' Aquele
que atinge esse estágio vai além do bem e do mal,acima da virtude
e do vício, eentendeque o Divinoestáoperandoem todo lugar."17
A conversão religiosa deRamakrishnaé uma dasexperiências
mais profundas,quanto a seus efeitos, de toda ahistória da huma-
nidade. Seus numerososseguidoresainda hoje atestam o valor
dessaexperiência.
o Processo da Conversão Religiosa
o processo da conversão religiosaparece ter certas caracterís-
ticas comuns. Nãoimporta qual seja a religião do homem,sua con-
versão é,ordinariamente,marcadapor certos estágios bemdefinidos.
Quase todos osautoresque estudamo fenômeno daconversãoreli-
giosa reconhecempelo menostrês estágiosfundamentais:o período
de inquietação,a crisepropriamentedita e o período de paz que se-
gue a "solução" doproblemaespiritual. Drakeford acrescentaa esse
um quarto estágio, isto é, aexpressãoconcreta dessa experiência
atravésda vida e docomportamentodo individuo.
O período deinquietação. Nesse período o individuoreconhece
que algo lheestá faltando e ele mesmotoma a iniciativa em pro-
curar a soluçãopara o seu problema. As causasdessainquietação,
muitas vezes, não sãoimediatamenteconhecidas.Via de regra, den-
tro do cristianismoe de acordo com ostermosteológicostradicionais,
essa fase deinquietaçãoé causadapela "convicção depecado". Con-
vém lembrar, entretanto,que essepadrão é válido apenaspara o
cristianismo e talvez para religiões grandementeinfluenciadaspelo
pensamentoocidental. Já vimos quena conversão deRamakrishna
a idéia de pecado éinsignificante. Com igual freqüência, essa in-
quietudeprocede de umprofundosenso dedemérito ou insuficiência
própria, quasesempreacompanhadode um sentido vago dedepres-são, talvez de origempatológica. Um exemplo clássico destesenti-
mento de demérito pessoal é aexperiênciareligiosa de Tolstoi, cujo
problemaessencialera a falta de sentido para a vida. Essainquie-
taçãopode resultar também,sugereClark, decerta intuição da alma
e da percepçãoda grandeseparaçãoque inevitavelmenteexiste en-
tre a pessoapresumivelmentereligiosa e o Deus que elaadora.
O segundoestágio é a crisepropriamentedita. Descrevendo essa
fase, Clark diz que, sem ainterferênciade um estímulo exterior,
17. JamesB. Pratt, op. cit., pág. 133.
134
de repente,algo extraordinárioacontece - umagrandeiluminação,
um sentimentode que osproblemasda vida foram todos resolvidos.
Por exemplo, Agostinho lê um texto bíblíco e, derepente,sente-se
uma novacriatura. Tagore, ao ouvir ainterpretaçãode um antigo
Upanishad,senteo bálsamo divino cair sobre si. Quasesempreessa
experiência é acompanhadade reaçõesrísícas. Frank Buchmann,
por exemplo, diz quesentiu uma vibraçãosubindo e descendo por
sua espinhadorsal, como se poderosacorrentede vida estivesse mo-
mentaneamentesendo derramadasobre ele. João Wesleytestemu-
nhou que, aoconverter-se,sentiuseu coração"estranhamentemor-
no". Bunyan, conforme foi dito acima,sentiuseu próprio corpotre-
mer ao peso desua convicção.
Depois dessa crise,ordinariamente,segue-se um estágio de paz
e harmoniainterior. Clark diz que,na proporção em que a emoção
do momento climático se desvanece, o índívíduo começa aexperi-
mentaral1vio, paz eharmoniainteriores. As dúvidas cessammomen-
taneamente.O homemnota que tem fé;sentequeestáunido a Deus,
que seus pecadosforam perdoados, seus problemas foram resolvidos,
que está salvo.
O resultadonatural da solução desseproblemasão osfrutos da
experiênciana vida do índívíduo.O homem que seconverteexpressa
essa experiênciade modo concreto. Quasesempre as "conversões'
obtidas por evangelistasambulantesnão permanecem,porque não
dão ao indivIduo aoportunidadede expressá-lade modoconcreto.
João Wesley foi muito bem sucedido comoevangelista,porque deu
aos conversos umaoportunidadede expressarsua fé nas sociedades
por ele organizadas.Na EscrituraSagrada,talvez, os exemplos mais
claros de expressãoconcretade conversãosejam os casos de!salas
e de Paulo. Ao converter-se,Isaíasdisse: "Eis-me aqui,envia-me a
mim." E Paulo disse:"Senhor, que queres que eufaça?" E, por
falar no profeta tsaías,o leitor pode observarque a sua conversão,
conforme o relato do capitulo 6 de sua profecia,ilustra muito bem
os quatro estágios no processo da conversão religiosa.
Fatoresda ConversãoReligiOSa
Em seu famoso livronA Conversão Religiosa",Santo de Sanctis
fala de seis condições psicológicas favoráveisà conversão. São elas:
1) A presençade tendênciasreligiosas a que elechama de "reli-
giosidade" derivada de ratores hereditários,da fam1lia ou das im-
pressões que seformaramno indivIduo durantea infância; 2) uma
tendênciahabitual de intelecto paraconvicçõesabsolutas,quer afir-
mativas quer negativas,com respeito à filosofia, teologia, pol1tica
etc.; 3) atendênciado índívíduo defixar voluntariamentesuaaten-'
ção acima e além dasrealidadesdos sentidos;4) a riqueza de po-
tencial afetivo, como no caso de Paulo ou Agostinho, em quem a
paixão era igual ao gemo; 5) aexistênciade transferênciastempo-
rárias, lentas ou violentas de força afetiva a grupos derepresenta-
ções ou idéiasparticulares,cujo conteúdo relembra os sistemaspsí-
quicos ético-religiosos;6) e a ocorrênciade experiênciasdolorosas.
De modo maissistemático,Clark apresentaos seguintesfatores
decisivos na conversãoreligiosa:
Conflito. Esseconflito pode resultar do desejo dealcançaralgo
impossível ou daatraçãode dois tipos de vidaincompatíveisentre
si, como no caso deAgostinho. Nestasituaçãoconflitiva, o indivíduo
senteque não pode alcançaro ideal religioso queteoricamenteapro-
va. Paulo ilustra muito bem esse conflitointerior, em sua Epístola
aos Romanos,capítulo 7. A experiência religiosa de milhares de
homens convertidos atesta que quanto maior o conflito, maior a
transformaçãoradical na vida do indivíduo. Dai por quealguns
advogam serem as conversõesdramáticasmais marcantesdo que
as conversõesgraduais.
Contato com uma tradição religiosa. A influência da fam1lia
pareceser o fator mais decisivona história da conversãoreligiosa
de uma pessoa.Em seu estudo dochamadoGrupo de Oxford, W.H.
Clark verificou que, mesmoquandoindivíduos eramfrios e indiferen-
tes no períodoprecedenteà sua conversão, todosprocediamde ra-
mílías religiosas. Agostinho reconheceua grande influência da mãe
na suaconversãoreligiosa. O mesmopode-sedizer demuitos outros
convertidos.
Convém notar a esserespeito que nãosomenteos membros da
ramílía podem exercer influência, como também outras pessoas da
mesma tradição religiosa, ainda que fora do círculofamiliar. Essa
influência serve deestímulo a desenvolvimentode idéias que levam
a conflito e tensão, resultando na conversãoreligiosa. Paulo, por
exemplo, foi grandementeinfluenciado pelo testemunhode Estêvão.
A tradição religiosa a que oindivíduo pertencedeterminatam-
bém o tipo de conversãoque experimentará.Moberg, citado por
Drakeford,notou três padrõesde conversãoentre protestantes:1) As
igrejas litúrgicas - Luterana e Episcopal - dão ênfase à confir-
mação,para a qual há uma fase dedoutrinamentocristão e em que
se diz que oindivíduo aceitaCristo comoSalvadore Senhor. Nessas
tradiçõesnão se dáênfaseà emoção ouà mudançadrásticana vida
do convertido; 2) grupos, como osmetodistas,congregacíonaís,pres-
biterianose batistas,que davam grande ênfaseao evangelismopor
meio de conferências,hoje, principalmentenos EstadosUnidos, dão
mais realce a uma classe especialparanovosmembros. Isto significa
que tais grupos tendem na direção dasigrejas litúrgicas, isto é, a
salientar a confirmação; 3) entre as chamadas igrejas novas,
Moberg notou que aindase dámuita ênfaseà bruscatransiçãoentre
o estadode "perdido" e o de"salvo". l!: este o caso, por exemplo, da
maioria das igrejas protestantesno Brasil.
Em muitos casos, aimitação ou a sugestãoé o fator mais im-
portantena conversãoreligiosa. Talvez a maioria dos que se"deci-
dem" em conferênciasreligiosas permaneça,mas pouca evidência
existe deuma transformaçãode vida, com exceção defreqüentara
igreja e ler a Bíblia. Ora, freqüentara igreja e ler a Bíblia podem
impulsionaro indivíduo ao ponto em que umamudançaocorra, mas
em si essas coisas não sãoindicativas de significativamudançana
vida da pessoa.Se, portanto, a conversãoreligiosa dealguém se dá
à base desugestãoou imitação,será,provavelmente,bastantesuper-
ficial.
Em 1881, G. Stanley Hall postulou que a adolescênciaera um
dos fatores,senãoo fator principal da conversão.Desdeentão,como
já ficou dito acima, alguns estudiosos doassuntotêm chegadoao
evidente exagero depensar na conversão religiosa como se fosse
fenômeno peculiar à adolescência.
Os estudos feitos nos EstadosUnidos a respeito da conversão
religiosa indicam que há uma tendênciageral a diminuir a idade
dessaexperiência.Johnsonapresentao quadro abaixo, ondetal ten-
dêncIa éobservada.
Idade da Conversão
Estudos Data N.o de casos Média
Starbuck 1899 1.265 16,4
Coe 1900 1.784 16,4
Hall 1904 4.054 16,6
Athearn 1922 6.194 14,6
Clark 1929 2.174 12,7
Estamostentando fazer semelhantepesquisano BrasIl. Usare-
mos dois típos de população: um grupo deadultos e um grupo de
adolescentes.A hipótesefundamentaldessapesquisaé que, em duas
gerações deevangelísmono BrasIl, há marcadadiferençana idade
e no tipo deconversãoreligiosa. l!: provável que a maioria das con-
versões dos filhos decrentesainda se dêna adolescência,mas seria
errado supor que tal experiênciase limite a essaidade.
Ferm tem feito extenso estudo das conversõesproduzidaspela
pregaçãodo famosoevangelistaB1lly Grahame osresultadosde sua
pesquisaindicam que amaioria das conversõesverificadasna Ingla-
terra se deuna faixa etária dos 20 aos 30, e quena Escóciaos con-
versos são pelomenos15 anos mais velhos.
Entre os Batistasdo Sul, nosEstadosUnidos, a média revelada
em recentepesquisaé de13,2para meninase 15,3para rapazes.
o nível de inteligência da pessoaé fator importantena deter-
minação da idade em que ela seconverte. Há evidênciasde que as
criançasaltamenteinteligentesse preocupammais cedo comproble-
mas de explicaçãodos enigmasdo universo. Conseqüentemente,tais
criançasdotadasde alto nível de inteligênciaconvertem-semais cedo.
JohnDrakeford fez um estudocom um grupo de criançase verificou
que asmais inteligentesse convertemmais cedo, sendo a diferença
média de 1,7 do ano.
Paranão tornar estecapítulo demasiadolongo, concluiremoscom
breve apresentaçãodos vários tipos de conversãoreligiosa.
Quandose fala em tipos de conversãoreligiosa é para mostrar
que, apesardo fato de que toda conversãoreligiosa tem muitas ca-
racterlsticas comuns, há certos aspectosem que essaexperiência
difere uma da outra. Convém notar também que não há um tipo
puro de conversãoreligiosa. Isto é, não se pode falar de uma con-
versão puramenteintelectual, puramenteemocional ou puramente
moral. O conceitoaqui é mais quantítatívodo quequalificativo. Fala-
se de umelementopredominante.Assim,pode-sefalar de uma con-
versão religiosa predominantementeintelectual ou predominante-
mente moral, etc.
Apresentaremos,a seguir, alguns dos tipos mais identificáveis
de conversãoreligiosa.
Conversãointelectual. Agostinho é um exemplo de conversão
religiosa do tipo predominantementeintelectual. No livro sétimo
de suasConfissões,ele refere-sea alguns dos problemasintelectuais
que enfrentava. Uma das dificuldades de que fala o grande Santo
é a de compreendera idéia de que Deus é umser incorpóreo. O pro-
blema da orígem do mal e a crençade que olivre arbItrio é a causa
do pecadoeram outrosproblemasintelectuaisque ocupavama mente
de Agostinho. Em termos bem dramáticos,Agostinho perguntava:
"Quem me fez amim? Porventuranão foi o meu Deus, não só bom,
mas a mesmabondade?Donde,pois, tenho eu o querero mal, e não
querero bem, parahavermotivo por que justamentefosse castigado?
E, se eu sou todofeito por um Deus, que ésuavíssimo,quem foi o
que pôde plantar em meu coração uma raiz tão amargosa?Se o
demônio foi o autor, quem o fez a ele? Mas se ele,pela suaperversa
vontade,de ..anjo se fezdemônio,pois todo anjo foi feito bom pelo
bom Art1fice? Com estespensamentosme afogava; mas não che-
gavaaté aqueleinferno de horror, onde ninguémvos confessa,quan-
do se crêserdesantesvós o quepadeceiso mal, do que fazê-lo o
homem."18 Felizmente, através do estudo da Escritura Sagrada,
Agostinho encontrousuarespostaparao problema.Convenceu-seele
de que opecadotem a sua origem na perversãoda vontade. A dú-
vida intelectualquanto à encarnaçãodo verbo se desfezatravésdos
estudosdos escritos do apóstoloPaulo,
Levado pelo exemplo deSimpliciano,Agostinhoserviu de grande
inspiraçãona conversãodo famoso mestre de retórica - Vitorino.
Começaentão a enfrentaraquele drama de que fala Paulo, em sua
carta aos Romanos 7:9: "Outrora eu vivia sem a lei, massobre-
vindo o preceito, reviveu o pecado, e eumorri." Essa luta Intima
tornou-setão grave que ele"ouviu" uma voz que lhe dizia: "Toma
e lê." Ele, então, abriu a carta de Paulo aos Romanose leu: "An-
demos dignamente,como em pleno dianão em orgias e bebedices,
não em ímpudíclcíase dissoluções,não em contendase ciúme; mas
revesti-vosdo SenhorJesusCristo; e nada dísponhaíspara a carne
em suas concupiscências"(Rom, 13:13,14),
Como se pode verfacilmente, esseaspectoda crise daconversão
religiosa de Agostinho tem implicações morais, mas ainda assim
pode notar-se que sua conversão foi do tipo predominantemente
intelectual.
O tipo emocionalde conversãoreligiosa é bem representadopela
experiênciade Ramakrishna,apresentadaacima. Como vimos, Ra-
makríshnanão mudou de religião. Elesimplesmenteencontrouuma
expressãotípica e pessoal para os velhos princípios hindus dos
Upanishadas.Tudo que eleprocurava era "sentir" a realidade do
transcendente,o que ele alega haver alcançado através de cons-
tantes êxtasese o aniquilamentodo "eu". Ramakrishnanão pro-
curava "entender" nada; seu objetivo era "sentir". Neste sentido
podemos dizer que aconversãode Ramakrishnapoderiaclassificar-se
também como experiência mistica. Mas, para representaro tipo
de conversãomístíca, usaremosa experiênciade Pascal.
A experiênciamística, que será objeto do Capítulo VIII deste
livro, é um dosaspectosmais fascinantesda vida religiosa. No mo-
mento, trataremosda conversãode um dosmaioresmísticosde todos
os tempos, para mostrar aspectosdo fenômeno da conversãoreli-
giosa.
Conforme o relato de sua irmã, Madame Périer, antes de ele
atingir os vinte e quatro anos deidade, a providência levou Pascal
18. Santo Agostinho, Confissões, Salvador: Livraria Progresso Editora
(1955), pãg. 139.
139
à leitura de livros religiosos e,por meio dessaleitura, à conclusão
de que ocristão tinha que viver inteiramentepara Deus. Essacon-
vicção O levou ao abandonode qualquer outra investigação.Talvez
possa dizer-se dele o quePaulo disse de simesmo: "Porque decidi
nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e este crucificado"
(I Cor. 2:2).
Sob a influência puritana dos [ansenístas,Pascal convenceu-se
de quedeveriasacrificar o amor humanoem favor do amor divino,
e aos trinta anos deidade havia renunciadotudo por sua salvação
pessoal.
Mas, apesarde seu propósito de servir integralmentea Deus,
Pascal descobriu "que havia aprendidoa odiar o mundo, mas não
havia aprendido a amar aDeus". A crise religiosa de Pascal foi
agravadapor dois incidentes,que contribuframparaa suaconversão.
O primeiro foi um acidenteem uma carruagem,no qual sua vida foi
postaem grandeperigo, e ooutro foi um sermãoque ele ouviu em
novembrode 1654,sobrea necessidadede completasubmissãoa Deus.
Logo depois destesermão, Pascal teve uma vivida impressão da
presençade Deus e foi iluminado por um fogo sobrenatural. O
relato dessaexperiência é feito pelo próprio Pascal e encontrado,
depois desua morte, num pedaçode papel bastanteestragadopelo
uso eatadosobreo seu peito. A linguagemaparentementedesconexa
dessetestemunhorevela a íntensídadeda experiência.
"L'an de grãce 1654. Lundi 23 novembre,[our de St.
Clément,papeet martyr, et autresau martyrologe,Veille
de St. Chrysogone,martyr et autres. Depuis envíron díx
heureset demie desoír [usque environ minuit et demi,
Feu.
"Dieu d'Abraham,Dieu d'Isaac, Dieu de Jacob. Non
des philosophes et des savants. Certitude. Certitude.
Sentimento Joie. Paix. Dieu de Jésus-Christ. Deum
meum et Deum Vestrum. Ton Dieu sera mon Dieu-Oubli
du monde et de tout hormis a Dieu. TI ne setrouve que
par les voies enseígnéesdans l'Evangile. Grandeur de
l'âme humaine. Pêre [uste, le monde ne t'a point connu,
mais je t'aí connu. Joie, pleurs de [oíe , Je m'en suis
séparé, Dereliqueruntme fontes aquaevivas. Mon Dieu
me quitterez-vous?Que je n'en sois pas séparéeternell-
ment.
. "Cette est la vie éternelle qu'Ils te connaissentseul
vrai Dieu et celui quetu as envoyéJ.-C. Jésus-Christ.
"Je m'en suis séparé; je l'ai fui, renoncé, crucifié.
Que íe n'en sois jamaisséparé, Il ne se conserve quepar
les voiesenseígnéesdans l'Evangile. Renonciationtotale
et douce. Soumission totale à Jésus-Christet à mon
directeur. Eternellmenten joie pour un jour d'exercice
sur la terre. Non oblívíscarsermonestuos. Amen."19
19. Blaise Pascal, PensêesFragmentaet Lettres d.e Blaise Pascal, citado
por Robert Thouless, op. cit., pâgs, 210 e 211.
140
Como podemosobservarno texto, o latim mistura-secom ofran-
cês e aspalavrasde Pascalfundem-secom passagensda Escritura.
A conversãomístíca é tão profundae inefável que mesmo um gênio
como Pascalse torna confuso emsua expressãoverbal. Vemos aqui
que a vontadeprópria e a razão,por assim dizer,desaparecem,para
dar lugar ao sentimentoe à completasubrmssãoà vontadede Deus.
Na opinião de alguns autores,somenteessa experiênciaé propria-
mente uma conversãoreligiosa. Pessoalmente,optamos pela idéia
de que emtodaconversãogenuínahá um elementomístico, masnem
toda conversãorelígíesa tem a mesma profundidadeda de Pascal
ou de outros gênios religiosos daHistória.
Muitasvezes, aconversãoreligiosa é predominantementedo tipo
moral. Aqui o índívíduo não tem grandesproblemasintelectuaise
nem buscasentir algo estranhoou absolutamentenovo emsua vida.
Ele simplesmentesabeque há algo errado em sua vida moral e pro-
curana religião a forçaparauma vida digna e socialmenteaceitável.
Essa conversãoé muito semelhanteà do alcoólatraque se filia aos
AlcoólatrasAnônimos eaceitao seu credopara livrar-se do terrível
vícío. Os frutos dessaconversão,entretanto,podem ser muito salu-
tares e duradouros.
SUMÁRIO
A conversãoreligiosa é o marco inicial dos estudosde psicolo-
gia em sua modernaconceituação.
Houve exageradaênfasesobre oassuntoe alguns deram a en-
tender que era a conversãoreligiosa o único aspectodo fenômeno
religioso queinteressavaao psicólogo.
Por outro lado, osmovimentosliberais em teologia e emeduca-
ção religiosa levaram os psicólogos da religião aabandonarquase
por completo oestudo da conversão.Achamos quetanto a dema-
siada ênfasecomo o abandonorepresentamposições que devemser
evitadas.A conversãoreligiosa não é o único aspectodo fenômeno
religioso queinteressaao psicólogo,nem tampoucopode eleignorá-la,
pois é uma dasexperiênciasmais marcantesda vida humana.
Dependendodo ambienteem que o indivIduo vive e dos vários
aspectosde experiênciasprévias, a conversãoreligiosa pode dar-se
como algo momentãneoe quasesempreacompanhadade mudança
dramática e radical na vida do homem ou podeacontecercomo
processogradual marcadopor um ponto que é consideradopelo in-
dividuo como momento de sua conversão.Qualquer das duas expe-
riências terá grande significação espiritual, mas o primeiro tipo é
característícodos maioresgênios espirituaisda humanidade.
OAO
A conversãoreligiosa de Paulo deTarso, John Bunyan, George
Fox e Ramakrishnasão exemplos típicos dessaexperiênciae suge-
rem que adinâmica do fenômenoé basicamentea mesma, quer no
cristianismo quer fora dele, apesardas diferençaseventuais.
O processo daconversãoreligiosa abrangepelo menos quatro
estágiosfundamentais:o período deinquietação,o período crítico,
o período de paz, que segue a solução da crise, e o período da ex-
pressãoconcretaatravésdo comportamentodo indivíduo.
Entre os fatores que influenciam a ocorrênciada conversãoreli-
giosa doponto de vista psicológico podemosmencionar: os conflitos
interiores causadospor inquietaçõeséticas e espirituais e o desejo
de harmonizá-los; o contato com dada tradição religiosa, isto é,
a influência do mundo interpessoalsignificativodo individuo, salien-
tando-seaqui a influência dos pais; aprópria adolescênciaé consi-
deradacomo fator da conversãoreligiosa, se bem que sereconheça
que a conversãoocorre emoutras faixas etárias,o que significa, ao
menosparanós, que aconversãoreligiosa não éfenômeno"exclusi-
vamenteadolescente",como queremalguns.
Se bem que aconversãoreligiosaseja um fenômeno queabrange
toda a vida dohomem convertido,em todos os seus aspectos,pode-
mos indicar certas características predominantesem cada caso. A
conversãode Agostinho, por exemplo, épredominantedo tipo inte-
lectual. A conversãode Ramakrishnaé mais emocionaldo que inte-
lectual ou moral. Na conversãodo tipo místico, representadaaqui
por Pascal,a alma une-sea Deus e essaunião torna-seem si mes-
ma um fim. A preocupaçãoaqui não é nemintelectual nem moral
nem necessariamenteemocional. T,rata-sedo movimento do ser ao
encontromístico com o Todo. Daipor que alguns advogamser esse,
rigorosamentefalando, o único tipo deexperiênciaque pode real-
mente chamar-sede conversãoreligiosa. Somos de opinião,entre-
tanto, que em toda genuína conversão religiosa há um elemento
místico, mas nãonegamosa autenticidadede uma experiênciareli-
giosa simplesmenteporque elanão chega a ter as mesmascarate-
rístícasda experiênciade Pascalou de qualqueroutro grandegênio
da humanidade.Finalmente,a conversãoreligiosa pode ser do tipo
predominantemoral. Aqui a maior preocupaçãodo indivíduo é en-
contrar a força ética para um viver socialmenteaceitável. Ordina-
riamente, é esse o tipo deexperiênciacomum a indivíduos que se
unem a movimentoscomo o RearmamentoMoral ou aosAlcoólatras
Anônimos.
142
Capítulo VI
MATURIDADE RELIGIOSA
Este capitulo, de certo modo,relaciona-secom todos osoutros
capítulos que tratam da evoluçãoespiritual do homem. Já vimos
como os conceitos religiosos dacriança diferem consideravelmente
dos conceitos dos adolescentes, doadulto ou da pessoaidosa. Em
cadauma dessas fases da vida, a religiãoparececumprir finalidades
especlficas, eapresentacaracterísticastípicas em cada uma dessas
idades.
Do mesmo modo que seesperaque o serhumanose desenvolva
fisicamente e chegue adesempenharas funçõesnormais do corpo
e asatividadesnormaisa todos os homens,espera-setambémque o
homem alcancematuridadeemocional eespiritual. Sabe-se,entre-
tanto,que,na realidade,assim nãoacontece.Tanto física como emo-
cionalmente,há milhares de sereshumanosque, por circunstâncias
várias, nãoatígírame jamais atingirão um grau satisfatóriode ma-
turidade,quer do ponto de vista físico quer do ponto de vista emo-
cional. A longa história religiosa do homem comprova que nem todos
que professamuma fé alcançamnecessariamentematuridadeespi-
ritual. Nem todos podem dizer como Paulo:"Quandoeu era menino,
falava como menino,sentia como menino,pensavacomo menino;
quando cheguei a ser homem, desisti das coisas de menino" (I Cor.
13:11). Multoscontinuam a falar, a sentir e pensarcomo crianças
espirituais; nunca crescem,nunca amadurecem.No dizer do autor
aos Hebreus, são índívlduos que, pelo tempo,já deviam ser mestres,
14....
mas ainda necessitamdos ensinosrudimentaresda fé; precisamde
leite, porque ainda não podemtomar alimento sólido (Heb. 5:11-14).
Clark sugere que maturidadereligiosa pode ser definida de dois
modos: doponto de vista do individuo, e, nessecaso, representao
ponto máximo de seudesenvolvimentoreligioso, ou doponto de vista
abstrato, segundo o qual maturidade religiosa seria um conceito
ideal pelo qual o desenvolvimentode cadapessoaé avaliado. Sugere
tambémo mesmoautor que, paracompreender-seo conceito de ma-
turidade religiosa, é necessárioadotar-seuma definição de religião,
pois sem este conceito não poderíamosavaliar o outro. Clark define
religião como sendo "a experiênciainterior do individuo ao sentir
o sobrenatural,especialmentequando este sentir se evidencia atra-
vés dos efeitos dessa experiência sobre o seu comportamento,e
ele ativamente procura pôr sua vida em harmonia com esse So-
brenatural".! A luz dessadefinição, podemosconcluir que, na pes-
soa normal, o conceito de maturidade religiosa envolve a cons-
ciência de Deus ou dealguma realidade cósmica, uma experiência
interior e uma expressãoexterna desse amadurecimentoespiritual.
Orlo Strunk Jr. define maturidade religiosa como "a organi-
zação dinâmica dos fatores cognitivos-afetivos-conativos,que pos-
sui certas característicasde profundidade e altitude - incluindo
um sistema de crença altamente consciente,articulado e purgado,
por processoscríticos, de desejos infantis, intensamenteadaptável
e bastantevasto para encontrar significado positivo em todas as
vicissitudes da vída".s Tal sistema de crença, prossegueo autor
citado, ainda que decarátertentativo, incluirá a convicção da exis-
tência de um Poder Ideal com o qual a pessoasente uma continui-
dade amigável, convicção essa baseadaem autoridadee em expe-
riências inefáveis. A relação dinâmica entre o sistema de crença
e os fatos da experiênciaproduzirásentimentosde admiraçãoe reve-
rência, um sensode unidadecom o Todo,humildade,elaçãoe liber-
dade; e, com grande consistência,determinará o comportamento
responsáveldo individuo, em todas as áreas de reaçõespessoaise
ínterpessoaís,incluindo esferascomo moralidade,amor, trabalho,etc.
Como se vê, esseconceito de maturidade religiosa é bastante
amplo e abrangente.O que temos aqui é, de fato, uma sintesedas
idéias de vários teóricos que sepronunciarama respeito do assunto.
Servindo-nosdo trabalhode Strunk, Mature Religion: A Psycho-
logical Study, resumiremosa concepçãodematuridadereligiosa de
vários autores por nos parecer este o melhor meio de entender o
conceito. Convém ressaltar que as afirmações de Strunk, muitas
vezes, sãobaseadasem inferências,e não necessariamenteem afir-
1. Walter H. Clark, op. cit., ]1ág. 241.
2. Orlo Strunk Jr., Mature R,eligion: A Psychological Study, New York:
Abingdon Press (1965), pág. 144.
144
mações diretas dos autores citados. Sempre que possível,tentare-
mos substanciaressasafirmaçõesconferindo as obrasoriginais dos
escritoresmencionadospor Strunk.
Partindo de quatro conceitos fundamentaisda doutrina freu-
diana, a saber,que o homemé basicamenteum ser egocêntrico,que
emoçõesirracionais são a base dequase todo comportamentohu-
mano, que ohomem tem uma forte tendência a racionalizar seu
comportamentoe que asatitudes de adultos têm suas raízes nas
experiênciasda infância, Strunk conclUi que,para Freud, "qualquer
religião quetrata apenasde idéiase conceitosinteletuaisé fragmen-
tária e, provavelmente,falsa".3 Visto que na concepçãodinâmica
da psicanálisea vida humanaé um desenvolvimentocontinuo em
que a faseseguintese relacionavitalmente com a antecedente,con-
clui-se tambémque, para Freud, "a religião amadurecidatem como
uma de suas característicasa consciênciade quesuasraizes seen-
contram em relaçõesanteriores".4 Finalmente,a crença freudiana
de que aúnica esperançapara o homemconsisteem sua habilidade
de Sintetizar seus ínstíntos, razão e consciência,implica em que
uma das característícasde maturidadereligiosa sejasua capacidade
de encontrara correta relaçãoentre aquilo que é e aquilo que deve
ser. Afirma Orlo 5trunk que, do exposto, se conclui que areligião
amadurecidanão será exclusivamenteintelectual. Incluirá emoções
e intelecto e será tanto conscientecomo inconsciente. Incluirá a
consciênciade que o comportamentoadulto pode ter suas raízes
nas experiênciasda infância, mas a religiãoserá amadurecidana
proporção em que selivra dos desejosinfantis, e, acima de tudo,
quando leva o homem a compreendera relação entre aquilo que é
e aquilo que deveser.
Apesar denão termos, nostrabalhosde Carl Jung,uma posiçao
quantoao conceito dematuridadereligiosa, os objetivos desua prá-
tica psíeoterapêutícasão basicamenteos mesmos queesperaríamos
encontrarnuma pessoareligiosamenteamadurecida.Por inferência,
Orlo Strunk chegaàs segUintes conclusõesquantoà idéia dematuri-
dade religiosa nosescritos de Jung:
"A pessoa religiosamenteamadurecidaé aquela que
se torna conscientedos fatores religiosos ínconscíentes
do seu psiquismo, queexperimentaos símbolos religiosos
e vive de acordo com eles. Aexperiênciadessesfatores é
de tal naturezaque será inefável e completamenteauto-
ritária, isto é, a pessoareligiosamenteamadurecidaterá
tido uma experiênciareligiosa de profundasproporções,
de naturezapeculiarmentemisteriosa,mas absolutamente
'verdadeira',do seu ponto de vista. A vida interior da
pessoa, enão afirmaçõesexterioresde credos ou depa-
drões éticos especIficos,definirá sua maturidade. Final-
------
3. Id. ibid., pâ.g. 25.
4. Id. ibid., pág. 26.
145
mente,se bem que apessoareligiosamenteamadurecida
não se conforme às expectaçõessociais comuns - visto
que ela removeua máscarano processo deindividualiza"
ção - quase sempre ela pode ser identificada por seu
profundo respeito aos fatos e eventose aos individuos
que por elespossamser afetados."fi
A posição deErich Fromm é bem mais clara do que a deFreud
ou a de Jung, quanto à maturidadereligiosa. Em sua vasta pro-
dução literária, Fromm claramentedefendea posição de que"ma-
turidade é a realizaçãodos poderesracionaisdo homem,bem como
a sua capacidadede amar e de realizar trabalho produtivo".G
Fromm define religião como "qualquer sistema de pensamento
e açãoseguidopor um grupo e capazde conferir ao indivíduo uma
linha de orientaçãoe um objeto de devoção"," Distingue ele entre
religião humanistae religião autoritária. A primeira é baseadana
razão e, conseqüentemente,é amadurecida; a segundaé baseada
nos desejosinfantis e, conseqüentemente,imatura. Em suas pró-
prias palavras,é assim que Fromm distingue a religião humanista
da religião autoritária: "A religião secular,autoritária,segueo mes-
mo princípio. O Fuehrerou adorado"Pai do seu povo", o Estado,
a Raça ou o Vaterland Socialista tornam-seobjeto de devoção; a
vida do indivíduo torna-seinsignificante, e o valor do homem con-
siste precisamentena negaçãodo seuvalor e força. Freqüentemente,
a religião autoritária postula um ideal tão abstratoe distante,que
perdeas conexões com a vidareal do povo, como este seapresenta.
O bem-estarpessoal ésacrificado a ideais,como, por exemplo, "a
vida eterna" ou "o futuro da espéciehumana"; os fins justificam
todos os meios etornam-sesímbolos, em nome dosquais as elites
religiosas ou secularescontrolam os seussemelhantes.
"A religião humanista,ao contrário, está centralizadapela idéia
do homem e das suas potencialidades.O homem deve desenvolver
a força da sua razão,para que possaentendera si próprio, as suas
relaçõescom osseussemelhantese o lugar que ocupano universo.
Ele devereconhecera verdade,tanto no que serefere às suaslimi-
tações, como às suas pontecialidades.Cabe-lhe desenvolvera sua
capacidadeafetiva, não apenasem relação ao próximo, como a si
mesmo, eexperimentarsolidariedadepor todas as coisasvivas. Na-
turalmente, ele precisa de príncípíos e normas para guiá-lo nesse
sentido: a experiência.religiosa, nessaespécie dereligião, é a expe-
riência de união com o universo como o homem o concebe esente.
O objetivo humano consisteem atingir a máxima força, e não fra-
queza; avirtude é a realizaçãopessoal,e não a passividadeda obe-
diência. A fé, na religião humanista,alicerça-sena certezada con-
G. Id. ibid., págs 44, 45.
6. Id. ibid., pág. 52.
7. Erich Fromm, Psicanálisee Religião (tradução de Iracy Doyle), IUo:
Editora Civilização Brasileira (1956), pág. 21.
146
víeçãoobtida atravésdas experiênciasintelectuaise emocionais, ao
passo quena religião autoritária o homem aceita as proposições
porque acreditaem quem as formulou. Na religiãoautoritária,o hu-
mor predominanteé de tristeza e culpa; na religião humanista,o
tom emocionalprevalenteé de alegria."8
Dentro de sua visão psícanalítíca,Fromm advoga que oamor
de Deus tem como base o amor que acriançaexperimentana cons-
telação familiar. Diz ele:
"O amor por Deus não pode serseparadodo amor
pelos pais. Se uma pessoa não emerge da ligaçãoinces-
tuosa com a mãe, o clã, a nação, se conserva adepen-
dênciainfantil para com um pai que pune erecompensa
ou paracom qualqueroutra autoridade,não pode desen-
volver amor mais amadurecidopor Deus;então,sua reli-
gião é a da primitiva fase religiosa, em que Deusera
sentido como mãe que tudoprotegia ou comopai que
castigavae premiava."9
O outro conceito de Fromm, que serelacionadiretamentecom a
idéia de maturidadereligiosa, ésua teoria quanto a trabalho pro-
dutivo. ESte conceito muito seassemelhaà idéia de "geratívídade'[
de que fala Erikson, conforme apresentamosno capttulo sobre a
religião do adulto. A pessoaprodutiva é aquelavivamenteinteres-
sadaem transformarpara melhor, por meio de esforçoconstante,
tudo aquilo que lhe vemàs mãos. A pessoareligiosamenteamadu-
recida, portanto, seria aquela de profunda consagraçãoespiritual
e perfeitamentecônscia de suas responsabilidadespara consigo
mesma epara com o próximo. Emsuaspróprias palavras,Fromm
declara:
"A pessoa verdadeiramentereligiosa, se segue a es-
sênciada idéia monoteísta,não pede coisa alguma,nada
esperaobter de Deus; não ama a Deus como um filho
ama seu pai ousuamãe; adquiriu a humildadede sentir
suas limitações até ograu de saber que nada sabe a
respeito de Deus. Deustoma-separaela um símbolo em
que o homem,numa etapaanterior de sua evolução, ex-
pressou atotalidade daquilo por que o homemluta, o
reino do mundoespiritual, do amor, da verdade, dajusti-
ça. Tem fé nospríncípíos que 'Deus'representa;pensa
verdade, vive amor ejustiçae consideraa sua vidainteira
como só valiosaenquantolhe dá ocasião dealcançarum
sempremais amplodesdobramentode seuspodereshu-
manos - como a única realidade que importa, com o
único objetivo depreocupaçãoúltima - e acabanão fa-
lando a respeito de Deus, nem mesmomencionandoseu
nome. Amar a Deus, setal pessoa fosseusar estaexpres-
são,significaria, então, ansiarpelo atingimentoda plena
capacidadede amar, pela realização daquilo que 'Deus'
representaem alguém."10
-----
8. Id. ibid., pâg's, 33, 34.
9. Erich Fromm, A Arte de Amar (traduçãode :'li1ton Amado). Belo H(,-
rizonte: Editora Itatiaia Limitada. (1960), pâg. 110.
10. Id. ibid., pá gs, 99. 100.
Finalmente, à semelhançade Otto, Fromm preconizou que a
religião amadurecidase caracterizapor um senso do maravilhoso no
universo. A pessoagenuinamentereligiosa preocupa-se comas ma-
ravilhas e os problemas da vida e do mundo. Além disso, a pessoa
religiosa tem o sensode unidadecom o universo. É essa,aliás, uma
das característicasda experiênciamística. O homem sente-seliga-
do não só ao seu semelhante,mas à própria vida e ao universo.
Strunk sintetiza o pensamentode Fromm a esserespeito, che-
gando às seguintesconclusões:
A pessoa religiosamente amadurecidaintegrará as formas de
religião que salientamo raciocínio adulto e é livre das fantasiasde
onisciência e onipotência, caracterlsticasda religião infantil.
Na sua concepçãode Deus, apessoareligiosamenteamadurecida
o verá como símbolo dos poderesdo próprio homem,e não como um
símbolo externode força e poder.
A pessoareligiosamenteamadurecidaamaráo seupróximo como
a si mesma,sendo este amor uma ativa preocupaçãopela vida e o
desenvolvimentodo objeto amado.
A religião da pessoa religiosamenteamadurecidadará ênfase
à produtividade,e não à receptividade,exploração,ganânciaou tran-
sação comercial; isto é, a maior preocupaçãoda pessoareligiosa-
mente amadurecidaserá a transformaçãode potencialidadesem rea-
lidades.
A pessoareligiosamenteamadurecidamanifestaráprofunda hu-
mildade, perfeitamentecônscia. de quenada pode saber da verda-
deira naturezade Deus, e,conseqüentemente,não deve julgar a re-
ligião de seu próximo.
A pessoareligiosamenteamadurecidaé aquela que é cheia do
senso do maravilhoso e de preocupação- faz perguntassobre a
existência e preocupa-secom o significado último da vida.
Ao lado dessapreocupação,a pessoareligiosamenteamadurecida
tem o profundo desejode se tornar um com o universo; o desejode
se uni); aoTodo.11
William James,em seu famoso livro The Varieties of Religious
Experience,se bem que não trate diretamentedo assuntosobre ma-
turidade religiosa, apresentadois conceitosque muito se aproximam
da idéia. Um deles é a sempre citada diferença entre "religião da
mentesadia" e "religião da mente doentia", e' a outra é a noção de
santidade.A diferença entre "religião da mente sadia" e "religião
da mentedoentia", que correspondemà maturidadee à imaturidade
11. Orlo Strunk Jr., Mature Religion, págs.. 6-4.65.
religiosa, respectivamente,ao menos emlinhas gerais, serádiscutida
mais amplamentequando-tratarmos do assunto religião e saúde
mental. A idéia de "santidade"é a que mais seaproxima do con-
ceito de maturidadereligiosa no trabalho de James.
James advoga que"santidade" é característicacomum a toda
genuínaexperiênciareligiosa e tem pelo menosquatro aspectosfun-
damentais.
Em primeiro lugar, a pessoareligiosamente amadurecida,de
caráter santo, no dizer de W1lliamJames,sente que sua vida faz
parte de um universomuito mais amplo do que os seusmesquinhos
interessespessoais.Parte deste sentimentoé a convicção da exis-
tência de um PoderIdeal. Para James,portanto, uma das caracte-
rísticas do amadurecimentoreligioso é aquilo que Buckechama de
consciênciacósmica.
A segundacaracterísticade maturidadereligiosa, segundoJa-
mes, é o senso decontinuidade amigável com o PoderIdeal e a
docUidade em sesubmeterao seudomínio.
Outra característicada maturidadereligiosa é que a pessoaexpe-
rimentaum profundosenso deelaçãoe liberdade,diminuindo, assim,
sua preocupaçãocom o próprio "eu".
Finalmente,na pessoareligiosamenteamadurecida,o centroemo-
cional da vidamudana direção doamor e de afeiçõesnarmomosas.w
Talvez nenhum psicólogocontemporâneotenha dito mais sobre
este assunto de maturidadereligiosa do que GordonAllport. Seu
livro, The Individual and Bis Religion, já mencionadovárias vezes,
é, de fato, obra fundamentalpara quantosqueiram estudara psi-
cologia dos fenômenos religiosos.Através de suas obras, especial-
mente daquelasque tratam do desenvolvimentoda personalidade,
Allport apresentaseu conceito depersonalidadeamadurecida.A per-
sonalidadeemocionalmentemaduratem, conforme Allport, seiscarac-
terístícasfundamentais.
1) A extensãodo "eu" é a primeira marca da personalidade
amadurecida.Sabemos que o "eu" dacriança é demasiadolimitado
para incluir "outros". Vimos, no estudo da religião daadolescência,
que nessaidade seinicia o processo deexpansãodo "eu" e o ado-
lescenteé capazde amar a "outros"e de inclui-los no seu próprio
"eu". Sem essaextensãodo "eu" não pode haver amor, e ainca-
pacidadede amar é um dossinais mais claros deimaturidadeemo-
cional.
2) A pessoa amadurecidamantém boas relações comoutras
e tem capacidadede ajustar-sesocialmente.zsseajustamentosocial
inclui tanto a capacidadede se envolverprofundamentena vida do
12. WilIiam James,The Varieties of Religious Experience,pâgs. 207, 208.
149
semelhantee manter amizades,como também a capacidadede en-
carar os fatos sociais comcerta distância emocional, para se não
deixar dominar pelas frustrações,que resultaria de tentar levar o
mundo nas costas,à semelhançade Atlas.
3) Segurançaemocionalé outra. característicada personalidade
amadurecida.A estabilidadeemocionalleva ohomema comportar-se
realisticamentee evita que ele se dê aformas ridlculas de compor-
tamento,que seriam próprias, talvez, de outras fases da vida,mas
não se justificam no caráter adulto.
4) A pessoamaduratem tarefas,habilidadese percepçõesrea-
listas. A personalidadeamadurecidanão se dá aolabor inútil de
ocultar 9. realidadecom fantasias.
5) A pessoaamadurecidaserá capazde participar no processo
de auto-objetivação.A personalidadeamadurecida,portanto,é capaz
de autocrítica. E capaz também de rir-se de si mesmae ordina-
riamenteé dotadade profundo senso dehumor. O senso dehumor,
na linguagemde Allport, é a técnica pela qual nosdesfazemosde
muitas irrelevânciasda vida e acapacidadede rir das coisas que
amamose ainda assim continuar a amá-las.
6) Finalmente,a pessoaamadurecidaterá uma filosofia unifi-
cada de vida. A personalidadeamadurecidaé aquela que secarac-
teriza por um claro edefinido senso dedestino e de propósito. Se
a vida é vivida apenasao sabor do momento,na base deimpro-
visaçãoe variaçõesde humores,isto significa que a pessoanâo al-
cançou grau desejável de amadurecimentoemocional. O homem
precisade um motivo central que seconstituaa norma e o alvo de
sua vida. Construir, portanto,uma coerentefilosofia de vida e viver
por ela é bom indicio deamadurecimentoemocional.
Quanto à maturidadereligiosa propriamentedita, Allpol't apre-
senta tambémseis característicasfundamentais:
1) A religião amadurecidaé, em primeiro lugar, bem diferen-
ciada. Atravésde um longo processocritico de reflexão e discrimina-
ção, ohomemdeixa decrer apenasporquealguémlhe ensinoucertos
príncípíosreligiosos epassaa ter suas próprias razões decrer. Os
ensinosque antes foram meramente"aceitos" agora são integrados
na vida e'fazem parte essencialde tudo que ohomem é e faz Ou-
tro aspecto dessa diferenciação,observa Clark,é que o índívlduo
é capaz de rejeitar certos aspectosirrelevantesde sua instituição
religiosa e aceitar outros que lhe parecemmais significativos.
2) Outra característicada maturidadereligiosa f! Sua autono-
mia funcional. Isto é, "a religião amadurecidatem uma força mo-
tivacional própria completamenteindependentedos impulsosorgâ-
nicos originais e das necessidadespsicológicas que possamter mar-
150
cado suaorigem".l3 No dizer deStrunk, isto significa que apesarde
o sentimentorel1giososer defato derivativo - isto é, orígínar-sede
disposiçõesinfantis, tais comoinquietaçãoorgânicae desejos egoís-
ticos - ele passa, nãoobstante,por profundastransformações.Na
sua forma amadurecida,o sentimentorel1giosoassumecaracterísticas
próprias e torna-se um motivo dominantena vida, capaz defun-
cionar como ponto dereferênéíápara todas as ações dohomem.
Em outraspalavras,ele é dínãmíco.semser fanático ou compulsívo.ts
3) Em terceiro lugar, oamadurecimentoreligioso caracteriza-se
pela consistênciade suas conseqüênciasmorais. Na pessoa religio-
samenteamadurecidaexiste estreita e consistenterelação entre o
que o índívíduo crê e o seucomportamentocotidiano, ou, comodiria
Jesus Cristo: "Por seusfrutos os conhecereis" (Mat. 7:16).
4) A religião da pessoaemocionalmenteamadurecidaé de ca-
ráter amplo eabrangente.É a religião que sepreocupacom ospro-
blemas emocionais da vida e ao mesmo tempo dárespostas"vividas"
a essesproblemas. Essa religião énecessariamentetolerante. Ou,
nas palavras do próprio Allport, "a religião amadurecidaafirma
'Deus é', mas somentea religião imatura dirá 'Deus éprecisamente
o que eu sei que eleé' ".15
5) A religião amadurecidaé de natureza integrativa e está
harmoniosamenterelacionadacom o contextogeral davida. A reli-
gião de uma pessoa não podeser separadados demais aspectos de
sua existência. Departamentalizara vida e separara religião das
demais atividadesdo homem é prova deimaturidadereligiosa.
6) Finalmente,a religião amadurecidaé de caráterheurístico.
Isto significa que a fé éapenasuma hipótesede trabalho; nuncaé
definitiva, mas estásempresujeita à dúvida; todavia,apesardas in-
certezas,é possívelhaver completa devoção ao objeto denOSSa fé.
Outro autor apresentadopor Strunk é Viktor Frankl. A impor-
tância de Frankl para a psiquiatriacontemporâneaé multo grande,
especialmenteporque ele buscou a base desua teoria na experiên-
cia própria, num campo deconcentração,durantea SegundaGUerra
Mundial. O movimento por ele iniciadochama-selogoterapíae ba-
seia-seno pressupostode que oproblema essencial daexistência
humanaé o sentidoda própria vida. Enquantoo homem tiver uma
razão para viver, terá esperançasmesmo em face dasituaçãomais
desesperadorada vida. Se o homem tiver um porquê,serácapaz de
suportarqualquercomo, dizemos logoterapistas.
É verdade queFrankl não se dirigediretamenteao assuntode
maturidadereligiosa, mas, de seus ensinospsícoterapêutícos,podemos
13. Walter Clark, op. cit., pâg', 245.
14. Orlo Strunk, Mature Relillion, pãg'. 96.
15. Gordon Allport, The Individual and Hi. Relillion, pâg, 69.
151
inferir certos princípios e normasde avaliaçãoda maturidadereli-
giosa deuma pessoa. Na opinião deFrankl, o mundo padece de
quatro sintomasfundamentais.a saber: tem uma atitude de indife-
rença para com a vida efalta de planos definidos para o futuro,
porque o mundo moderno,especialmentea Europa, vive sob opesa-
delo de uma destruição atômica. Essa indiferença e incerteza de
sobrevivênciado homem moderno levam-no a uma atitude fata-
lista paracom a vida emgeral. O terceirosintomaé o que elechama
de pensamentocoletivo, isto é, em sua tentativade fugir ao aniqui-
lamento,o homemmassíríca-se,pensao que os órgãos depropaganda
de qualqueragênciadizem e vendesua expressão pessoal porqual-
quer migalha de aceitaçãopelo grupo. Oquarto sintoma de que
fala Frankl é o fanatismo que predominana vida do homem mo-
derno. Esse fanatismo expressa-setipicamente em certos jargões
e frases "clichês" que nemsemprese relacionamcom os fatos, mas
que lhe oferecemcerto senso desegurançae continuidadecom o
grupo humanoa que desejapertencer.
Baseado nos pontos acimamencionados,Strunk infere que, para
Frankl, a religião amadurecidatem duas característicasfunda-
mentais:Em primeiro lugar, ela conteráos ingredientesque ajudam
o homem aencontrarsignificaçãono viver, especialmenteem face
do sofrimento. E, em segundo lugar, a religiãoamadurecidadará
ênfase à liberdade do homem e exigirá deleresponsabilidadee
dedicação.
Poderíamosmultiplicar o número de autores que falam sobre
a maturidade religiosa, mas terminaremosessa excursão com as
normasde avaliaçãoda maturidadereligiosaapresentadaspor Strunk
no quadroque segue, e com oscomentáriosem torno dessequadro:
152
CARACTERISTICAS DA MATURIDADE RELIGIOSA
Cognitivas - (Crenças)
Livre de idéias infantis (Freud)
Incluirá emoção eintelecto, fato-
res conscientese inconscientes
(Freud),
Organizaráinstintos, razãoe cons-
ciência (Freud).
Terá profundo respeito aos fatos,
eventos e a outros indivlduos
(Jung),
Consciênciados fatores religiosos
no psiquismo (Jung).
Convicção da existência de um
Poder Ideal (James).
Deus como símbolo dospoderesdo
homem (Fromm).
Fé critica (Allport)
Fé articulada (Allport)
Fé abrangente(Allport)
Dará ênfaseao significado da vida
(Frankl)•
Afetivas - (Sentimentos)
Experiência de fatores religiosos
inconscientes(Jung)
Experiênciaautoritária (Jung)
Experiênciainefável (Jung)
Vida interior enriquecida (Jung)
Admiração e reverência (FrommJ
Senso departícípaçãode um uní-
verso mais amplo (James)
Unidade com o Todo (Fromm)
Elação e liberdade (James)
Conativas - (Ações,
Viver de acordocom osfatores re-
ligiosos do psiquismo. Amar o
próximo (Fromm).
Produtividade (Fromm)
Continuidadeamigável com o Po-
der Ideal (James)
Moral consistente(Allport)
Amor à vida (James)
Dinâmica (Allport)
Dedicaçãomesmo em face daín-
certeza (Allport)
Liberdade,responsabilidade,consa-
gração (Frankl)·
...
セ + Adaptado de Mature Religion, por Orlo Strunk Jr. (196;;).
o exame dessequadro mostra que todos essesautores pare-
cem concordar com os seguintespontos:
A religião é amadurecidana proporçãoem que épurgada das
característicasde religião infantil. Stolz afirma, com justeza, que
na personalidadeamadurecidareligião não é mágica, mas visão,
imaginação,poder e cooperação com Deus. Poroutro lado, a reli-
gião imatura é ao mesmo tempo fuga darealidadee ópio que dá
à sua vítima um falso senso desegurança.Na religião amadurecida
o homemterá independênciade juízo e de ação. Nela o homem se
emancipaemocionalmentedas tradiçõese da rigidez daautoridade
externa. Ao invés de obediênciaà letra da lei, a pessoa religiosa-
mente amadurecidatem uma atitude criativa baseadano espírito
da lei. Ao invés deregras inflex1veis, ela adotaráprincípios gerais
aplicáveis asituaçõesconcretas.
Maturidade religiosa implica na convicção daexistênciade um
Ser Supremo e de idéias básicas sobre a vida e o universo. Essa
convicção dásuficiente sentido à vida do homem e leva-o a um
comportamentomoral consistentecom sua filosofia de vida esuas
crençasreligiosas.
Finalmente, a maturidadereligiosa caracteriza-sepela capaci-
dade deamaro próximo, de ser humilde, de ser criativo, deajustar-
se socialmentee de serconsagradoaos objetivossupremosda vida
como concebidos pelo indivIduo.
SUMARIO
Assim comohá a possibilidade de um serhumano atrofiar-se
no processo do seu desenvolvimento flsico emental, isto também
porte acontecer com relação à sua experiência religiosa. Alguns
amadureceme produzemfrutos espirituais;outros permanecemima-
turos e grandementeestéreis.
Maturidade religiosa não pode ser definida em separadoda
maturidadeemocional do homem, se bem quetenha suas caracte-
rísticas dístíntívas,
Dentre os numerososautoresque direta ou indiretamentefala-
ram sobre maturidadereligiosa, salientamosos seguintes:
ParaFreud, a religiãomaduraé aquela capaz desintetizar ins-
tintos, razão e consciência e delevar o homem a umacompreensão
adulta da realidade, livrando-o de desejos edependênciainfantis,
. tornando-o cônscio da diferença entre aquilo que é e aquilo que
deve ser.
Para Jung, a pessoareligiosamenteamadurecidaé aquela que
experimentaa verdadeespiritual num nível tão profundo que essa
154
experíêncía,embora inefável, torna-se não só a fonte deautori-
dade para a pessoa, mas opróprio leit Motiv de sua existência.
Para Erich Fromm, a religiãoamadurecidaé a do tipo huma-
nista, que, por sua conceituação,será livre de fantasias infantis,
caracterizadapor profundo amor ao próximo, mística em sua na-
tureza mais profunda,humilde e cheia de simpatia para com o
semelhante.
No dizer de William James,o verdadeiro santo, que para ele
significa a pessoaamadurecida,é aquele quesente fazer parte de
um universo muito mais amplo do que seusmesquinhosinteresses
pessoais ou, poroutraspalavras,é o indivlduo que possuiuma cons-
ciência cósmica. A religião amadurecidaé aquela que dá aoho-
mem o verdadeirosenso deliberdade, ou, como disse Jesus Cristo:
"E conhecereisa verdade, e a verdade vos libertará" (João 8:32).
Para Viktor Frankl, a religião amadurecidaserá aquela que
dá ao indivlduo uma razão para viver, apesarda tragédia pessoal
ou dos infortúnios da existência. Será aquela religião capaz de
tornar o homem responsavelmentelivre e de levá-lo a dedicar-se
integralmentea uma causasupremaque se constitui o centro de
sua lealdade.
Finalmente,para Gordon Allport, a maturidadereligiosa apre-
sentaseis caracterlsticas:
a. A religião amadurecidaé bem diferenciadaatravés de um
processoconscientede autocr1tica em que o indivíduo transforma
em sua própria a experiênciareligiosa meramenterecebidade seu
grupo social.
b. A religião amadurecidaé aquela que tem grande poder
transformadore diretor na vida do homem. Oindivíduo religiosa-
mente maduro é dinâmico,sem ser fanático ou compulsivo em seu
comportamentoreligioso.
c. A religião amadurecidaexpressar-se-áatravésde frutos no
comportamento,isto é, elaproduz uma condição decoerênciaentre
o que o homem crê e o que faz.
d. A religião amadurecidaé tolerante e pronta a reconside-
rar sua própria posição.
e. A religião amadurecidatem função integradorae abrange
o contexto geralda vida.
f. Finalmente,a religião amadurecidaé de caráter heurístico,
isto é, será sempreuma busca daverdade integral.
155
Capítuio VII
ORAÇÃO E ADORAÇÃO
Oraçãoe adoração,se bem quetenhamcaracterIsticaspeculia-
res, relacionam-setão intimamente que podem serestudadasnum
só capítulo. E o que faremosno presentetrabalho.
Oração
A oração é uma das experíêneíasreligiosas mais comunsentre
os homens. E provável quenem todos concordemcom certas defi-
nições de oração, mas todosoram de uma ou deoutra maneira,
dependendodas circunstâncias.
Murray Ross fez umapesquisaentre jovens universitários e,
de um total de 2.000estudantes,somente15% delesdisseramjamais
terem tíde a experiênciada oração. Allport e seuscolaboradores
fizeram o mesmo com osestudantesde Harvard e de Radcliffe e
verificaram que 65% doshomens e 75% das mulheres relataram
experiênciasde oraçãoduranteos seis meses, queprecederama pes-
quisa. E digno denota que mesmo aqueles queadmitiram não
sentir necessidadede religião disseramjá haver tido a experiência.
de oração.
Em seu famoso livroPrayer: A Study in the History and Psy-
chology of Religion, queserá uma das fontes principais deste capí-
157
tulo, Heiler afirma que a oraçãoé o fenômenocentral da religião
e a pedrafundamentalde toda piedade. Elecita Lutero,quandodiz
que a fénada mais é do que oração. "Aquele que nãoora ou não
invoca a Deusna hora de necessidade,certamentenão o considera
como Deus, nem lhe dá ahonra que lhe é devída."! Prossegue
Heiler citando mais deuma dezena de famosospensadorescristãos,
e todos concordamcom a afirmativa de que a oraçãoé, de fato, o
elemento central do comportamentoreligioso. A prática da oração
é, talvez, o índíce mais seguro da religiosidade de umapessoa.
A oração como expressão religiosajá é encontradaaté mesmo
entre os homens primitivos. Não se sabe quando o homem come-
çou a orar, mas é quase certo que a oraçãoé um brado espon-
tâneo da alma, do mesmo modo que asinterjeições refletem um
estado de espírito. Aparentemente,a oração do homemprimitivo
era mais coletiva do queindividual. Era o llder que orava. Ainda
hoje isso é verdade no caso de muitos homens civilizados queainda
não alcançaram,porque inclusive nãoforam ensinados,a necessária
maturidadeespiritual para orar por si mesmos. Essaoração cole-
tiva, ordinariamente,prendia-sea motivos práticos relativos às ne-
cessidades maisimediatasdo homem.
Falando sobre o conteúdo da oração primitiva, Heiler diz que
são estes os seuselementosconstitutivos:
Invocação: A invocação do nome doser divino e seusatributos
pessoais é oprimeiro elementode toda oração. A pessoa que ora
ordinariamenteinvoca a presençade seu Deus comfrases excla-
mativas,como "Ouve-mel" ou "Ouve-nos!", "Ouve a nossa voz!",
"Ouve a nossasúplica!" ou outras frasessemelhantes.Quase sem-
pre acrescenta-seao nome de Deus umtitulo que expressauma
relaçãosocial paracom ele. Assim é que ostítulos pai, mãe,senhor,
etc. substituemo nome do Deus que se invoca.Entre os índios Kekchi
a oração começa com a invocação:"O Deus, meu pai,minha mãe,
senhor das montanhase dos vales..." Na invocação também se
faz referências ao lugar da habitação da divindade É comum
a afirmação: "O Deus que estás nas alturas!" ou "O Deus que
habitas nos mais altos céus!" Outro fato curiosonessainvocação
é que, freqüentemente,o deus é invocado como sendo "nosso", isto
é, apenasdaquela tribo ou daquele povo.
Queixa ou pergunta. Muitas vezes a oração primitiva é uma
espécie deprotesto ou uma perguntaque revela ainsatisfaçãodo
homem com adivindade a quem ora. É comum, nesse tipo deora-
ção, o homemdefendersua inocênciae alegarque estásendo puni-
do injustamente.Ao ouvir um trovão, um lndío Amazuluora: "Se-
1. Frederich Heiler, Prayer: A Study in the H istory and Psychology of
Religion (translated and edlted by Samuel Me Comb), New York:
Oxford University Press, 1958, pâg, XIII.
158
nhor, que temoa nós destruIdo? Em que temos pecado? Não temos
cometido nenhumpecado."se um índio Baronga, diz Heiler, sabe
que seusespírítos o fizeram cair doente,pergunta: "Bangoní, por
que estásirado contra mim?" Esse aspecto da oraçãotorna-semais
patenteem face d08mistérios dosofrimento e da morte.
Petição. Petição é o elemento central da oração. "O homem
primitivo ora quaseexclusivamentepor coisas úteis ou quecontri-
buam para a sua fel1cidade pessoal. Mesmo quando ele orapor
algo de valor estético e social, comoàs vezes o faz,há sempreem
sua oração um toque dehedonismo egoístico."2 Nas petições do
homem primitivo, a vida e a saúde figuram sempre emprimeiro
lugar. Outra constantepreocupação do homem primitivoé com sua
colheita e seu rebanho,pois elesrepresentama sua própria sobre-
vivência. Diante de prolongado estio que ameaça aplantação,o
chefe dos Khonds ora: "Mbama!Kiara! Tu nos negasteas chuvas;
mande-noschuva, para que não morramos.Lívra-nos de morrer de
fome! Tu és nosso pai, nós somos teus filh08, tu noscriaste; que-
res então que morramos? Dá-n08 milho, bananase feijão. Tu n08
deste pernas para correr, braços para trabalhar e fUhos também;
dá-nos igualmente chuva. para que possamosceifar a colheita."
Em fases mais adíantadas,essa petição ocupa-se de assuntos morais
e até mesmo daquilo a quepoderíamoschamar de preocupaçãofi-
losófica. como, por exemplo, quando oram pela pazfam1l1ar e pela
felicidade pessoal etribal.
Intercessão.A preocupaçãocom o bem-estardos demais mem-
bros da tribo leva o homem primitivo aintercederpor eles. Esse
estágio da oraçãoé realmenteelevado e não muitofreqüenteentre
o chamadohomem primitivo.
Meio de persuasão. O homem primitivotenta, por meio da
oração, convencer a divindade de que deve favorecê-lo. Uma das
maneiraspor que tenta persuadir a divindade é alegando asua
própria perfeição moral.Outras vezes ele não tem coragem de ale-
gar sua perfeição moral e recorre, então,à compaixão de Deus.
"Tem misericórdia de mim!" é uma forma comum depersuasão
na prece.
Convémnotar que há uma diferença essencialentre oração e
magia. Nesta, o individuo presumeter o poder demanipulare con-
trolar o poder sobrenatural,para sua própria vantagem; naquela,
o homem podetentar persuadira divindade, mas elaainda_é livre
para responderou não à\ petição do que ora.
Ação de Graças. Outro elemento comumna oração, mesmo
dos povosprímítívos,é a ação de graças, isto é, oconhecimentonão
2. Id. ibid., págs, 17. 18.
159
apenasverbal, mastambém expresso de vários modos, deque tudo
provém das mãos de Deus.
Expressãodo sensode dependência,confiançae resignação.Em
toda a longaexperiênciahumanade oração, a pessoa que orasem-
pre revela o senso dedependência.A oração é uma das formas
de reconhecimentoda limitação humana. Revela também a con-
fiança que o homem tem nodeus a quem ora. E, emmuitos casos,
a oração revela que a pessoaestá pronta a conformar-secom os
deslgníos da divindade. Precisa, porém, de suaorientaçãoparacom-
preendere aceitar seus propósitos.
Um simples exame doconteúdoda chamadaoração dohomem
primitivo revela que não há diferença essencial entre essa e a
oração feita pelo homem civilizado.Basicamente,os elementos são
os mesmos.
Vemos, portanto, que desde as fases maisprimitivas de sua
história, o homem tem orado dealguma forma. Seria conveniente,
então,indagar por que o homem ora.
Motivos da oração
Por que ora o homem?Murray Ross fez essaperguntaa 1.720
estudantese conseguiu asseguintesrespostas:
Porcentagemde 1.720 jovens queresponderamà questão:
"Por Que VocêOra?"
Porcentagem
32,8%
27,2%
18,1%
" I
10,7%
"
4,0%
0,9%
0,5%
5,8%............................
Razões
Deus escuta e responde às nossas orações .
A oração ajuda em tempos detensão e crise .
A pessoasente-sealiviada e melhor depois deorar
A oraçãofaz-nos lembrar de nossasresponsabilida-
des para com o próximo epara com a sociedade
li: uma questão dehábito .
Toda pessoa de bem.ora .
li: perigosodeixar de orar ...........................
Várias outrasrazões
160
Como podemosverificar, as razõesdadas no questionário de
Ross indicam uma atitude mágicaparacom a oração. Essaatitude,
aliás, encontra-seprofundamenteradicadano espIrito de nosso povo.
Além disso, há muitas superstiçõesa respeito de oração, mesmo
entre pessoas muito bemintencionadas.Pratt dá vários exemplos
ridículos dessassuperstições,inclusive o caso deuma senhoraem
WashingtonQue ia receber visitasà tarde e ficou resfriada pela
manhã. Telefonou a umcentro de oração, emKansas City, ãs 11
horasda manhã,e às 2 horas da tarde encontrava-seem condições
de recebersuasvisitas.
Seja qual for o motivo por que a pessoa ora esejam quais
forem as reaispossib1l1dadesde uma relação com o transcendente
atravésda oração, o fato é que ela produzgrandesefeitos psicoló-
gicos sobre a pessoa que ora.Paul Johnson,baseadona experiência
de várias pessoas,apresentaos seguintesefeitos psicológicos da
oração:
Em primeiro lugar, a pessoa que ora ficamais cônscia desuas
próprias necessidadese limitações. Através da confissão de nossas
falhas pessoais, confissão essa quefunciona como uma espécie de
catarseemocional, conseguimos o senso deperdãoe paz com Deus.
A oração feita com fé livra o homem decertastensões emocionais
e é capaz de lhedar mais segurançae maiores possibilidades de vi-
tória. A oração contribui positivamentepara a formação de uma
visão maisorganizadada vida e de seus propósitos. Renova nossas
energiasemocionais efaz-noslembrarnossasresponsabílídadespara
com o próximo. "Entre a distraçãoe contradiçãode muitos apelos,
a oraçãocentraliza-sesobre umalealdadesuprema. Face aos con-
flitos de desejosdesenfreados,a oraçãorelembrao objetivo princi-
pal de umalealdadee unifica as energias,canalizando-asna direção
desse objetivo. Aqueles que oramfervorosamenterevelam uma
integridadebásicaque lhes dá pazinterior e equilíbrio na vida."3
Baseados no fato inegável de que a oração produzprofundos
efeitos psicológicos sobre a pessoa que ora, e por lhesfaltar a
crençana existênciaobjetiva de uma realidadetranscendente,mui-
tos alegam quena oração não existe,na realidade,um diálogo com
Deus, massimplesmenteum monólogo, e os efeitos psicológicospro-
duzidos por esse monólogo são devidosà auto-sugestão.A relação
entre a oração e asugestãosurge, diz Spinks, dadistinçãofeita por
Baudouínentre auto-sugestãoespontâneae auto-sugestãorefletiva.
A primeira resultade algo queprendea atençãodo indivIduo mais
ou menos de modo casual. Asegundaresulta do esforço deliberado
do homem no sentido de concentrar-sesobre uma idéia ou uma
situaçãoespecIfica. Muitas vezes, consegue-setal concentração,con-
tinua Spinks, por meio darepetição constantede certas palavras
3. Paul Johnson,op. cit., pAgo 146.
161
ou frases e elasganhamna mente da pessoauma espécie de poder
transformador. Podemos dizer quetal repetição tem efeito hipnó-
tico sobre a pessoa que apratica e, indiretamente,se bem que
com menor intensidade,sobre aquelas que a ouvem.
Esse crttícísmo pode ser válidopara certos tipos de oração em
que o objetivo da prece não éobter uma respostada divindade, mas,
sim, a união com o sersupremo,como é o caso da oração mística,
de que falaremos mais tarde neste capitulo. Mas, do ponto de
vista da fé cristã, o cntícísmoaparentementenão seaplica a toda
prática da oraçãoentre cristãos, porque uma dascrençasfunda-
mentais do cristianismo é a transcendênciae realidadeobjetiva de
um Deus com quem podemosfalar e que também fala conosco.
Portanto, no conceito cristão de oração nãohá apenasum monó-
logo, mas,na realidade,existe um diálogoentre o homem que ora
e o Deus que ouve erespondeà suaoração. Ou, como dizGrenstead,
citado por Spinks:
"O criticismo... de que nos estamos dirigindo a nós
mesmos,derivando nosso senso desegurançada tradi-
ção e demuitas outras fontes, esimplesmenteusando
auto-sugestão...é, muitas vezes, verdadeiro... Mas,
mesmo assim, devemosnotar que essaauto-sugestãose
baseia numa sugestãoanterior e externa. O primeiro
impulso à oração nãoemanade nossointerior. Ele tem,
de fato, uma dupla origem. As primeiras orações da
criança são ensinadaspor sua mãe ou professorae a
elas são dirigidas. Nãohá nada de auto-sugestãoaqui.
Trata-sesimplesmentede guiar o íntercursovocal numa
direção particular. Isto se torna oraçãoquando acrian-
ça começa aentenderque não se está dirigindo à sua
mãe, porém que, com sua mãe, dirige-se a algotrans-
cendente. A oraçãovocal, a mais simples e maisdireta
forma de prece, é,portanto,a mais natural e, afinal de
contas, a mais elevada... O progresso realna oração
não resulta de crescentecerteza da realidade de Deus,
que nos ouve e responde."4
Tipos de Oração
Pratt, em seu erudito trabalho, The Religious Consciousness,
fala de dois aspectos da religião: o aspectosubjetivo e o aspecto
objetivo. Religião subjetiva, segundo Pratt, é aquela que se cen-
traliza em torno da reaçãopsicológica da pessoa. Religiãoobjetiva
seria aquela que dirigerespostaconscientea Deus comoRealidade
externa ao homem. Esses dois aspectos da religião não podem ser
separadosde modo absoluto, conforme se evidenciaclaramentena
experiênciareligiosa da oração.
Usando essecritério, Clark diz que a oração também pode ser
classificadaem subjetiva e objetiva, dependendode se saber se o
4. G. StephensSpinks, Psychology and Religion, pâ.g. 122.
162
centro de atençãoé o individuo que ora ou o objeto desua oração
Lembremo-nossemprede quenão é possíve!separarnitidamenteo
elementosubjetivo do elementoobjetivo na oração.
Petição. Esta é, como já tivemos o ensejo deafirmar. o tipo
mais comum de oração. Naopinião de Clark, esseaspectoda ora-
ção revela seu caráter egoístíco e,até cer.to ponto, infantil. Diz o
citado autor que esseaspectoda oraçãose assemelhamais à má-
gica do que à religião. Acreditamos, porém, quehá exagero na
afirmação de Clark, pois apetição é legitima e pode, inclusive,ser
destituldade interessesegoístícos etransformar-senum verdadeiro
ato de louvor a Deus,atravésdo reconhecimentode sua soberania
sobre a vida e sobre o mundo.
Confissão. Decerto modo, o elemento confissão está presente
em quase todo tipo de oração,pois quandooramosestamosconfes-
sando nossa finitude e nossa dependênciade Deus. Noentanto,
quandose fala em confissão,ordinariamentepensa-sena confissão
pessoal dealguma falha ética. Via de regra, essa confissãoresulta
de profundo sentimentode culpa e, quando é mais do que mera
formalidade ritualtstica, pode ser altamentecriativa e opera pro-
funda transformação na vida e no comportamento da pessoa
que ora.
Dedicação. Aqui temosumadas formas mais belas da oração.
Quanto à sua natureza,podemos dizer queabrangetanto o aspecto
objetivo quanto o subjetivo. Sua feição objetiva seria a preocupa-
ção em servir a Deus nalguma capacidadeespeclfica. Oaspecto
subjetivo seria, naturalmente,o senso de devoção pessoal quetal
dedicação deve produzir no homem que ora. Dentre os muitos
exemplos daEscritura Sagrada,mencionaremosdois que nospa-
recem extremamentesugestivos. Oprimeiro deles é o de Salomão
quando assumiaa liderança de seu povo: "Agora, pois, óSenhor
meu Deus, tu fizeste reinar teu servo emlugar de Davi, meupai,
não passo deuma criança, não sei como conduzir-me. Teu servo
está no meio do teu povo que elegeste,povo grande, tão nume-
roso quenão se podecontar. Dá, pois, aoteu servo coraçãocom-
preensivopara julgar a teu povo,para que prudentementediscirna
entreo bem e omal; pois, quempoderia julgar a estegrandepovo?"
(I Reis 3:7-9).
O segundoexemplo é o deIsalas quando resolveu dedicar sua
vida inteiramentea Deus: "Depois disto ouvi a voz do SenhQr, que
dizia: A quemenviarei,e quemhá de ir por nós? Disse eu:Eis-me
aqui, envia-me a mim" (Is. 6:8).
Intercessória.Como se pode ver, aoração intercessóriaé uma
forma de petição. :t diferente,porém, em que, ao invés deser um
pedido em beneficiopróprio, é um pedido emfavor de alguém.
163
Neste sentido, portanto, ela é objetiva, visto que não busca nada
para o índívíduo que ora. A intercessãoé, pois, uma das formas
mais nobres de oração. Mas, seu caráterpeticionário pode ser de-
turpado e manter as mesmas característícasinfantis da oração
egoísta, ou, ainda pior do que isso, ela poderepresentarapenas
uma forma mágica de evitar a responsabilidadepessoaldo homem
para com o seusemelhantee funcionar simplesmentecomo forma
de escape. Averdadeira oração íntercessóríaseria aquela que é
complementadapela ação conscienteno sentido da soluçãodo pro-
blema, ou, por outras palavras, a intercessãoé válida quando o
homem está pronto a começar a responderà sua própria oração,
fazendo aparte que lhe compete.
Didática. Por definição, a oração didática é aquela que tem
como finalidadé a Instrução do indivIduo ou do grupo. Por sua
natureza, a oração didática é pública. Aliás, quase toda oração
pública é didática. Essa oração é objetiva no sentido de que se
destina a outras pessoas,mas é subjetiva no sentido de que seus
benefíciosvisam mais ao homem do que a Deus.Essapreceé mui-
to comum entre protestantese muitas vezes assumeo caráter rí-
dlculo de querer instruir ao próprio Deus. Dolado positivo, entre-
tanto, podemos vergrandesbenefIcios no tipodidático de oração.
Basta lembrar o Pai Nosso,para convencer-nosdessaverdade.
Gratidão. A oraçãode ação degraças,quando genuínaem sua
expressão,representauma das formas mais belas da prece. Essa
forma de oraçãoé muito comum erepresentao reconhecimentoda
pessoa que ora poralgum favor que considerahaver recebido de
Deus.
Há três outros aspectosda oraçãoque preferimos não conside-
rar como tipos separados,todos eles, aliás,representandouma fase
mais evoluída da vidaespiritual do homem e típicos da oração
mística. São eles aadoração,'a comunhãoe a meditação. O senso
de adoraçãoorigina-se do reconhecimentoda grandezade Deus e
da profunda admiração das maravilhas da. natureza. Ordinaria-
mente,essaoraçãoé expressaem forma poética. O desejo deman-
ter comunhão com Deus podeassumir a forma de petição, mas
nesse desejonão há qualquer busca de outro beneficio senãoo do
contatopessoal com Deus. Exemplo tlpico dessa prece é a de Agos-
tinho, quandodisse: "Permite-meconhecer-te,ó tu que me conhe-
ces; permite-me conhecer-tecomo sou conhecido." A meditação,
que, na realidade, nem sempre é necessariamenteuma oração, é
tambémuma forma de buscaro contato com Deus e com osideais
supremosda vida.
Quanto ao tipo da personalidadedo Indivíduo que ora, Heiler
fala de quatro tipos de oração,que passamosa mencionar.
164
o místico. O m18t1co procura a presençade Deus comum fim
em sí, Tudo que elerealmentedesejaé manter comunhãocom o
Ber Supremo,é unir-se ao Todo e com eleintegrar-sede tal ma-
neira que haja perfeita continuidadeentre a sua e a pessoade
Deus. O místíco, diz Clark, nada pede a Deus,pois nada deseja
dele em termos materiais. O que ele quer é o próprio Deus e não
aquilo que Deuspossafazer por ele.
A oração místíca é freqüentementeexpressasem palavras. :s:
este o testemunhode Madame Ouyon: "O que mais me surpreen-
dia é que eu tinha grande dificuldade em proferir audívelmente
minhas oraçõescomo era meu costume. Tão logo eu abria a boca
para pronunciá-las,o amor (divino) se apoderavade mim com tal
intenaldadeque eu permaneciaabsorvida em profundo silêncio e
na paz Inefável."5
Acontece, porém, que quando a oração místíca se expressaem
palavras,ela apresenta,muitas vezes, umtom marcadamenteeró-
tico. Em quase todos osgrandesmístícos há um quê de erótico
quandoexpressamsua relaçãocom Deus. O livroCântico dos Cân-
ticos é um bom exemplo do que acabamosde dizer.
o intelectual. A oração intelectual ou filosófica, diz Clark,
preocupa-secom o ideal ético. O religioso intelectual comumente
percebe as inconsistênciasda religião ínstítueíonalíaadae quase
semprese rebela contra certas formas infantis de oração. Não é
diflcil encontrarhoje teólogos queachama oraçãopeticionáriari-
cUcula. Paraeles, aúnica forma válida de oraçãoé ação de graças,
louvor ou adoração. Evidentemente,o Intelectual desprezatambém
os aspectossentimentaisda oração,privando-a,assim, dequalquer
elementode pronunciadaemotividade. Ainda mais, diz Clark, essa
oração é caracterizadapela submissãoao destino, bem como por
um sentimentode vastidão cósmica e grandiosidadedo Criador. A
oraçãodo tipo intelectual é mais dominadapela razão do que pelo
sentimento,daI a sua relativa objetividade,mas tambéma sua frie-
za. E, por causa dessafrieza, diz HelIer, ela não possui energias
construtivas e pode produzir apenasefeitos destruidores.
Mesmo sem concordar completamentecom a observaçãode
Heiler, temos de convir que uma oração puramenteintelectual, se
de todo for possíveltal coisa, seria, na melhor das hipóteses,um
monólogo cujosefeitos psicológicos podemser semelhantesaos efei-
tos da oração,mas não se classificariacomo religiosa, por lhe fal-
tar a referênciaao transcendente.
o profeta. A oraçãoprofética, diz Clark, como a oração inte-
lectual, preocupa-setambémcom problemaséticos ou, comofaziam
os profetas hebreus, com problemas de justiça social. Acontece,
6. Citada por Spinks, op. cit., pâg. 123.
165
porém, que, sendo oprofeta essencíaímenteum homem de ação e
não um Intelectual diletante,o elementoIntelectual na oraçãopro-
fética ocupa lugar secundário.Parao profeta, como para o místi-
co, Deus é pessoal eestá intimamenterelacionadocom o índívíduo
que ora. Aocontrário do místico, porém, que quasesempre é de
naturezacontemplativa,o profeta é ativo e dinâmico na sociedade.
O profeta acredita que a sociedade pode e deveser transformada
pela Palavra de Deus.
O sacerdote.No dizer de Clark, a oraçãosacerdotalpartícípa,
de certa maneira,das três formas precedentes,porém conserva ca-
racterlsticastípícas, Via de regra, a oraçãosacerdotalé pública e,
conseqüentemente,nem é místíca,nem profundamentepessoal,nem
intelectual - que só seria aceitável numa congregaçãoaltamente
instrulda - nem profética - que abrange assuntosmais vastos.
Note-se também que a oraçãosacerdotalfunciona como forma de
exortaçãoe, por causade seucaráterpúblico, tende a ser ritualista
em sua natureza.
Apesar de ser umassuntomuito estudadoem psicologia da re-
ligião, a oração, porsua própria natureza,é extremamentedif1cil
de ser estudadaobjetivamente. Até aqui quase tudo que se pode
fazer é apenasde carater descrítívo.
Adoração
A idéia de adoraré parte integrantee necessáriado sentimento
religioso. Desde que o homem percebe que existe algomaior do que
ele, algo numínoso, misterioso e inefável, suarespostanatural tem
sido a adoração. "Adoração é a expressão, querespontânea,quer
formal, daquilo que o homemsente e faz quandona presençado
Sagrado."6No dizer de stolz, a essência daadoração consiste emcriar
ou intensificar uma atitude de reverência. Numa definição mais
sutil, Clark diz que "averdadeiraadoraçãoé um estadodo ser que
engloba toda a vida ecapacitao homem - emparte conscientee
em parte inconscientemente- a trazersua experiênciatotal e suas
preocupações edirigi-las a um objeto que asintegre e que lhes dê
significação".7
Apesar de a religião ser um fenômenoessencialmenteindividual,
atravésdos séculos, ela se tem expressadocoletivamente.A adoração
ou ato deadorarnão foge a essaregra. Pareceóbvio que aadora-
ção é de naturezacomunitária,sem que isso signifique que ela não
seja praticadacomo ato isolado e indlvldua}.
6. G. StephensSpinks. op, cit., pâg. 131.
7. 'Valter Clark, op, elt., pág. 139.
166
Pratt fez sugestivadístínção, jã notada acima, entre adoração
.objetiva e adoraçãosubjetiva. Adoraçãoobjetiva é aquela quetenta
produzir algum efeito sobre adivindade que seadora; enquanto
a adoraçãosubjetiva é aquela queprocura produzir efeitos sobre
o indivíduo queadora. Dentro da tradiçãocristã, ele apresentacomo
ilustração a diferença entre o culto católico e o cultoprotestante.
Diz ele: "Considere-se,por exemplo, aimpressãode um protestante
que pelaprimeira vez assisteà missa, ou ossentimentosde um ca-
tól1co que pela primeira vez assíste a um cultoprotestante.Para
o protestante,a missa parece fantãstica; para o católico, o culto
evangél1copareceateu. Somenteconsiderandoos propósitos desses
cultos é que poderãoapreciaras diferençasexistentes:o propósito
da missa é adorara Deus, o propósitopor excelência do cultopro-
testanteé a impressãosubjetiva dos seusparticipantes."8
Entre os muitos exemplos deadoraçãoobjetiva, Pratt apresenta
o culto hindu, especialmentena cerimônia.chamada"puja", prati-
cada por um sacerdote.Ordinariamente,não há ninguém presente
a essacerimônia. Somenteo sacerdote,que profere palavrasincom-
preensíveís,endereçadasà divindade. O propósito aquié exclusiva-
mente manter contato com a divindade; nenhum beneficio pessoal
advém detal ato de adoração. Por outro lado, o budismo e o[aínís-
mo são consideradoscultos subjetivos. Concordamos comSpinks
em que nãoé posslvelfazer-setão clara diferençaentre os aspectos
subjetivos e os aspectos objetivos daadoração.Tanto um como o
outro têm papel importante no ato de adorar, quer pública, quer
privadamente.
Johnsonadvoga quetoda verdadeiraadoraçãopossui referência
objetiva.
"Notamos que todas as formas e propósitosna ado-
ração apontampara um foco central de devoção que o
adoradorreconhece como Deus. Os verbos que expressam
tais intençõessão ativos,transitivos. A adoração,portan-
to, é um ato que tem um alvo objetivo especifico. A pes-
soa queadoranão é meramentepassiva, nem sesatisfaz
com o monólogo ouauto-sugestão.Ela esperaalcançaro
Tu, que possui o que lhefalta e que podesatisfazeràs
suasnecessidades.A adoraçãoé aproximação,reconheci-
mento, antecipaçãoe louvor a Deus;soltcítação,ofereci-
mento, renovação eafirmaçãode Deus. Deusé o alvo de
todo ato deadoração.Os homens podemdiscordarquan-
to à naturezade Deus ou nem sequerseremcapazes de
provar que ele existe, mas,na adoração,acreditamque
se dirigem ao Tu, queé suficientementebom e suficien-
tementegrandepararesponderao seu ato deadoração."11
8. JamesBissett Pratt, ep, cit., pâg, 290.
9. Paul Johnson, op. cit., pâgs. 170, 171.
167
E conclui comPratt, que dísse: Aadoraçãosubjetivasegue a lei
do retorno decrescente,Isto é, tende a diminuir sua freqüência,até
seu eventual desaparecímento.
"Se o homem que vaià igreja compreendeque as ce-
rimônias são realizadascomo um espetáculodestinadoa
exercer impressãopsicológica sôbre ele não ficará pro-
fundamenteimpressionado.Ele pode serentretiãoe ins-
truido, porém será mais espectadorpassivo do quepar-
ticipante convicto. Eventualmente,chegaráa desconfiar
da sinceridadeda encenaçãofeita em seu beneficio,pois,
se nada de objetivamentereal acontecena igreja, seu
comparecimentose tornará matéria de conveniênciae
disposição emocionalsubordinadasaos interessesrelativos
de situaçõescompetidoras.A falta de realídadeé uma
das causas deindiferençapara com a adoração."10
Em suma, dizJohnson,se a adoraçãoé reverênciapelo Tu, en-
tão as atividadesque ignoram Deus (comorealidadeobjetiva) não
satisfazemà essêncíadessaadoração.E, para substanciarsua tese,
Johnsondescrevedeterminada"Reunião Domínícal" de uma socíe-
dadehumanístíca.A ordem de culto foi aseguinte:Após o prelúdio
do órgão, houve ocântico de um hino de Rudyard Kipllng, dirigido
ao "Espirito da Verdade". O l1der leu entãoo trecho de um discurso
do reitor de uma universidadeoriental, ao invés de ler aEscritura
Sagrada.Em vez de orar, o l1der falou sobre as "Aspiraçõesdesta
Geração".A seguir, ao invés desermão,ouve-seuma alocução sobre:
"Que aconteceà religião de umestudanteuniversitário?"em que se
mostracomo aciência torna a idéia de Deusdesnecessáriae impro-
vável. Asofertascoletadas não sãoparaDeus, masparaas despesas
da sociedade.Com hino final, canta-seo poema "Juventude",da
autoria de RobertBridges. No Boletim da sociedadehavia máximas
como estas:"Razão Iluminada, Nosso Guiana Religião", "Liberdade
Mental, Nosso Método em Religião","Dedicação Humana, Nosso
Objetivo em Religião", "Não podemoscompreendero infinito, basta-
nos amar e servir à humanidade".
Refletindo sobre os exerclcios aqui realizados,Johnsonconclui:
"Foi uma hora bem aproveitada,pois a alocução foi eloqüente, os
pensamentoslidos eram realmentenobres, a música,deleitável. Mas
foi isso adoração?Não houve preces,nem o reconhecimentode Deus.
Não houve confissão,oferecimentoou dedicação a Deus.Afirmar os
valoreshumanosé bom, mas asnecessidadesmais profundasda vida,
conscientesou inconscientes,reclamamrecursos mais elevados. Aado-
ração é o mais profundo dos desejos por meio do qual ohomem
procura comungar com Deus. O podercurativo e unificador da
adoraçãovisa, nesseencontro, a tornar-se fonte de vida nova."11
lO. Id. ibid., pág. 171.
11. ld, ibid., pág. 172.
188
Evelyn Underhlli afirma que adoraçãoé a respostada criatura
ao Eterno. Essaresposta,diz a citadaautora,não se llmita à esfera
humana;há um sentidoem quetodaa criaçãoadorao Criador. Essa
adoraçãopode ser pública. ouprivada, conscienteou inconscientee
pode ter as mais variadas causas."Mas, qualquer que seja a sua
forma ou expressão, aadoraçãoé sempreuma relaçãosujeito-obje-
tivo, e sua existência,portanto, representasério crítíeísmo às ex-
pllcaçõesimanentesda realldade.Pois adoraçãoé o reconhecimento
do Transcendente,isto é, uma realidadeà parte do adorador,que é
sempremais ou menos colorida pelo mistério. Como vonHügel diria,
"adoraçãoé fundamentadana ontologia", ou, sepreferirmoso tes-
temunhode um antropólogomoderno, mesmo nos nlveisprimitivos,
a adoraçãoapontaparao profundosenso dedependênciado homem
sobre "o ladoespiritual do desconhecido".12
Uma visãopanorâmicada experiênciarellgiosa dahumanidade
indica que aadoraçãoé ato freqüente,começando com osagrupamen-
tos humanosmais primitivos até as formas mais complexas das so-
ciedadesmodernas.Dlante desse fato, não podemosevitar a per-
gunta: Por queadorao homem? Essaperguntaessencialmentereflete
o desejo desabero motivo por que o individuoadora. Se aceitamos
a tese de que "asnecessidadeshumanassão tensõeshumanasque
se originam dos anseios orgânicos e psíquícos e quetendem a um
objetivo", como sugereJohnson, baseadona teoria psicanal1tica,
temos deperguntarqual é afunção da adoração."Os atos deado-
raçãosão métodos deexpressare procurarsatisfazera necessidades
vitais", diz Paul Johnson.
Stolz mencionavárias razões por que o homemadora,as quais,
de certo modo, sãotambémos resultadosda adoração.Entre eles,
o citado autor menciona a adoraçãocomo autodiagnóstico moral,
alivio do sentimentode culpa, correção de defeitos decaráter,con-
forto em aflição, reconstruçãoda personalidade,chamadapara um
trabalho especial e aunificação religiosa do"eu". Mas, diz John-
son, "o queuma pessoanecessita,acima de tudo, é deuma relação
de reaçõesmútuas,o que édiferentedereaçãode uma coisa. Nada
menos queuma pessoaresponderáa mim como pessoa."13
Em suateoria ínterpessoal,que oautor diz ser baseadano prin-
cipio fundamentaldo personalismo, isto é,na idéia de quenenhu-
ma pessoafinita se bastaa si mesma,Johnsonadvogaque a neces-
sidade doencontro existencial é a base da adoração. Naadoração
privada, o homem procura o encontro com a PessoaSuprema.No
ato coletivo da adoração,encontra-sesignificativamentecom outras
pessoasfinitas e, juntas, essas pessoasencontram-secom o Eternoo
12o Evelyn Underhill, Worship, New York: Harper & Row, P'ublishers
(1936), llâ.g. 3.
13. Paul Johnson,op. cito, pâgo 167.
169
Baseado nessa teoria interpessoal,Johnson procura responder
a essapergunta,analisandoos elementosuniversaisda adoração,isto
é, os elementos queestãosemprepresentesnasmais variadasformas
de adorar: a procissão, a invocação, oritual, a glorificação, a prece,
a oferta, a renovaçãoe a afirmaçãopor meio darecitação.Vejamos
cada um desses elementosbrevemente.
A procissão tem por Qbjetivo a aproximaçãode Deus. Por que
o homem procura aproximar-sede Deus?Será mera curiosidade?
Seráadmíraçâoou fasclnio?Conformejá vimos, Rudolf otto afirma
que esse desejo deaproximar-sede Deusresultade sua percepçãodo
mysterium tremendum que a Divindadeencerra.Essemistério fas-
cinante, que paradoxalmenteinfunde no homem o medo e o amor,
leva-o a uma atitude de reverência.A adoração,portanto, é a res-
posta natural da criatura humanadiante do Infinito. .
A invocação tem por objetivo o reconhecimentoe estabeleci-
mento de uma relação pessoal maislntima. Não pode haver ado-
raçãosem que o homemreconheçaque o objeto a seradoradoestá
ao alcance de sua voz e que com eledesejadialogar, observaPaul
Johnson.
o ritual é o modo pelo qual ohomemrepresentadramaticamente
os acontecimentose objetivos desua adoração.No ritual, a pessoa
antecipa a presençada divindade e, de certo modo, predispõe a
mente para encontrara realidadeque procura. O ritual não é um
fim em si mesmo, mas podefuncionarcomoimportantefator na pre-
paraçãoda alma para o ato deadoração.
Música religiosa éoutra maneira interpessoalno ato da ado-
ração. Através do hino e da poesia, aalma eleva-se a Deus. A mú-
sica e a poesiaprestam-seadmiravelmentebem à expressão de ação
de graçase de louvor. Através da ação degraçase do louvor, a alma
se robustece,tomando a adoraçãonão .só maissignificativa, como
também aumentandoa probablidadede sua repetição freqüente.
A prece é também um modo interpessoalde adorar. Adoração
em si já éuma atitude de humildade em que o homemreconhece
sua dependênciade poderes maiores, bem como a féna bondadee
misericórdia dessespoderes. A prece é parte dessaatitude. Reco-
nhecendosua dependênciade Deus, énatural que o homem lhe
peça o de quenecessitaou lhe agradeçaos favores já recebidos.
Essa prece,entretanto,observaJohnson,não é uma exigência, mas
uma petição baseadana confiança, que é fruto de uma relação
amorável.
A oferta é o ato pelo qual o homem dá algo a Deus,não porque
ele tenha necessidadedela, mas comouma expressão darelação
pessoalentre o ofertantee Deus. "Osignificado religioso da oferta
170
é a dedicação da vida a Deus, de dar alguém aprópriavida em favor
dos seus amigos (João 15:13).Nenhumaadoraçãoé completasem
uma oferta genuínacapaz detransportara devoção do nlvelpura-
mente emocionalpara a ação consagrada."14
A renovação dasenergiasespirituais é uma das necessidades
fundamentaisda vida. "A adoraçãoé um .canal degraçapelo qual
se podemrestauraros esplritosabatidos.OS ritos depurificaçãoope-
ram a limpeza simbólica,cancelandoos males ecurandoas doenças.
Na visão de Isalas, no templo, asantidadede Deustomousuaculpa
pessoalinsuportávelaté que seus lábiosforam purificadoscom uma
brasaviva do altar (Is. 6:1-9). Permanecerna presençadivina toma
essa necessidadecritica e exige a purgação, a fim derenovara vida
e alcançar a pureza total e o poder efetivo.Enquanto o homem
não alcançaessapurificação e poder, nãoestápronto para a vida
religiosa e a missão que elaimplica. Será necessáriovoltar nova-
menteà adoração,renovaros votos e os meios do viver heróico, pois
a renovação é uma necessidadeconstante,e a adoração, uma cons-
tante oportunidade."15
A recitaçãoé um dos mais eficazesauxiliaresda adoração.Quan-
do recitamosum credo, dizJohnson,estamosdeclarandonossa fé.
A leitura da EscrituraSagrada,quer em uníssono, querresponsiva-
mente, é complementoindispensávelao ato da adoração."li: fácil
esquecer, ei até mesmo as maioresexperiênciasenfraquecem-secom
o tempo. Somente asexperiênciasrenovadassobrevivem... As gran-
desafirmaçõesproduzemreaãrmações,pois, ao invés de segastarem,
ganhamem significado na medida em que as compreendemos me-
lhor."16 li: penaque amaioria das igrejasprotestantesno Brasil não
faça uso maisfreqüente da recitação da Escritura e dos grandes
credosda fé cristã como elementoauxiliar do culto.
Sendo oato de adorar essencialmentea experiênciado numí-
noso e,conseqüentemente,do inefável, éle envolve o mistério, visto
que tenta responderao quehá de maisprofundo na vida humana.
Cada ato deadoraçãotem significado especialpara a pessoa que
adora. Este significado, muitas vezes, não é percebido peloindiVIduo
"de fora". Se alguém quisercompreenderum ato de adoração,terá
que tornar-se participante,pois de outra maneira jamais poderá
compreendê-lo.
Paraexpressaro inefavel de suaexperiênciade adoraçãoatravés
dos século, o homem tem recorridoàs mais variadasformas e sím-
bolos, queevidentementesão iJistrumentosimperfeitos para expri-
mir essaexperiência.Não obstante,são representativasde seu es-
14. Id. ibid., pág, 170.
15. Id. ibid., pág. 170.
16. Id. ibid., pág, 70.
171
forço e podemcomunicar,simbolicamenteao menos, algodessaexpe-
riência pessoalou coletiva.
Praticamente,todas as artes têm sido usadascomo expressão
e como meios deadoração. Há, portanto, um elemento estético
que reforça e estimula a experiênciade adorar. SpinkS afirma que
em muitas religiões, cristãse não-cristãs,o senso daPresençaobje-
tiva é estimuladopor objetos tanglveis e vísíveís, Isso é verdade
para o homem primitivo do mesmo modo que o épara a religião
das sociedadesaltamentecivilizadas. Dal a eficácia psicológica .de
fetiches, o uso dechuringa entre os aruntes australianos,yantras
entre Yogin hindus, mandalas entre os budistas contemplativos,
crucifixos, rosários, velas, imagens da Virgem e domenino Jesus,
tabernáculoscontendo o Santo Sacramento,santuários contendo
relíquíassagradascomo os ossos de umsanto, um Buda ou um
fragmento da cruz. A atitude subjetiva daquelespara quem tais
objetossão valiososvaria de acordo com o nlvelintelectuale cul-
tural do adorador,mas o uso deobjetossagrados,como aux1liosà
concentraçãono ato de adorar e meditar é, em toda parte, teste-
munhaeloqüentedo elementoobjetivo na adoração.t?Esses objetos,
se bem quenão sejamum fim em si, são,não obstante,capazesde
ajudar o homemna apreensãodo Sagrado.
O mesmoSpinkS cita São João da Cruz,quando diz que "cria-
turas" servemcomo revelaçãode Deus, esugereum meio pelo qual
podemosjulgar se dada experiênciasensorialé espiritualmentelu-
crativa. "Quando uma pessoaouve músicas e vê algo aprazlvel e
sentesuavesperfumesou experimentacoisasagradáveisao paladar
ou sentetoquesdelicados, se seupensamento,afeição e vontadesão
imediatamentecentralizadosem Deus, lhe dãomais prazer do que
o movimento do sentidoque o causa,desde que elanão tome prazer
nesse movimento em si, issoconstituindo uma prova de que está
sendobeneficiadae aquilo quepercebeé uma ajuda a seu esplrito.
Dessamaneira, tais coisas podemser usadas,pois, nesse caso,ser-
virão ao propósito para o qual Deus as criou epara o qual no-las
deu, istoé, por causadessas coisas eatravésdelas Deusseja melhor
conhecido eamado."18 Podemos,portanto, usar muitos elementos
como auxiliares na adoração,desde quenão sejam vistos como um
fim em si, mas como instrumentospara atingir um propósito re-
ligioso.
A arquiteturatem sido, atravésdos séculos,uma das mais ví-
vidas expressões daarte de adorar. No dizerdeDillistone, as ativi-
dadessimbólicasdo homem são deduas espécies:elas indicam seu
desejo desubir e seu desejo deavançar. O desejo desubir é bem
expressonas construçõesdas grandescatedraisgóticas, cujas torres
17. G. StephensSpmks, ep, cit., pâg, 135.
18. Id. ibid., pâg. 136.
172
são semelhantesa longos dedos queapontampara o infinito. O
grande teólogo Paul Tillich fala da profunda impressãoque esses
templos causaramsobre seuesplríto de menino alemão e de como,
mais tarde, lendo Otto, ele pôdecompreendera idéia do numínoso,
do místéríodo ser. O desejo desubir é tambémsimbolicamenteex-
presso nohábito multímílenarde construir santuáriose templos em
lugares elevados,visto que semprese pensaem Deus como aquele
que habitanas alturas.
O desejo deavançar,diz Spinks, é expressoarquitetonicamente
nas avenidasdos grandesmonumentosmegalítícos,nas rotas preces-
síonaís dos templos egípcíos enaslongas naves dos templos góticos.
"Um terceiro impulso explica acircularidadeque dis-
tingue grande parte da arquitetura religiosa do mun-
do e seuritual. Os túmuloscirculares,os círculos de pe-
dra da arte megalItica, os círculosconcêntricosdos dese-
nhos primitivos encontrados nas rochas, os dese-
nhoscircularesde pavimentosde mosaicosnas igrejas da
França, Itália e as ilustraçõesde Botticelli da Cândida
Rosa doParaísode Dante, as torres de tantos templos e
catedrais,tudo representaa expressãoestéticado desejo
do homem deretornarao centro de onde ele mesmopro-
cede. Essa tendênciaregressiva se vêna mitologia do
Omphalos - o Umbigo daTerra. Esse mito, observa
Mircea Eliade, temsuas expressõesarquitetônicasnas
religiões da tndía védica, na China, na mitologia
teutônica e também no cristianismo. Tais impressões
vísíveís desse impulso podem serinterpretadas em
termos da teoria freudiana do complexo dell:dipo, em
termos do desejo do homem deretornar à sua mãe. O
Omphalos é a expressão simbólica dacrença de que o
ser supremocriou o mundo como umembrião. Como o
embrião procede do umbigopara fora, assim Deus come-
çou a criar o mundo apartir do seu umbigo e daí ele se
espalhouem diferentesdireções. Rudolf Otto aliouessas
várias motivações psicológicas ao senso que o homem
tem de numínoso, explicando queessacombinaçãoé res-
ponsável poralgumasdas mais sublimes formas dearte.
'Nas artes, em quase todo lugar, o meio mais efetivo de
representaro numínoso é o sublime.' Isso é verdade espe-
cialmente na arquitetura, em que, ao que parece,pri-
meiro isto serealiza. Dificilmente pode-seescaparà idéia
de que estesentimentode expressão devater começado
a despertarno homem desde a idademegalltíca."19
Outro grandeauxiliar na adoraçãoé, como já foi dito, a música
sacra. O som de uminstrumentoou de um coro podesuscitarno
indivIduo o desejo deadorar. A conexão entre a música e o con-
vite à adoraçãoé que, provavelmente,o homem setorna cons-
ciente damúsicaao ouvir as ondas domar ou o cântico das aves.
Estes sons misteriososdespertaramnele o desejo deadorar o Eter-
no. Outros sugeremque, visto ser a música denaturezarítmíca,
19. Id. ibid., pâgs, 138, 139.
173
o homem se tenha tornado musicalmente consciente ao ouvir o
Bom de um instrumento metálico ou mesmo derochas batendo
umas contra as outras. Seja qual for a verdade, o fato é que o
homem é sensível à música e ela tem sido, através dos séculos,
uma das expressõesmais vívidas da arte de adorar. O "toque rít-
mico de tom-tonse cantosvocais sãousadospelos africanose ame-
rlndíos, Tamboresde madeirasão utilizados na entonaçãode escri-
turas budistas. Os sinos dos templos tornam-se tão comuns na
China, tndía e Japãoquanto os das igrejas na Europa e na Amé-
rica, convidandoos fiéis ao culto e a Deidade a escutar. Os índios
Hopi executam uma cerimônia de flauta com preces e ofertas
durante nove dias. Salmos e lamentaçõestêm sido cantadosno
culto hebraico desde operíodo do J!:xodo. O coro desempenhoupa-
pel importante nas tragédias gregas, celebrandoa mitologia reli-
giosa. A música coral cristã tem produzido harmonia inspiradora
que, com o canto congregacíonal,expressamas emoções deuma
adoraçãoprofunda."20
A oração,que, como vimosacima, é parte central da experiên-
cia religiosa do homem, é uma das formas mais óbvias de ado-
ração. A oração pode assumir várias formas. Entre elas, podemos
mencionar: formas puramentemecânicas,como as chamadasrodas
de oração, em que asprecessão gravadase os fiéis simplesmente
recitam as palavras,à proporçãoque passamdiante de seus olhos;
exclamaçõesou gritos de êxtase; fixação da atenção por meio da
postura física, tais como a prática de fechar OS olhos ou de usar
o rosário, para evitar distração e levar o homem a se concentrar
inteiramente no divino ser. "As oraçõespodem ser pronunciadas
em voz alta, para atrair a deidade,ou podemser ditas em silêncio,
para estabeleceríntima comunhão.A oração é o elemento central
do culto. Sem visitação divina e comunhão, a adoração não é
completa."21
O sacriflcio é parte integranteda adoraçãoe tem sido praticado
desde épocas imemoriais. Antropólogos modernos mostram que,
atravésdos séculos, oshomensoferecemsacrifícios pelo menos por
uma das três razõesseguintes:porquecriam que atravésdo sacrifício
uma dádiva podia ser oferecida à divindade como ato de gratidão,
adulaçãoou propícíação;porque acreditavamque o sacrifício era o
meio pelo qual os homens e os deusespartilhavam de uma vida
comum; ou porque acreditavamque somentepor meio de sacrifício
a vida da comunidadeou do mundo poderia ser mantida. Talvez
um dos exemplosmais dramáticosde tal fé seja a prática asteca,
em que, todos os dias, ocoração de um homem era arrancadoe
oferecido em sacrifício, pois criam que sem tal sacrifício o sol não
nasceria.
20. Paul Johnson,op. cit., pá.g, 164.
21. Id. ibid., pág. 164.
174
"Os hebreusofereciamos primeirosfrutos da colheita
e dorebanhoem sinal de gratidãopelasbênçãosdivinas.
Os arianos védicos despejavammanteiga derretida no
fogo; osromanosfaziam libação devinho. Os seguídores
de Mitras sacrificavamum touro... Essasofertas expres-
sam gratidãoou petição, servem de expiação de pecados
ou de preparação'para o uso,sacramentale servemtam-
bém de selo aos votos e compromissos assumidos."22
Falandosobresacriflcios humanosentre os mexicanos, Soustelle
diz: "Os sacnncioshumanosentreos mexicanosnão eraminspirados
nem por crueldadenem por ódio. Eram sua respostaà instabllidade
de um mundoconstantementeameaçado.O sangueera necessário
parasalvaro mundo e o homem que nele vive; avitima não era um
inimigo que deviaser morto, mas ummensageiroornamentadocom
dignidadequase divina, queera enviado aos deuses."23
Conforme o testemunhodos conhecedores dahistória das prá-
ticas religiosas dos mexicanos, jovensrepresentandoa deusaXitone
eram decapitadasdurapte o curso de umadança, por ocasião d-.
colheita do milho. m オ ゥ ャ ゥ G ャ w セ イ ・ ー イ ・ ウ ・ ョ エ 。 ョ 、 ッ a deusa Xipe Toteceram
mortascomsetase postasZ ィ セ espécie demoldurae esfoladaspara
ajudaro milho a secar, aヲQュZセイカゥイ de alimentoduranteo inver-
no. "A distribuiçãoe sepultamentode porçõeade corpossacrificados
110S campos cultivadoseram"um meio demanter a vida atravésda
morte, práticaessaencontradaem muitas partesdo mundo."24
Essessacr1f1cios,prossegue Spinks,eram, em muitas religiões,
acompanhadospor uma refeição comunalem que o corpo da v1tima
ou algum equivalentesacramentalnão somente reforçava a vida
dosparticipantes,mas tambémajudavaa mantero universo e a vida
da comunidade.
)(
Como o leitor deve recordar,Freud tenta explicar a origem da
religião a partir da prática'totêmica e especialmentedo homicldio
parricida cometido pelos membros masculinos da Horda, que, de-
pois demataremo pai déspota, comem-no comosinal de propícíação
e de comemoração desua vitória sobre otirano que osprivava dos
seus direitos,especialmenteda posse da fêmea daHorda.
Essa explicaçãofreudiana pode não ser válida, mas sugere que
todo sacriflcio envolve o oferecimentosimbólico daquele que o ofe-
rece, através de uma vItima que o representa.Como vimos,nas
comunidadesagrícolas, o homemprocurou oferecer

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