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CHARLIE KRAUSKOPH RODRIGUES (DIURNO) GRAMÁTICA NORMATIVA, PRECONCEITOS LINGUÍSTICOS E A UTILIZAÇÃO DA LINGUAGEM NEUTRA Monteiro Lobato, em sua obra “Fábulas”, pertencente ao universo do Sítio do Picapau Amarelo, trata de um episódio onde Narizinho acusa sua avó de ter cometido um erro gramatical ao misturar ‘você’ e ‘tu’ em uma mesma frase e a explica qual deveria ser o uso correto para que se estivesse de acordo com a gramática. Dona Benta diante da situação, responde que a gramática nada mais é do que uma criada da língua e que a língua, está submetida às pessoas, suas donas. Sendo assim, se as pessoas quiserem e decidirem começar a junção de ‘tu’ e ‘você’ em suas frases, não sobra escolhas a gramática, se não, como conclui Pedrinho, pôr o rabo entre as pernas e murchar as orelhas. É sabido que a escola desde o princípio do processo de alfabetização das crianças, quando essas ainda estão se desenvolvendo, já cobra e impõe o uso da norma culta da língua portuguesa, ensinando e insinuando que só assim há uma comunicação correta. Dessa forma, é razoável que os indivíduos acreditem que para uma comunicação plena, devem se ater totalmente a esses conceitos, embora, na verdade, essa ideia de que há apenas uma forma correta de se escrever e falar, seja falha e completamente errônea, pois a língua é cheia de nuances, ainda mais em um país como o Brasil. Falta o entendimento de que se a mensagem passada pelo interlocutor foi compreendida pelo receptor, ela cumpriu com êxito seu papel de comunicação. Críticas à forma como se expressam determinados grupos de pessoas, apontando uso de um português errado, sem levar em conta a pluralidade e riqueza da língua e as diversas variações linguísticas regionais e existentes inclusive entre diferentes classes sociais, configura um preconceito linguístico. Da mesma forma que é feito com essas variações existentes da língua, muito tem se apontado sobre a utilização de pronomes neutros ferir a gramática e a estrutura do português. Isto posto, cabem alguns questionamentos: se as pessoas que clamam por esse acréscimo da neutralidade na língua portuguesa pertencem a grupos discriminados, esse apontamento não diz respeito também a um preconceito linguístico? Se a língua está em constante mudança, e, ainda assim, é evidente que as variações linguísticas não devem ser impostas e sim ocorrer naturalmente, mas há uma comunidade que já faz o uso frequente desses pronomes, por que é tão difícil pensar que a língua possa se moldar para essa inclusão? Simplesmente se apoiar no discurso de que o uso de ‘e’ e ‘u’ no fim de determinadas palavras é gramaticalmente incorreto, é muito simplório. Há uma diversidade de coisas que não são “corretas”, mas foram adotadas no dia a dia como os regionalismos citados e as gírias. Mas há quem vá além e diga, que, em um país com uma taxa alta de semianalfabetos como o Brasil, é muito elitista esperar que haja a implementação do pronome neutro, sendo que, mais uma vez, se são amplamente utilizadas gírias do inglês e até mesmo as criadas nas redes sociais e não há um debate sobre, por que essa em especial, é uma questão sempre tão debatida? Nos dias de hoje não há mais o uso de ‘vosmecê’ e essa é uma prova clara do caráter mutável da língua e do aperfeiçoamento constante do português, que tem sim condições de comportar uma linguagem neutra. A aversão existente a esse tipo de linguagem, diz, na verdade, a desinformação das pessoas que enxergam a língua como nada mais do que um conjunto de regras que deve ser seguido à risca e jamais alterado, quando na verdade, elas que têm o poder de moldar a língua e não o contrário. Sendo assim, se a sociedade quiser de fato, começar a utilizar os pronomes neutros, a gramática deve, como dito por Pedrinho, pôr o rabo entre as pernas e murchar as orelhas. Contudo, a oposição ao pronome neutro talvez permaneça mesmo com essas noções, porque linguagem também diz respeito a política e a não-binariedade está dentro do ‘guarda- chuva’ trans, comunidade essa que é rejeitada socialmente. Urge a necessidade de não negar a existência dessas pessoas, desde a forma de tratamento que as faz sentir mais confortáveis e valida a sua identidade, até questões mais profundas. REFERÊNCIAS: COELHO, Beatriz. “Menas, poblema, iorgute e largata estão erradas pra quem?” — reflita sobre o preconceito linguístico. Disponível em: https://blog.mettzer.com/preconceito- linguistico/. Acesso em: 17 nov. 2023. NERY, Alfredina. Gramáticas - Normativa, descritiva e internalizada. Disponível em: <https://educacao.uol.com.br/disciplinas/portugues/gramaticas-normativa-descritiva-e- internalizada.htm>. Acesso em: nov. 17 nov. 2023. VASCONCELOS, Joelson Menezes de. A variação linguística no contexto escolar. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 21, 7 de junho de 2022. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/22/21/a-variacao-linguistica-no-contexto- escolar