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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE - FURG DETERIORAÇÃO DE ALIMENTOS: Leites e Derivados Andressa de Fatima Freitas Ferreira - 111680 Diego Schuch Rodrigues - 142693 Rio Grande, outubro de 2023. 1. Introdução geral O leite é um alimento de grande importância na alimentação devido ao seu elevado valor nutritivo, como fonte de proteínas, lipídios, carboidratos, minerais e vitaminas, sendo por isso considerado um ótimo substrato para o crescimento de vários grupos de microrganismos, desejáveis e indesejáveis. Por conta dessa disponibilidade de nutrientes, associados à alta atividade de água e pH próximo à neutralidade, o leite é um meio extremamente favorável à multiplicação de diversas espécies de bactérias (ARCURI, 2006). De acordo com o Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA), entende-se por leite, sem outra especificação, o produto oriundo da ordenha completa e ininterrupta, em condições de higiene, de vacas sadias, bem alimentadas e descansadas. O leite de outros animais deve denominar-se segundo a espécie de origem, ou seja, segundo a espécie de que proceda. Uma das principais características que define a aceitação do leite é o conjunto de suas características sensoriais, com ênfase ao sabor e aroma. Segundo Arcuri et al., apud Manzi, o leite de cada espécie tem sabor e aroma próprios, de caráter inconfundível e único, conferidos pelos seus constituintes. Os constituintes que contribuem para o sabor e aroma são principalmente a lactose (sabor adocicado) e os sais inorgânicos (salgado), e também outros, como álcoois, ácidos graxos, lactonas e compostos formados ou ativados durante o tratamento térmico. A sua composição é determinante para o estabelecimento da sua qualidade nutricional. A multiplicação bacteriana como um todo provoca alterações bioquímicas, que são resultantes de processos glicolíticos, proteolíticos e lipolíticos, dependendo da capacidade metabólica das bactérias presentes. Um leite que sofre processo intenso de proteólise torna-se amargo; já se houver lipólise, há rancificação do leite; se o leite sofrer acidificação, por processos glicolíticos, o sabor ficará azedo (PRATA, 2001). Estes processos deteriorantes tornam o produto insatisfatório para o consumo, o que acarreta prejuízos para cadeia laticinista (LINDBERG, 1997). As alterações microbianas que ocorrem no leite devem-se, principalmente, pela sua composição química variada. A contaminação microbiológica na indústria de alimentos representa um perigo para a saúde do consumidor, uma vez que o leite e os produtos lácteos podem veicular microrganismos associados a surtos de origem alimentar, além de ocasionar prejuízos econômicos. 2. Principais microrganismos associados à deterioração do leite e seus derivados A qualidade microbiológica do leite está diretamente relacionada com a contaminação inicial e com a taxa de multiplicação dos microrganismos. A carga microbiana inicial depende de fatores como saúde da glândula mamária, exterior do úbere, equipamento de ordenha, tanque de resfriamento e qualidade da água. A taxa de multiplicação, por sua vez, depende do binômio tempo-temperatura (NASCIMENTO & SOUZA, 2002). O maior problema atualmente no Brasil está no comprometimento da qualidade ainda na propriedade, pois o leite já sai com altas contagens de microrganismos aeróbios mesófilos. Enquanto nos Estados Unidos, União Europeia e Nova Zelândia a contagem desses microrganismos apresenta valores inferiores a 1,0x105UFC/mL, no Brasil a Instrução Normativa nº 76(2) permite contagens de até 3,0x105 UFC/mL. Assim, o leite pasteurizado no Brasil apresenta uma vida útil média de cinco dias, enquanto nos Estados Unidos chega a 20 dias, pois há uma preocupação não só com a quantidade de microrganismos, mas também com a composição da microbiota e sua atividade sobre as proteínas e gorduras do leite. (L.R.M MARIOTO, 2020). Tabela 1.Ordem de industrialização do leite e seus derivados no Brasil 2007 ORDEM DE INDUSTRIALIZAÇÃO DO LEITE E SEUS DERIVADOS NO BRASIL, 2007. PRODUTO VOLUME DE LEITE (bilhões de litros) (%) TOTAL Queijo 6,3 34 Leite Longa Vida 4,9 26 Leite em pó 3,3 18 Leite pasteurizado 1,3 7 Leite condensado 0,9 5 Leites Fermentados 1,3 7 Outros produtos lácteos 0,6 3 Fonte: Leite Brasil (Leite industrializado em estabelecimentos sob o Serviço de Inspeção Federal - SIF) Os microrganismos deteriorantes acarretam aos laticínios diversos problemas tecnológicos e econômicos, gerando características e fatores indesejados, podendo ou não acarretar em problemas relacionados à saúde. Os principais microrganismos que afetam laticínios podem ser divididos em: ● Mesófilos: Possuindo temperatura ideal de crescimento com uma faixa entre 20ºC a 45ºC. Subdivididos em: Bactérias Lácticas: Lactococcus, Lactobacillus, Leuconostoc, Enterococcus, Pediococcus e Streptococcus. Familia Enterobacteriaceae: Escherichia coli, Enterobacter aerogenes, Klebsiella spp. ● Psicrotróficos: Possuindo temperatura ideal de crescimento com uma faixa entre 0ºC a 7ºC. Pseudomonas, Achromobacter, Flavobacterium e Alcaligenes. ● Termodúricos: Extremamente resistentes ao calor, geralmente necessitam de 20 min a 120ºC para inativá-las. Streptococcus thermophilus e Micrococcus. ● Formadores de endósporos: Possuindo temperatura ideal de crescimento com uma faixa entre 30ºC a 37ºC. Bacillus cereus, B. subtilis, B. stearothermophilus, B. sporothermodurans e Clostridium tyrobutiricum. 3. Fatores intrínsecos e extrínsecos Os microorganismos presentes no leite cru da vaca são os mesmos que encontrados no úbere e na pele desse animal, nos utensílios da ordenha ou nas tubulações da coleta. Sob boas condições de manuseio e conservação, a biota predominante é Gram-positiva. O leite cru mantido sob temperaturas de refrigeração por muitos dias apresenta, invariavelmente, várias ou todas as bactérias dos seguintes gêneros: Enterococcus, Lactococcus, Streptococcus, Leuconostoc, Lactobacillus, Microbacterium, Oerskovia, Propionibacterium, Micrococcus, Proteus, Pseudomonas, Bacillus e Listeria, assim como alguns dos representantes de pelo menos um dos gêneros dos coliformes. A biota incapaz de crescer nas baixas temperaturas habituais de armazenamento tende a apresentar números muito reduzidos. O leite é o veículo de muitas doenças. O consumo do leite cru geralmente está relacionado com os surtos registrados, incluindo leites crus inspecionados. Sorvetes preparados em casa contendo ovos, leite em pó ou pasteurizado contaminados após os processos de aquecimento têm sido associados aos surtos alimentares. A campilobacteriose e as salmoneloses já são reconhecidas como doenças que podem ser transmitidas pelo leite ou por produtos lácteos. Casos de listeriose e colite hemorrágica também têm sido relacionados ao leite. Os microorganismos que mais frequentemente envolvem a mastite incluem Staphylococcus aureus, Staphylococcus coagulase negativa, Streptococcus agalactiae, Streptococcus dysgalactiae, Streptococcus uberus, Escherichia coli, Corynebacterium bovis, Listeria monocytogenes, Pseudomonas aeruginosa, Mycoplasma e leveduras. Microorganismos causadores de mastite são importantes por vários motivos: eles alteram a composição do leite, eles podem ser patogênicos para o homem (como Brucella, L. monocytogenes e S. aureus), podem causar perdas econômicas e podem conter resíduos de antibióticos usados no tratamento da mastite. A deterioração do leite resultante da contaminação de produtos lácteos com microrganismos psicotróficos resulta em perdas significativas para a indústria alimentar e é uma preocupação particular da indústria leiteira. O leite é geralmente armazenado em baixas temperaturas por 2 a 5 dias antes do tratamento térmico. Durante o armazenamento, a microbiota muda para microrganismos psicotróficos, o que pode reduzir a qualidade do leite cru. As alterações do leite ocorrem principalmente através da ação microbianasobre os seus constituintes básicos: carboidratos, proteínas e lipídios. A lactose é um dos carboidratos de maior fonte energética dos microrganismos que, quando utilizada, decompõe-se em ácido lático, sendo essa transformação denominada de fermentação lática. Esse por sua vez atua sobre a caseína, produzindo a coagulação do leite. Geralmente leites ácidos e coagulados não são aceitos nas indústrias, pois essas características indicam grande contaminação bacteriana proveniente da falta de higiene na ordenha e de falhas nas boas práticas de fabricação. Microorganismos proteolíticos, como Bacillus sp., Proteus sp. e Pseudomonas sp. podem degradar a caseína, resultando em peptídeos que ainda podem ser decompostos a aminoácidos, originando assim a fermentação proteolítica, enquanto que microorganismos lipolíticos, como Pseudomonas fluorescens e Achromobacter lipolyticum, hidrolisam a gordura do leite a glicerol e ácidos graxos, sendo denominada de fermentação butírica. A fermentação pela qual se produz ácido propiônico e, secundariamente, ácido acético e gás carbônico é denominada de fermentação propiônica, e a bactéria responsável por esse tipo de alteração é do gênero Propionibacterium. O leite se torna suscetível a contaminação por possuir mais de 80% de água em sua composição e por conta do seu grande valor nutricional, com carboidratos, lipídios e proteínas. Dentre os microrganismos que causam doenças, destacam-se a família Enterobacteriaceae, que quando presentes, são indicadores de higiene, pois são encontrados nos tratos intestinais de animais. De acordo com a legislação, a presença de baixos níveis de microorganismos encontrados em alimentos é permitida e pode variar de acordo com cada um. Nesta família, destacam-se o grupo de coliformes totais, bactérias capazes de fermentar a lactose, e a bactéria Escherichia coli. E. coli é uma bactéria pertencente ao grupo dos coliformes termotolerantes, que são capazes de fermentar a lactose em 24 horas a uma temperatura de 44.5 a 45.5 °C. Este tipo de patógeno é a principal causa de colite hemorrágica em humanos e uma das fontes de contaminação é o leite. Integrantes da família Enterobacteriaceae, são capazes de fermentar a glicose e, como um dos produtos dessa fermentação, há a formação de gás carbônico. Já o teste de oxidase foi realizado para confirmar a produção da enzima citocromo oxidase, que exclui os bacilos gram-negativos não-fermentadores (como o gênero Pseudomonas) do grupo das enterobactérias. Os microorganismos psicotróficos, como alguns membros da família Enterobacteriaceae, se revelam como um grande problema para a cadeia produtiva do leite. As contaminações por tais microorganismos podem se dar em diversas etapas da produção como no manuseio do animal, em superfícies de equipamentos e até pelo descontrole da temperatura do leite durante seu transporte. Contribuem para a deterioração do leite da seguinte forma: produzem enzimas proteolíticas (proteases), lipolíticas (lipases) que são excretadas no leite cru durante a estocagem antes do processamento. Boa parte destas enzimas são termoestáveis e atuam fora da célula microbiana, tornando as moléculas menores passíveis de alimentação. Assim, mesmo com a morte da bactéria por meio dos tratamentos de esterilização, as enzimas continuarão a deteriorar o leite. A deterioração de produtos contendo leite pasteurizado tem duas origens comuns. A primeira é o crescimento e a atividade metabólica de organismos psicotróficos como Pseudomonas, Alcaligenes e Flavobacterium spp. Esses bastonetes Gram-negativos, que normalmente são lipolíticos e proteolíticos, são contaminantes após a pasteurização. Os organismos proteolíticos podem causar a desestabilização das micelas de caseína e uma “coagulação doce” no leite. No entanto, a deterioração predominante se manifesta por meio de odores acres e frutosos. A segunda é o crescimento de organismos resistentes ao calor que podem fermentar a lactose até ácido lático. Quando o pH é reduzido para 4.6, o leite coagula. Se esporos de bolores estão presentes, eles podem germinar e crescer na superfície do leite azedo e elevar o pH até torná-lo neutro, propiciando o crescimento de bactérias proteolíticas como Pseudomonas spp. e a liquefação dos coágulos do leite. Em produtos lácteos com uma vida de prateleira mais longa (UHT), a deterioração por bactérias psicotróficas formadoras de endósporos é um problema sério. Organismos como o Bacillus cereus podem sobreviver ao processo UHT e, devido a longa vida de prateleira, crescer e produzir toxinas, além de também poderem causar uma “coagulação doce” nos produtos. A deterioração microbiana do leite cru é similar à deterioração anteriormente descrita, no caso de o produto ser mantido sob refrigeração. A viscosidade presente, às vezes, no leite cru, é causada pelo Alcaligenes viscolactis. Seu crescimento é favorecido pela manutenção do leite cru em baixas temperaturas por muitos dias. A viscosidade ocorre devido à produção bacteriana de uma camada viscosa, a qual dá ao produto uma consistência pegajosa. Pseudomonas foi identificado como bactéria psicotrófica predominantemente associada ao leite, tornando-a um dos grupos bacterianos mais importantes na indústria de laticínios. As espécies de Pseudomonas mais comumente detectadas em leite e produtos lácteos são P. fluorescens, P. gessardii, P. fragi e P. lundensis. Pseudomonas spp. pode crescer em uma faixa de temperatura de 4 a 42ºC, com uma temperatura ideal de crescimento acima de 20ºC. Estão presentes em diversos ambientes e estão frequentemente ligadas à deterioração de alimentos, principalmente do leite cru. Pseudomonas podem superar outras bactérias em baixas temperaturas, representando pelo menos 50% de todas as bactérias no leite. O crescimento das Pseudomonas está frequentemente associado à produção de enzimas extracelulares (por exemplo, lipases e peptidases). As peptidases secretadas durante o armazenamento refrigerado são peptidases extracelulares estáveis ao calor que podem reter sua atividade após pasteurização ou tratamento em temperatura ultra alta (UHT) . As atividades enzimáticas residuais podem causar coagulação e degradação do leite e produtos lácteos ao longo do tempo. 4. Principais características das alterações químicas e sensoriais A importância dos microrganismos no leite e derivados deve-se a três razões principais: 1. Os microrganismos são responsáveis pelo sabor, aroma e algumas características físicas desejáveis, durante a elaboração dos derivados do leite, tais como: queijos, leites fermentados e manteiga. 2. Microrganismos patogênicos ou toxinas microbianas podem contaminar o leite e este se transforma em veículo potencial de enfermidades ao homem e animais. Devem-se conhecer as prováveis fontes de contaminação e tomar medidas efetivas a fim de evitar o crescimento e o desenvolvimento destes microrganismos. 3. Os microrganismos podem promover sabor e aroma estranhos e desenvolver características físicas indesejáveis nos produtos lácteos. São os chamados microrganismos deteriorantes. Devem-se conhecer as prováveis fontes e lançar mão de métodos que previnam seu crescimento e desenvolvimento (ICMSF, 1988). Levando em conta a deterioração do leite e derivados, os microrganismos podem produzir as seguintes características indesejáveis: Os microrganismos podem ser os principais responsáveis por certas mudanças físicas e organolépticas indesejáveis no leite cru, que torna-se progressivamente contaminado com organismos termodúricos e gram negativos, a despeito dos cuidados e das precauções que podem ou não ser adotadas (Hayes 1993; ICMSF, 1988; Larpent, 1994; Murray & Stewart, 1978; Vargas et al., 1984). ● Acidificação Quando ocorre a formação de ácido, o leite pode ser considerado alterado, especialmente se acontecer a formação de coágulo, embora este seja o processo que se usa na fabricação de leites fermentados e queijos. A contaminação do leite,ocorrida por microrganismos provenientes das usuais condições de ordenha e de transporte, provoca a sua acidificação por intermédio da fermentação láctica, podendo mesmo dar-se a coagulação da caseína se esta atingir níveis elevados. Segundo Santos (1981), na ordenha, quando não são observadas as práticas higiênicas, as bactérias produzem enzimas capazes de desdobrar a lactose do leite em ácido, principalmente o ácido lático. Este autor cita que, para cada molécula de lactose desdobrada, originam-se quatro moléculas de ácido lático, sendo esta a razão do leite ácido ser destinado ao desnate para o aproveitamento da matéria gorda, ou jogado fora causando a poluição de rios e lagos. Assim, convencionou-se denominar de “normal” o leite cuja acidificação ocorreu em função do elevado número de bactérias, ao longo do tempo decorrido desde a ordenha até sua pesagem no posto de recepção, bem como da inadequada temperatura em que foi manipulado. “Anormal” seria o leite ácido proveniente de animais doentes, contendo colostro ou leite de retenção, adulterado ou então obtido sem a mínima higiene, portanto apresentando detritos e impurezas. Os germes que participam desta fermentação podem ser homofermentativos, que produzem quase que exclusivamente ácido láctico e pequenas quantidades de ácido acético, dióxido de carbono e outros produtos voláteis, ou heterofermentativos que produzem, além de ácido láctico, quantidades apreciáveis de produtos voláteis. Considera-se normal o leite em que a acidez esteja entre 15 a 200 D e impróprio o que estiver abaixo de 150 D e acima de 200 D (Behmer, 1977; BRASILMA, 1978) Dias Jr., 1971; Frazier, 1993; Jay, 1973; Van Dender & Schneider 1985). As bactérias lácticas não são as únicas responsáveis pela formação de ácidos. Quando as condições não são favoráveis a estas bactérias, outras os produzem. As bactérias coliformes originam pequenas quantidades de ácido láctico e consideráveis de produtos voláteis como hidrogênio, dióxido de carbono, ácido acético, ácido fórmico, álcool, etc. Algumas espécies de Micrococcus, Microbacterium e Bacillus podem produzir ácido no leite, principalmente láctico, mas em condições normais não são capazes de competir com as bactérias lácticas (Frazier, 1993). ● Produção de gás A produção de gás por bactérias é sempre acompanhada de formação de ácido e sempre indesejável tanto no leite como nos produtos lácteos. As espécies produtoras de gás mais importantes são as bactérias coliformes, espécies de Clostridium, os aero bacilos que liberam hidrogênio e dióxido de carbono, leveduras, germes propiônicos e lácticas heterofermentativas, que produzem somente dióxido de carbono. A produção de gás manifesta-se no leite pela formação de espuma na superfície; se o leite é líquido e está supersaturado de gás, por bolhas de gás presas na coalhada dando-lhe o aspecto de estar cheia de sulco, pela presença de pedaços de coalhada que flutuam na superfície e contém bolhas ou se a produção de gás é tão rápida, por ruptura da coalhada, determinando a “fermentação tumultuosa do leite” (Frazier, 1993). ● Proteólise A hidrólise das proteínas lácticas por ação microbiana geralmente é acompanhada pela produção de sabor amargo por alguns peptídeos. Ela é favorecida pelo armazenamento em baixas temperaturas, pela destruição por calor dos germes lácticos e outros formadores de ácido, pela destruição do ácido formado no leite por ação de mofos e leveduras ou pela neutralização de ácidos por metabólitos de outros microrganismos. As alterações produzidas por microrganismos proteolíticos são: (1) Proteólise ácida, na qual ocorre simultaneamente a Proteólise e a produção de ácido; (2) Proteólise com acidez mínima, inclusive com certa alcalinidade; (3) Proteólise lenta por endoenzimas liberadas pelas bactérias depois de sua autólise. A Proteólise produzida por bactérias que não fermentam a lactose varia de acordo com o germe que a realiza, desde uma digestão evidente da caseína a uma ligeira Proteólise, detectável somente por meios químicos. Entre estes organismos estão os pertencentes aos gêneros Micrococcus, Pseudomonas, Proteus, Achromobacter, Flavobacterium, Bacillus e Clostridium. Algumas dessas espécies, particularmente as pertencentes aos gêneros Micrococcus, Pseudomonas, Achromobacter e Flavobacterium, desenvolvem-se em baixas temperaturas, sendo portanto, capazes de produzir Proteólise e sabor amargo no leite mantido em baixas temperaturas. Grande número de espécies dos gêneros Bacillus e Clostridium são incapazes de crescer em temperaturas de refrigeração e não competem bem com os formadores de ácido à temperatura ambiente. Sua ação proteolítica é mais provável que se manifeste no leite que foi suficientemente aquecido, para destruir todos ou a maioria dos germes produtores de ácido (Frazier, 1993). ● Leite viscoso O leite pode adquirir um aspecto viscoso, quando exposto ao ar.Quando não é de origem bacteriana pode ocorrer por: (1) mastite e em particular a fibrina e leucócitos provenientes do sangue da vaca; (2) espessamento do creme; (3) presença de delicadas partículas de caseína ou lactoalbumina durante o resfriamento, que às vezes se observam nos refrigerantes de superfície. A viscosidade de origem bacteriana é produzida por bactérias encapsuladas e deve-se ao seu material capsular, que se compõe de gomas e mucinas. Desenvolvem-se em geral em baixas temperaturas. Há dois tipos de viscosidade bacteriana: uma em que o fenômeno se manifesta fundamentalmente na parte superior e outra que envolve todo leite de modo homogêneo ou uniforme. O fenômeno, quando superficial, é causado por Alcaligenes viscolactis ou micrococos termodúrico, como Micrococcus freudenreichii. A viscosidade generalizada pode ser provocada por diferentes tipos de microrganismos, entre os quais citam-se: (1) certas cepas de bactérias coliformes tais como Aerobacter aerogenes, A. cloacae e algumas vezes Escherichia coli; (2) certas cepas de bactérias lácticas como Streptococcus lactis, Lactobacillus casei, Lactobacillus plantarum e Lactobacillus cremoris; (3) diversas bactérias formadoras de álcali como os micrococos, estreptococos, tetracocos e bacilos. ● Alterações do aroma e sabor O aroma do leite recém-ordenhado é fino e delicado e altera-se com muita facilidade. As alterações mais características podem ocorrer por causa da procedência de vaca com mastite, ou por estado de lactância, ou como consequência do alimento ingerido pela vaca. Entre os sabores e aromas estranhos provocados por microrganismos, encontram-se: sabor e aroma ácidos, produzidos pelo Streptococcus lactis e outras bactérias lácticas, Leuconostoc, bactérias coliformes e Clostridium; sabores amargos, produzidos por microrganismos que produzem Proteólise; e sabor caramelizado, que se deve às vezes por ação de Streptococcus lactis (Frazier, 1993). Diversas espécies de mofo e bactérias hidrolisam os glicerídeos do leite para consumir a glicerina. Os ácidos graxos livres de baixo peso molecular, como o butírico, conferem ao leite um sabor desagradável denominado “ranço”, que é uma alteração não comum no leite, mas com muita freqüência no creme e na manteiga (Frazier & Westhoff, 1978). Considerações finais O leite é um alimento de sabor tão delicado e facilmente alterável, que muitos métodos de conservação não são aplicáveis sem modificá-lo desfavoravelmente, ou, no melhor dos casos, sem convertê-lo em outro alimento. A maioria dos alimentos derivados do leite foram obtidos inicialmente na tentativa de melhorar sua capacidade de conservação (Frazier, 1993). Percebe-se assim a importância das técnicas e padrões empregadas ao processamento do leite, principalmente seguindo a assepsia, desde a coleta até a manipulação do produto, assim como o emprego de temperaturas, sendo o calor ou resfriamento para o controle e inativação dos microrganismos deteriorantes. Referencias bibliográficas: ARAÚJO, L. G. Identificação de atividadedeteriorante e do gene apr na microbiota isolada de leite cru em Caxias, MA. Rev. Inst. Laticínios Cândido Tostes. Juiz de Fora: v. 74, n. 4, p. 219 - 230, 2019. CAVALCANTE, J. F. M. et al. 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