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Coaching e o Desenvolvimento de Habilidades e Competências Normando José do Nascimento Junior Coaching e o Desenvolvimento de Habilidades e Competências 2 Objetivos da Aprendizagem • conhecer o que se caracteriza hoje como a prática do coach no Brasil; • diferenciar o papel do coaching de demais papéis semelhantes, como consul- toria, mentoring etc.; • entender a relação existente entre a atuação do coach e o desenvolvimento de competências e habilidades; • compreender algumas teorias que buscam explicar a complexidade do mun- do moderno; • investigar quais as competências e habilidades necessárias para um profis- sional do século XXI; • perceber a relação entre o contexto social em que vivemos e as demandas que devem ser desenvolvidas enquanto competências; • entender quais os fatores fundamentais para a atuação do coach no desen- volvimento de competências. 3 Coaching e o Desenvolvimento de Competências Cada tempo traz consigo suas necessidades, seus desafios e suas diversas soluções. Isso significa que, por consequência, as profissões também não são um elemento parado no tempo. Pelo contrário, profissões surgem, se modificam ou até desaparecem com o passar dele. Prova disso é o coach. O coaching é um serviço recente, ainda pouco definido quando comparado a outras profissões, e que abrange uma variedade de áreas de atuação, uma vez que se propõe a apresentar soluções para demandas mercadológicas, individuais e relacionais da atualidade. Para compreender como as competências e habilidades importantes na sociedade atual influenciam a prática do coach, é preciso antes saber o que ele é e o que faz. Para auxiliar essa compreensão, estudaremos o assunto à luz de importantes referências bibliográficas tanto de autores quanto de instituições de renome na esfera do coaching no Brasil. De onde veio o coaching? O termo surge em Kocs, na Hungria, no século XV, e era usado para designar o condutor de um meio de transporte utilizado na época, a carruagem. O coaching seria o ato de conduzir e o coachman, que seria o condutor, em tradução para o português corresponderia a um cocheiro. O coach era, então, aquele que conduzia as pessoas a seu destino. Posteriormente, o termo foi popularizado no meio esportivo, mantendo e, ao mesmo tempo, ressignificando a ideia. O coach mantém a prática de condução ao objetivo, mas no esporte, o encorajamento, o treino de habilidades e o uso de metodologias são introduzidos com grande ênfase. Assim, “nos seus primórdios, o coaching foi concebido como uma espécie de orientação, ensino ou instrução. Ao surgir como uma disciplina distinta, foi abordado como forma de facilitação ou um estilo de gerenciamento de pessoas, estritamente não diretivo. Ultimamente, de maneira crescente, o coaching tem adotado elementos terapêuticos e de desenvolvimento pessoal” (OLIVEIRA-SILVA et al., 2018). 4 Você sabia que o tenista Tim Gallwey foi um dos pioneiros do uso da metodologia coaching no contexto esportivo? Além da sua excelente experiência no esporte, ele também se dedicou a escrever livros sobre coaching e alto desempenho, como seu grande sucesso O jogo interior do tênis: o guia clássico para o lado mental da excelência no desempenho, muito prestigiado até hoje. Curiosidade O conceito mais popular e aceito na atualidade compreende o coaching como um processo que tem como objetivo ajudar uma pessoa, empresa ou equipe a alcançar metas e objetivos de forma mais eficaz e rápida. Ele se utiliza do conhecimento e de algumas técnicas das mais diversas disciplinas e áreas do saber para executar os objetivos traçados junto ao cliente. Estes últimos são parte fundamental da compreensão do que é coaching. Uma vez que é um processo relacional, o coaching tem dois principais protagonistas: o coach e o coachee. O coach é o profissional que presta o serviço de coaching. Originado do inglês, o termo coach significa treinador, o que implica que esse profissional busca, por meio do treino e do direcionamento, desenvolver as competências necessárias ao seu cliente. Seu trabalho também inclui encorajamento, avaliação do desempenho e compartilhamento de conhecimentos. Já o cliente é também chamado de coachee. Ele é aquele a quem o serviço é prestado, por isso, os objetivos e o propósito partem dele, sendo o protagonista do processo. O resultado que se busca é o seu desenvolvimento. A relação positiva entre esses dois atores é um dos fatores primordiais para a aplicação de qualquer metodologia usada no coaching. Isso porque “a respeito do relacionamento entre coach e coachee, há um consenso sobre a importância do estabelecimento de confiança e vínculo, o que é considerado um dos principais responsáveis pela eficácia do procedimento” (OLIVEIRA-SILVA et al., 2018). Os objetivos ou necessidades traçados pelo cliente antes de iniciar processo, ou até durante ele, podem ter as mais variadas demandas. Podem se referir à vida pessoal, profissional, acadêmica, familiar, entre outros, e, por isso, existem amplas possibilidades de formação e atuação do coach, sendo necessário que ele atue apenas com aquilo que tem competência e é habilitado a fazer. É isso que se conhece como nichos do coaching, que se dividem primordialmente em life coaching (coach de vida, voltado a questões pessoais) e professional coaching (voltado para o desenvolvimento no âmbito profissional). Dentro desses dois eixos, há uma série de outras subdivisões 5 que servem como parâmetro para o profissional, que foca seu estudo e formação em determinada área, e para o cliente, que tem mais clareza de quem escolher de acordo com suas demandas. Apesar dessa ampla variedade de atuações no coaching, é válido compreender que nenhuma profissão é capaz de acolher todas as demandas existentes na sociedade. Um dos papéis de um profissional de excelência é perceber os limites da sua formação, podendo encaminhar seus clientes para outros profissionais – como médicos, psicólogos ou nutricionistas – para que haja um trabalho em paralelo, cada profissional cuidando de esferas diferentes da vida do sujeito. Porém, qual o valor oferecido pelo coach em seu trabalho? Para que seja possível alcançar os objetivos traçados, o coach promove o desenvolvimento de habilidades e competências como um meio para alcançar o fim desejado. Ou seja, as habilidades e competências não são consideradas como um fim em si mesmas ou como um aprimoramento pessoal sem aplicação prática. Pelo contrário, são entendidas como o caminho/meio para o alcance do objetivo. O foco não está nas competências em si mesmas, mas nos resultados que elas podem trazer à vida do cliente mesmo após o fim do processo de coaching. Diferenciando o Coaching de Outras Atividades Para uma prática profissional efetiva, é preciso entender não apenas a sua própria profissão, mas como ela se relaciona com as outras. Tendo em vista que o mundo atual é fortemente interconectado, a interdisciplinaridade é muito valorizada, de forma que profissionais de diversas áreas compartilhem o espaço de trabalho e seus saberes de forma colaborativa, potencializando a capacidade de resolução de problemas desse grupo. Assim, é certo que o coach em algum momento da sua trajetória trabalhará em conjunto a outros profissionais. É preciso, por isso, entender o que eles fazem. Além disso existem alguns serviços que têm se popularizado na atualidade e que são frequentemente confundidos com o coaching. Iremos diferenciar o coaching de alguns desses serviços a seguir, enquanto compreendemos melhor alguns detalhes da atividade desse profissional. Um desses conceitos que gera confusão quando comparado ao coaching é o de mentoring. O mentoring, ou mentoria, é um serviço centrado no compartilhamento de experiência. Assim, no mentoring, a pessoa mais experiente irá servir como mentor para alguém menos experiente na mesma atividade. O objetivo é capacitar essa 6 para sua atividade e é predominantemente usado em organizaçõesempresariais e instituições educativas. O coach se diferencia por ser um elemento externo à instituição, quando atua em uma, e por não ter como objetivo compartilhar sua especialidade com alguém do mesmo ramo, quando atua individualmente. Assim, o papel central do coach não é ajudar a pessoa a se adaptar ou se integrar à cultura da instituição ou às atividades realizadas, mas, sim, alcançar um objetivo, seja de forma pessoal ou institucional. Além disso, o coach não precisa ser especializado naquele objetivo estabelecido pelo seu cliente, diferente do mentor, que para atuar, precisa ser expert na mesma atividade que seu mentorando. Também há uma dificuldade frequente de diferenciar coaching e treinamento, principalmente dentro da atividade empresarial. É preciso chamar a atenção para o fato que, apesar de, no sentido estreito da palavra, remeterem ao mesmo significado, as práticas do coaching e do treinamento no contexto brasileiro são significativamente diferentes. O treinamento é uma prática mais antiga e mais popularizada que se trata de um processo de assimilação cultural a curto prazo. Busca assimilar ou reciclar conhecimentos, habilidades ou atitudes para colocar em prática na instituição e otimizar a tarefa de trabalho. Trabalha na direção da capacitação do indivíduo para seu trabalho, promovendo uma mudança rápida pessoal e não a nível institucional. Também se espera que a aplicação dos conhecimentos adquiridos seja logo ao fim do processo, e os objetivos sejam traçados de cima para baixo na cadeia hierárquica da instituição. Em contrapartida, no caso do coach, os objetivos são construídos de forma compartilhada e o coach percebe tanto os limites pessoais quanto da instituição. Sua atuação é voltada para um desenvolvimento amplo do indivíduo e não direcionado apenas a uma atividade pontual. O processo tende a durar mais tempo e não há uma expectativa para a aplicação imediata das competências desenvolvidas, e sim a facilitação dessa aplicação entendida enquanto processo. Há também a consultoria, que consiste em um serviço especializado que presta orientação sobre determinada área para um indivíduo ou empresa. Geralmente, tem caráter gerencial, e ajuda a tomar decisões nessa gestão, de modo que afeta a instituição a qual a consultoria foi prestada de forma mais global. Isso faz com que o serviço afete os indivíduos que compõem a instituição de forma indireta. Ou seja, a intervenção não será feita diretamente com os trabalhadores, mas com a gestão. O consultor pode acompanhar uma instituição por um período mais longo de tempo, mas geralmente sua avaliação e seu serviço são pontuais. Busca a solução de problemas pontuais. Diferencia-se do coach principalmente porque, seja ele 7 individual ou empresarial, sua intervenção foca nos indivíduos, suas atividades, idéias e comportamentos, tendo impacto direto. Por fim, é importante diferenciar o processo de coaching de uma prática de ensino. O coaching se diferencia do ensino porque sua compreensão da sua função não parte da lógica que o coach é detentor do saber a ser transmitido. Ao contrário, no coaching, se entende que o que deve ser feito é a contribuição do conhecimento, uso de técnicas e acompanhamento, mas o coachee é que é compreendido como detentor do saber, no sentido de que ele é que conhece melhor suas demandas e, por isso, o coach deve apenas ajudar o cliente a chegar naquilo que deseja. Assim, o coach se diferencia das práticas tradicionais de ensino, e sua compreensão se próxima dos conceitos da educação contemporânea. O Lugar das Competências no Coaching Como trazido anteriormente, no coaching, o desenvolvimento de competências é essencial para todo o processo. Afinal, as metas e objetivos estabelecidos são o alvo final, mas o desenvolvimento de competências é meio que possibilita chegar a ele. Na verdade, o próprio objetivo traçado pode ser o desenvolvimento de competências necessárias para a vida do cliente. Seja como for, as competências desenvolvidas em um processo de coaching acompanharão o sujeito para suas outras experiências para além dele e servirão como base para toda a sua trajetória dali à frente. Por isso, não há coaching sem desenvolvimento de competências. Ao buscar isso, tudo o que se pode encontrar é uma realização sistemática e mecânica de atividades, que não implicam em nenhum impacto positivo ao coachee após o término do processo. Dessa forma, é essencial que o coach seja um estudioso das competências e se aprimore em técnicas para desenvolvê-las. Sabemos que as competências são características que sustentam não apenas o fazer mecânico de atividades, mas também o conhecimento e as atitudes, o modo de ser daquela pessoa, e por isso, são construídas ao longo do tempo, não de forma instantânea. Esse é o ponto de partida para uma atuação profissional relevante. Para lidar com as competências, é preciso ter em mente que esse desenvolvimento buscado não é resultante de apenas um fator, mas resultado das interferências de vários elementos, como, principalmente, a bagagem de experiências do cliente, a relação entre ele e o coach, o a qualidade do trabalho do coach e as dinâmicas sociais. Quando se trata de um grupo, outras complexidades, como a relação entre os indivíduos e a diferença de experiência e instrução entre eles precisam ser consideradas. 8 Não é raro ver profissionais das mais diversas áreas que atuam sem levar em conta esses elementos norteadores. Por ignorar a história e as demandas do indivíduo, focam apenas no desenvolvimento de um saber fazer, limitando-se a desenvolver habilidades, mas sem situá-las de forma significativa na vida do coachee. Ao desenvolver junto a um cliente, por exemplo, a liderança, ensinar a como liderar por meio de técnicas não será suficiente. O diferencial do coach deve ser ir para além do saber fazer e buscar, junto ao coachee, um saber ser, que caracteriza a competência. Mais do que técnicas de liderança para aplicar, é essencial que essas se aliem à busca por conhecimento sobre o assunto e ao desenvolvimento de uma atitude – uma postura no mundo – pautada na liderança. Figura 1 – Elementos que constituem a competência Outro aspecto fundamental para pensar o desenvolvimento de competências e o coach é que não é possível educar para a liderança sem educar na liderança. Isto é, para o coach, não basta apenas que ele repasse técnicas específicas para ao desenvolvimento de competências, mas que esse possua uma competência nas temáticas que busca desenvolver. Conforme falamos acima, o coach é um sujeito responsável por elaborar e planejar caminhos para o alcance de objetivos, e a experiência é um fator primordial. 9 Habilidades e Competências de um Profissional do Século XXI Uma série de sociólogos contemporâneos tem se dedicado a estudar a influência do mundo globalizado na subjetividade dos indivíduos neste inseridos. Estudaremos aqui algumas dessas teorias por entender que elas, ao apresentarem as mudanças que nossa sociedade passa, também carregam consigo as novas tendência do mercado de trabalho, da educação e do modelo político-econômico em que vivemos. As formas de pensar e agir do passado não condizem mais com a realidade globalizada e tecnológica que vivemos. A melhor maneira de lidar com novos tempos é construir novos caminhos, novas práticas e formas de lidar com este contexto. Para isso, vejamos uma teoria que busca explicar com mais detalhes sobre o mundo dinâmico e complexo que estamos inseridos. De um ponto de vista da individualidade, Stuart Hall, um sociólogo britânico-jamaicano, publicou sua teoria explicando de que forma a identidade cultural se molda nesse contexto pós-moderno. Para ele, as velhas identidades já estabilizadas no mundo social entraram em decadência, “fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado.” (HALL, 2019, p. 7.) Assim, o autor argumenta que, ao longo da história, oser humano, enquanto sujeito, passou por três marcos com concepções diferentes sobre sua identidade: o sujeito do iluminismo, o sujeito sociológico e o sujeito pós-moderno. Falaremos um pouco sobre essas concepções. Em síntese, diz que, no Iluminismo, a concepção da pessoa humana era de um “indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação, cujo centro consistia em um núcleo interior, que emergia pela primeira vez quando o sujeito nascia e com ele se desenvolvia, ainda que permanecendo essencialmente o mesmo - contínuo ou ''idêntico" a ele – ao longo da existência do indivíduo” (HALL, 2019, p. 9-10). Quanto ao sujeito sociológico, este refletia “a crescente complexidade do mundo moderno e a consciência de que este núcleo interior do sujeito não era autônomo e autossuficiente, mas era formado na relação com" outras pessoas importantes para ele", que mediavam para o sujeito os valores, sentidos e símbolos - a cultura – dos mundos que ele/ela habitava”. (HALL, 2019, p. 11). 10 Uma série de teorias no campo da Sociologia foram desenvolvidas para fundamentar esta concepção. O sujeito pós-moderno, em contrapartida, é conceituado como não tendo uma identidade fixa, permanente. Para Hall (2019), o indivíduo “assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um ''eu" coerente” (p.13). Uma das causa para isso é a diversidade de experiências e grupos sociais com as quais um sujeito pode se identificar, grupos esses que, muitas vezes, têm práticas e valores incompatíveis. Toda essa influência na forma que o sujeito se identifica modula por completo a forma desse sujeito experienciar o mundo. Isto é, modifica não só a forma que o sujeito pensa, mas também a forma que esse sujeito age. O trabalho de Hall é extremamente importante para entender o contexto que experienciamos enquanto indivíduos. O que estudamos até então diz respeito apenas ao primeiro capítulo de seu livro A identidade cultural na pós-modernidade, publicado em 2006. Nos capítulos seguintes, ele relata como a globalização apresenta impactos no modo do sujeito pós-moderno experienciar sua identidade. Mundo VUCA: o Novo Normal da Contemporaneidade Entendendo como um complemento as ideias até então apresentadas, estudaremos agora uma concepção contemporânea do mundo, intitulado mundo VUCA. O termo VUCA diz respeito ao acrônimo das palavras volatilidade (volatility), a incerteza (uncertainty), a complexidade (complexity) e a ambiguidade (ambiguity). Esses termos surgem como características marcantes na contemporaneidade. O VUCA surge na década de 90, no contexto militar americano, e foi tomando força no mundo corporativo. Vejamos como cada uma dessas características fazem parte do nosso ambiente. Que o mercado, ao longo do tempo, vem passando por uma série de mudanças, sabemos. A forma com que os sujeitos se relacionam com ele também. Porém, desde a intensificação do acesso do homem à internet, essas relações sofrem uma mudança ainda maior, tornando-se voláteis. Isto é, mais dinâmicas e rápidas, em maior escala e de modo simultâneo. Pensemos em um restaurante de pequeno porte, por exemplo: antes do surgimento de aplicativos que fornecem o serviço de entrega, o fluxo de compras era controlado de maneira mais simples. Agora, com essa novidade, se faz necessário que esse restaurante atue de forma ágil e assertiva, se quiser ter uma boa relação com o 11 cliente. Isso aumenta as possibilidades, mas também torna as coisas obsoletas e ultrapassadas muito mais rapidamente. Toda esse modelo volátil que estamos inseridos gera muita incerteza. Como não há como prever o futuro e as coisas se moldam de forma rápida e intensa, a incerteza surge enquanto consequência. Torna-se mais difícil traçar planos baseados em uma previsão ou especulação do que vai acontecer, pois além dos imprevistos de ordem natural e política, que sempre existiram, invenções, produtos e ideias podem surgir rapidamente e desestabilizar esses planos. A incerteza, por sua vez, gera um ambiente extremamente complexo. Quanto mais difícil é de prever os riscos, mais necessária é a capacidade de estar pronto para tudo. Indivíduos e instituições não podem se contentar em apenas um modo de atuar, é preciso estar atento às mudanças e preparado para as incertezas. Isso gera um mundo complexo, pois as variáveis, os elementos que influenciam na realidade, na vida das pessoas e no mercado são muito maiores numericamente do que no passado. Os diferentes setores da indústrias, classes sociais e até países têm se comunicado cada dia mais intensamente, o que aumenta ainda mais a complexidade das relações e do mercado atual. Apesar de parecerem sinônimos, a complexidade e ambiguidade apontam coisas diferentes. Além de complexo, o modelo é ambíguo, tornando ainda mais desafiador. Todo esse cenário de mudança, tanto a caráter individual, das identidades, como a mudança da sociedade como um todo, intensifica novas demandas para o mercado de trabalho. Como vimos, a tecnologia e automação vem adentrando cada vez com mais força na nossa vida. Um estudo publicado em 2013, na Universidade de Oxford, intitulado The future of employment: how susceptible are jobs to computerisation? buscava investigar o quão suscetível às profissões estavam para a informatização. Frey e Osborne (2013), principais pesquisadores do estudo, analisaram 702 profissões, e uma das conclusões da pesquisa é que 47% do número total de profissões listadas possuem uma chance de serem 70% automatizadas nos próximos 20 anos. Esses números fornecem uma espécie de panorama geral da situação em que estamos. Tudo isso indica para nós que as habilidades exclusivamente humanas vão se valorizar frente a essa evolução. A capacidade de digitar palavras de forma rápida, por exemplo, é uma habilidade técnica que alguns humanos podem ter, mas também é algo facilmente replicado por robôs, ou que pode simplesmente se tornar desnecessário. Habilidades humanas, entretanto, são extremamente importantes, porque apresentam aquilo que as máquinas não serão capazes de reproduzir: as soft skills. 12 Antes de apresentar as categorias de habilidades e competências do século XXI, é importante explicar o que são as soft skills. Elas estão atreladas às vivências e experiências dos sujeitos, ou seja, podem ser fruto da criação, do ambiente, da educação e outros fatores em que a pessoa é submetida ao longo da vida. Figura 2. Indústria 4.0 e o trabalhador. Fonte: KOVALESKI, 2019, p. 49. 13 Cada competência se manifesta de maneira mais intensa em algumas pessoas, e menos intensa em outras. Cada pessoa possui aptidões e facilidades para algumas competências, e dificuldades para outras. Assim, no processo de desenvolvimento dessas soft skills, o profissional condutor deve ser responsável por fazer um diagnóstico condizente com as facilidades que o coachee já possui, e unir a isso as demandas que o século XXI vem nos direcionando para desenvolver. Interação Homem-máquina Alta Qualificação Interdisciplinaridade Capacitação em tecnologias habilitadorasPensamento Holístico Flexibilidade Criatividade/Inovação Adaptabilidade Figura 3 - A atuação do trabalhador com as soft skills e as hard skills. Fonte: KOVALESKI, 2019, p. 49. Na discussão da literatura, é possível ver uma diferenciação entre as soft skills e as hard skills. Enquanto as soft skills são habilidades humanas que dizem respeito ao comportamento humano, as hard skills são habilidades de foro técnico, particularmente as adquiridas por meio de uma formação profissional, acadêmica ou da experiência adquirida, mas incluem, ainda, os procedimentos administrativos relacionados com o âmbito de atividade da organização. Em um estudo de dissertação de Kovaleski (2019), é possível ver alguns exemplos das SS (soft skills) e HS (hard skills). A autora realizou um estudo que investiga quais as SS e HS presentesna literatura, comparando-as com as que as empresas demandam e com as que os especialistas acadêmicos apresentam como importantes. O resultado está representado no Figura 4: 14 Figura 4 - Competências: hard skills e soft skills. Fonte: KOVALESKI, 2019, p. 74. (Adaptado). Para adentrarmos na discussão na categorização seguinte, se faz necessário saber que o novo mercado vai demandar que sejam desenvolvidas tanto soft skills como hard skills. Podemos categorizar as habilidades e competências do profissional do século XXI em três grandes grupos: habilidades cognitivas, habilidades socioemocionais e habilidades tecnológicas 15 Enquanto estuda esse tópico, se dedique a perceber quais as competências do século XXI que você menos tem desenvolvido e dê uma atenção especial a elas. O autoconhecimento é o primeiro passo para a excelência! Reflita Habilidades Cognitivas, Socioemocionais e Tecnológicas Diante da série de demandas e novas formas de funcionamento do mercado, do avanço da tecnologia, da forma que o ser humano lida com sua identidade e do modelo de sociedade que estamos lidando, faz-se necessário pensar em novas habilidades e competências para os profissionais do século XXI. Cada vez mais estudos são publicados, mostrando que algumas profissões irão deixar de existir ou serão automatizadas. Assim, é essencial o desenvolvimento de um novo grupo de habilidades e competências. O primeiro grupo, que se estima que irá crescer em importância e necessidade no modelo de mercado atual, é o grupo de habilidades cognitivas. Embora as máquinas consigam substituir algumas tarefas de cunho cognitivo, como a memória, por exemplo, algumas funções cognitivas são puramente humanas. A capacidade de percepção, pensamento crítico, resolução de problemas, criatividade, raciocínio complexo, escrita avançada e comunicação são frutos da evolução humana, e extremamente importantes para o novo mercado. Segundo Morton (2013, p. 4), as funções executivas podem ser divididas em três categorias: • Autocontrole: a capacidade de resistir à uma tentação para poder fazer aquilo que é certo. Essa capacidade ajuda as crianças a prestar atenção, agir menos impulsivamente e a manter a concentração numa tarefa. • Memória de trabalho: a capacidade de manter as informações na mente, onde elas podem ser manipuladas. Essa habilidade é necessária para realizar tare- fas cognitivas, tais como estabelecer uma relação entre dois assuntos, fazer cálculos apenas com a mente e estabelecer uma ordem de prioridade entre várias tarefas. 16 • Flexibilidade cognitiva: a capacidade de usar o pensamento criativo e ajustes flexíveis para se adaptar às mudanças. Essa habilidade auxilia as crianças a utilizar sua imaginação e criatividade para resolver problemas. Podemos ver, então, que as funções executivas são responsáveis por grande parte das habilidades humanas que servem para uma melhor vivência. Para o mercado de trabalho, um desenvolvimento mais apurado deste tipo de habilidades torna-se extremamente necessário, já que as empresas e a sociedade demandam um profissional cada vez mais dinâmico, criativo e capaz de usar suas capacidades comunicativas. As funções executivas apontam para o que é puramente mais humano: a capacidade não apenas de armazenar informações ou de agir, mas de controlar e modificar comportamentos, relacionar e construir ideias e, principalmente, construir caminhos diferentes frente ao novo. Essas funções, quando estimuladas, implicam em gerenciar tarefas com criatividade, usando de automonitoramento das ações, podendo avaliar, repensar, criticar e criar possibilidades. Essas são atividades que não podem ser automatizadas, e, por isso, devem ser trabalhadas com maior atenção. Outro grupo de competências extremamente importantes, não só para o mercado, mas para a vida humana, é o de competências socioemocionais. Os benefícios podem ser vistos a curto, médio e longo prazo tanto no caráter individual, isto é, na qualidade de vida das pessoas, como também no caráter organizacional, otimizando o rendimento e convivência na organização. Dentro do grupo de competências socioemocionais, enquadram-se habilidades que dizem respeito tanto ao conhecimento de si quanto ao conhecimento dos outros, e à capacidade de gerenciar os relacionamentos com eficácia. A teoria da Inteligência Emocional, de Goleman (2011), consiste em quatro aptidões fundamentais: autoconhecimento, autogestão, consciência social e destreza social. Falaremos sobre essas quatro aptidões agora. Autoconhecimento é uma das características fundamentais para a inteligência emocional. Trata-se da capacidade de conhecer a si mesmo e suas características, incluindo as capacidades de perceber qualidades e defeitos e entender as próprias características emocionais. O autoconhecimento é composto pela autoconsciência emocional, quando o indivíduo é capaz de perceber suas características emocionais, os elementos disparadores de cada uma dessas emoções e o impacto gerado por elas nele, na sua experiência social e na sua vida profissional. Há também a precisão na autoavaliação: o sujeito é capaz de se observar de forma realista, prática e consciente, percebendo suas potencialidades e limitações. Por 17 fim, há a autoconfiança, que consiste em, conhecendo a si – pelo conhecimento das emoções e pela avaliação que faz de si –, ser capaz de assumir uma atitude positiva e confiante frente ao próprio valor. A segunda das aptidões fundamentais da inteligência emocional é a autogestão. Esta se configura como a habilidade não responder de forma impulsiva a estados intensos de emoção, mas conter impulsos que podem ser danosos pessoal e socialmente. A confiabilidade é a expressão de integridade do sujeito, que implica em passar para os outros que esse é confiável em seu comportamento, e não instável e imprevisível. A adaptabilidade é a capacidade de lidar de forma saudável e resiliente com situações novas e com problemas cotidianos. A conscienciosidade é uma habilidade de autorresponsabilidade pela própria vida e por seus compromissos, mesmo nas situações de desânimo ou desinteresse. A disposição para conquistas é uma motivação de origem pessoal para alcançar objetivos traçados e buscar melhorar nas mais diversas áreas da vida. A iniciativa, por sua vez, é a capacidade de transformar o desejo e o interesse por algo em ação, aproveitando e criando oportunidades para agir. A terceira aptidão fundamental nesse contexto é a consciência social. Se refere à capacidade de se relacionar com o outro, entendendo seus sentimentos, vontades, valores e padrões comunicativos. As habilidades que compõem a consciência social são a empatia, a consciência organizacional e a disposição a atender. A empatia, tema muito tratado na atualidade, se refere à capacidade de colocar-se no lugar do outro de forma abstrata, podendo entender suas ideias, emoções e experiências de forma interessada e afetiva. A consciência organizacional é uma habilidade referente à percepção das dinâmicas organizacionais, tornando-se capaz de tomar decisões acertadas, fazer previsões coerentes e estabelecer relações institucionalmente positivas. A disposição para atender, por fim, é a capacidade de perceber as necessidades das pessoas e de tomar iniciativas para ajudá-las. Temos, por fim, a destreza social. Trata-se da capacidade de estabelecer e manter relações de forma habilidosa, a partir do cuidado com a comunicação com o outro e a capacidade de lidar com conflitos emergentes de forma saudável. 18 Liderança visionária Aptidão para inspirar os outros, de forma precisa e adequada às reais necessidades das pessoas, em um contexto turbulento. Influência Aptidão para manejar uma gama de táticas de persuasão e empatia. Desenvolvimento focado nos outros Propensão para incrementar a evolução das pessoas à sua volta, mediante feedback, motivação e orientação. Comunicação Aptidão para ouvir e enviar mensagens claras, convincentese limpa de preconceitos. Catalisação de mudanças Capacidade de dar início a ideias e liderar pessoas numa nova direção. Gestão de conflitos Habilidade para atenuar divergências, afinar o tom da zona de reclamação e orquestrar resoluções. Construção de vínculos Proficiência no cultivo e na manutenção de uma rede de relacionamentos saudáveis. Trabalho em equipe e colaboração Competência para promover a cooperação, formar equipes e gerar pertencimento. Quadro 1 - Aptidões da destreza social 19 Em um cenário em que a insegurança, falta de perspectiva, ansiedade, excesso de preocupação e de pensamentos negativos aparecem com cada vez mais frequência, a importância das competências socioemocionais é enorme. Em um estudo feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), foi descoberto que os alunos brasileiros estão entre os mais estressados do mundo, perdendo apenas para a Costa Rica. Quando estes chegam ao mercado de trabalho e precisam lidar com os desafios do mundo VUCA, o cenário não é diferente. Segundo estudo publicado pela Isma-BR, a cada dez brasileiros do mercado de trabalho, nove apresentam sintomas como ansiedade e depressão. Se este ritmo permanecer, em 2030 essas doenças ocuparão o primeiro lugar nas causas de afastamento por invalidez. Diante deste cenário, faz-se necessário que o profissional do século XXI seja capaz de possuir competência socioemocional para lidar com as situações de incerteza, para ser capaz de se relacionar com os outros e consigo mesmo de forma harmoniosa e de gerir suas emoções. Por fim, a última das três competências listadas como essenciais para um profissional do século XXI é a de habilidades tecnológicas. Essa competência é composta por uma mescla de habilidades categorizadas no grupo das hard skills, isto é, aptidões conquistadas por meio de uma formação profissional/acadêmica, e outras aptidões que precisam ser desenvolvidas por meio do comportamento. Por vivermos em um cenário totalmente imerso em inovações tecnológicas, qualquer profissional que não for capaz de aprender conceitos básicos de informática corre o risco de ficar para trás. De uma forma muito intensa, a internet vem se transformando aceleradamente. Assim, as habilidades tecnológicas dizem respeito à forma que o sujeito se relaciona em rede, e de que forma ele usa de seus conhecimentos para se organizar, planejar e gerir sua prática profissional. Uma das habilidades primordiais neste grupo das habilidades tecnológicas é o de ser capaz de entender as informações. Por vivermos em um cenário de excesso, se familiarizar com o conceito de análise de dados (Big Data), entender as formas de coletas de dados e de que forma isso afeta o mercado é extremamente necessário. Outro fator importante dentro deste grupo é o de entender e se familiarizar com as mídias digitais. Isso serve tanto para pensar sobre de que forma o uso exposto da vida pessoal afeta dentro de um cargo em sua empresa, como também observar de que forma as vendas podem ser impulsionadas mediante o uso correto das redes 20 sociais. O uso das mídias sociais para aprender e ensinar coisas novas também tem se mostrado um caminho poderoso de aperfeiçoamento profissional e pessoal. Existe uma forte tendência de que os trabalhos tradicionais migrem para o modelo home-office. Assim, se faz necessário que o profissional possua competências técnicas para usar uma série de ferramentas que este modelo de trabalho pode exigir, como, por exemplo, computação em nuvem, sites de comunicação de vídeo, dentre outras coisas. A última aptidão diz respeito a se familiarizar com conceitos e práticas extremamente constantes na vivência tecnológica e entender de que forma isso impacta nos modos de trabalhar. Um dos conceitos importantes que existe hoje em dia é o de Internet das Coisas, que diz respeito a um campo em crescimento em que dispositivos inteligentes se conectam a internet para facilitar a vida dos seres humanos. Esse fenômeno é tão relevante que, apesar do número expressivo de pessoas conectadas à internet na atualidade, maior ainda é o número de coisas conectadas a ela, mostrando, assim, o avanço do uso de diversos recursos e da conexão entre eles. Nesse ponto, torna-se essencial a apropriação desses instrumentos, mas também o controle do uso para evitar uma hiperconexão nociva e desorganizada. Figura 5 – Quantidade de pessoas e coisas conectadas a internet. . Fonte: EVANS, 2011, p. 3. Assim, as competências de um profissional do século XXI possuem total relação com o cenário em que estamos vivendo hoje. O primeiro passo para desenvolver habilidades é compreender bem o nosso mundo, e que ele tem se transformado de forma muito 21 intensa. Em sequência, é importante observar quais demandas este novo modelo de mundo vem gerando para as pessoas. As competências e habilidades do século XXI servem para auxiliar o ser humano a viver de forma saudável e harmônica com nosso tempo. Características Fundamentais para o Desenvolvimento de Habilidades e Competências O papel do coach como um desenvolvedor de competências e a importância destas no contexto de mundo atual são elementos claros. Compreendemos que, para a população de coaches, o desenvolvimento de competências não é um assunto inédito, ao contrário, é algo que comumente desperta interesse. Porém, como toda atividade técnica baseada em metodologias, o desenvolvimento de competências dentro do coaching não se dá ao acaso, de forma espontânea ao longo das sessões. É preciso um planejamento e uma efetivação de técnicas que alcancem esse objetivo. Compreenderemos, para isso, quais os elementos e características fundamentais, no processo de coaching, para que essas competências e habilidades se desenvolvam. Apesar da divisão comum das duas categorias principais do coaching, sabemos que existem dois tipos de atuação significativamente diferentes dentro da profissão que não se referem ao tipo de demanda ou área da vida do coachee, mas, nesse caso, ao espaço e à natureza da clientela. São eles o coaching individual e o coaching coletivo, que integra o team coaching e o coaching em grupo. Essas modalidades se diferenciam principalmente pela demanda – pessoal ou profissional. Porém, para além disso, o formato de atendimento altera significativamente o trabalho do coach, incluindo elementos fundamentais diversos para cada um dos contextos. Aprendendo Competências O primeiro fator fundamental para promover o desenvolvimento de competências e habilidades é o reconhecimento da individualidade. Tanto o coaching individual como os que são realizados coletivamente são voltados para o aprimoramento pessoal e/ou profissional. Ou seja, ao trabalhar com equipes ou grupos, há o objetivo de desenvolver características que visem a harmonia e a capacidade do grupo, mas também se visa o aprimoramento de cada indivíduo ali presente. Negligenciar as demandas e vontades das pessoas no trabalho coletivo é um erro que pode custar a unidade do grupo, o engajamento dos participantes e, consequentemente, o desenvolvimento almejado. Dito isso, exploraremos as características fundamentais para o desenvolvimento de competências nesses diferentes contextos. 22 Desenvolvendo Competências Individualmente No processo de desenvolvimento de competências, o coach individual tem um papel especialmente relevante. Isso porque ele atua como suporte e condutor do coachee, por uma necessidade que este mesmo percebeu. Diferente dos espaços institucionais em que, geralmente, a presença do coach não é decisão dos colaboradores, no coaching individual é o próprio cliente que toma a iniciativa da busca pelo profissional. Lembrando que o desenvolvimento de competências é um elemento intrínseco ao coaching, pode-se concluir que o coach individual tem a missão de promover um desenvolvimento mais integral do indivíduo, por meio de competências que sejam relevantes para ele em todas as áreas da sua vida. Porisso, um dos fatores fundamentais para o processo é partir do conhecimento do coachee. É essencial que o coach, antes do estabelecimento de metas ou do uso de técnicas de qualquer ordem, dedique-se primeiramente a entender, junto ao seu cliente, com o que ambos estão lidando. Pelo uso de ferramentas de autoconhecimento aplicadas nas sessões, como entrevistas, o uso da roda da vida, e, principalmente, a atenção para o que é trazido pelo cliente, deve-se observar quais competências já estão presentes na rotina do indivíduo, quais as suas principais queixas e dificuldades e como os elementos externos – rotina, trabalho, família, relações – afetam o sujeito e seus objetivos. Essa promoção de autoconhecimento é essencial porque, sem ela, é provável que o coachee desperdice muita energia buscando aderir a práticas ou valores que não condizem com seus objetivos, sua rotina e estilo de vida. É nesse processo também que ele demonstrará quais são as suas prioridades, que servirão de diretriz para todo o processo. A partir dessa avaliação, uma característica que será determinante para o êxito do processo é a capacidade de estabelecer prioridades, tanto por parte do coach como do coachee. Isso porque o coaching pessoal tem como característica a amplitude de questões que afetam os objetivos traçados. Enquanto na atuação organizacional, as questões familiares dos indivíduos, por exemplo, afetam de forma indireta as atividades realizadas por eles, no coaching individual, esse elemento – e tantos outros – acaba afetando diretamente no processo. É preciso, portanto, estabelecer prioridades junto ao coachee, uma vez que nenhum processo de coaching pode dar conta detalhadamente todas as questões da vida do sujeito. E, a partir dessas prioridades investir em competências essenciais que influenciem positivamente todas as áreas da vida do indivíduo. 23 Uma das dificuldades possíveis no processo é a dificuldade por parte do coachee de perceber a importância de determinadas competências. Algumas delas, por serem mais enfatizadas no contexto profissional, acabam sendo negligenciadas na vivência familiar e social. A limitação de competências a um único contexto torna o processo uma mera mecanização de atividades. É fundamental para a qualidade do processo que o coach possa ajudar o coachee a ampliar os possíveis usos das suas competências até que se tornem internalizadas no seu cotidiano. Um exemplo seria a competência da organização. Cabe ao coach fazer seu cliente perceber em quais circunstâncias essa competência fica mais defasada, seja em casa ou no trabalho, a fim de que ele possa buscar suprir essas lacunas, observando também os fatores que influenciam negativamente no seu processo. Por fim, uma das características mais relevantes para que o processo de desenvolvimento de competências promovido pelo coach seja efetivado é a apropriação metodológica e teórica por parte do profissional. Após avaliar as características e o estilo de vida do coachee e traçar prioridades a partir dessas informações, o coach precisa se utilizar de ferramentas adequadas para instigar o engajamento do cliente, promover motivação e ajudá-lo a desenvolver as competências, aplicando-as nas diversas áreas da vida. Por isso, a escolha metodológica exige um processo de pesquisa por parte do profissional, bem como sua aplicação. Apesar da busca por esse tipo de processo ser voluntária, é a qualidade do profissional que, entre outras coisas, irá determinar se o coachee se manterá motivado e confiante no processo. A responsabilidade nessa construção é de ambos. Assim, fica claro que, para desenvolver competências, o coach deve, antes, empenhar- se no próprio desenvolvimento pessoal e profissional. É essencial que ele busque uma formação contínua, um olhar atento e curioso para os novos métodos emergentes e um olhar crítico para a própria atuação, podendo mudar aquilo que não está adequado. Desenvolvendo Competências Coletivas O trabalho do coach em grupo deve desenvolver competências pessoais em cada indivíduo que o compõe, mas também vem para chamar a atenção para as atividades que demandam a atuação de todos. Apesar de haver um foco maior no desenvolvimento pessoal na atualidade, precisa-se estar ciente de que, mesmo tendo desenvolvido competências pessoais ao longo da sua vida, e mesmo acompanhado de pessoas das mais diversas competências, pode ser que aquele grupo não funcione de forma harmônica e dê conta dos seus objetivos. É a partir disso que surge o conceito de competências coletivas. 24 Para LIMA E SILVA, 2015, a ideia de competências coletivas “vai além da simples unificação e prática de competências individuais no contexto de uma mesma atividade. O encontro das competências de cada membro leva à dinâmica de compartilhamento, transformação e criação de uma nova competência, ligado à coletividade e não apenas a indivíduos isolados [...]”. Dessa forma, competência coletiva se refere àquela competência que não pertence a um indivíduo, mas procede da ação competente e integrada de vários componentes de um todo o grupo. Porém, quando se desenvolve competências coletivas, consequentemente há desenvolvimento de competências individuais por parte de cada componente. Existem fatores determinantes para o desenvolvimento de competências coletivas, que têm origem tanto por via dos indivíduos quanto da organização. É essencial que o coach se atente para cada um desses fatores, buscado propor intervenção em todos os que forem necessários, a fim de deixar marcas positivas nos indivíduos e no grupo mesmo após o final do processo. Fatores individuais Capital das competências individuais O desenvolvimento das CC também está relacionado ao conjunto de competências individuais. Quanto maior for o potencial destas, maior será a possibilidade de criação de CC. Interações afetivas Possibilitam maior disposição de o indivíduo realizar o trabalho em equipe e permitem a constituição de uma comunidade, o que não anula a ideia de possíveis ganhos a partir de divergências e conflitos no grupo. Relações informais Com o tempo, as interações informais levam ao desenvolvimento de competências advindas do compartilhamento cotidiano e da rotina de trabalho. Cooperação A cooperação contribui para o desenvolvimento das CC. Refere-se à reciprocidade, a acordos sólidos, à identidade dos objetivos, ao sentido das ações e à convergência das motivações. Fatores organizacionais Composição das equipes Refere-se à formação dos coletivos de trabalho, na busca pela "combinação mais harmoniosa dos talentos, reunindo perfis e experiências variadas, compatíveis com a personalidade de cada um" (Retour & Krohmer, 2011, p. 52). 25 Interações formais Trata-se da constituição deliberada de unidades ou estruturas formais de trabalho, as quais são formadas por profissionais e permitem o desenvolvimento de CC. Estilo de administração O estilo de gestão pode estimular a contribuição entre um grupo e outros grupos (internos ou externos à organização) ou criar barreiras a essa interação, de modo a aumentar ou não o capital de CC a partir desse compartilhamento. Fatores relacionados à gestão de recursos humanos Referem-se a ações como recrutamento de talentos, procedimentos de avaliação de desempenho, desenvolvimento das bases de cálculo da remuneração dos trabalhadores e, especificamente, elaboração de ações de formação ou capacitação. Quadro 2 – Fatores individuais e organizacionais no desenvolvimento de competência coletiva Fonte: LIMA; SILVA, 2015. Os fatores de ordem individual se centralizam principalmente a história dos componentes do grupo e a relação entre eles. Quando os indivíduos que compõem o grupo têm desenvolvidas as competências necessárias para a atividade do grupo, ele tem mais chances de alcançar seus objetivos. Por isso a importância de uma seleção de equipe adequada e um constante de desenvolvimento dentro dela. A relação afetiva entre o grupotambém é essencial, pois quando o grupo se relaciona positivamente, incluindo os momentos informais de trabalho ou até fora dele, o ambiente se torna mais colaborativo. Dito isso, o primeiro passo do coach ao iniciar seu trabalho no grupo deve ser a realização de uma avaliação inicial, que pode ser feita por meio de dinâmicas, entrevistas ou até mesmo a observação, visando compreender as características dos participantes individualmente e a relação entre eles. É necessária também a proposição de trabalhos colaborativos e momentos de atividades lúdicas para fortalecimento de vínculo. O aparecimento de conflitos nessas etapas é frequente, mas pode servir como instrumento para o desenvolvimento de competências como a empatia, a flexibilidade e a resolução de problemas. Tratando-se de fatores organizacionais determinantes para o desenvolvimento de competências coletivas, os principais influenciadores são referentes à gestão e a composição do grupo. A composição das equipes é importante, porque ainda que cada sujeito seja competente na sua área, uma organização que não forma equipes com os profissionais necessários pode acabar gerando sobrecarga e descompromisso. O mesmo fator serve para grupos que não estão em empresas, como no coaching em grupo. 26 Nesse caso, o elemento principal na composição do grupo é que todos os participantes do processo estejam engajados, pois o descompromisso de um pode atrapalhar o trabalho dos outros. As relações formais também podem ajudar ou atrapalhar no desenvolvimento de competências, caso haja uma comunicação acessível ou inacessível com os superiores na organização, o que decorre diretamente do tipo de gestão e administração implementado. Até mesmo fatores como remuneração, valorização e a formação contínua podem influenciar. Dessa forma, é essencial que, após a avaliação dos fatores individuais, o coach observe como o grupo se relaciona com esses fatores organizacionais. Para desenvolver a competência da proatividade e autonomia em um grupo, por exemplo, não será suficiente avaliar como um grupo de funcionários se relaciona entre si para planejar as intervenções. É preciso avaliar como se relaciona com a gestão institucional e com o próprio trabalho. A partir disso, o coach pode fazer atividades de sensibilização para com a gestão da organização e buscar facilitar a comunicação dentro da instituição. O desenvolvimento de competências coletivas exige que o grupo seja visto de forma integral e que as mudanças sejam de responsabilidade de todos. Os resultados são profissionais mais capazes na sua atividade individual, na sua relação coletiva com a organização e até na sua vida pessoal. Vale ressaltar que não cabe ao coach implementar mudanças e transformar o funcionamento da equipe de acordo com seus parâmetros, até mesmo porque boa parte dessas questões não estão sob seu controle. Porém, esses são fatores que ele deve levar em consideração na hora de avaliar as potencialidades e defasagens da instituição. Assim, o coach deve ajudar os indivíduos a enxergar as lacunas e as potências da sua situação atual e promover o engajamento para que eles mesmos promovam as mudanças necessárias. 27 Conclusão Nesse conteúdo, aprendemos sobre o papel do coach como um facilitador do desenvolvimento de competências. Entendemos também quais as diferenças da atuação do coach se comparado a outras atuações, como o mentoring e o treinamento, entre outras. Ainda, realizamos uma discussão sobre a contemporaneidade, buscando entender a influência da tecnologia na cultura, e de que forma esta tem influenciado na subjetividade das pessoas, uma vez que o mundo tem se transformado de maneira rápida e intensa, alterando a experiência dos seres humanos. A partir de então, listamos as principais competências e habilidades de um profissional do século XXI, sendo elas as habilidades cognitivas, socioemocionais e tecnológicas. Também diferenciamos os conceitos de soft skills e hard skills, sendo que as primeiras são competências e habilidades desenvolvidas e aplicadas no contexto das relações, enquanto as hard skills são habilidades por meio de uma formação profissionalizante e técnica. Por fim, estudamos os fatores necessários para desenvolver competências e habilidades, tanto individualmente quanto em grupo. 28 Referências BRITO, R. Mundo VUCA: o que é e como se preparar neste cenário? Disponível em: http://www.reginaldobrito.com/materia%20001_18,%20mundo%20vuca.pdf. Acesso em: 12 ago. 2020. EVANS, D. A Internet das Coisas: como a próxima evolução da internet está mudando tudo. Disponível em: https://www.cisco.com/c/dam/global/pt_br/assets/executives/ pdf/internet_of_things_iot_ibsg_0411final.pdf. Acesso em: 12 ago. 2020. FICHER, E. 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