Prévia do material em texto
SEMANA 1 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS DO GÊNERO NARRATIVO Gênero Narrativo: Características e funcionamento Narrar é uma habilidade inerente ao ser humano, para alguns estudiosos configura-se como o próprio fator de humanização de nossa espécie. Os sentidos do texto narrativo se formam através do autor, narrador, leitor e pelo próprio texto. "uma cadeia de signos com sentidos sociais, culturais e/ou históricos particulares, e não gerais. Esta definição significa que narrativas podem implicar conjuntos de signos que se movimentam temporalmente, causalmente ou de alguma outra forma socioculturalmente reconhecível" (SQUIRE, 2014, p. 273) ESTUDOS SOBRE A NARRATIVA: Foi somente a partir dos trabalhos realizados por alguns pesquisadores soviéticos, conhecidos no Ocidente como Formalistas Russos, que surgiu o estudo sistemático da narrativa. Os estudos empreendidos pelos Formalistas Russos fundaram a narratologia como teoria da narrativa. Adam define a narratologia como "um braço da ciência geral dos signos - a Semiologia" - que se esforça em analisar o modo de https://pixabay.com/pt/illustrations/vintage-velhoantiguidade-retro-1652550/ organização interna de certos tipos de textos. Isso a relaciona com a Análise do Discurso e com a Linguística Textual. O estudo sistemático das narrativas proporcionou uma mudança no foco de atenção dos pesquisadores: a interpretação deixou de ser a única via de estudo do texto narrativo; surgiram, então, as análises sobre as estruturas e os discursos narrativos. USO SOCIAL DA LÍNGUA: Bakhtin, ao problematizar a questão dos gêneros do discurso, evidencia justamente a oposição entre a concepção de língua como abstração gramatical e como meio de comunicação. Entende que as diversas esferas da atividade humana estão relacionadas com a linguagem, ou seja, o enunciado na esfera do discurso é uma unidade da comunicação humana e não somente uma sentença inscrita na gramática. Para Bakhtin (2005 apud Toscano, 2009), os gêneros discursivos são constituídos por enunciados relativamente estáveis, cujo objetivo é atender às necessidades da interação verbal. Em vista disso, os elementos componentes do enunciado – conteúdo temático, estilo e construção composicional – estão intrinsecamente ligados aos valores e funções sociais do processo de comunicação. Foi só a partir dos trabalhos realizados por alguns pesquisadores soviéticos, conhecidos no Ocidente como Formalistas Russos, nos anos 1920, que o estudo sistemático da narrativa começou a se delinear e serviu como uma espécie de linha divisória entre formas distintas de se estudar a narrativa. CONTRIBUIÇÕES DE BRUNER PARA OS ESTUDOS DA NARRATIVA 1ª) A análise da narrativa sob o aspecto do desenvolvimento cognitivo. 2ª) Compreensão dos esquemas cognitivos e as formas de pensamento que engendram e são engendradas pelo pensamento lógico. 3ª) A discussão do quão preponderante foi o papeI da narrativa na evolução da cultura humana. 4ª) Bruner analisa a argumentação e a narração como as duas formas de que o ser humano dispõe para construir seu pensamento, seja ele científico ou imaginativo. 5ª) Cada uma das duas formas de pensamento oferece caminhos distintos de fornecer experiências de construção da realidade. 6ª) Em Atos de signifcação, Bruner procura demonstrar que é a cultura e não a bioIogia que "molda" a vida e a mente humanas, que dá significado à ação, situando seus estados intencionais subjacentes em um sistema interpretativo. 7ª) A criança apreende desde pequena o poder de argumentação das narrativas e lança mão delas sempre que necessário. 8ª) Bruner e Vygotsky A cultura é tanto um fórum para negociação e renegociação de significado e para explicação da ação quanto um conjunto de regras ou especificações para a ação. 9ª) Bruner aproxima-se muito de Bakhtin, pois este argumenta que não aprendemos palavras descontextualizadas (neutras), aprendemos e utilizamos palavras impregnadas de intencionalidade, tal como Bruner afirma acontecer com as narrativas - mesmo as de crianças pequenas. As atividades de narração e argumentação são responsáveis pela construção do pensamento. A ESTRUTURA DA NARRATIVA Diferente da dissertação, a narrativa é um texto que trata de acontecimentos e ações realizadas por personagens fictícios ou reais. Na Literatura, ela aparece principalmente em romances, novelas, fábulas, contos e crônicas. Ela também é a base de muitas peças de teatro e dos filmes produzidos pelo cinema. A narrativa começa com a introdução, que é seguida pelo desenvolvimento e o clímax. Finalmente, a história termina com uma conclusão ou desfecho, que coloca um ponto final nas aventuras do personagem e nas expectativas do leitor. A narrativa alcança a verossimilhança por explicitar coerência, harmonia entre fatos e ideias internos àquela construção narrativa; é a impressão de verdade que a ficção provoca no leitor. Introdução - É a parte do texto que apresenta as personagens e mostra ao leitor onde elas se localizam em relação ao tempo e espaço. Desenvolvimento - Nesse trecho, o narrador conta as ações da personagem. A ideia é formar uma trama com os acontecimentos, mostrar a ocorrência de um problema ou complicação com objetivo de criar algum tipo de suspense que vai conduzir ao clímax da história. Conclusão - Trata-se do final da história. Na maioria das vezes, os autores concluem encerrando a trama com um desfecho favorável ou não para o problema. O momento no qual um ou mais acontecimentos provocam a desestabilização na situação inicial dos personagens denomina-se conflito. ELEMENTOS DA NARRATIVA: enredo, tempo, personagens, narrador, espaço. Há muitas pesquisas em torno da questão de como o homem se desenvolve cognitivamente. Alguns estudos, por um lado, atribuem a esse processo a importância do modo de pensamento lógico e argumentativo, por outro lado, há estudos que compreendem o desenvolvimento de maneira mais ampla e, com isso, a cultura tem um papel fundamental, especificamente, no que diz respeito ao modo de pensamento narrativo. Diante disso, o estudioso Jerome Bruner tem desenvolvido pesquisas que trazem as possíveis relações entre os modos de pensamento argumentativo e narrativo nos processos cognitivos. Assim sendo, complete a lacuna que expressa essa relação e assinale a alternativa correta. Os modos de pensamento argumentativo e narrativo são COMPLEMENTARES, e não REDUTÍVEIS um ao outro. Cada um possui ESTRUTURAS diferentes, portanto, operam segundo procedimentos particulares. Ambos podem ser usados para CONVENCER. Enquanto o modo argumentativo faz pela VERDADE, o modo narrativo faz pela VEROSSIMILHANÇA. As obras do psicólogo Jerome Bruner trouxeram diversas contribuições para os estudos das narrativas. Ele baseia seus estudos, principalmente, na psicologia cultural e afirma que a narrativa é uma das formas que utilizamos para construir nosso pensamento, seja ele científico ou imaginário. Por isso, entende que a narrativa não é apenas um enredo estruturador, é um meio de usar a linguagem. Bruner se preocupou em entender os processos cognitivos subjacentes à construção de narrativas e como elas passam a ter significado “O problema do que é a literatura para os formalistas russos distancia-se da absolutização da arte enquanto finalidade, matéria do discurso estético. O Formalismo surge como reação à crítica conteudista da época. A distinção entre uma Poética tradicional (mesmo a simbolista, muito problematizada) e a defendida pelos formalistas russos tem por essência um valor científico próprio (imanente) à literatura, um discurso sobre o literário, este é arte verbal. O principal critério de cientificidade é o de funcionalidade, o objeto deve ser compreendido do ponto de vista da funcionalidade. Pode-se pensar que funcional é o método, porque ele é que delimita o objeto” (AFONSONETO, 2019, p. 146). Qual foi a principal contribuição do formalismo russo para o estudo da narrativa? Analisar como o texto narrativo é construído e organizado para atingir sua significação. A narrativa, segundo estudos sócio-históricos, é uma importante ferramenta cultural que está amplamente difundida na sociedade desde as pinturas rudimentares. Ela constitui um importante modo de pensamento que conduz o homem à sua humanização, isto é, ao seu desenvolvimento cultural, social e cognitivo. I) A experiência humana leva à construção de narrativas, que são elaboradas para contar sobre fenômenos humanos e, assim, compreendê-los. II) Assim como o pensamento lógico-argumentativo, a narrativa depende de verificações. III) A narrativa não é apenas uma forma de representar a realidade, mas também de construí-la e de renegociar sentidos sobre ela. IV) A narrativa é uma habilidade que se desenvolve apenas na fase adulta. SEMANA 2 - PENSAMENTO NARRATIVO E NARRATIVAS ORAIS A narrativa é caracterizada como "um ato de linguagem que faz referência a uma série de ações ou acontecimentos situados no passado, sejam esses reais ou ficcionais" (HANKE, 2003, p. 118) Narrar ajuda o homem a compreender o passado e presente e projetar o futuro! Como produto arcaico da cultura humana, as narrativas servem para: - Acumulação e saberes de um povo. - Armazenamento e transmissão de conhecimentos. - Organização do pensamento e da memória. - Elaboração de angústias, medos e conflitos humanos. - Perpetuar rituais, culturas, maneiras de ser e de fazer de uma sociedade. Trabalhar com narrativas orais implica pensar nas histórias familiares, nas tradições orais que passam de geração a geração através da voz ou das vozes poéticas. Implica lembrar que, lá atrás, contar histórias não era apenas uma prática cotidiana, era um ofício comum do qual muitos se encarregaram e através do qual foram repassados ensinamentos e lições de vida. A partir das narrativas são construídas teorias sobre a realidade. (OCHS) A síntese - A orientação - O episódio inesperado - A avaliação Independência literária, historiografia nacional, mestiçagem como fator de diferenciação dos brasileiros em relação a outros povos e o silêncio cauteloso sobre a escravidão. São esses alguns dos elementos assentados pelo romantismo brasileiro na construção social da ideia de nação no Brasil O Romantismo fortaleceu a concepção de uma nação através da ideia de mestiçagem e da liberdade literária, mas silenciou os sentidos sobre a escravização. Os intelectuais românticos deram início ao processo de construção da nação e, mesmo em meio aos constrangimentos públicos impostos pela escravidão, desigualdades sociais, violências contra as mulheres, indígenas, pessoas pobres e excluídas socialmente, levaram-no adiante. Quais as consequências e efeitos político-ideológicos decorrentes dessa construção? Importação e submissão a ideologias outras, que não as nossas, em vários campos e áreas, tais como: educação, saúde, política, jurídica. O sentido político e/ou cultural assumidos pela ideia de nação nas diferentes conjunturas delimitadas pela Independência e inserção do Brasil no capitalismo do período. Associados de diferentes formas ao(s) romantismo(s), os projetos de nação assumem, na experiência histórica, um caráter contraditório, produzindo tanto formas políticas autoritárias como democráticas, ou liberais e conservadoras. CONCEITOS DE CONTO: “Temos necessidade de uma literatura curta, concentrada, penetrante, concisa, ao invés de extensa, verbosa, pormenorizada...” - Edgar Allan Poe (1809 – 1849). "O conto cumpre a seu modo o destino da ficção contemporânea. Posto entre as exigências da narração realista, os apelos da fantasia e as seduções do jogo verbal, ele tem assumido formas de surpreendente variedade. Ora é quase-documento folclórico, ora quase-crônica da vida urbana, ora quase-drama do cotidiano burguês, ora quase-poema do imaginário.” - Alfredo Bosi Contar uma história é possibilitar a confluência do real e da ficção a partir da retomada de outras significações, dando espaço a novos sentidos. Contos Fantásticos: situações absurdas, inexplicáveis que fogem à normalidade, como o sobrenatural, mas mantém um ar de realidade. Contos de Terror: inclui o sobrenatural de forma artificial e folclórica, como vampiros, lobisomens, zumbis. Contos de Fadas ou Maravilhoso: vieram de herança medieval e trabalham elementos folclóricos, com virtudes e valores. A CRÔNICA é um gênero textual muito presente em jornais, revistas, portais de internet e blogs. “Por meio dos assuntos, da composição aparentemente solta, do ar de coisa sem necessidade que costuma assumir, ela se ajusta à sensibilidade de todo dia. Principalmente porque elabora uma linguagem que fala de perto ao nosso modo de ser mais natural. Na sua despretensão humanizada; e esta humanização lhe permite, como compensação, sorrateira, recuperar com a outra mão uma certa profundidade de significado e um certo acabamento de forma, que de repente podem fazer dela uma inesperada embora discreta candidata à perfeição” (CÂNDIDO, 1992, p.13-14) Vygotsky e Luria fizeram experiências e observaram que a criança, ao se esforçar para resolver os problemas, fala. Essa fala concomitante com a ação ocorre espontaneamente, quase sem interrupção até o final da atividade proposta. Ela se torna mais persistente à medida que as dificuldades aumentam. Assim, os estudiosos argumentam que é necessário e natural à criança falar enquanto resolve um problema, não apenas para contar o que está fazendo, mas, principalmente, porque está externando seu pensamento (sua fala interna). “Embora não exista uma definição, consensualmente aceita na ciência, para o termo “NARRATIVA”, fica claro que narrar é uma forma básica de atividade linguística. É um tipo próprio da comunicação cotidiana ou, segundo Wittgenstein, um “jogo de linguagem”. Mesmo Aristóteles já considerava que a narrativa é uma dentre as formas (schemata) de linguagem. A habilidade de narrar, sendo específica do ser humano e sua inteligência, é parte integrante da sua competência linguística e simbólica”. (HANKE, 2003, p. 118) “[...] e é inútil operar com uma visão monolítica do romantismo seja no Brasil seja na França, como se os processos ideológicos pudessem ficar a salvo (em torres de marfim?) das disputas políticas objetivas e dos interesses materiais e civilizatórios do capitalismo que lhes conquistam significados e lhes imprimem sentido – contraditoriamente.” (O Brasil que o Romantismo (re)criou, André Botelho). SEMANA 3 – CONTRIBUIÇÕES DA ANÁLISE DE DISCURSO FRANCESA E DA PSICANÁLISE PARA OS ESTUDOS DAS NARRATIVAS ORAIS CONTRIBUIÇÕES DA ANÁLISE DE DISCURSO PARA OS ESTUDOS DE LINGUAGEM, LÍNGUA, DISCURSO Desconstrução da noção de linguagem transparente, neutra. A importância dada às condições de produção do discurso. A concepção de língua, marcada pela opacidade, falha, ambiguidade. Para Pêcheux (1997, p. 53): "todo enunciado é intrinsecamente suscetível de tornar-se outro, diferente de si mesmo, se deslocar discursivamente de seu sentido para derivar para um outro. [...] Todo enunciado, toda sequência de enunciados é, pois, linguisticamente descritível como uma série [...] de pontos de deriva possíveis, oferecendo lugar à interpretação. É nesse espaço que se pretende trabalhar a análise de discurso". Conceitos Centrais da Psicanálise Freudo-Lacaniana Inconsciente (não há controle absoluto dos sentidos que produzimos) Interpretação (marcado pela subjetividade) Sujeito (quem está sempre buscando seus desejos) Outro (grande outro, segundo Lacan = cultura, civilização, crenças) outro (pequeno outro, segundo Lacan = nosso semelhante) Sintoma (é o que se repete) Significante, segundo Lacan. Tropeços linguísticos (atosfalhos, lapso, chistes, silenciamentos) A interpretação sempre será marcada por questões subjetivas de quem a faz. O discurso narrativo é lugar privilegiado de reelaboração de experiências. NARRATIVAS ORAIS DE FICÇÃO: (...) o discurso narrativo aparece como lugar privilegiado para elaboração da experiência pessoal, para a transformação do real em realidade, por meio de mecanismos linguísticos" discursivos, e também para a inserção da subjetividade (TFOUNI, 1995, p. 35). CONCEITO DE SUBJETIVIDADE: "um lugar que o sujeito pode ocupar para falar de si próprio, de suas experiências, conhecimento do mundo, ou, mais sucintamente, entendida com a forma pela qual o sujeito organiza sua simbolização particular" (TFOUNI, 1995, p. 35). SOBRE A EXPERIÊNCIA "a experiência é cada vez mais rara, por falta de tempo. Tudo se passa demasiadamente depressa, cada vez mais depressa" (LAROSSA, 2002, p. 4) "Ao sujeito do estímulo, da vivência pontual, tudo o atravessa, tudo o excita, tudo o agita, tudo o choca, mas nada lhe acontece. Por isso, a velocidade e o que ela provoca, a falta de silêncio e de memória" (LAROSSA, 2002, p. 5) Para Walter Benjamin, a experiência se afasta do acúmulo de coisas e das certezas, ao contrário, ela provoca a transformação dos sujeitos. O saber de experiência se dá na relação entre o conhecimento e a vida humana. De fato, a experiência é uma espécie de mediação entre ambos. É importante, porém, ter presente que, do ponto de vista da experiência, nem ‘conhecimento’ nem ‘vida’ significam o que significam habitualmente”. (BONDIA, 2002, p. 27) Desde a concepção da análise do discurso (AD), algumas teorias foram desenvolvidas por Pêcheux, porém, pode-se dizer que a presença de Lacan na AD sempre foi, ao mesmo tempo, velada e incisiva. Ele [o quadro epistemológico] reside, a nosso ver, na articulação de três regiões do conhecimento científico: 1. O materialismo histórico, como teoria das formações sociais e de suas transformações, compreendida aí a teoria das ideologias; 2. A linguística, como teoria dos mecanismos sintáticos e dos processos de enunciação ao mesmo tempo; 3. A teoria do discurso, como teoria da determinação histórica dos processos semânticos. Convém explicitar ainda que estas três regiões são, de certo modo, atravessadas e articuladas por uma teoria da subjetividade (de natureza psicanalítica) Dois expoentes que pautam o trabalho central com a psicanálise são Freud e Lacan. Seus trabalhos servem como ponto de partida para a compreensão dessa área de pesquisa e são essenciais para embasar os estudos da psicanálise aplicados à Literatura. Assinale a alternativa que explique corretamente os conceitos de INCONSCIENTE, SUJEITO e GRANDE OUTRO. Inconsciente: Local onde se encontram as ideias reprimidas, às quais o acesso consciente é negado. Sujeito: Efeito da fala e do discurso, definido por posição mais do que por conteúdo. Grande Outro: Elemento que determina o sujeito A linguagem, para a Análise do Discurso, não é uma instituição neutra e transparente, porque é permeada por diversos fatores históricos e sociais, além de os próprios sujeitos falantes serem transpassados por ideologias, formações ideológicas e discursivas, etc. Considerando essa informação, qual das alternativas abaixo demonstra como a ideologia e as condições de produção influenciam na linguagem, na fala e na comunicação? Tanto a ideologia quanto às condições de produção atuam, unidas com a linguagem, na construção de sentido do texto. A ideologia é efeito da relação entre o sujeito e a linguagem, e as condições de produção estabelecem as relações de força dentro do discurso. Leia o texto a seguir. “A primeira coisa que gostaria de dizer sobre a experiência é que é necessário separá-la da informação. E o que gostaria de dizer sobre o saber de experiência é que é necessário separá-lo de saber coisas, tal como se sabe quando se tem informação sobre as coisas, quando se está informado.” (BONDÍA, 2022, p. 22). A informação cancela nossa possibilidade de experiência uma vez que nada acontece ao sujeito, nada o toca. Logo, o saber coisas impede o saber de experiência. O ato de interpretar é inerente a toda atividade humana, pois sempre é preciso dar sentido ao que acontece no mundo do sujeito. As Ciências Humanas e Biológicas, surgidas no século XVII, adotam o paradigma positivista para tentar padronizar e interpretar os dados do mundo. O objetivo é utilizar categorias fixas de classificação para padronizar o homem e o discurso. Existe uma alternativa para esse paradigma, das quais a Análise do Discurso e a Psicanálise são exemplos de disciplinas, para interpretar o mundo. I. O paradigma indiciário não busca por índices observáveis a olho nu, devolvendo aos dados suas qualidades individuais, seus contextos e suas condições de produção. II. A Análise do Discurso se aproxima da análise do conteúdo porque ambas seguem o paradigma positivista. III. O resgate da singularidade do sujeito é elemento fundamental no paradigma positivista. IV. Há dois esquecimentos que são considerados por Pêcheux como constitutivos do sujeito: o esquecimento ideológico e o esquecimento linguístico. Leia o trecho abaixo: “Costuma-se pensar a educação do ponto de vista da relação entre a ciência e a técnica ou, às vezes, do ponto de vista da relação entre teoria e prática. Se o par ciência/técnica remete a uma perspectiva positiva e retificadora, o par teoria/prática remete sobretudo a uma perspectiva política e crítica. De fato, somente nesta última perspectiva tem sentido a palavra “reflexão” e expressões como “reflexão crítica”, “reflexão sobre prática ou não prática”, “reflexão emancipadora” etc. [...] O que vou lhes propor aqui é que exploremos juntos outra possibilidade, digamos que mais existencial (sem ser existencialista) e mais estética (sem ser esteticista), a saber, pensar a educação a partir do par experiência/sentido”. (BONDÍA, 2002, p. 20). Experiência é aquilo que nos passa, nos acontece e nos toca, em oposição ao que se passa, acontece ou toca. Isto é, experiência não é informação ou opinião, demanda tempo para que aconteça. SEMANA 4 - NARRADOR: TIPOS E FUNÇÕES NARRATOLOGIA: CONCEITUAÇÃO E ASPECTOS HISTÓRICOS A narratologia é um campo do conhecimento que se desenvolveu graças a uma consciência linguística voltada sobretudo aos estudos literários, especificamente, à narrativa literária. Alcançou grande espaço na crítica literária no final da década de 1960, com a virada dos estudos estruturalistas. A narrativa literária alcançou grande espaço na crítica literária no final da década de 60, com a virada dos estudos estruturalistas. A retomada dos pressupostos formalistas, àquela época recém-descobertos, resgatou a preocupação com a construção de uma ciência da literatura. (SOUZA, 2017, p. 131) Genette (2008) questiona-se sobre a possibilidade de distinguir descrição de narração, já que essa ideia, apesar de não pensada pelos filósofos, foi colocada em uma tradição mais recente, sobretudo, escolar. À noção de narrativa podem ser englobadas todas as formas de representação literária, considerando a descrição como um de seus modos, ou, mais modestamente, como um de seus aspectos. As classificações extra e intradiegéticas dizem respeito à posição do narrador em relação ao nível narrativo, uma vez que é possível o narrador pertencer ao primeiro nível da narrativa e, posteriormente, dentro da história, outro narrador surgir e “se habilitar” a narrar outra história. Tem-se, assim, uma história dentro da história, e os narradores de ambas encontram-se em níveis diferentes, pois falam de lugares diferentes. As essências da narrativa e do discurso não se encontram em estado puro no texto. Cada texto apresenta em proporções diferentes a narrativa e o discurso, embora um e outro se afetem demaneiras diferentes. TIPOLOGIA DE NARRADOR, SEGUNDO SCHMID (CRITÉRIOS e TIPOS DE NARRADOR) É importante conhecer sobre as tipologias de narrador para que compreenda qual a função deste da narrativa e reconhecer o lugar a partir do qual ele narra. Na obra São Bernardo, há um momento que é marcado pela participação das personagens cumprindo diferentes funções, e há outro momento que é marcado pela introspecção de Paulo Honório. O trabalho com as fábulas, lendas e mitos deve visar a atualização e reformulação de sentidos, pois os contextos nos quais são lidos e interpretados são diversos. CONCEITO DE FÁBULA “O gênero fábula é construído por histórias ágeis, curtas, bastante simbólicas, falando das/criticando as atitudes humanas ou aconselhando as pessoas. Pode ser escrito em prosa ou em versos. Suas personagens [...] são típicas, isto é, representam alguma atitude/característica humana – virtudes e defeitos. Textos deste gênero exibem/mostram, quase sempre, após a conclusão ou desfecho, uma moral da história.” (PERFEITO; NANTES; FERRAGINI, 2014, p. 3) FUNÇÕES TEXTUAIS Apesar da tipologia predominante da fábula ser o narrar, suas funções transcendem a capacidade de criação de uma intriga verossímil. La Fontaine partilha dessa ideia quando afirma que a fábula possui duas partes distintas: o corpo e a alma, sendo a narrativa a parte sensível, o corpo dinâmico e figurativo da narração; enquanto a alma é a moralidade, implícita no corpo. (La Fontaine apud UBIALI, 2014. p. 8) CONCEITO DE LENDA Lendas folclóricas são histórias contadas pelo povo de um lugar há muito tempo. Essas histórias ou mitos foram transmitidas de uma geração a outra pela oralidade, ou seja, pela fala. Cada país ou região tem suas lendas próprias, ainda que muitas vezes as origens sejam incertas e mesclem traços culturais de outros povos. MISTÉRIO DO MITO As mitologias são narrativas e é, nesse âmbito, que “o mistério do mito invade aquele que o considera a partir do exterior” (Morin, 1986, p. 146), fazendo-o considerar o mito como algo referente àquilo que é vivido no interior como verdade. É importante ressaltar a proposta de Morin (1986) de que o mito é algo inseparável da linguagem fazendo jus à sua raiz etimológica, pois Mythos significa discurso. Mythos e Lógos possuem antagonismos, ao mesmo tempo em que têm complementaridades, interferindo um no outro. Para Eliade (1963/2000), o foco de todo mito é o começo das coisas, a sua origem. O mito funda-se em um modelo exemplar, fixando-o e propiciando fundamentos para o mundo, bem como direcionando atividades humanas significativas, conferindo valores e significados à existência. Afinal, é ao mito que cabe preservar a verdadeira história, a história da condição humana, falando de realidades e do modo como elas passaram a existir. “o mito é uma realidade cultural complexa, que pode ser abordada e interpretada em perspectivas múltiplas e complementares... Conta uma história sagrada, relata um acontecimento que teve lugar no tempo primordial, o tempo fabuloso dos ‘começos’”. (ELIADE, 2000, p. 12) CONTRIBUIÇÕES DE ORTEGA Y GASSET Conforme esse filósofo, "o ser humano é novelista de si mesmo, pois não se pode viver sem se inventar como personagem e enredo, assim como não vive com os outros sem imaginá-los, sem projetar sobre eles “novelas de urgência” elementares tornando-os inteligíveis para ele“. (ORTEGA Y GASSET, (1947)[2009]) A obra literária – como a arte em geral – tem o poder de nos conscientizar de que há maneiras diferentes de ser “reflexivo”, além daquelas que usualmente reconhecemos na vida social. A visão artística lança mão de algo que as pessoas têm em comum para que possa apresentar novas perspectivas de percepção. De acordo com Nadia Natella Gotlib, "(...) novela é a ‘forma artística’, que poderia corresponder ao nosso atual conto literário. Porque a novela leva a marca do eu criador, é produto de uma personalidade em ação criadora, que tenta representar uma parcela peculiar da realidade, segundo seu ponto de vista único, compondo um universo fechado e coeso, sólido”. A MORTE DE IVAN ILITCH (O LIVRO) • A novela de Lev Tolstói (1828-1910). • Tolstói propõe nos transmitir uma mensagem sobre o sentido da existência humana. • "É provável que "(...) Tolstói “desejasse ajudar os leitores, gravando-lhes na alma a imagem inesquecível de uma agonia, a sempre terem presente ao espírito". (RONAI, 2009) O GÊNERO ÉPICO • A narrativa épica é feita em versos, num longo poema – a epopeia – que ressalta as excelentes qualidades de um herói, protagonista de fatos históricos ou maravilhosos. • Epopeia – narrativa primordial. As epopeias que surgiram na civilização ocidental, na sua maioria, derivam de três obras básicas: Ilíada e Odisseia, do maior épico de todos os tempos, o grego Homero, e Eneida, do romano Virgílio. • É notável nos textos épicos, a participação do sobrenatural na vida dos humanos. • É frequente a mistura de assuntos relativos ao nacionalismo com o caráter maravilhoso. • Nas epopeias, os deuses tomam partido e interferem nas aventuras dos heróis, ajudando-os ou atrapalhando-os. (CAMPEDELLI, 1999; MOISÉS, 2002). A narratologia foi, por muito tempo, sustentada por estudos e análises de textos literários que marcavam a classificação do narrador através de suportes gramaticais. Entretanto, assim como ressalta Genette (1995), dentro de uma narrativa, há diversas posições e maneiras que o narrador pode assumir, nesse sentido, a gramática torna-se insustentável enquanto instrumento de análise. Além das novas proposições de Genette para observar a relação do narrador com a história, temos as contribuições de Schmid (2010), o qual se debruçou sobre a formulação de critérios que permitem apurar de maneira mais precisa o modo como o narrador se insere na história e quais os níveis ele pode ocupar na narrativa. Abaixo há dois diferentes trechos do romance Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres de Clarice Lispector, publicado no ano de 1969. Trecho 1 "Ela simplesmente sentira, de súbito, que pensar não lhe era natural. Depois chegara à conclusão de que ela não tinha um dia a dia mas sim uma vida a vida." (p. 21) Trecho 2 "Mas era tarde: ela já ansiava por novos êxtases de alegria ou de dor. Tinha que ter tudo o que o mais humano dos humanos tinha. Mesmo que fosse a dor, ela a suportaria, sem medo novamente de querer morrer. Suportaria tudo. Contanto que lhe dessem tudo." (p. 46) Em ambos os trechos o narrador não se insere na história, mas assume o ponto de vista do personagem. Tanto Paulo Honório, de São Bernardo, de Graciliano Ramos, quanto Bentinho, de Dom Casmurro, de Machado de Assis são narradores-personagens. Esses dois personagens se aproximam também na maneira de se relacionarem com suas parceiras românticas. Tanto Paulo Honório quanto Bentinho aparentam desconfiarem da figura feminina, considerando a forma com que se referem a elas. A narratologia é um campo científico responsável pelos estudos de obras literárias de caráter narrativo, sendo elas escritas ou orais. Ao longo do tempo, muitos pesquisadores desenvolveram técnicas, ferramentas e procedimentos, tanto conceituais, como teóricos, para a análise de textos literários. Alguns dos conceitos que a narratologia propõe para instrumentalizar as análises são: tipos de narrador e existência de níveis narrativos. Nesse sentido, assinale a alternativa que explicita a importância de considerar tais conceitos em uma análise literária. Compreender tais procedimentos e conceitos nos leva ao aprofundamento do estudo da obra. De forma mais objetiva, torna-se possível estabelecer critérios de investigação, principalmente quando se utiliza mais de um autor ou mais de uma obra. Gerard Genette (1995) trouxe algumas das mais importantes contribuições para os estudos da narrativa. Quandofala sobre o narrador, o autor o analisa de acordo com o seu nível de inserção na diegese (história). I. Uma narração dentro da narração, apresenta-se na forma de um personagem contando uma história para outro. 3. Metadiegético II. O emissor (narrador) vê a história de fora e o receptor é o próprio leitor. 1. Extradiegético III. O emissor (narrador) é também um personagem, e o receptor é o leitor e também um personagem. 2. Intradiegético Desde a Grécia antiga, há estudos sobre a narrativa. Os filósofos Aristóteles e Platão, por exemplo, atribuíam a ela um valor representativo acerca da realidade e, por conseguinte, um caráter inferior. Com o passar do tempo, muitos estudiosos se detiveram nessa investigação, nesse sentido, destaca-se o autor Gérard Genette, que subverteu e problematizou tal definição construída por ambos os filósofos. A partir disso, assinale a alternativa que explicita o outro lugar atribuído à narrativa com os estudos de Genette. Genette, em oposição ao caráter representativo literário, tirou a narrativa do campo da mimesis e a inseriu no campo da diegesis. A literatura narrativa não se limita a romances e contos. Existem diversos gêneros literários narrativos que são, muitas vezes, bastante próximos entre si. Podemos considerar como narrativos as lendas, os mitos, as crônicas, as novelas. Além disso, temos o gênero épico, que narra uma história, geralmente heróica, porém em forma de verso. Seria um gênero intermediário entre o lírico e o narrativo. I. (V) O gênero épico apresenta aventuras heróicas e eloquentes baseadas na história cultural dos povos, suas crenças e seus deuses. II. (F) A logicidade, a racionalidade e a objetividade são a base do narrador épico para dar o tom grandioso, mas este se descaracteriza pela presença de elementos místicos e aventuras fantásticas. III. (V) O narrador épico pode se utilizar de versos (versos épicos) e escrever um poema ou da prosa (narrativa épica) e escrever uma narrativa. IV. (V) “Os Lusíadas”, de Luís de Camões, “Ilíada”, de Homero, e “A Odisseia”, também de Homero, são representantes do gênero épico. Leia a seguir o trecho sobre a função do mito. “[…] Assim, a magia e a mitologia ocupam a imensa região exterior do desconhecido, englobando o pequeno campo do conhecimento concreto comum. O sobrenatural está em todas as partes, dentro ou além do natural; e o conhecimento do sobrenatural que o homem acredita possuir, não sendo da experiência direta comum, parece ser um conhecimento de ordem diferente e superior. É uma revelação acessível apenas ao homem inspirado ou (como diziam os gregos) ‘divino’ — o mágico e o sacerdote, o poeta e o vidente” (CORNFORD, 2001, p. 14-15). O conhecimento mítico limita-se ao que acontece no campo concreto comum. Um dos estudiosos que determina critérios para a classificação do narrador e que traz muitas inovações é Schimid. Ele divide os tipos de narração em onze critérios diferentes, que permitem analisar de forma mais criteriosa a distinção entre tipologia e ponto de vista da narrativa. SCHMID, W. Narratology: an introduction. Berlin/New York: Gruyter, 2010. I. (F) Em relação ao modo de representação, o narrador pode ser considerado objetivo ou subjetivo. II. (V) Em relação ao status diegético, o narrador pode ser considerado diegético ou não diegético. III. (V) Em relação à pessoalidade, o narrador pode ser considerado como pessoal ou impessoal. IV. (F) Em relação ao acesso à consciência dos personagens, pode ser onisciente ou comentador limitado. V. (V) Em relação à confiabilidade, o narrador pode ser considerado confiável ou não confiável. VI. (F) Em relação à habilidade, o narrador pode ser onipresente ou fixo em um espaço específico. SEMANA 5 - PERSONAGEM: CONSTRUÇÃO, CARACTERÍSTICAS E ORGANIZAÇÃO REESCRITA No âmbito da literatura brasileira de autoria feminina, a estratégia da reescrita tem sido, não raramente, utilizada pelas escritoras brasileiras numa atitude de reinvenção, que põe em relevo o modo de construção e representação do universo da mulher. É o caso dos romances A audácia dessa mulher e Vozes do deserto. A literatura de autoria feminina tem feito muitos trabalhos de reescrita, de fato, importantes, já que se caracteriza pela produção de um texto novo e autônomo e promove o desnudamento de sua identidade. Trata-se, talvez, de promover por meio da reincidência da palavra escrita, a substituição da degradação da mulher cometida por ideologias como a patriarcal, e reproduzida na literatura por esquemas femininos de atuação mais libertários. Esses romances, oriundos dos clássicos, focalizam personagens femininas que se negam a enquadrarse nas hierarquias de gênero por meio das quais a ordem patriarcal tem garantido a perpetuação de seus ideais fazendo emergir situações em que as mulheres assumem a autoria da própria vida. A AUDÁCIA DESSA MULHER Ana Maria Machado retoma a trajetória de Capitu, recriando e reinventando os caminhos percorridos durante o casamento com Bentinho e após seu exílio na Suíça. VOZES DO DESERTO O texto original gira em torno da história do poderoso e perverso rei Schariar que foi traído pela Sultana com um escravo negro. A narrativa evidencia que o leitor não tem acesso às histórias narradas pela protagonista; a escritora põe em evidência o mundo interior de Scherazade e das demais personagens femininas envolvidas na trama. É dado ao leitor o privilégio de conhecer o seu modo de olhar a realidade circundante, bem como os contornos de seu caráter. A RELAÇÃO SUJEITO-OBJETO NA LITERATURA O autor focaliza a figura do personagem na obra literária, e sua autonomia frente ao criador que é o autor, ou frente ao leitor, que tenta lhe impor sua interpretação. Passando da questão literária à psicanálise, observa que a relação sujeito-objeto e vazio ocorre também na literatura. Escritor e leitor não se encontram via personagem, ambos seguem seu destino que aponta para o vazio. ENCONTRO: LEITOR E PERSONAGEM O personagem tem um estatuto fortemente realístico. Ele deve se situar em diferenças que o torne particular ou original, mas deve possuir algo universalizado no que pensa, no que fala e na sua história. A ligação entre os personagens em suas relações recíprocas marca os parâmetros que dão o sentido do existir para o leitor. “A literatura é a arte do encontro embora haja tanto desencontro pelas letras”. (CORRÊA, 2008, p. 51) Quanto mais o leitor tenta apreender para dominar o personagem, mais ele escapa e o verdadeiro sentido da escrita pode se perder. Podemos pensar também que o personagem é a encarnação de alguém recortado da realidade do escritor, mesmo tendo sido inventado pelo autor, o personagem aparece como figura independente do seu criador e tem vida própria entre seus pares. Sendo elemento fundamental que regula a coesão do texto, permitindo que a narrativa seja legível. O CAMPO IMAGINÁRIO Segundo Corrêa (2008, p. 49), “a literatura escorre no campo do imaginário, inicialmente na criação do autor, com quem os significantes guardam uma conexão inconsciente. Na obra literária os personagens adquirem sua vida própria e até mesmo em obra autobiográfica, a escrita é na verdade o lugar em que se fala da falta, como uma das maneiras de passar pela castração”. As interpretações sobre os personagens não são unívocas, elas dependem das subjetividades do leitor e do escritor implicadas na leitura. A MULHER NOVECENTISTA O século XIX ainda se constituía de um profundo puritanismo em relação às mulheres e, aqui tomamos Machado como um homem à frente do seu tempo, um legítimo moderno. Um escritor que rompeu com as tradições, flexibilizou o “eu” e soube dar voz a esse ideal de independência através de sua literatura. Soube questionar a posição da mulher novecentista AS MULHERES DE MACHADO Helena nos conta a história deuma menina que foi criada e esculpida para servir e ser obediente, ou seja, interpretar o papel imposto às mulheres do século XIX: ser mãe cuidadosa, boa esposa, produtora e símbolo de um lar harmonioso. “A chave de Helena, o romance, é a ambivalência de Helena, a personagem: ela está no interior da ideologia senhorial porque conhece e manipula bem os símbolos e valores que constituem e expressam tal ideologia; ela está fora das relações paternalistas devido ao fato de que consegue relativizá-las, e logo percebê-las claramente enquanto poder e, no limite, força ou imposição”. (CHALHOUB, 2003, p. 46). A mesma lógica aplicada a Helena é aplicada a Capitu que, embora sutil como sua antecessora, é mais voraz, radical e, para os padrões da época, mais ousada e insurgente. Podemos, então, entender que Capitu era senhora de si. E, como dito anteriormente, dotada de uma inteligência ímpar, sabia muito bem como transitar entre suas vontades e suas obrigações, enquanto subjugada a uma ordem social. Capitu é um exemplar de heroína feminina que transcende a definição da mulher esposa, mulher mãe e ao mesmo tempo o próprio estereótipo de mulher. As pequenas e significativas revoluções do discurso anterior são o que mais trazem brilho às personagens machadianas, refletindo a própria postura moderna de Machado, que trouxe quebras de correntes e de estruturas que cerceavam a liberdade e o direito de ser e existir das mulheres novecentistas. Em Helena, percebemos uma forte inclinação à ruptura à norma social, à tradição, e a m regime hegemônico de dominação senhorial, porém de forma mais tímida. Capitu era muito mais dona de si do que Helena. Era mais ousada em transgredir um sistema que a oprimia, e o fez com muita maestria. Capitu já era um embrião em Helena, a heroína inicial, que, por sua vez, continua a residir na menina de Matacavalos. “Longe de se configurarem como libelos feministas, trazem em seu bojo muito mais que a defesa panfletária dos direitos da mulher: trazem reflexões sobre experiências de vida e sobre os contraditórios sentimentos e desejos humanos; trazem, também, as lições de transcendência de que fala Simone de Beauvoir (1980)” (ZOLIN, 2011, p. 104). O PERSONAGEM NO GÊNERO NARRATIVO Mesmo tendo sido inventado pelo autor, o personagem aparece como figura independente do seu criador e tem vida própria entre seus pares. Esta condição mantém sua autonomia frente ao leitor e na narração literária ele se torna o elemento fundamental que regula a coesão do texto, permitindo que a narrativa seja legível. Os personagens de ficção afirmam-se e desenvolvem-se como entidades com vida de certo modo autossuficiente, justificada pela conformação e pela dinâmica interna de um determinado mundo narrativo. O ESPAÇO DISCURSIVO NOS GÊNEROS LITERÁRIOS Por meio de narrativas orais e escritas, depoimentos, entrevistas, rodas de conversa, vídeos e outras produções pode-se expressar sentimentos, emoções, argumentos e contra-argumentos a respeito de diferentes assuntos, problemas e questões acadêmicas ou não. O “falar de si” permite um trabalho com o processo identitário, no sentido de aprender que as identidades não são fixas, estáveis, não permanecem estagnadas. Ao contrário, são móveis e estão ininterruptamente sendo reconstruídas e ressignificadas, mesmo que não venhamos a nos dar conta disso. O ENCONTRO DOS SUJEITOS NO PROCESSO DE LEITURA Pode-se pensar que o personagem ocupa posição privilegiada na relação de encontro dos sujeitos. Do ponto de vista do autor, o personagem se torna um significante em uma cadeia que aponta para um real oculto na obra literária. Do ponto de vista do leitor, este mesmo personagem é um significante de quem lê. “Assim, elegendo o corpus constituído pelos romances A audácia dessa mulher (1999), de Ana Maria Machado, e Vozes do deserto (2004), de Nélida Piñon, tratamos de demonstrar que, ao invés de aparecerem enredadas nas relações de gênero, desempenhando papéis sociais que as identificam como mulheres-objeto, as personagens femininas protagonistas dessas narrativas são construídas como mulheres-sujeito, capazes de traçarem os rumos da própria trajetória e desafiarem as manifestações de poder de ideologias semelhantes à patriarcal que, embora não mais encontrem espaço em certos segmentos da nossa sociedade, ainda são dominantes em outros [...]”. (ZOLIN, 2011, p. 96) Qual seria o papel do personagem na arte literária? “Esta condição mantém sua autonomia frente ao leitor que vai buscar nele uma existência real. Na narração literária ele se torna o elemento fundamental que regula a coesão do texto, permitindo que a narrativa seja legível”. (CORRÊA, 2008, p. 49) A partir do estudo do texto "A arte do encontro: leitor e personagem", de Corrêa (2008), analise se estão corretas as sentenças a seguir, sobre a relação entre leitor e personagem na obra literária. I. O personagem vai além do autor e se apresenta ao leitor como uma nova realidade. II. Do ponto de vista do autor, o personagem é um significante do real oculto da obra literária. III. Do ponto de vista do leitor, o personagem é um significado de quem lê. IV. Na literatura, o personagem não tem compromisso com a realidade. No Brasil novecentista, uma sociedade ainda fortemente patriarcal, o espaço das mulheres era restrito. Elas aparecem representadas em “Dom Casmurro” e “Helena”, romances de Machado de Assis, dotadas de características que muito se distanciam desse padrão. MACHADO DE ASSIS consegue questionar a posição da mulher nessa sociedade novecentista, as dando voz e independência. HELENA consegue manipular as relações paternalistas e relativiza-las, percebê-las como relações de poder. CAPITU pode ser considerada um exemplo de heroína feminina, transcendendo os estereótipos de mulher, mãe e esposa. O conceito althusseriano e pecheuxtiano de ideologia é designado como: a relação imaginária que os sujeitos estabelecem com a sua realidade, nesse sentido, percebemos que a ideologia, pautada no imaginário, age sobre os sentidos naturalizando-os e tornando-os universais, assim, ela desempenha a função de cristalização e repetição de sentidos. Diante disso, podemos perceber que a reescrita da obra literária desempenha um papel fundante em sua relação com a ideologia. Identifique a premissa que explicita qual é a relação exata entre reescrita e ideologia e, então, assinale a alternativa correta. I. A reescrita, a partir da repetição, permite a manutenção da ideologia dominante. II. A reescrita é um instrumento de desnaturalização de sentidos. III. A reescrita possui uma função social que é colocar dúvidas sobre os sentidos dominantes. Temos diversos casos de releituras de obras clássicas na Literatura de autoria feminina. Abaixo, seguem um trecho de A audácia dessa mulher, de Ana Maria Machado, e um da obra Dom Casmurro, de Machado de Assis, base para a reeescrita de Ana Maria Machado. Analise esses trechos e assinale a alternativa que revela a correta intercomunicação entre eles. TEXTO I “Segue todos os ditames maternos, ou apenas ameaça com rompantes de emoção que seriam inúteis. E sempre incapaz de agir com reflexão e método. Quando lhe exponho minhas ideias, acha- as atrevidas. Custa-me convencê-lo que é necessário agir com inteligência cousa que, às vezes, lhe parece dissimulação” (MACHADO, 1999, p. 53 ) TEXTO II “Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá idéia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca” (ASSIS, 1978, p. 58) As ações de Capitu são entendidas, na obra original, como forma de esperteza, não como provas de amor a Bentinho ou como inteligência da personagem. Zolin (2011), em "A construção da personagem feminina na literatura brasileira contemporânea(re)escrita por mulheres", afirma que a reescrita seria, segundo Bonnici, uma "estratégia em que o autor se apropria de um texto da metrópole (...) e cria um novo texto que funciona como resposta pós-colonial à ideologia contida no primeiro texto". A partir dessa reflexão, assinale a alternativa que melhor explica a relação entre “Dom Casmurro”, texto canônico de Machado de Assis, e “A audácia dessa mulher”, de Ana Maria Machado. Ana Maria Machado, por meio do diário de Capitu, dá voz à mulher de Bentinho e permite que a própria narração de “Dom Casmurro” seja discutida, mostrando outra versão para os fatos retratados na obra de Machado de Assis. Leia o trecho a seguir. Na construção da personagem Helena, no romance homônimo de Machado de Assis, a chave de compreensão é a ambiguidade da personagem. Sabendo disso e considerando o trecho, assinale a alternativa correta. É na descrição do olhar de Helena que fica evidente sua ambiguidade, de forma muito próxima à Capitu, personagem de “Dom Casmurro”. Leia o trecho a seguir. Assinale a alternativa que justifica, de maneira adequada, a razão para a obra “Vozes do deserto”, de Nélida Piñon, pertencer ao último grupo de obras do trecho acima. “Vozes do deserto” se enquadra no último grupo pois as atitudes da personagem atuam no declínio da ordem patriarcal, já que a personagem é estrategista e luta com as armas que possui (as histórias) para derrubar o Sultão. SEMANA 6 - ESPAÇO NO GÊNERO NARRATIVO TOPOANÁLISE Por topoanálise, entendemos mais do que o “estudo psicológico”, pois a topoanálise abarca também todas as outras abordagens sobre o espaço. Assim, inferências sociológicas, filosóficas, estruturais, etc., fazem parte de uma interpretação do espaço na obra literária. Ela também não se restringe à análise da vida íntima, mas abrange também a vida social e todas as relações do espaço com a personagem seja no âmbito cultural ou natural. Do ponto de vista de uma topoanálise, isto é, de uma teoria literária do espaço, acredito que a oposição entre espaço e lugar não é funcional e nada acrescenta à teoria. Ficamos com a conceituação clássica da teoria literária. Por isso, preferimos conservar o conceito de espaço como um conceito amplo que abarcaria tudo o que está inscrito em uma obra literária como tamanho, forma, objetos e suas relações. Esse espaço seria composto de cenário e natureza. A idéia de experiência, vivência, etc., relacionada ao conceito de lugar segundo vários estudiosos, seria analisada a partir da identificação desses dois espaços sem que, para isso, seja necessário o uso da terminologia ‘lugar’. Dessa maneira, não falaríamos de lugar, mas de cenário ou natureza e da experiência, da vivência das personagens nesses mesmos espaços. Os espaços têm íntima relação com as personagens, eles podem caracterizá-las, inclusive, psicologicamente. Macros espaços: Não precisam estar em todas as histórias. Micros espaços: Podem estar nos cenários ou na natureza. “O gesto que constrói o espaço poético do agora é um gesto que se posiciona num espaço pós-utópico, segundo a proposição feita por Haroldo de Campos (1984, p. 5). O espaço da poesia do presente seria o espaço de “uma poesia de pós-vanguarda, não porque seja pós-moderna ou anti-moderna, mas porque é pós-utópica”. A pós-utopia poderia ser explicada por meio da assertiva de que ao “projeto totalizador da vanguarda [...] sucede a pluralização das poéticas possíveis”. (BUSATO, 2010, p. 14) “Apesar de aceitarmos a sugestão de Bachelard em relação à terminologia, divergimos do pensador francês em relação à definição. Por topoanálise, entendemos mais do que o “estudo psicológico”, pois a topoanálise abarca também todas as outras abordagens sobre o espaço. Assim, inferências sociológicas, filosóficas, estruturais, etc., fazem parte de uma interpretação do espaço na obra literária. Ela também não se restringe à análise da vida íntima, mas abrange também a vida social e todas as relações do espaço com a personagem seja no âmbito cultural ou natural”. (FILHO, 2008, p. 1) Ao analisarmos um texto literário para observar seus espaços narrativos, é essencial se considerar o enredo. Esse elemento narrativo pode ser dividido em quatro momentos: exposição ou apresentação, complicação, desenvolvimento, clímax. Cada uma dessas etapas demanda que se considerem os espaços representados e como eles contribuem para o desenvolvimento da narrativa, assim como a relação que estabelecem entre si e os personagens. Percurso espacial. No estudo topológicos, observa-se uma relação direta entre as ações das personagens e o espaço da narrativa, que pode conter elementos importantes para o desenvolvimento do enredo. I. Uma das funções do espaço é fornecer indícios que apontam para a progressão narrativa. PORQUE II. Elementos simples que podem passar despercebidos por um leitor desatento são, na realidade, muito importantes e podem ser utilizados para prever os próximos passos do personagem na narrativa. As duas asserções são verdadeiras, e a segunda não justifica a primeira Em O cortiço, de Aluísio de Azevedo, Jerônimo é um bom exemplo de como os espaços narrativos podem ser usados como influência para as ações dos personagens e podem até transformá-los completamente. Nesse romance, o personagem tem seu caráter modificado pelas relações sociais do ambiente do cortiço e transforma-se de um trabalhador dedicado e honesto a homem indolente e relapso. Ao longo da narrativa, inclusive, assassina o namorado de sua amante, Rita Baiana, e deixa sua esposa para viver com ela. Homogeneizar o diferente a partir do espaço em que vive. Consideramos espaço todos os lugares que aparecem na obra literária. Independentemente se fazem parte da vida íntima ou social dos personagens, todas as relações entre eles, o enredo e os personagens precisam ser considerados na análise da narrativa. A topoanálise, que é a teoria dos espaços literários, acredita existirem três gradações ficcionais na representação do espaço na narrativa. Observe essa gradação a seguir e a associe com suas definições. 1. Realista Os lugares são semelhantes aos do mundo real e o autor se vale da citação de lugares existentes. 2. Imaginativo Os lugares não existem no mundo real, porém são verossímeis à nossa realidade. 3. Fantasista Os lugares não possuem nenhuma semelhança com o mundo conhecido e não seguem suas regras. SEMANA 7 - TEMPO: ÉS UM SENHOR TÃO BONITO As memórias são sempre plurais, não lineares e constituídas por esquecimentos! MEMÓRIA-FRAGMENTO “No movimento da memória, olhamos o passado e encontramos faíscas, lampejos, fragmentos que se articulam e compõem o sentido de nossa trajetória de vida, de determinadas etapas ou acontecimentos”. (BRAGANÇA, 2012, p. 100) MEMÓRIA-TESTAMENTO “A memória apresenta-se, assim, como riqueza que precisa de “testamento”, e nós somos convocados a assumir essa herança, escrevendo o testamento, transmitindo-o”. (BRAGANÇA, 2012, p. 100) MEMÓRIA-TRABALHO “Para escrever o testamento, temos, como desafio, constituir sentidos do passado, o que exige um trabalho artesanal e laborioso. Dessa forma, a partir das contribuições de Bosi (1994), afirmamos a memória-trabalho, porque tempo de lembrar é tempo de trabalho, mas também pela exigência de envolvimento e ação propositiva dos sujeitos”. (BRAGANÇA, 2012, p. 101) MEMÓRIA-ARQUIVO “A falência da memória como pulsão viva da comunidade, a falência da experiência coletiva e da narração, levam à constituição dos lugares da memória, nos quais a história “enquadrada” vai ser perpetuada”. (BRAGANÇA, 2012, p. 102) FORMAÇÃO, APRENDIZAGEM EXPERIENCIAL E PROCESSOS IDENTITÁRIOS “Formação como movimento de transformação pessoal, ou seja, enquanto os processos educativos constituem práticas sociais, a formação é interior e se liga à experiência dosujeito que se permite transformar pelo conhecimento”. (BRAGANÇA, 2012, p. 110) “O olhar para o passado e a narrativa desse passado favorecem a busca de coerência, fortalecendo o sentimento de continuidade e de unidade. A identidade consiste também em uma narrativa de si, a qual se constrói a partir de imagens do passado e de projetos de futuro que se abrem, entre “identidade herdada” e “identidade visada””. (BRAGANÇA, 2012, p. 114) A tradição cartesiana e todo desenvolvimento histórico dos processos de construção do conhecimento fizeram o movimento do simples para o complexo, e o pensamento científico contemporâneo tenta ler a complexidade do real. “A complexidade nos aparece, à primeira vista e de modo efetivo, como irracionalidade, incerteza, confusão, desordem” (MORIN; MOIGNE, 2000, p. 47). Em "Memória, narração e experiência", Bragança (2022) discute as diferenças entre os leitores de fição e de autobiografias. Segundo a autora, os leitores de autobiografias buscam, inicialmente, o prazer e a ludicidade para somente depois estabelecer uma reflexão sobre a vida humana. Analise as alternativas abaixo e escolha aquela que expressa o tipo de verdade que o leitor de ficção estaria buscando ao ler uma obra que não se baseia na verdade documental. O leitor de narrativas busca a verossimilhança, ou seja, que a verdade interna da obra faça sentido com aquilo que é retratado tanto em relação ao tempo, quanto ao espaço, personagens e demais aspectos retratados. Clarice Lispector foi uma escritora empenhada em compreender os mistérios e as angústias da existência humana, com inúmeras publicações, procurava em sua obra-vida ater-se nos singelos detalhes para, ao menos, tangenciar explicações sobre a existência. Por isso, o tempo, em sua obra, é elemento primordial do encontro entre a realidade e a essência humana. Nesse sentido, as produções claricianas são marcadas pela confluência entre a temporalidade cronológica (exterioridade) e a temporalidade psicológica (interioridade), o que implica, por parte da autora, a utilização de estratégias e recursos discursivos a fim de que a narrativa não se torne incoerente e dispersa. Diante disso, identifique as premissas que indicam recursos de coesão das obras de Clarice e assinale a alternativa correta. I. As metáforas são recursos utilizados para provocar a percepção da temporalidade. II. O instante carrega o paradoxo da eternidade e, a partir da suspensão do tempo, cumpre a função de marcar o clímax. III. Passado, presente e futuro são bem definidos e localizados na obra clariciana. Um dos autores estudados por Bragança (2022), em "Memória, narração e experiência: um círculo virtuoso" é o filósofo Paul Ricouer. Para ele, os sentidos atuais de um texto são mais interessantes do que aqueles que originalmente o autor pretendeu. A partir dessa reflexão e com base em seus estudos do texto de Bragança, escolha a alternativa que aponte a diferença que Ricouer reconhece na interlocução entre a narrativa oral e a narrativa escrita. Na narrativa oral, existe a presença da subjetividade do narrador que está presente na situação de interlocução, ao contrário do discurso escrito, em que a intenção do autor e o significado não mais coincidem. Leia o trecho abaixo, do conto “Felicidade clandestina”, de Clarice Lispector, e depois escolha a alternativa que melhor descreve a duração dos dois tempos indicados no excerto. “E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo do seu corpo grosso. [...] ‘E você fica com o livro por quanto tempo quiser’. Entendem? Valia mais do que me dar o livro: ‘pelo tempo que eu quisesse’ é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer” (LISPECTOR, 1998, p. 10-11). A duração desse tempo é descrita como de cruel lentidão no trecho “enquanto o fel não escorresse todo do seu corpo grosso” e prolongada experiência de alegria e prazer em “pelo tempo que eu quisesse”. A complexidade do tempo de Clarice Lispector une presente e o eterno, como no trecho “[...] era a sua vida tão eterna que hoje mesmo ela já existia e já era.” (LISPECTOR, 1998, p.116). I. (V) A eternidade na obra de Lispector é caracterizada como um agora permanente, ou seja, pela valorização do instante. II. (F) A impressão do tempo clariciano é de tempo em rápido movimento, que não permite ao personagem viver o momento. III. (F) O ritmo acelerado das narrativas tem por objetivo representar a intensidade das emoções do personagem principal. IV. (V) Na obra de Lispector, há fusão entre eternidade e instante, e essa é a experiência fundamental para o processo epifânico. V. (V) A escrita de Clarice Lispector demanda tentar alcançar a expressão das vivências sensoriais no mesmo instante que as está vivendo. Sobre a obra de Clarice Lispector, Cerqueira (2013) afirma que: “Há recusa da referência temporal cronológica, pois se rejeita, essencialmente, a delimitação de tempo e espaço, além da exatidão do movimento percorrido pelos ponteiros do relógio. E que também se verifica nas produções literárias, devido à instabilidade no fluxo temporal e à imprecisão da duração de eventos — transmitidas por meio da obra —, as quais se ajustam a movimentos que buscam capturar expressividades interiorizadas” (CERQUEIRA, 2013, p. 37). Como é chamada a forma de organização temporal dentro da obra literária que se caracteriza pela imprecisão do tempo cronológico, que busca captar o interior do narrador-personagem? Tempo psicológico. Observe o trecho a seguir. “No discurso oral, a referência, ou seja, as entidades extralinguísticas às quais o discurso se refere, como acontecimentos, pessoas, lugares, coisas, estão imediatamente situadas no contexto da comunicação, fazem parte do universo comum partilhado pelos que tecem o diálogo. Essas referências são reforçadas pela linguagem gestual, por expressões, manifestações emotivas e referências ostensivas, como advérbios de tempo, de lugar e outros recursos da linguagem oral” No texto escrito existem elementos que separam o presente do escritor do presente dos leitores possíveis em um momento indeterminado do tempo e tais alterações se refletem em alterações do caráter ostensivo da referência. Um dos elementos de grande importância nas narrativas é o tempo. A temporalidade pode ser observada através do tempo físico, com demarcações evidentes, e pode ser também subjetiva, marcada pelo tempo sentido pelo indivíduo. Assim sendo, a narrativa ficcional compreende a pluralidade de tempos, por isso é imprescindível atentar-se ao fato de que, na ficção, há diferentes indivíduos envolvidos com a narrativa em diferentes momentos, desde a escrita até a leitura. Diante disso, complete as lacunas com os termos correspondentes e assinale a alternativa correta. A narrativa ficcional compreende a CONFLUÊNCIA entre a temporalidade do ESCRITOR, onde estabelecem-se a retórica e as estratégias, do tempo narrado, que é a instância FICTÍCIA, e do tempo REFIGURADO, que se dá no ato de leitura. De fato, as ciências da educação ainda contam com muitas pesquisas que, a partir de uma abordagem cartesiana, procuram enquadrar as diferentes realidades educacionais em um modelo universal de reflexão. Apesar das contribuições desse modo de fazer ciência, a homogeneidade e a universalidade dos dados e das reflexões tornam-se problemáticas, pois não considerar as singularidades dos sujeitos envolvidos pode provocar leituras menos aprofundadas da realidade, o que dificulta, por conseguinte, a transformação. A partir disso, novas abordagens, chamadas interpretativas, surgem no cenário educacional, é o caso a metodologia autobiográfica na formação de professores, a qual tem potencial de provocar a transformação, não apenas do professor, mas também de seu fazer pedagógico. Diante disso, assinalea alternativa que indica a forma pela qual a narrativa autobiográfica possibilita essa transformação. A narrativa, por meio do retorno da memória do sujeito, possibilita a expressão de uma experiência voltada para a ressignificação da identidade docente