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<p>Autora: Profa. Siomara Ferrite Pereira Pacheco</p><p>Colaboradores: Profa. Cielo Festino</p><p>Profa. Joana Ormundo</p><p>Prof. Adilson Silva Oliveira</p><p>Linguística</p><p>Professora conteudista: Siomara Ferrite Pereira Pacheco</p><p>Mestre em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e doutoranda pela</p><p>mesma Instituição desde o início de 2010. Atualmente professora nas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Além</p><p>da experiência no nível superior, já lecionou no ensino básico, tanto em escolas particulares quanto em escola pública.</p><p>Participa de bancas de correção como Enem, Enade, entre outras.</p><p>© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou</p><p>quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem</p><p>permissão escrita da Universidade Paulista.</p><p>Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)</p><p>P116l Pacheco, Siomara Ferrite Pereira</p><p>Linguística / Siomara Ferrite Pereira Pacheco. – São Paulo, 2011.</p><p>100 p. il.</p><p>Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e</p><p>Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XVII, n. 2-037/11, ISSN 1517-9230.</p><p>1. Linguística. 2. Língua portuguesa. 3. Linguagem. I. Título.</p><p>CDU 801</p><p>Prof. Dr. João Carlos Di Genio</p><p>Reitor</p><p>Prof. Fábio Romeu de Carvalho</p><p>Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças</p><p>Profa. Melânia Dalla Torre</p><p>Vice-Reitora de Unidades Universitárias</p><p>Prof. Dr. Yugo Okida</p><p>Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa</p><p>Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez</p><p>Vice-Reitora de Graduação</p><p>Unip Interativa – EaD</p><p>Profa. Elisabete Brihy</p><p>Prof. Marcelo Souza</p><p>Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar</p><p>Prof. Ivan Daliberto Frugoli</p><p>Material Didático – EaD</p><p>Comissão editorial:</p><p>Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)</p><p>Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)</p><p>Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)</p><p>Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)</p><p>Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)</p><p>Apoio:</p><p>Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD</p><p>Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos</p><p>Projeto gráfico:</p><p>Prof. Alexandre Ponzetto</p><p>Revisão:</p><p>Juliana Mendes</p><p>Sumário</p><p>Linguística</p><p>APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7</p><p>INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................8</p><p>Unidade I</p><p>1 LINGUAGEM, LÍNGUA E SOCIEDADE ..........................................................................................................9</p><p>2 OS ESTUDOS SOCIOLINGUÍSTICOS ........................................................................................................... 13</p><p>2.1 As contribuições de William Labov ............................................................................................... 13</p><p>2.1.1 A sociolinguística e sua área de atuação ...................................................................................... 15</p><p>3 VARIEDADES LINGUÍSTICAS ........................................................................................................................ 18</p><p>3.1 A heterogeneidade da língua e suas dimensões ..................................................................... 18</p><p>3.2 A variação linguística ......................................................................................................................... 21</p><p>3.2.1 A variação lexical .................................................................................................................................... 22</p><p>3.2.2 A variação diatópica no nível fonético .......................................................................................... 23</p><p>3.2.3 A variação diafásica ............................................................................................................................... 24</p><p>3.2.4 A variação morfológica ........................................................................................................................ 25</p><p>3.3 Variação e mudança linguística ..................................................................................................... 26</p><p>3.3.1 Mudanças na língua portuguesa...................................................................................................... 26</p><p>3.3.2 Mudanças linguísticas na língua inglesa ...................................................................................... 28</p><p>3.3.3 Outras variações na língua e questões variacionistas ............................................................. 28</p><p>4 VARIAÇÃO LINGUÍSTICA E ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA .................................................... 29</p><p>4.1 Variedade linguística e PCN ............................................................................................................. 29</p><p>Unidade II</p><p>5 FONÉTICA E FONOLOGIA ............................................................................................................................... 35</p><p>5.1 Consoantes do português ................................................................................................................. 37</p><p>5.2 Sons vocálicos ........................................................................................................................................ 41</p><p>5.3 Fonemas e alofones ............................................................................................................................. 44</p><p>5.4 A sílaba ..................................................................................................................................................... 45</p><p>5.5 Vogais do português ........................................................................................................................... 48</p><p>5.6 Fonologia e ortografia ........................................................................................................................ 49</p><p>6 MORFOLOGIA .................................................................................................................................................... 51</p><p>6.1 Morfemas e alomorfes ....................................................................................................................... 53</p><p>6.2 Processos de formação de palavras em português ................................................................ 54</p><p>6.3 Fonologia, morfologia e ensino-aprendizagem ....................................................................... 55</p><p>6.3.1 Ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras ........................................................................... 56</p><p>Unidade III</p><p>7 SINTAXE E SEMÂNTICA ................................................................................................................................. 63</p><p>7.1 A semântica ............................................................................................................................................ 67</p><p>8 PERSPECTIVAS ESTRUTURALISTA, GERATIVISTA E DISCURSIVA CONFORME OS</p><p>PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS ..............................................................................................71</p><p>8.1 Língua ou linguagem? .........................................................................................................................71</p><p>8.2 Perspectivas estruturalista e gerativista ..................................................................................... 72</p><p>8.3 Linguagem e prática social ............................................................................................................... 74</p><p>8.4 Linguagem e dialogismo ................................................................................................................... 75</p><p>8.5 Aquisição da linguagem .................................................................................................................... 77</p><p>8.6 A perspectiva sociointeracionista ..................................................................................................</p><p>diafásica:</p><p>variação linguística de acordo com fatores sociais (nível de escolaridade, sexo, situação comunicativa...).</p><p>33</p><p>Re</p><p>vi</p><p>sã</p><p>o:</p><p>J</p><p>ul</p><p>ia</p><p>na</p><p>-</p><p>D</p><p>ia</p><p>gr</p><p>am</p><p>aç</p><p>ão</p><p>: M</p><p>ár</p><p>ci</p><p>o</p><p>-</p><p>30</p><p>/0</p><p>5/</p><p>20</p><p>12</p><p>LINGUÍSTICA</p><p>ca já moiro por vos – e ai</p><p>mia senhor branca e vermelha, [...]</p><p>Fonte: Publifolha (1997).</p><p>A) Variação geográfica (diatópica), pois o texto é característico da região sul do Brasil.</p><p>B) Variação estilística (diafásica), pois representa um estilo de falar mais rebuscado.</p><p>C) Variação histórica (diacrônica), pois indica a fala de um povo em uma época determinada,</p><p>considerando a linha temporal.</p><p>D) Variação histórica (diastrática), pois indica uma “língua morta” pelo fator tempo.</p><p>E) Variação sociocultural (diatópica), pois indica o posicionamento de um determinado grupo</p><p>social.</p><p>Resposta correta: alternativa C</p><p>Análise das alternativas:</p><p>A) Alternativa incorreta.</p><p>Justificativa: o texto “Cantiga da Ribeirinha”, de Paio Soares de Taveirós, não é característico da</p><p>região sul do Brasil. É um texto típico da literatura trovadoresca portuguesa, do século XII.</p><p>B) Alternativa incorreta.</p><p>Justificativa: a “Cantiga da Ribeirinha” não apresenta um estilo rebuscado de fala, pelo contrário, é</p><p>um gênero tipicamente oral, com a presença de termos da linguagem cotidiana da época.</p><p>C) Alternativa correta.</p><p>Justificativa: a “Cantiga da Ribeirinha” é um texto com as características das cantigas líricas do</p><p>trovadorismo português, do século XII. A variação presente é histórica (diacrônica), considerando as</p><p>mudanças ocorridas na língua portuguesa no decorrer dos tempos.</p><p>D) Alternativa incorreta.</p><p>Justificativa: o texto é escrito em português arcaico, portanto, não se pode considerar que foi escrito</p><p>em uma língua morta. A variação histórica não é diastrática, mas diacrônica.</p><p>E) Alternativa incorreta.</p><p>34</p><p>Unidade I</p><p>Re</p><p>vi</p><p>sã</p><p>o:</p><p>J</p><p>ul</p><p>ia</p><p>na</p><p>-</p><p>D</p><p>ia</p><p>gr</p><p>am</p><p>aç</p><p>ão</p><p>: M</p><p>ár</p><p>ci</p><p>o</p><p>-</p><p>30</p><p>/0</p><p>5/</p><p>20</p><p>12</p><p>Justificativa: embora tenha as características das cantigas de amor do trovadorismo literário,</p><p>indicando o posicionamento de um determinado grupo, a variação diatópica é geográfica, e não</p><p>sociocultural.</p><p>Questão 2. (Enade 2006 - Adaptado). Analise a charge reproduzida na figura a seguir.</p><p>Figura 2</p><p>Tendo em vista a construção da ideia de nação no Brasil, o argumento da personagem expressa:</p><p>A) A afirmação da identidade regional.</p><p>B) A fragilização do multiculturalismo global.</p><p>C) O ressurgimento do fundamentalismo local.</p><p>D) O esfacelamento da unidade do território nacional.</p><p>E) O fortalecimento do separatismo estadual.</p><p>Resolução desta questão na Plataforma.</p><p>78</p><p>8.7 Linguagem e transformação social ............................................................................................... 80</p><p>8.8 Linguagem e produção de sentidos .............................................................................................. 81</p><p>8.9 O aluno como sujeito ativo de sua aprendizagem ................................................................. 81</p><p>8.10 A noção de erro na perspectiva linguística e da gramática ............................................. 82</p><p>8.11 A falsa premissa da deficiência linguística .............................................................................. 83</p><p>8.12 Conhecimento prévio do aluno e reflexão .............................................................................. 85</p><p>7</p><p>APRESENTAÇÃO</p><p>Caro aluno, seja bem-vindo à disciplina Linguística, que passamos a apresentar-lhe para que possa</p><p>ter uma visão do que encontrará ao longo deste material.</p><p>Primeiramente, o foco da disciplina está no estudo das variedades linguísticas do português do</p><p>Brasil, assim como nos conceitos básicos para a descrição da língua. Para completar o programa de</p><p>estudos, teremos também algumas noções sobre os modos e as práticas de ensino de língua portuguesa</p><p>e/ou outras línguas do ponto de vista da linguística.</p><p>O objetivo geral da disciplina é demonstrar a relevância das reflexões sobre a linguagem,</p><p>na perspectiva da ciência que se denomina linguística, tanto para o ensino da língua materna</p><p>quanto para o de outras línguas, relacionando os conceitos teóricos ao processo de análise</p><p>descritiva do idioma.</p><p>Assim, esperamos que você, aluno, desenvolva a habilidade de observação e de análise da sua língua</p><p>materna a partir de sua intuição linguística enquanto falante, relacionando-a aos conceitos que as</p><p>teorias linguísticas propõem.</p><p>É importante, ainda, que desenvolva uma postura crítico-reflexiva em relação ao uso da língua e</p><p>ao seu papel social, assim como o raciocínio abstrato, tanto por meio de práticas discursivas quanto da</p><p>análise do uso da língua em práticas sociais.</p><p>Nesse contexto, é importante compreender o papel da linguística como instrumento da prática</p><p>docente, além de desenvolver a capacidade de reflexão crítica sobre o ensino de línguas.</p><p>Para atingirmos nossos objetivos, teremos como conteúdo:</p><p>• Fatores socioculturais e linguagem: variedades linguísticas: situacionais, regionais,</p><p>socioculturais (idade, sexo, jargões profissionais, escolaridade, contexto situacional, classe</p><p>social etc.); variação linguística e mudança linguística; principais características das variedades</p><p>linguísticas do português brasileiro; identificação de variedades linguísticas da língua</p><p>portuguesa: fonológicas, sintáticas e semânticas.</p><p>• Fonética: conceituação; fonética acústica, perceptual e articulatória; o aparelho fonador;</p><p>a produção dos sons da fala; o alfabeto fonético internacional; classificação articulatória dos</p><p>fonemas; modo de articulação; zona de articulação.</p><p>• Fonologia: conceituação e elementos gerais; fonologia enquanto estudo dos sistemas fonológicos</p><p>característicos de uma comunidade linguística; conceituação de fonemas, alofones e variações</p><p>livres; identificação de fonemas, alofones e variações livres do português a partir das variedades</p><p>linguísticas do português brasileiro; importância para o ensino e a aprendizagem de língua</p><p>materna e língua estrangeira.</p><p>8</p><p>• Morfologia: conceituação e elementos gerais; morfologia e fonologia: a dupla articulação da</p><p>linguagem; conceituação de morfemas e alomorfes; identificação de morfemas e alomorfes do</p><p>português brasileiro; importância para o ensino e a aprendizagem de língua materna e língua</p><p>estrangeira (inglês/espanhol).</p><p>• Sintaxe: conceituação básica dos pontos de vista estruturalista, gerativista e discursivo; aspectos</p><p>da sintaxe do português brasileiro considerados a partir das variedades linguísticas observadas</p><p>pelos alunos; importância para o ensino e a aprendizagem de língua materna e língua estrangeira</p><p>(inglês/espanhol).</p><p>• Semântica: conceituação básica dos pontos de vista estruturalista, gerativista e discursivo;</p><p>aspectos da semântica do português brasileiro considerados a partir das variedades linguísticas</p><p>observadas pelos alunos; importância para o ensino e a aprendizagem de língua materna e língua</p><p>estrangeira (inglês/espanhol).</p><p>• Os níveis de análise linguística e as chamadas teorias do texto.</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>A partir da apresentação dos objetivos e conteúdos de nossa disciplina, vamos falar um pouco sobre</p><p>ela.</p><p>Como se trata de uma disciplina específica, você, aluno, deve estar se perguntando do que ela trata,</p><p>pois não é o mesmo que estudar gramática, por exemplo, ou literatura, não é mesmo? Então, pense que</p><p>a linguística é a ciência que estuda a língua. Comparada a outras ciências, é relativamente nova porque</p><p>ganhou expressão no início do século XX com os estudos propostos por Saussure, que foi professor em</p><p>Genebra (Suíça) e cujas ideias levaram a uma mudança de paradigma, passando a configurar-se o que</p><p>se conhece hoje por estruturalismo.</p><p>Você iniciará o estudo tendo alguns conceitos básicos, por exemplo, a diferença entre língua e</p><p>linguagem, que parecem a mesma coisa, mas têm suas peculiaridades. Em seguida, verá uma síntese dos</p><p>estudos sociolinguísticos para, em seguida, ter contato com as principais áreas de descrição da língua:</p><p>a fonética/fonologia, a morfologia e a sintaxe.</p><p>São esses conceitos que o introduzirão na área que se denomina linguística, e você observará quão</p><p>importante é essa ciência para a compreensão de outras áreas do conhecimento em nosso curso.</p><p>9</p><p>Re</p><p>vi</p><p>sã</p><p>o:</p><p>J</p><p>ul</p><p>ia</p><p>na</p><p>-</p><p>D</p><p>ia</p><p>gr</p><p>am</p><p>aç</p><p>ão</p><p>: M</p><p>ár</p><p>ci</p><p>o</p><p>-</p><p>30</p><p>/0</p><p>5/</p><p>20</p><p>12</p><p>LINGUÍSTICA</p><p>Unidade I</p><p>Estudar a língua é considerar os vários fatores que podem influenciar os fenômenos de variação</p><p>quanto ao sistema linguístico em uso. Todavia, além de saber o que pode produzir alterações, é</p><p>importante descrever também em que nível – fonológico, mórfico, sintático, por exemplo – estas podem</p><p>ocorrer. Além disso, o léxico pressupõe a língua em uso e pode também variar de acordo com algumas</p><p>circunstâncias. Essas questões compõem a primeira unidade deste material.</p><p>1 LINGUAGEM, LÍNGUA E SOCIEDADE</p><p>A linguagem é uma peculiaridade do ser humano que o distingue do animal irracional, uma vez que</p><p>o homem elabora o seu código de comunicação, podendo interferir de acordo com as intenções que</p><p>existem na situação comunicativa. Para tanto, dispõe de vários sistemas semióticos, entre eles o sistema</p><p>linguístico, objeto de estudo de nossa disciplina.</p><p>A linguística é definida, de modo geral, como a disciplina que estuda a linguagem. Mas o que é</p><p>linguagem? Esse termo pode ter vários sentidos. Alguns linguistas atribuem-no a qualquer processo</p><p>de comunicação, como a linguagem dos animais, a linguagem corporal, a linguagem computacional, a</p><p>linguagem das artes, entre outras.</p><p>Essa ciência privilegia bases teóricas e metodológicas interdisciplinares e multidisciplinares, tais como</p><p>a aquisição da linguagem, a linguística de texto, a linguística do discurso, a linguística da conversação</p><p>e a linguística da enunciação. A partir do prisma da pragmática, os estudiosos da língua voltam-se para</p><p>o uso efetivo, de forma que abra novas perspectivas de investigação.</p><p>Entende-se que a linguagem humana é definida por diferentes naturezas, tais como a cognitiva, a</p><p>social, a ideológica, a cultural, a linguística, entre outras. Todas necessitam ser consideradas no ensino</p><p>da língua.</p><p>A linguística, enquanto ciência, apresenta diferentes abordagens teóricas que se diferenciam no</p><p>modo de compreender o fenômeno da linguagem. Entre os estudiosos é necessário estabelecer a</p><p>diferença entre língua e linguagem.</p><p>Os seres humanos são os únicos dotados de linguagem como uma habilidade de se comunicar por</p><p>meio da língua. Desse modo, o termo língua refere-se a um sistema de signos utilizado na comunicação</p><p>em sociedade.</p><p>Como o ser humano é um ser social e, portanto, múltiplo, o fenômeno da linguagem</p><p>é abordado</p><p>pelos linguistas, cientistas que estudam a língua, de várias maneiras, e cada abordagem incorpora</p><p>características diferentes no tratamento da linguagem humana.</p><p>10</p><p>Unidade I</p><p>Re</p><p>vi</p><p>sã</p><p>o:</p><p>J</p><p>ul</p><p>ia</p><p>na</p><p>-</p><p>D</p><p>ia</p><p>gr</p><p>am</p><p>aç</p><p>ão</p><p>: M</p><p>ár</p><p>ci</p><p>o</p><p>-</p><p>30</p><p>/0</p><p>5/</p><p>20</p><p>12</p><p>Os estudos linguísticos passaram a ter expressão a partir de Saussure, na década de 1920, quando</p><p>propôs um estudo da língua enquanto sistema, ou seja, ele e seus discípulos estudaram a língua em uma</p><p>visão unidisciplinar, sem levar em conta o falante dessa língua.</p><p>Observação</p><p>Saussure foi o precursor dos estudos linguísticos na Suíça. Seus</p><p>discípulos, alunos, publicaram mais tarde o livro Curso de linguística geral,</p><p>em que reuniram a teoria do mestre.</p><p>Todavia, a natureza da linguagem é heteróclita (multidisciplinar), apresentando várias faces: social,</p><p>psíquica, histórica, antropológica etc., o que levaria cada uma a ser objeto de um estudo diferenciado,</p><p>em razão do enfoque pressuposto.</p><p>Observação</p><p>Heteróclito: termo utilizado por Saussure para a linguagem, uma vez</p><p>que seus estudos são da langue (língua enquanto sistema, conjunto de</p><p>regras), e não da parole (língua em uso).</p><p>Até a década de 1960, o objeto de estudo é a língua nessa visão unívoca, o que origina dois</p><p>paradigmas, o estruturalista e o gerativo-transformacionalista. Até essa época, os estudos foram</p><p>feitos na dimensão da frase, seja pelos estruturalistas, seja pelos gerativo-transformacionalistas.</p><p>Para os primeiros, o objeto da linguística é o estudo do sistema da língua, e, para os outros,</p><p>o objeto é a gramática da competência linguística de um falante ideal. Ambos operaram,</p><p>metodologicamente, com a unidisciplinaridade, e o objeto examinado foi a língua fora do uso,</p><p>tratada de forma ideal e abstrata.</p><p>Todavia, a partir da década de 1960 ocorre um conjunto de insatisfações, na medida em que a</p><p>dimensão da frase não é adequada para explicar a produtividade da linguagem humana. A mudança</p><p>ocorrida nessa época implica que o objeto da linguística passe a ser o uso efetivo da língua, de forma</p><p>que se investiguem os processos de produção relativos ao texto e ao discurso.</p><p>Tal mudança de objeto implica mudança teórica e metodológica. No que se refere à mudança</p><p>teórica, a linguagem torna-se complexa e exige uma diversidade de prismas para o seu tratamento,</p><p>tais como o linguístico, o cognitivo, o social, o histórico, o cultural, o ideológico. No que se</p><p>refere à mudança metodológica, necessária para o procedimento científico desses diferentes</p><p>prismas, a unidisciplinaridade é substituída por interdisciplinaridade, multidisciplinaridade e</p><p>transdisciplinaridade.</p><p>Ainda na década de 1960, as análises transfrásticas (fase intermediária entre frase e texto) preconizam</p><p>uma interdisciplinaridade porque os estudiosos desse período entendem que é preciso inserir o estudo</p><p>11</p><p>Re</p><p>vi</p><p>sã</p><p>o:</p><p>J</p><p>ul</p><p>ia</p><p>na</p><p>-</p><p>D</p><p>ia</p><p>gr</p><p>am</p><p>aç</p><p>ão</p><p>: M</p><p>ár</p><p>ci</p><p>o</p><p>-</p><p>30</p><p>/0</p><p>5/</p><p>20</p><p>12</p><p>LINGUÍSTICA</p><p>da semântica, o qual não era levado em consideração por estruturalistas e gerativistas. Tais análises</p><p>ultrapassam o enunciado enquanto oração, ou seja, enquanto um conjunto de palavras organizadas de</p><p>acordo com as regras gramaticais da língua.</p><p>Observação</p><p>Enunciado é o produto da enunciação, enquanto esta é o processo, o</p><p>ato de fala. Assim, enunciado é o que se diz, e enunciação, o que se quer</p><p>dizer.</p><p>Foi a partir dos estudos de Benveniste que se iniciaram as análises transfrásticas, uma vez</p><p>que ele postula que o “que se diz” não é “o que se quer dizer”. Seus estudos levam a diferenciar o</p><p>enunciado da enunciação. Dessa forma, os que eram estruturalistas passam a tratar a fala como</p><p>uma forma de ação sobre o outro. Assim, começam a trabalhar a linguagem levando em conta a</p><p>argumentatividade.</p><p>Saiba mais</p><p>Para saber mais sobre esse assunto, leia as obras a seguir:</p><p>BENVENISTE, E. Problemas de linguística geral. 5. ed. São Paulo: Pontes,</p><p>2008. v. 1.</p><p>______. Problemas de linguística geral. 2. ed. São Paulo: Pontes, 1989. v. 2.</p><p>Nesse sentido, um dos estudiosos que trabalham esse enfoque e propõem modelos de análise é</p><p>Ducrot (1987). No primeiro modelo, ele postula as noções de posto, pressuposto e subentendido,</p><p>incluindo o primeiro no componente linguístico e os dois últimos no componente retórico. Já em seu</p><p>segundo modelo, Ducrot insere os dois primeiros no componente linguístico e o último no componente</p><p>retórico.</p><p>Observação</p><p>No primeiro modelo de Ducrot, posto corresponde ao dito (explícito), e</p><p>pressuposto/subentendido, ao que se quer dizer (implícito). No segundo,</p><p>posto/pressuposto estão explícitos, enquanto o subentendido está</p><p>implícito.</p><p>Outro momento que se configura nessa fase intermediária dos estudos linguísticos é o das gramáticas</p><p>textuais, propostas pelos gerativistas, que postulam a competência textual, ou seja, a aplicação de</p><p>12</p><p>Unidade I</p><p>Re</p><p>vi</p><p>sã</p><p>o:</p><p>J</p><p>ul</p><p>ia</p><p>na</p><p>-</p><p>D</p><p>ia</p><p>gr</p><p>am</p><p>aç</p><p>ão</p><p>: M</p><p>ár</p><p>ci</p><p>o</p><p>-</p><p>30</p><p>/0</p><p>5/</p><p>20</p><p>12</p><p>regras a um texto pelo indivíduo, a fim de demonstrar tal competência. Trata-se, ainda, de um modelo</p><p>ideacional, quer dizer, a produtividade encontra-se no texto, e não no falante da língua.</p><p>O terceiro momento da fase intermediária tem como ponto de partida os filósofos de Oxford, que,</p><p>saindo da unidisciplinaridade, postulam a não existência de relações lógicas entre o que se diz e o que</p><p>se encontra no mundo. Trata-se, segundo eles, de uma relação analógica, e, nesse sentido, defendem a</p><p>competência comunicativa, também ideacional ainda.</p><p>Nesse contexto, a linguística textual instaura-se na década de 1970, a partir de insatisfações dos</p><p>gramáticos de texto, que chegam à conclusão de que não há regras, mas estratégias para a produção e</p><p>a interpretação de um texto. Assim, o sujeito passa a ter espaço, uma vez que se trabalha com a língua</p><p>em uso e o método é observacional.</p><p>Há duas vertentes desses estudos, que originarão a diversidade atualmente existente nas</p><p>investigações cuja ciência-mãe seja a linguística. Uma delas é a análise do discurso, tanto a de</p><p>linha francesa, cuja base são as ciências sociais, quanto a de linha anglo-saxônica, que se baseia</p><p>nas ciências cognitivas. A outra vertente é a linguística de texto, que se formou a partir dos</p><p>gramáticos de texto, os quais passaram a utilizar estratégias, e não regras, para explicar a produção</p><p>de sentido nos textos.</p><p>É interessante lembrar que, ao delimitar o objeto da linguística como ciência, Ferdinand de Saussure</p><p>preferiu privilegiar o estudo da língua, em detrimento da fala. A língua era entendida, então, como “algo</p><p>social” (SAUSSURE, 1972, p. 22), adquirida pelos indivíduos no convívio em sociedade. Para Saussure,</p><p>a linguística enquanto ciência só poderia estudar a língua, por ser esta um sistema homogêneo e</p><p>sistemático.</p><p>Assim, apesar de o estruturalismo, estabelecido a partir das ideias de Saussure, considerar que é em</p><p>sociedade que o indivíduo adquire o sistema linguístico, não houve, naquele momento, a preocupação</p><p>com o papel social da linguagem.</p><p>Como visto, as ideias de Saussure revolucionaram completamente o pensamento linguístico</p><p>ocidental e foram publicadas no clássico Curso de linguística geral, obra póstuma compilada por dois</p><p>discípulos dos três cursos de linguística geral ministrados por Saussure de 1906 a 1911 na Universidade</p><p>de Genebra, onde era titular desde 1896 (CARVALHO, 2000, p. 23).</p><p>De modo semelhante, a gramática gerativa, proposta pelo americano Noam Chomsky, no final da</p><p>década de 1950, assumiu como objeto de estudo a descrição e a explicação de algumas características</p><p>do conhecimento linguístico adquirido nos primeiros anos de vida do ser humano, pela interação entre</p><p>o ambiente linguístico (social) e a informação genética (inata), fora do ambiente escolar (NEGRÃO et al.</p><p>in FIORIN, 2002, p. 96).</p><p>A teoria linguística conhecida genericamente como gramática gerativa iniciou-se com a publicação</p><p>de Syntactic Structures (Chomsky, 1957), livro que reuniu notas de um curso que Chomsky ministrava</p><p>no Massachusetts Institute of Technology</p><p>(MIT).</p><p>13</p><p>Re</p><p>vi</p><p>sã</p><p>o:</p><p>J</p><p>ul</p><p>ia</p><p>na</p><p>-</p><p>D</p><p>ia</p><p>gr</p><p>am</p><p>aç</p><p>ão</p><p>: M</p><p>ár</p><p>ci</p><p>o</p><p>-</p><p>30</p><p>/0</p><p>5/</p><p>20</p><p>12</p><p>LINGUÍSTICA</p><p>Observação</p><p>Avram Noam Chomsky é professor de linguística no MIT. Seu nome</p><p>está associado à criação da gramática gerativa transformacional,</p><p>abordagem que revolucionou os estudos no domínio da linguística</p><p>teórica. Chomsky postula que a comunidade linguística possui um</p><p>conhecimento compartilhado sobre os enunciados que podem e os que</p><p>não podem ser produzidos. Enquanto as teorias estruturalistas eram,</p><p>em geral, explicitamente descritivas, a teoria de Chomsky pretendia-se</p><p>explicativa, ou seja, os fenômenos deviam ser deduzidos de um conjunto</p><p>de princípios gerais (NEGRÃO et al. in FIORIN, 2002, p. 113).</p><p>Na sequência, estudaremos como os fatores sociolinguísticos passaram a fazer parte dos estudos</p><p>linguísticos.</p><p>2 OS ESTUDOS SOCIOLINGUÍSTICOS</p><p>Neste item abordaremos a relação entre os estudos linguísticos e os fatores socioculturais. Sabe-se</p><p>que, embora o estudo da linguagem em si tenha surgido como prioridade, as relações entre linguagem</p><p>e sociedade ganharam espaço como objeto de estudo a partir do estabelecimento da sociolinguística</p><p>como área de investigação.</p><p>Segundo Alkmim (2001, p. 28), em oposição às abordagens voltadas para os aspectos linguísticos em si, o</p><p>interesse em investigar como linguagem e sociedade se relacionavam surgiu a partir de trabalhos apresentados</p><p>em um congresso, organizado por William Bright, na Universidade da Califórnia, no ano de 1964. Os referidos</p><p>trabalhos foram publicados em 1966 sob o título Sociolinguistics. Nessa publicação, o papel dos falantes em</p><p>suas interações verbais e sociais é destacado por Bright, que relaciona a diversidade linguística a fatores como:</p><p>• a identidade social do emissor ou falante;</p><p>• a identidade social do receptor ou ouvinte;</p><p>• o contexto social;</p><p>• julgamento social distinto que os falantes fazem sobre o próprio comportamento linguístico e</p><p>sobre o dos outros.</p><p>2.1 As contribuições de William Labov</p><p>Antes mesmo do estabelecimento da sociolinguística como área de estudos linguísticos, trabalhos</p><p>pioneiros relacionando linguagem e sociedade já preparavam a cena para a nova abordagem que</p><p>começava a emergir.</p><p>14</p><p>Unidade I</p><p>Re</p><p>vi</p><p>sã</p><p>o:</p><p>J</p><p>ul</p><p>ia</p><p>na</p><p>-</p><p>D</p><p>ia</p><p>gr</p><p>am</p><p>aç</p><p>ão</p><p>: M</p><p>ár</p><p>ci</p><p>o</p><p>-</p><p>30</p><p>/0</p><p>5/</p><p>20</p><p>12</p><p>O nome de William Labov deve ser destacado, dada a importância de seus estudos para o</p><p>desenvolvimento da teoria variacionista e, consequentemente, para os estudos sociolinguísticos.</p><p>Saiba mais</p><p>William Labov nasceu em 4 de dezembro de 1927 em Rutherford, Nova</p><p>Jersey. Obteve seu ph.D. em 1964 na Universidade de Columbia, onde</p><p>trabalhou como professor-assistente até 1970.</p><p>Em 1971, tornou-se professor do Departamento de Linguística</p><p>da Universidade da Pensilvânia. Sua grande contribuição para os</p><p>estudos sociolinguísticos inclui, entre outras, publicações como The</p><p>Social Stratification of English in New York City (1966), The Study</p><p>of Nonstandard English (1969), Sociolinguistic Patterns (1972) -</p><p>disponível em português: LABOV, W. Padrões sociolinguísticos. São</p><p>Paulo: Parábola, 2008 -, Studies in Sociolinguistics by William Labov</p><p>(2001), além do Atlas of North American English: Phonetics, Phonology</p><p>and Sound Change (2006).</p><p>Em um trabalho, publicado em 1963, sobre a comunidade da ilha de Martha’s Vineyard, no litoral</p><p>de Massachusetts, Labov associou fatores como idade, sexo, ocupação, origem étnica e atitude ao</p><p>comportamento linguístico manifesto dos nativos (ALKMIM, 2001).</p><p>Em outro estudo, realizado em 1972, sobre o inglês falado na cidade de Nova Iorque, Labov</p><p>mostrou que os falantes dessa localidade reconheciam diferenças da ordem de 10% no uso</p><p>do -r pós-vocálico para fazer julgamentos acerca do status social dos falantes. O pesquisador</p><p>constatou que deixar de pronunciar o -r e substituí-lo por um alongamento da vogal anterior</p><p>era considerado sinal de baixo status social em Nova Iorque, de acordo com Beline (in FIORIN,</p><p>2002, p. 130).</p><p>Labov continua a ser uma referência para estudos de cunho sociolinguístico. O linguista brasileiro</p><p>Marcos Bagno inicia sua novela sociolinguística intitulada A língua de Eulália (publicada em 1997)</p><p>citando Labov:</p><p>O serviço mais útil que os linguistas podem prestar hoje é varrer a</p><p>ilusão da “deficiência verbal” e oferecer uma noção mais adequada</p><p>das relações entre dialetos padrão e não padrão (LABOV, 1969, apud</p><p>BAGNO, 2006a).</p><p>A importância do trabalho de Labov está justamente no enfoque dado a aspectos até então</p><p>desconsiderados nos estudos linguísticos de inspiração estruturalista e gerativista, já aqui referidos:</p><p>15</p><p>Re</p><p>vi</p><p>sã</p><p>o:</p><p>J</p><p>ul</p><p>ia</p><p>na</p><p>-</p><p>D</p><p>ia</p><p>gr</p><p>am</p><p>aç</p><p>ão</p><p>: M</p><p>ár</p><p>ci</p><p>o</p><p>-</p><p>30</p><p>/0</p><p>5/</p><p>20</p><p>12</p><p>LINGUÍSTICA</p><p>o contexto social relacionado a fatores linguísticos. A seguir, enfocaremos a área de atuação da</p><p>sociolinguística.</p><p>2.1.1 A sociolinguística e sua área de atuação</p><p>A nova área de estudos foi denominada sociolinguística pela necessidade de englobar sua abrangência,</p><p>isto é, para designar o social, sociedade = socio + linguístico.</p><p>Lembrete</p><p>A sociolinguística pode ser definida como área dentro da linguística</p><p>que trata das relações entre linguagem e sociedade (ALKMIM, 2001, p. 61).</p><p>O enfoque nas variáveis como objeto de estudo representou uma inovação na teoria da</p><p>linguagem que, até então, considerava as unidades linguísticas (fones, fonemas, morfemas,</p><p>sintagmas e orações) como unidades de natureza invariante, discreta e qualitativa. A unidade de</p><p>análise criada pela sociolinguística tem uma natureza:</p><p>• variável, por existirem duas ou mais maneiras de expressão;</p><p>• contínua, porque certas alternativas assumem valores sociais</p><p>negativos com base na distância da forma padrão;</p><p>• quantitativa, uma vez que a relevância metodológica das variantes que</p><p>constituem uma variável é determinada pela frequência percentual</p><p>de cada uma em relação aos diferentes fatores que as condicionam</p><p>(ALKMIM, 2001, p. 61).</p><p>A preocupação em descrever e analisar a língua falada no contexto em que ela ocorre, isto é, em</p><p>situações reais de uso, é o ponto de partida da sociolinguística.</p><p>Basicamente essa área de investigação procura verificar de que modo fatores de natureza linguística</p><p>e extralinguística estão correlacionados ao uso de variantes nos diferentes níveis da gramática de uma</p><p>língua – a fonética, a morfologia e a sintaxe, segundo Beline (in FIORIN, 2002, p. 125).</p><p>Observação</p><p>A fonética estuda os sons como entidades físico-articulatórias</p><p>isoladas. À fonética cabe descrever os sons da linguagem e analisar</p><p>suas particularidades articulatórias (produção), acústicas (propriedades</p><p>físicas das ondas sonoras) e perceptivas (efeitos físicos que provocam</p><p>no ouvido).</p><p>16</p><p>Unidade I</p><p>Re</p><p>vi</p><p>sã</p><p>o:</p><p>J</p><p>ul</p><p>ia</p><p>na</p><p>-</p><p>D</p><p>ia</p><p>gr</p><p>am</p><p>aç</p><p>ão</p><p>: M</p><p>ár</p><p>ci</p><p>o</p><p>-</p><p>30</p><p>/0</p><p>5/</p><p>20</p><p>12</p><p>A morfologia é a parte da gramática que estuda a forma e a estrutura</p><p>das palavras.</p><p>A sintaxe preocupa-se com os padrões estruturais, com as relações</p><p>recíprocas dos termos nas frases e das frases entre si, enfim, com todas as</p><p>relações que ocorrem entre as unidades linguísticas (SAUTCHUK, 2004, p. 35).</p><p>O termo extralinguístico é empregado para designar a relação dos fatores sociais e</p><p>contextuais com os fatores linguísticos. Como já foi mencionado, é o que enfocam os estudos</p><p>sociolinguísticos.</p><p>No século XX, com os estudos de Saussure, já referidos anteriormente, houve um desenvolvimento</p><p>da linguística enquanto ciência, todavia, nessa fase, os linguistas distinguiam uma linguística</p><p>interna de uma linguística externa, e as investigações dos estruturalistas eram voltadas para a</p><p>primeira.</p><p>Essa linguística propriamente dita, a interna, teve como tarefa descrever o sistema formal, isto</p><p>é, o sistema linguístico, numa perspectiva da língua como um sistema de signos convencionado na</p><p>sociedade e por esta, que deveria ser descrito.</p><p>Por privilegiar o caráter formal e estrutural do fenômeno linguístico, esse paradigma</p><p>denominou-se estruturalismo, e todos os que seguiram o ponto</p><p>de vista de Saussure foram</p><p>designados estruturalistas.</p><p>A sociolinguística, portanto, está situada no que se classificou inicialmente como linguística externa,</p><p>pois os estudos da língua, nesse contexto, estão relacionados à área das ciências sociais, a qual estuda</p><p>o homem como um ser social, e, nesse sentido, é preciso relacionar língua à cultura e à sociedade,</p><p>perspectiva à qual estão vinculados os sociolinguistas.</p><p>Nessa área de estudos linguísticos, tivemos importantes contribuições de pesquisadores, dos quais</p><p>selecionamos alguns, que, por terem relevância no contexto, passamos a apresentar.</p><p>Atualmente, no Brasil, há pesquisadores com trabalhos considerados de expressão nessa área; dentre</p><p>eles, Marcos Bagno e Dino Preti.</p><p>Marcos Bagno é linguista, além de escritor e tradutor, tendo recebido o título</p><p>de doutor pela Universidade de São Paulo. Em sua pesquisa, dedica-se a investigar</p><p>a influência de fatores socioculturais em relação à norma, principalmente no que</p><p>diz respeito ao ensino de língua portuguesa e seu padrão normativo nas escolas</p><p>brasileiras.</p><p>Entre várias obras publicadas pelo autor, destaca-se A língua de Eulália – uma novela</p><p>sociolinguística, publicada pela Editora Contexto, em que Bagno, por meio de uma linguagem</p><p>acessível, apresenta fenômenos socioculturais no uso da língua.</p><p>17</p><p>Re</p><p>vi</p><p>sã</p><p>o:</p><p>J</p><p>ul</p><p>ia</p><p>na</p><p>-</p><p>D</p><p>ia</p><p>gr</p><p>am</p><p>aç</p><p>ão</p><p>: M</p><p>ár</p><p>ci</p><p>o</p><p>-</p><p>30</p><p>/0</p><p>5/</p><p>20</p><p>12</p><p>LINGUÍSTICA</p><p>Dino Preti é também linguista e professor, livre-docente pela Universidade de São</p><p>Paulo desde 1982 (onde atuou até 1995, ano em que se aposentou, passando a lecionar</p><p>na PUC/SP), considerado um dos introdutores da pesquisa sociolinguística no Brasil,</p><p>sobretudo no que diz respeito aos estudos da oralidade e análise da conversação.</p><p>Considera-se Luiz Antônio Marcuschi outro pesquisador de grande expressão nessa</p><p>área, atuando em outra região do Brasil, uma vez que seu trabalho concentrou-se na</p><p>Universidade Federal de Pernambuco.</p><p>O Projeto Norma Urbana Culta (NURC), no Estado de São Paulo, deve sua origem e</p><p>desenvolvimento ao professor doutor Dino Preti, que foi mais que um precursor, formando</p><p>um grupo de pesquisa que se multiplicou em outros pontos do Brasil, resultando, assim,</p><p>em várias publicações. Preti é, ainda, organizador da série Projetos Paralelos, que em 2009</p><p>chegou à nona edição.</p><p>Atualmente, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Dino Preti atua</p><p>nas seguintes linhas de pesquisa: “Análise da Conversação”; “Estudos do Discurso</p><p>em Língua Portuguesa” e “Texto e Discurso nas Modalidades Oral e Escrita”. Nessa</p><p>instituição, ministra as seguintes disciplinas: “Variações Linguísticas no Português do</p><p>Brasil”, “A Gíria do Brasil”, “Língua Oral e Diálogo Literário” e “Análise da Conversação</p><p>no Português do Brasil</p><p>Fonte: Bagno (2007); Urbano, Dias e Leite (2001).</p><p>O objeto de estudo da área que se denomina sociolinguística é a língua falada, ou seja, a língua em</p><p>seu uso efetivo, em que se deve considerar o contexto social. Neste, há o que os sociolinguistas chamam</p><p>de comunidade linguística, a qual não se define por uma localização geográfica, mas por características</p><p>comuns na realização da fala de uma língua.</p><p>Ao investigar as comunidades linguísticas, os sociolinguistas deram-se conta de que há variação no</p><p>uso do código linguístico e esta pode ser descrita tanto do ponto de vista interno (da própria língua)</p><p>quanto do ponto de vista externo (fatores que determinam essa variação). É disso que passaremos a</p><p>tratar.</p><p>A microlinguística corresponde aos estudos que se preocupam com a língua em si, ou seja, a língua</p><p>enquanto código, sistema. Esses estudos dividem-se em fonética e fonologia, sintaxe, morfologia,</p><p>semântica e lexicologia.</p><p>Em contraposição, a macrolinguística prevê uma visão inter, multi e transdisciplinar, em que a</p><p>linguística relaciona-se a outras áreas do conhecimento. Daí a denominação também diversificada desses</p><p>estudos: psicolinguística, sociolinguística, linguística antropológica, dialetologia, linguística matemática</p><p>e computacional, estilística, etnolinguística, entre outras.</p><p>18</p><p>Unidade I</p><p>Re</p><p>vi</p><p>sã</p><p>o:</p><p>J</p><p>ul</p><p>ia</p><p>na</p><p>-</p><p>D</p><p>ia</p><p>gr</p><p>am</p><p>aç</p><p>ão</p><p>: M</p><p>ár</p><p>ci</p><p>o</p><p>-</p><p>30</p><p>/0</p><p>5/</p><p>20</p><p>12</p><p>É preciso considerar, então, que esse código chamado língua portuguesa, no Brasil (sem levar em</p><p>conta outros países), apresenta diversidade de uso. Basta pensarmos no falante que vive no sertão</p><p>nordestino e no falante que vive em uma metrópole como São Paulo, por exemplo.</p><p>3 VARIEDADES LINGUÍSTICAS</p><p>3.1 A heterogeneidade da língua e suas dimensões</p><p>Os linguistas variacionistas, ou sociolinguistas, interessam-se pela heterogeneidade da língua, isto</p><p>é, pelas variedades linguísticas. Estas estão presentes dentro da própria comunidade linguística sob</p><p>diversas formas.</p><p>Observação</p><p>A comunidade linguística define-se pelo conjunto de indivíduos que</p><p>se relacionam por meio de várias redes comunicativas e que têm seu</p><p>comportamento verbal orientado por um mesmo conjunto de regras,</p><p>segundo Alkmim (2001).</p><p>É certo afirmar que as línguas variam conforme o espaço geográfico, de acordo com Beline (in</p><p>FIORIN, 2002, p. 122). Por isso, mesmo havendo semelhanças entre línguas de origem latina, como o</p><p>português, o espanhol e o italiano, estas são línguas distintas faladas em países específicos.</p><p>Em um mesmo país, podem existir também diferentes povos que falam idiomas diferentes</p><p>daquele utilizado como língua oficial. Há, ainda, povos de diferentes regiões que falam idiomas</p><p>distintos, como é o caso do basco, que é falado em uma região ao norte da Espanha (BELINE in</p><p>FIORIN, 2002, p. 121).</p><p>Um dos fatores que influem na variedade é a localização geográfica. Todos concordam que o</p><p>modo de falar português no Brasil varia de acordo com a região. Frequentemente os falantes de</p><p>português se deparam com falantes de regiões distintas da sua e logo reconhecem variedades de</p><p>pronúncia, de palavras e de ordem de palavras. Paulistas podem perceber o -r aspirado dos cariocas,</p><p>por exemplo, que difere do modo como o mesmo som é articulado em São Paulo. Cariocas, por sua</p><p>vez, podem dizer, por exemplo, que uma pessoa é do Rio Grande do Sul pelo fato de ela usar palavras</p><p>como guri. Gaúchos podem perceber a ordem de uma oração negativa como típica dos baianos, por</p><p>exemplo, “é não”, em vez de “não é”, e assim por diante. Portanto, pode-se dizer que a variedade</p><p>permeia nossa língua portuguesa.</p><p>Além disso, o português falado em Portugal também constitui uma variedade da língua portuguesa,</p><p>no que se refere às diferenças de pronúncia, de palavras ou de ordem de palavras. Por isso, muitos</p><p>brasileiros sentem dificuldades de compreender os portugueses, e o inverso também é verdadeiro. Veja</p><p>os exemplos a seguir:</p><p>19</p><p>Re</p><p>vi</p><p>sã</p><p>o:</p><p>J</p><p>ul</p><p>ia</p><p>na</p><p>-</p><p>D</p><p>ia</p><p>gr</p><p>am</p><p>aç</p><p>ão</p><p>: M</p><p>ár</p><p>ci</p><p>o</p><p>-</p><p>30</p><p>/0</p><p>5/</p><p>20</p><p>12</p><p>LINGUÍSTICA</p><p>[...] no Brasil dizemos estou falando com você; em Portugal eles dizem</p><p>estou a falar consigo.</p><p>[...]</p><p>O português chama de saloio aquele habitante da zona rural, que no Brasil</p><p>[é chamado] de caipira [...].</p><p>[...]</p><p>[Em Portugal] cuecas [...] são as calcinhas das brasileiras (BAGNO, 2006a,</p><p>p. 19).</p><p>O diagrama a seguir ajuda a entender melhor os diferentes modos como as variedades linguísticas</p><p>se manifestam:</p><p>Variedades</p><p>linguísticas</p><p>Diferentes</p><p>línguas</p><p>Basco =</p><p>falado</p><p>em uma</p><p>pequena</p><p>região da</p><p>Espanha</p><p>Diferentes</p><p>línguas</p><p>Diferentes</p><p>línguas</p><p>Diferentes</p><p>países</p><p>Diferentes</p><p>regiões</p><p>Diferentes</p><p>povos em um</p><p>mesmo país</p><p>Diferentes</p><p>cidades</p><p>Diferentes</p><p>modos de falar</p><p>uma mesma</p><p>língua</p><p>Português falado</p><p>em SP versus</p><p>português</p><p>falado no RJ</p><p>Povos indígenas</p><p>em suas</p><p>comunidades</p><p>Brasil =</p><p>português</p><p>EUA = inglês</p><p>Figura 1 – Variedades linguísticas</p><p>Note que estar familiarizado com determinada variedade decorre justamente da inserção em certo</p><p>contexto social, que a usa regularmente. Por isso, o fato de um falante estranhar alguma variedade</p><p>indica simplesmente que não está familiarizado com ela. A perspectiva variacionista, desenvolvida pela</p><p>sociolinguística, defende</p><p>que não existem variedades “melhores” ou “piores”. Todas integram o fenômeno</p><p>linguístico.</p><p>No Brasil essa variedade pode ser notada, principalmente, quando se trata da variação diatópica, a</p><p>que distingue os falares do paulista, do nordestino, do mineiro e assim por diante. Nosso país, em sua</p><p>20</p><p>Unidade I</p><p>Re</p><p>vi</p><p>sã</p><p>o:</p><p>J</p><p>ul</p><p>ia</p><p>na</p><p>-</p><p>D</p><p>ia</p><p>gr</p><p>am</p><p>aç</p><p>ão</p><p>: M</p><p>ár</p><p>ci</p><p>o</p><p>-</p><p>30</p><p>/0</p><p>5/</p><p>20</p><p>12</p><p>grande dimensão territorial, abarca uma diversidade muito grande de modos de expressão da mesma</p><p>língua, a portuguesa, que é o nosso idioma oficial.</p><p>Essa variedade também pode ser notada entre os falantes que têm acesso à escolaridade e os que</p><p>não têm. Esse fator é responsável, inclusive, pelo preconceito, um tema abordado por Marcos Bagno em</p><p>sua obra para mostrar que o preconceito linguístico nada mais é que a consequência do preconceito</p><p>social. Há um padrão de uso da língua instituído pela classe de prestígio, e aquele falante que foge a</p><p>esse padrão é discriminado.</p><p>O texto a seguir ilustra as divergências culturais que existem entre as regiões do país. Entretanto, essas</p><p>diferenças não chegam a caracterizar dialetos no Brasil, uma vez que nos aceitamos, apesar das “intrigas”,</p><p>pois podemos até dizer que temos hoje o que os linguistas chamam de português brasileiro (PB).</p><p>Cariocas e paulistanos</p><p>Se até irmãos brigam, por que não dois vizinhos tão desiguais?</p><p>Ivan Ângelo</p><p>Uma das coisas que divertem o visitante neutro, em São Paulo, é a pendenga dos nativos</p><p>com os cariocas. Os motivos perdem-se na bruma dos tempos, inútil procurá-los. Seria</p><p>incorreto dizer: os santos não combinam. Não há no mundo católico notícia de divergências</p><p>entre São Sebastião e São Paulo, nem entre seus devotos.</p><p>Quem está de fora assiste aos embates com um sorriso e procura, não no episódico, mas</p><p>no permanente, entender o que os separa. Quem sabe há alguma explicação no jeito de ser?</p><p>Se até irmãos se hostilizam por ter personalidades conflitantes, que dirá dois vizinhos?</p><p>Observam os neutros que ser carioca é mais um comportamento do que uma naturalidade.</p><p>Há pessoas que nascem cariocas em Bauru, Rolândia, Florianópolis ou Quixadá. Quando vão</p><p>para o Rio se descobrem subitamente cariocas: folgados, falantes, espertos. Conheci um</p><p>sujeito em Minas que tantas fez que acabou ficando com o apelido de “Carioca”. Jurava que</p><p>era capixaba. Ora, capixabas são mineiros com praia, nada a ver. Ele pode ter nascido no</p><p>Espírito Santo, mas era carioca e não sabia.</p><p>Outro, que vi no bonde de Santa Teresa, no Rio, ostentava bigodes de cantor de ópera,</p><p>grandiloquentes, e ria para os passageiros, falava alto:</p><p>- Eu sou gaiato! Gosto disso! Trago estes bigodes porque sou gaiato! Sou um português</p><p>gaiato!</p><p>Engano dele. Era carioca.</p><p>Já paulistanos não nascem em Goiás ou no Pará. Eles se formam na sua cidade mesmo,</p><p>em trabalhosa aprendizagem. Ficam diferentes para sempre, e são reconhecidos até pelo</p><p>21</p><p>Re</p><p>vi</p><p>sã</p><p>o:</p><p>J</p><p>ul</p><p>ia</p><p>na</p><p>-</p><p>D</p><p>ia</p><p>gr</p><p>am</p><p>aç</p><p>ão</p><p>: M</p><p>ár</p><p>ci</p><p>o</p><p>-</p><p>30</p><p>/0</p><p>5/</p><p>20</p><p>12</p><p>LINGUÍSTICA</p><p>andar. Não batem pernas à toa; andam atarefados, sabem para onde vão, e está indo. Não</p><p>se adaptam a outra cidade, porque em todo lugar lhes falta alguma coisa. Não é paisagem</p><p>(que nem têm), como o mineiro que sonha com montanhas, ou o carioca que anseia pelo</p><p>mar. É a própria cidade que lhes falta, o tumulto. Talvez uma dose diária de gás carbônico,</p><p>viciados.</p><p>O carioca ganhou a sua paisagem, herdou da natureza uma obra perfeita. Com verbas</p><p>do reino, embelezou-a ainda mais. Mora num cartão-postal maltratado. O paulistano teve</p><p>de fazer tudo a sua custa, e refaz, insatisfeito, e muitas vezes erra, desmancha, faz de novo,</p><p>e esquece cores, mistura formas, épocas... O que ele fez tem a imperfeição e a inquietação</p><p>do humano. Por isso se orgulha.</p><p>Reparem nas roupas. O carioca se veste para si, privilegia o conforto. O paulistano se</p><p>veste para o olhar do outro, procura um efeito, valoriza o social.</p><p>O morador clássico de São Paulo, aquele que lhe dá o estilo, tem o espírito do aventureiro</p><p>e a moral do conservador; vive a ousadia no longo prazo e a cautela no aqui e agora. É um</p><p>homem do interior, esteve cercado de matos, teve de abrir com as mãos o próprio panorama.</p><p>Enquanto não o fazia, criou o hábito de olhar para dentro de si.</p><p>O do Rio tem o espírito batido de ventos, sal marinho no sangue. Caminha à vela. É</p><p>liberal porque ganhou cedo a corte, com suas licenças. O horizonte foi-lhe oferecido, teve</p><p>desde sempre, para o espraiar-se dos olhos, o espaço sem portas do mar. Ficou folgazão.</p><p>Um dia a sorte dele se mudou para Brasília. Acostumado, manteve-se fiel a seu modo</p><p>de ser. O dinheiro sumiu, não o espírito. No caminho inverso, o matuto enriquecido de</p><p>Piratininga foi acrescentando alma ao bem que tinha. Não queria apenas fortunas, mas arte</p><p>e cultura, e viu que era bom.</p><p>Estrangeiros deram um toque cosmopolita ao caráter paulistano. Aquele não era um</p><p>visitante em férias, como no Rio, mas um colega, um braço para empurrar o carro. Nasceu</p><p>uma relação de troca e cumplicidade. Compromisso, prazo, cobrança, horário tornaram-se</p><p>traços locais. Já o carioca não esquenta.</p><p>Poderia ser por aí?</p><p>Fonte: ÂNGELO, I. Cariocas e paulistanos. Originalmente publicada em Veja São Paulo, São Paulo, ago. 1999.</p><p>Republicada em coletânea comemorativa aos 450 anos da cidade. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/idade/</p><p>exclusivo/vejasp/450_anos/index.html>. Acesso em: 18 abr. 2012.</p><p>3.2 A variação linguística</p><p>As línguas variam em diversos níveis. Cabe lembrar, entretanto, que as variações internas da língua</p><p>são determinadas por fatores extralinguísticos, que se somam aos fatores linguísticos.</p><p>22</p><p>Unidade I</p><p>Re</p><p>vi</p><p>sã</p><p>o:</p><p>J</p><p>ul</p><p>ia</p><p>na</p><p>-</p><p>D</p><p>ia</p><p>gr</p><p>am</p><p>aç</p><p>ão</p><p>: M</p><p>ár</p><p>ci</p><p>o</p><p>-</p><p>30</p><p>/0</p><p>5/</p><p>20</p><p>12</p><p>Os primeiros dizem respeito, por exemplo, ao nível social, ao sexo, à escolaridade, à localização</p><p>geográfica, enfim, a fatores que estão fora da língua, mas determinam sua variação.</p><p>Já o segundo grupo de fatores, os internos, está relacionado aos níveis linguísticos – fonético,</p><p>mórfico, sintático, semântico – os quais podem apresentar variantes no uso da língua.</p><p>Em sua obra intitulada A língua de Eulália: uma novela sociolinguística, Marcos Bagno (2006a)</p><p>descreve essa variação linguística, exemplificando fenômenos como o rotacismo, que compreende a</p><p>troca do /l/ por /r/ em sílabas intermediárias, como em alface, cuja variante é [a r f a s i].</p><p>Do ponto de vista fonético (talvez a diversidade mais evidente entre os falantes), um indivíduo que</p><p>vive na primeira região pronunciará o [r] de porta diferentemente, bem como haverá outras realizações</p><p>do mesmo fonema (variantes) para indivíduos de outras regiões do país.</p><p>Todavia, não é apenas quanto à fonética que se podem observar a variação e a diversidade linguísticas.</p><p>Quando se trata de léxico, por exemplo, podem também ocorrer variantes. O que é mandioca para uns</p><p>pode ser macaxeira ou aipim para outros. O pivete de São Paulo pode ser o guri do Rio Grande do Sul.</p><p>No nível sintático, é uma “marca” do falante não escolarizado, por exemplo, indicar o plural das</p><p>palavras apenas por um dos elementos do sintagma, resultando em sentenças como “Os menino vai</p><p>com você”. Veja que o plural foi determinado apenas pelo artigo, permanecendo o substantivo e o verbo</p><p>no singular.</p><p>Esses fatos identificados na investigação do uso da língua são observados por Bagno em sua obra,</p><p>como dito anteriormente. É sobre essa variação que falaremos em seguida.</p><p>3.2.1 A variação lexical</p><p>Como visto, as línguas variam em relação às palavras usadas por uma comunidade linguística.</p><p>Tomando como exemplo o português falado no Brasil, podemos afirmar que há, de fato, uma variação</p><p>de uso de certas palavras para designar a mesma coisa, dependendo, é claro, da região. Beline (in FIORIN,</p><p>2002, p. 122) apresenta o exemplo do termo jerimum, usado como regionalismo do nordeste, que</p><p>corresponde a abóbora nos estados do sul e do sudeste do Brasil. Todo falante do português é capaz de</p><p>reconhecer tanto jerimum quanto abóbora</p><p>como palavras de sua língua materna, pois tanto os sons</p><p>quanto o padrão silábico são típicos do português.</p><p>Exemplo:</p><p>“É abóbora?”</p><p>“É jerimum, oxente!”</p><p>Logo, um mesmo elemento do mundo enunciado em uma língua pode ser referido por mais de uma</p><p>palavra dessa língua em razão de questões geográficas. É o que se chama variação diatópica. Nesse</p><p>23</p><p>Re</p><p>vi</p><p>sã</p><p>o:</p><p>J</p><p>ul</p><p>ia</p><p>na</p><p>-</p><p>D</p><p>ia</p><p>gr</p><p>am</p><p>aç</p><p>ão</p><p>: M</p><p>ár</p><p>ci</p><p>o</p><p>-</p><p>30</p><p>/0</p><p>5/</p><p>20</p><p>12</p><p>LINGUÍSTICA</p><p>tipo de variação, a mudança ocorre em relação ao termo de acordo com a região, mas o elemento a que,</p><p>no exemplo citado, jerimum e abóbora se referem tem de ser obrigatoriamente o mesmo. O que varia,</p><p>nesse caso, é o léxico usado, segundo Beline (in FIORIN, 2002, p. 122).</p><p>Esse tipo de variação não se dá apenas pela localização geográfica. Se pensarmos, por exemplo,</p><p>em grupos diferentes na sociedade, veremos que há diferença de vocabulário de um grupo para outro.</p><p>Os jovens, em sua maioria, caracterizam-se por usarem gírias, as quais podem modificar-se de uma</p><p>comunidade linguística para outra, assim como podem se atualizar ao longo do tempo. Do mesmo</p><p>modo, os profissionais de cada área de trabalho podem ter um vocabulário específico a cada uma delas,</p><p>o qual conhecemos por “jargão”.</p><p>3.2.2 A variação diatópica no nível fonético</p><p>Ainda em relação à variação de palavras de acordo com a localização geográfica, é importante</p><p>lembrar que um mesmo vocábulo pode ter diferentes pronúncias. Nesse caso, temos a chamada variação</p><p>diatópica no nível fonético, pois, em uma mesma língua, um mesmo termo pode ser pronunciado de</p><p>formas diferentes, dependendo da região do falante.</p><p>Como já foi mencionado, os cariocas são conhecidos por aspirar o -r. O modo de falar dos cariocas,</p><p>assim como o dos mineiros, baianos etc., enfim, de pessoas de diferentes regiões do Brasil, é característico</p><p>e permite identificar a origem dessas pessoas. É a comunidade linguística que garante a manutenção</p><p>de determinado modo de falar.</p><p>Vejamos um exemplo desse tipo de variação:</p><p>“O marrrrr esssshhtá demaishhh!!!”</p><p>Nesse exemplo, a grafia múltipla representa a “marcação” desse som na pronúncia.</p><p>A região do falante também define sua pronúncia, como se pode observar a seguir:</p><p>Os limites da fala do carioca são definidos em parte pela pronúncia</p><p>chiante do -s em final de sílaba, assim como pela aspiração do -r em final</p><p>de sílaba. A fala do carioca é da maneira que é porque a comunicação</p><p>entre os membros da comunidade de fala carioca é muito mais intensa</p><p>do que a comunicação com membros de outras comunidades, o que leva</p><p>à manutenção de suas características linguísticas, a falta de contato</p><p>linguístico entre comunidades favorece o desenvolvimento de diferenças</p><p>linguísticas. Tendemos a falar como aquelas pessoas com quem mais</p><p>falamos (BELINE in FIORIN, 2002, p. 129).</p><p>No que se refere ao modo de falar, é interessante acrescentar que o sotaque, que nada mais é que a</p><p>percepção da variação, é responsável por diversas reações por parte dos ouvintes, seja de aceitação, de</p><p>surpresa ou até de incômodo. Do mesmo modo que as pessoas tendem a identificar-se com o sotaque</p><p>24</p><p>Unidade I</p><p>Re</p><p>vi</p><p>sã</p><p>o:</p><p>J</p><p>ul</p><p>ia</p><p>na</p><p>-</p><p>D</p><p>ia</p><p>gr</p><p>am</p><p>aç</p><p>ão</p><p>: M</p><p>ár</p><p>ci</p><p>o</p><p>-</p><p>30</p><p>/0</p><p>5/</p><p>20</p><p>12</p><p>de sua região, podem demonstrar certo estranhamento, ou até mesmo rejeição, a um sotaque distinto</p><p>do seu. Nesse sentido, postula-se que:</p><p>As atitudes linguísticas não estão delimitadas apenas por fronteiras</p><p>geográficas, mas também por fronteiras sociais. Não assumimos</p><p>características linguísticas daqueles de que, de algum modo, não</p><p>gostamos ou daqueles de quem queremos nos distanciar ou ainda</p><p>daqueles com quem não queremos ser parecidos (BELINE in FIORIN,</p><p>2002, p. 129).</p><p>É mesmo comum achar que “os outros” é que têm sotaque, e não nós. Isso ocorre porque um falante</p><p>de determinada região está tão habituado a um certo modo de falar que não se dá conta de que o</p><p>sotaque apenas sinaliza uma variação linguística de sua própria língua materna. Observa-se, então, que</p><p>há, de fato, uma relação entre fatores sociais e linguagem.</p><p>3.2.3 A variação diafásica</p><p>As pessoas também podem variar seu modo de falar dependendo da situação ou do contexto social</p><p>em que se encontram. Considerar o contexto social pode remeter a informações interessantes sobre a</p><p>atitude linguística de um falante, como se pode verificar no seguinte exemplo:</p><p>“Valei-me, meu Senhor do Bonfim! Que situação!!!”</p><p>A variação diafásica ocorre em virtude da situação comunicativa.</p><p>Um falante não tem o mesmo comportamento linguístico quando, por exemplo, está</p><p>conversando com amigos em um bar e quando está em uma entrevista de emprego. Pelo menos</p><p>é o que pressupõe a prática. Isso ocorre porque uma situação com amigos é, por si, informal,</p><p>ao passo que uma entrevista de emprego é, sem dúvida, uma situação formal. Assim, é possível</p><p>verificar que o falante tende a adequar sua linguagem ao contexto e, consequentemente, ao seu</p><p>interlocutor. Nesse caso, temos uma variação diafásica, aquela que é caracterizada pela situação</p><p>de uso da língua.</p><p>A linguagem usada em determinado contexto pode ser responsável pela impressão que o falante</p><p>causa em seu interlocutor. Em termos práticos, podemos dizer que o objetivo comunicativo pode ou não</p><p>ser atingido de acordo com a linguagem usada.</p><p>É pertinente observar que todo contexto exige um papel específico do falante, que, por sua vez,</p><p>procura cumprir determinado papel em relação à atitude linguística.</p><p>Assim, pode-se afirmar que o uso efetivo de variedades linguísticas significa saber adequar o modo</p><p>de falar a cada contexto, seja ele familiar, de trabalho etc. Isso faz parte da habilidade comunicativa do</p><p>falante.</p><p>25</p><p>Re</p><p>vi</p><p>sã</p><p>o:</p><p>J</p><p>ul</p><p>ia</p><p>na</p><p>-</p><p>D</p><p>ia</p><p>gr</p><p>am</p><p>aç</p><p>ão</p><p>: M</p><p>ár</p><p>ci</p><p>o</p><p>-</p><p>30</p><p>/0</p><p>5/</p><p>20</p><p>12</p><p>LINGUÍSTICA</p><p>3.2.4 A variação morfológica</p><p>No que diz respeito ao uso das palavras, verificamos que, em uma situação informal, o falante de</p><p>português pode, por exemplo, omitir o final das palavras, por exemplo, o -r, no caso dos verbos. Desse</p><p>modo, ele pode pronunciar o verbo fazer como “fazê”, levar como “levá” e assim por diante. A ausência</p><p>do -r causa também uma mudança de pronúncia da vogal final, que tende a ser acentuada. No entanto,</p><p>nesse caso não se trata de uma simples variação fonética, isto é, de pronúncia, pois esse -r final constitui</p><p>um morfema na palavra, trata-se do morfema que indica a desinência modo-temporal do verbo (o</p><p>infinitivo).</p><p>Vejamos um exemplo:</p><p>“E aí, galera!! Vamo fazê uma festa!”</p><p>No exemplo, houve a supressão do morfema que indica plural no verbo “vamo”, assim como houve</p><p>a supressão do morfema que indica infinitivo no verbo “fazê”.</p><p>Lembre-se de que esse tipo de variação não se dá simplesmente em virtude da região (mudança</p><p>diatópica), pois pode ocorrer com falantes de Minas Gerais, de São Paulo, do Rio de Janeiro, enfim, de</p><p>qualquer região do Brasil. A ausência ou a presença do -r final em verbos no infinitivo é uma variação</p><p>morfológica, pois há uma mudança na estrutura da palavra.</p><p>A variação morfológica é, portanto, caracterizada pela presença ou ausência de determinado</p><p>morfema e pode ocorrer quando o falante está numa situação informal (por exemplo, numa conversa</p><p>com amigos falando sobre futebol). Nesse caso, seria uma variação diafásica.</p><p>Lembrete</p><p>Morfema é o elemento originário em que se concentra a significação. A</p><p>partir dele, podemos formar palavras com significado semelhante.</p><p>Nas palavras certo, certas, incerteza e certamente, o morfema é cert-.</p><p>Uma outra hipótese de uso da variante diafásica pode ocorrer em razão do nível de escolaridade do</p><p>falante.</p><p>É importante ressaltar que o limite da variação individual é estabelecido pelo contato do</p><p>falante com outros de sua comunidade, pois, uma vez que o indivíduo vive inserido num grupo,</p><p>deverá haver semelhanças entre a língua que ele fala e a que os outros membros falam. Caso</p><p>contrário, ocorreria um caos linguístico, isto é, os falantes não se entenderiam (BELINE in FIORIN,</p><p>2002, p. 128).</p><p>26</p><p>Unidade I</p><p>Re</p><p>vi</p><p>sã</p><p>o:</p><p>J</p><p>ul</p><p>ia</p><p>na</p><p>-</p><p>D</p><p>ia</p><p>gr</p><p>am</p><p>aç</p><p>ão</p><p>: M</p><p>ár</p><p>ci</p><p>o</p><p>-</p><p>30</p><p>/0</p><p>5/</p><p>20</p><p>12</p><p>Vejamos alguns exemplos de variação no quadro a seguir:</p><p>Quadro 1 – Exemplos de variação linguística</p><p>Variação geográfica ou diatópica</p><p>Diferentes países Diferentes regiões em um mesmo país</p><p>Planos Português Brasileiro (PB) Português Europeu (PE)</p><p>Português do Brasil</p><p>Nordeste Sudeste</p><p>Lexical Caipira Saloio Jerimum Abóbora</p><p>Fonético Sei [‘sey] Sâi[‘s Ây]</p><p>“melado“</p><p>pronunciado como</p><p>vogal aberta</p><p>“melado”</p><p>pronunciado como</p><p>vogal fechada</p><p>Sintático Estou falando com você Estou a falar consigo “Vou não” “Não vou”</p><p>Variação social ou diastrática</p><p>Classe social</p><p>Grupos situados</p><p>abaixo na escala</p><p>social</p><p>• “nós ama” – simplificação das conjugações verbais</p><p>• “froco” [r] em lugar de [l] em grupos consonantais</p><p>Grupos situados</p><p>acima na escala</p><p>social</p><p>• “nós amamos”</p><p>• “floco”</p><p>Idade Uso de gírias como “maneiro”, “esperto” denota faixa etária jovem</p><p>Sexo</p><p>Duração de vogais como recurso expressivo, como em “Maaaravilhoso”</p><p>costuma ocorrer na fala de mulheres assim como o uso frequente de</p><p>diminutivos “bonitinho” “gracinha”.</p><p>Situação ou</p><p>contexto social</p><p>Formalidade Vamos fazer isso.</p><p>Informalidade A gente vai fazê isso.</p><p>Fonte: Bagno (2000); Beline in Fiorin (2002).</p><p>A partir dos exemplos citados, é possível notar, portanto, que fatores socioculturais e linguagem</p><p>relacionam-se de diversas maneiras, o que demonstra a relevância dos estudos de natureza</p><p>sociolinguística.</p><p>3.3 Variação e mudança linguística</p><p>A forma padrão de uma língua varia também conforme a época, que determina a padronização.</p><p>Como as línguas mudam incessantemente, a definição do “certo”, do “agradável” e do “adequado”</p><p>também (ALKMIM, 2001).</p><p>3.3.1 Mudanças na língua portuguesa</p><p>Basta um falante de português entrar em contato com textos de épocas passadas para constatar que</p><p>a língua portuguesa mudou. Todas as línguas sofrem modificações ao longo do tempo, e a língua escrita</p><p>registra tais mudanças. Veja o exemplo a seguir:</p><p>“Onde o profeta jaz, que a lei pubrica” (VII, 34) (Trecho de Os lusíadas, de Camões, in BAGNO, 2000).</p><p>27</p><p>Re</p><p>vi</p><p>sã</p><p>o:</p><p>J</p><p>ul</p><p>ia</p><p>na</p><p>-</p><p>D</p><p>ia</p><p>gr</p><p>am</p><p>aç</p><p>ão</p><p>: M</p><p>ár</p><p>ci</p><p>o</p><p>-</p><p>30</p><p>/0</p><p>5/</p><p>20</p><p>12</p><p>LINGUÍSTICA</p><p>Termos como pubrica, atualmente considerado um erro em português, são encontrados em Os</p><p>lusíadas, de Camões (1572).</p><p>Lembrete</p><p>Não existe registro da vida de Camões, considerado um dos maiores</p><p>poetas portugueses. Provavelmente tenha nascido em 1525, em Lisboa. Seu</p><p>poema Os Lusíadas conta a viagem de Vasco da Gama.</p><p>Alkmim (2001, p. 41) cita ainda formas como “dereito”, “despois” e “frecha”, encontradas no texto</p><p>da carta de Pero Vaz de Caminha, de 1500, para exemplificar mudanças linguísticas ocorridas na língua</p><p>portuguesa.</p><p>Observação</p><p>Pero Vaz de Caminha foi um escritor português que se notabilizou nas</p><p>funções de escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral.</p><p>Confira, a seguir, um trecho da Carta de Pero Vaz de Caminha na ortografia original e, em seguida,</p><p>na versão com a ortografia atualizada, a fim de observar as mudanças ocorridas.</p><p>(1) Snõr</p><p>(2) posto que o capitam moor desta vossa frota e asy os outros capitaães (3)</p><p>screpuam a vossa alteza a noua do achamento desta vossa terra noua (4)</p><p>que se ora neesta nauegaçom achou, nom leixarey tambem de dar disso (5)</p><p>minha comta a vossa alteza asy como eu milhor poder (6) ajmda que pera o</p><p>bem contar e falar o saiba pior que todos fazer!</p><p>(1) Senhor,</p><p>(2) posto que o capitão-mor desta vossa frota, e assim os outros capitães</p><p>(3) escrevam a Vossa Alteza a notícia do achamento desta vossa terra</p><p>nova, (4) que se agora nesta navegação achou, não deixarei de também</p><p>dar disso (5) minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder,</p><p>(6) ainda que para o bem contar e falar — o saiba pior que todos fazer!</p><p>(Alkmim, 2001, p. 41)</p><p>Dentre as diversas mudanças observadas no trecho citado, podemos listar:</p><p>28</p><p>Unidade I</p><p>Re</p><p>vi</p><p>sã</p><p>o:</p><p>J</p><p>ul</p><p>ia</p><p>na</p><p>-</p><p>D</p><p>ia</p><p>gr</p><p>am</p><p>aç</p><p>ão</p><p>: M</p><p>ár</p><p>ci</p><p>o</p><p>-</p><p>30</p><p>/0</p><p>5/</p><p>20</p><p>12</p><p>Quadro 2 – Comparação das grafias presentes na carta</p><p>de Caminha com as usadas atualmente</p><p>Ocorrência Grafia na carta Grafia atual</p><p>Presença de vogais</p><p>dobradas</p><p>capitaães (linha 2)</p><p>neesta (linha 4)</p><p>capitães</p><p>nesta</p><p>Formas desusadas de</p><p>palavras em uso</p><p>asy (linhas 2 e 5)</p><p>noua (linha 3)</p><p>pera (linha 6)</p><p>nauegaçom (linha 4)</p><p>assim</p><p>nova</p><p>para</p><p>navegação</p><p>Arcaísmo lexical achamento (linha 3) achamento (= descobrimento)</p><p>Fonte: Alkmim (2001, p. 41).</p><p>3.3.2 Mudanças linguísticas na língua inglesa</p><p>O inglês, como conhecemos hoje, derivou de dialetos germânicos, do latim e do francês e formou-se</p><p>durante um período de invasões que culminou com a criação do que hoje conhecemos como Reino</p><p>Unido da Grã-Bretanha.</p><p>Para mostrar algumas mudanças ocorridas no português, vejamos o quadro a seguir:</p><p>Quadro 3 – Comparação entre mudanças ocorridas</p><p>no português e em outras línguas</p><p>Latim Francês Espanhol Português</p><p>Ecclesia Église Iglesia Igreja</p><p>Blasiu Blaise Blas Brás</p><p>Plaga Plage Playa Praia</p><p>Sclavu Esclave Sclavo Escravo</p><p>Fluxu Flou Flojo Frouxo</p><p>Fonte: Bagno (2000, p. 44).</p><p>Portanto, os textos escritos no passado são a prova viva de que as línguas mudam. É por meio de</p><p>documentos, como os que foram apresentados, que podemos realizar estudos acerca de mudanças nas</p><p>línguas.</p><p>3.3.3 Outras variações na língua e questões variacionistas</p><p>Além das variações que ocorrem no nível da palavra por causa da região do falante, do contexto e do</p><p>grau de escolaridade, existe ainda um outro tipo de variação linguística que se dá em virtude da posição</p><p>dos termos em uma oração. Esse tipo de variação é chamado de variação sintática. Como se sabe, a</p><p>29</p><p>Re</p><p>vi</p><p>sã</p><p>o:</p><p>J</p><p>ul</p><p>ia</p><p>na</p><p>-</p><p>D</p><p>ia</p><p>gr</p><p>am</p><p>aç</p><p>ão</p><p>: M</p><p>ár</p><p>ci</p><p>o</p><p>-</p><p>30</p><p>/0</p><p>5/</p><p>20</p><p>12</p><p>LINGUÍSTICA</p><p>sintaxe estuda os padrões estruturais, as relações recíprocas dos termos nas frases e das frases entre si.</p><p>Em português, poderíamos ter uma oração negativa com, pelo menos, três variações:</p><p>• “Eu não quero.”</p><p>• “Quero não.”</p><p>• “Não quero não.”</p><p>No entanto, a variação sintática não é tão facilmente definida. Em relação ao uso do advérbio de</p><p>negação, citado anteriormente, Beline (in FIORIN, 2002, p. 124) observa que o sentido de uma oração</p><p>como a terceira, que apresenta uma dupla negação, é, de algum modo, diferente. Isso ocorre porque a</p><p>dupla negação confere mais ênfase ao sentido da oração, com uso restrito em alguns contextos. Nesse</p><p>caso, não teríamos um caso de variação sintática, pois não existe uma equivalência total; o que existe</p><p>são contextos diferentes em que os enunciados podem ocorrer.</p><p>Da mesma forma, uma variação lexical só pode ser considerada como tal se diferentes</p><p>vocábulos forem usados para designar exatamente o mesmo elemento. No exemplo apresentado</p><p>anteriormente, das palavras jerimum e abóbora, só será possível considerar a variação lexical se os</p><p>vocábulos forem sinônimos perfeitos uns dos outros e, portanto, variantes de uma variável. Caso se</p><p>constate que jerimum refere-se a um tipo determinado de abóbora, não podemos considerar uma</p><p>variação lexical (BELINE in FIORIN, 2002, p. 124). Essas são questões essenciais para um linguista</p><p>variacionista.</p><p>4 VARIAÇÃO LINGUÍSTICA E ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA</p><p>A questão da variação linguística é fundamental no que se refere ao processo de</p><p>ensino-aprendizagem de línguas. O professor deve estar a par desse fato para tirar o máximo de</p><p>proveito dele em suas aulas.</p><p>Além disso, essa questão está prevista nos Parâmetros Curriculares Nacionais, cujas diretrizes servem</p><p>para nortear as práticas pedagógicas do ensino oficial, como discutido a seguir.</p><p>4.1 Variedade linguística e PCN</p><p>A variedade linguística é uma realidade oficialmente reconhecida no âmbito governamental. De</p><p>fato, ela está prevista nos Parâmetros Curriculares Nacionais, conhecidos como PCN, publicados em</p><p>1998 pelo Ministério da Educação.</p><p>Os PCN descrevem a variação como “constitutiva das línguas humanas”. Tais afirmações se sustentam,</p><p>evidentemente, em teorias linguísticas e estudos aqui discutidos, que demonstraram</p><p>a variação como</p><p>um fato incontestável, inerente ao fenômeno linguístico e que, por isso, não pode ser ignorado quando</p><p>se fala em parâmetros utilizados para regular e direcionar procedimentos pedagógicos de ensino da</p><p>língua portuguesa.</p><p>30</p><p>Unidade I</p><p>Re</p><p>vi</p><p>sã</p><p>o:</p><p>J</p><p>ul</p><p>ia</p><p>na</p><p>-</p><p>D</p><p>ia</p><p>gr</p><p>am</p><p>aç</p><p>ão</p><p>: M</p><p>ár</p><p>ci</p><p>o</p><p>-</p><p>30</p><p>/0</p><p>5/</p><p>20</p><p>12</p><p>A constatação de que as línguas variam traz implicações para o processo de ensino-aprendizagem</p><p>da língua materna de várias formas.</p><p>Sabemos, por exemplo, que a expressão linguística é uma forma de interação social e que os falantes</p><p>podem julgar de forma positiva ou negativa seus interlocutores a partir do modo como falam.</p><p>Lembrete</p><p>“Algumas formas de expressão podem estigmatizar socialmente seus</p><p>falantes, enquanto outras podem valorizá-los socialmente” (ALKMIM,</p><p>2001, p. 67).</p><p>Consequentemente, o ensino de língua portuguesa pode servir como um instrumento para promover</p><p>maior respeito a quaisquer tipos de variação, considerando:</p><p>• a necessidade de oferecer iguais condições de aprendizagem a falantes de todas as classes sociais,</p><p>fazendo que haja respeito mútuo entre as classes;</p><p>• a democratização de ensino como uma forma de promover o acesso de classes menos prestigiadas.</p><p>Os PCN assim recomendam em relação às competências e habilidades a serem desenvolvidas em</p><p>língua portuguesa:</p><p>A escola não pode garantir o uso da linguagem fora do seu espaço, mas</p><p>deve garantir tal exercício de uso amplo no seu espaço, como forma de</p><p>instrumentalizar o aluno para o seu desempenho social. Armá-lo para poder</p><p>competir em situação de igualdade com aqueles que julgam ter o domínio</p><p>social da língua (BRASIL, 2000, p. 22).</p><p>Daí surge uma questão importante para reflexão sobre o ensino da língua portuguesa:</p><p>Até que ponto a língua padrão ensinada na escola como único referencial pode ser responsável pela</p><p>marginalização das demais variantes que frequentemente fazem parte do repertório linguístico dos</p><p>alunos?</p><p>Essa questão está diretamente ligada à prática do professor em sala de aula. Por um lado, conforme</p><p>Alkmim (2001),</p><p>ao assumir o princípio da heterogeneidade inerente à linguagem,</p><p>a linguística moderna, especialmente a sociolinguística, eliminou</p><p>preconceitos ao afirmar que todas as línguas e variedades de uma língua</p><p>são igualmente complexas e eficientes para o exercício de todas as funções</p><p>a que se destinam (Alkmim, 2001, p. 68).</p><p>31</p><p>Re</p><p>vi</p><p>sã</p><p>o:</p><p>J</p><p>ul</p><p>ia</p><p>na</p><p>-</p><p>D</p><p>ia</p><p>gr</p><p>am</p><p>aç</p><p>ão</p><p>: M</p><p>ár</p><p>ci</p><p>o</p><p>-</p><p>30</p><p>/0</p><p>5/</p><p>20</p><p>12</p><p>LINGUÍSTICA</p><p>Por outro lado, se a prática pedagógica de ensino de língua materna se preocupar em ensinar</p><p>somente uma variedade como correta, desconsiderando outras formas que fogem ao modelo imposto,</p><p>ela acabará contribuindo para excluir alunos que chegam à escola utilizando outras variedades da língua</p><p>portuguesa que são parte de seu meio social.</p><p>Isso ocorre porque o ensino de língua materna tradicional criou a noção de “certo” e “errado”, o que</p><p>obviamente enseja uma prática discriminatória em relação às variedades linguísticas que fazem parte</p><p>do repertório dos alunos. Tal prática dedica-se a substituir um modelo supostamente “errado”, que, na</p><p>verdade, seria uma variante que o aluno traz para a sala de aula, fruto de seu contato com determinado</p><p>contexto social, pelo modelo “correto”, ditado pela chamada norma culta, ensinada na escola.</p><p>Nesse sentido, cabe aos professores garantir que todo o conhecimento trazido por estudos linguísticos</p><p>sobre a diversidade não seja descartado. Caso contrário, aqueles alunos provenientes de uma classe</p><p>social menos privilegiada serão diretamente afetados, pois: “As crianças socioeconomicamente mais</p><p>favorecidas seriam as menos prejudicadas, uma vez que se acham familiarizadas com a variedade padrão</p><p>desde a primeira infância” (ALKMIM, 2001, p. 70).</p><p>Enfim, ao não reconhecer a variedade linguística, o sistema formal de ensino acaba criando o que o</p><p>linguista Marcos Bagno chamou de preconceito linguístico. Bagno (2006b, p. 9) afirma que “tratar da língua</p><p>é tratar de um tema político, já que também é tratar de seres humanos”. Para ele, o chamado preconceito</p><p>linguístico surgiu a partir de uma grande confusão histórica entre os termos língua e gramática normativa.</p><p>Bagno (2006b, p. 10) ilustra o fato comparando a língua a um enorme iceberg, “flutuando no mar</p><p>do tempo”, ao passo que a gramática normativa seria “uma tentativa de descrever apenas uma parcela</p><p>mais visível dele, a chamada norma culta”. A metáfora usada por Bagno não descarta o mérito de tal</p><p>descrição, mas lembra que, tal qual o iceberg, cuja parte que emerge não representa sua totalidade, a</p><p>norma culta não representa todos os fenômenos da língua.</p><p>É importante ressaltar que as ideias defendidas por Marcos Bagno, bem como por outros estudiosos</p><p>da linguística, não representam um ponto de vista isolado, defendido por um teórico solitário, para</p><p>sustentar alguma teoria nova. Como visto, a questão aqui colocada é de cunho educacional, com</p><p>implicações evidentemente sociais e políticas e que, como tal, mereceu ser abordada para colaborar</p><p>com a formação dos professores, que precisam se conscientizar da relevância de sua prática pedagógica</p><p>para proporcionar transformações sociais.</p><p>Saiba mais</p><p>Para maior clareza em relação às questões apresentadas, sugere-se a</p><p>leitura do livro a seguir:</p><p>BAGNO, M. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. São Paulo:</p><p>Loyola, 1999.</p><p>32</p><p>Unidade I</p><p>Re</p><p>vi</p><p>sã</p><p>o:</p><p>J</p><p>ul</p><p>ia</p><p>na</p><p>-</p><p>D</p><p>ia</p><p>gr</p><p>am</p><p>aç</p><p>ão</p><p>: M</p><p>ár</p><p>ci</p><p>o</p><p>-</p><p>30</p><p>/0</p><p>5/</p><p>20</p><p>12</p><p>Resumo</p><p>Vamos retomar os principais pontos do conteúdo visto nessa Unidade.</p><p>Iniciamos vendo os conceitos de língua e de linguagem, lembrando que</p><p>o primeiro é objeto de estudo da área que se denomina linguística, e o</p><p>segundo diz respeito a toda forma de expressão humana.</p><p>Em seguida, foi traçado um breve histórico sobre o desenvolvimento</p><p>dos estudos linguísticos, lembrando que foi com os estudos propostos por</p><p>Saussure que a linguística adquiriu o status de ciência e esta evoluiu de</p><p>uma visão unidisciplinar para uma visão inter, multi, transdisciplinar.</p><p>Vimos, também, a contribuição dos estudos na área da sociolinguística,</p><p>que pressupõe o homem em sociedade e, portanto, a variação de uso da</p><p>língua nas mais variadas formas de expressão. Aqui no Brasil, destacam-se</p><p>os trabalhos desenvolvidos pelo Projeto NURC (Norma Urbana Culta),</p><p>coordenado pelo professor Dino Preti, que muito contribuiu nessa área.</p><p>A variação linguística é uma realidade nossa, uma vez que se torna</p><p>evidente a variação diatópica (localização geográfica), pois sentimos</p><p>nitidamente a diferença entre um carioca e um nordestino falando, por</p><p>exemplo. Entretanto, além do fator geográfico, outros podem influir nessa</p><p>variação, como nível de escolaridade, idade, sexo etc. Além disso, um mesmo</p><p>falante pode variar sua fala de acordo com a situação comunicativa.</p><p>Nesse sentido, retomou-se o que consta nos Parâmetros Curriculares</p><p>Nacionais (PCN), documento elaborado pelo Ministério de Educação e</p><p>Cultura (MEC) com o objetivo de padronizar os conteúdos para a educação</p><p>básica.</p><p>Exercícios</p><p>Questão 1. Atribui-se à “Cantiga da Ribeirinha” o título de primeiro texto em língua portuguesa. A</p><p>data provável de sua criação (1189 ou 1198) é considerada o início do trovadorismo literário. Assinale o</p><p>tipo de variação presente no trecho da cantiga:</p><p>Cantiga da Ribeirinha</p><p>No mundo nom me sei parelha,</p><p>mentre me for’ como me vai,</p><p>Língua: objeto de estudo da linguística (sistema de signos definidos coletivamente por um grupo linguístico).</p><p>Linguagem: toda forma de expressão humana.</p><p>Foi a partir dos estudos de Saussure que a linguística adquiriu o status de ciência.</p><p>Sociolinguística: pressupõe o homem em sociedade e estuda as variações da língua nas mais variadas formas de expressão.</p><p>As variações linguísticas não são erros, mas sim um fenômeno natural da língua que precisa ser estudado e isento de preconceito linguístico.</p><p>Variação diatópica:</p><p>variação linguística de acordo com a localização geográfica.</p><p>Variação</p>

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