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<p>ROTEIRO</p><p>Doença de Parkinson (DP), foi primeiramente descrita por James Parkinson em 1817, é uma das doenças neurológicas mais comuns e intrigantes dos dias de hoje. Tem distribuição universal e atinge todos os grupos étnicos e classes socioeconômicas. Estima-se uma prevalência de 100 a 200 casos por 100.000 habitantes. Sua incidência e prevalência aumentam com a idade.</p><p>Para evitar uma leitura anacrônica da definição de Parkinson, é importante saber o significado do século XVIII para termos como paralisia cerebral, paralisia, sentidos, intelecto etc. Logo sua definição por alguns autores foi de que “paralisia” é uma perda de movimento e sensibilidade. Esse significado ainda era o oficial para estudantes de medicina no início do século XIX. Após a publicação de Parkinson, o termo significava “a abolição ou o enfraquecimento da sensibilidade e do movimento voluntário ou de apenas uma dessas faculdades em uma parte do corpo”.</p><p>Após os anos 1860, os mesmos termos foram reinterpretados como “incapacidade de exercer força muscular (normal) devido à rigidez”. Curiosamente, é provável que Parkinson realmente se referia à paralisia, pois a interpretação convencional foi que a “doença” não era acompanhada de insanidade (sentidos prejudicados) ou demência (intelecto). O mais importante para compreender essa declaração é saber o que Parkinson quis dizer com “sentidos”. Em uma leitura histórica, o termo deveria significar “modalidades sensoriais” (ou seja, visão, audição ou tato) em vez de “razão”. Isso estaria de acordo com a lógica de seu argumento médico, ou seja, de sua intenção de demonstrar que a sua doença não era apenas outra forma de paralisia (e, portanto, envolvia algumas modalidades sensoriais, tal como os acidentes vasculares cerebrais).</p><p>Em relação à palavra “intelecto”, é provável que James Parkinson (1817) tenha se referido à cognição, uma vez que descreve: “o estado intacto do intelecto”. Sua vontade de negar a presença de sintomas cognitivos também faz sentido, uma vez que naquela época a deficiência intelectual era considerada parte e parcela da “paralisia”.</p><p>Assim, em 1877, Jackson apresentou uma hipótese cerebelar do tremor, fazendo uso de sua dicotomia negativo-positivo, sugerindo que o tremor e a rigidez estavam em um continuum: “quando o indivíduo é saudável, o afluxo cerebelar é totalmente antagonizado; nos estágios iniciais da paralisia agitante, ele é intermitentemente antagonizado — o movimento constituindo cada tremor que ocorre entre os impulsos cerebrais; e nas fases finais ele não é antagonizado, e há uma tal corrente de impulsos do cerebelo que ocorre rigidez. Temos paresia cerebral com tremor cerebelar; mais tarde, a paralisia cerebral com rigidez cerebelar”.</p><p>A dopamina pertence à família de catecolaminas de neurotransmissores. Ela é sintetizada no citoplasma e transportada em vesículas secretoras pela ação de um antiportador de prótons não-seletivo de monoaminas (VMAT), que é impulsionado pelo gradiente eletroquímico criado por uma ATPase de prótons. Com estimulação da célula nervosa, a DA é liberada na fenda sináptica, onde o neurotransmissor pode estimular receptores dopamínicos pós-sinápticos e auto-receptores dopamínicos pré-sinápticos. A DA é transportada para fora da fenda sináptica pelo transportador de dopamina (DAT) seletivo acoplado ao Na+. A DA citoplasmática é retransportada para dentro das vesículas secretoras pelo VMAT ou degradada pela enzima monoamina oxidase (MAO).</p><p>Os cinco subtipos de receptores de dopamina (D1–D5) podem ser classificados em duas grandes famílias de receptores. A família do receptor D1 (Via direta) apresenta uma longa cauda C-terminal e uma alça citoplasmática curta transmembrana, enquanto a família do receptor D2 (Via indireta) apresenta uma cauda C-terminal curta e uma longa alça citoplasmática. A via direta, formada por neurônios estriatais que expressam primariamente receptores D1 de dopamina, projeta-se diretamente para a saída dos núcleos basais, o segmento interno do globo pálido. Estes últimos neurônios inibem tonicamente o tálamo, que, por sua vez, envia projeções excitatórias ao córtex que dão início ao movimento. Dessa maneira, a ativação da via direta desinibe o tálamo, isto é, a via direta estimula o movimento. A via indireta, formada por neurônios estriatais que expressam predominantemente receptores D2, projeta-se para o segmento externo do globo pálido, que, por sua vez, inibe neurônios no núcleo subtalâmico. Os neurônios no núcleo subtalâmico são neurônios glutamatérgicos excitatórios que se projetam para o segmento interno do globo pálido.</p><p>O déficit dopaminérgico da DP é atribuído à perda dos neurônios da parte compacta da substância negra, que fomecem inervação dopaminérgica ao estriado (caudado e putâmen). Os conhecimentos atuais sobre a fisiopatologia da DP baseiam-se na observação de que a quantidade de DA estriatal diminui em mais de 80%. Isso correspondia à perda dos neurônios da substância negra, sugerindo que a reposição de DA poderia recuperar a função.</p><p>Suas vias dopaminérgicas são divididas em via negro-estriada, via-limbica e via-cortical. O maior trato DA no cérebro é a via nigroestriatal, que contém cerca de 80% da DA do cérebro. Esse trato projeta-se rostralmente dos corpos celulares na parte compacta da substância negra até as terminações que inervam ricamente o núcleo caudado e putâmen, dois núcleos que, em seu conjunto, são denominados estriado. O estriado é assim designado pelo aspecto listrado dos tratos de fibras brancas que correm por ele; a substância negra é assim denominada pela pigmentação negra que resulta da decomposição da DA em melanina. Os neurônios dopaminérgicos do sistema nigroestriatal estão envolvidos na estimulação do movimento intencional. Sua degeneração resulta em doença de Parkinson.</p><p>No sistema mesolímbico as projeções dopaminérgicas partem da área tegmentar ventral e chegam, principalmente, ao núcleo accumbens. A área tegmentar ventral é onde se localizam os corpos neuronais dopaminárgicos e é responsável também pelas projeções desses neurônios para as demais estruturas do sistema de recompensa. Já o núcleo accumbens é responsável pelo aprendizado e pela motivação, bem como pela valorização de cada estímulo. É importante salientar que existem projeções dopaminérgicas para outras estruturas cerebrais, tais como o hipocampo, estrutura associada com aprendizagem e memória espaciais; e a amígdala, estrutura responsável pelo processamento do conteúdo emocional de estímulos ambientais. O sistema mesolímbico está relacionado ao mecanismo de condicionamento ao uso da substância, bem como à fissura, à memória e às emoções ligadas ao uso.</p><p>Já o sistema mesocortical é composto pela área tegmentar ventral, pelo córtex pré-frontal, pelo giro do cíngulo e pelo córtex orbitofrontal. O córtex pré-frontal é responsável pelas funções cognitivas superiores e pelo controle do sequenciamento de ações. O giro do cíngulo, por estar localizado acima do corpo caloso, tem conexões com diversas outras estruturas do sistema límbico e tem as seguintes funções: atenção, memória, regulação da atividade cognitiva e emocional; já o córtex orbitofrontal é responsável pelo controle do impulso e da tomada de decisão. As alterações que ocorrem no sistema mesocortical em decorrência do consumo de substâncias psicoativas estão relacionadas com a compulsão e a perda do controle para o consumo de drogas.</p><p>A localização dos cinco subtipos de receptores de dopamina no cérebro humano, determinada pela localização dos mRNA dos receptores em regiões correspondentes do cérebro do rato. Ambos os receptores D1 e D2 localizam-se no núcleo caudado e putâmen (o estriado), no nucleus accumbens, na tonsila do cerebelo, no tubérculo olfatório e no hipocampo. Além disso, os receptores D1 são encontrados no córtex cerebral, enquanto os receptores D2 estão presentes na substância negra, na área tegmental ventral e no hipocampo. Abreviaturas: ATV = área tegmentar ventral, C = núcleo caudado, Cx = córtex cerebral, H = hipotálamo, HIPP = hipocampo,</p><p>nAc = nucleus accumbens, P = putâmen, SN = substância negra, TC = tonsila do cerebelo, TO = tubérculo olfatório.</p><p>Assim quando o efeito da dopamina é diminuído a DP tende a manifestar-se, pois a falta da mesma resulta no aumento global da acetilcolina levando a um desequilíbrio entres estes neurotransmissores e ativando o processo de contração muscular, que ocorre quando há uma redução de 25% da atividade dos neurônios dopaminérgicos.</p><p>O Parkinson constitui sua formação por quatro manifestações clinicas como a bradicinesia (lentidão e pobreza de movimentos), rigidez muscular, tremor em repouso (que geralmente diminui durante os movimentos voluntários) e desequilíbrio postural resultando em distúrbios da marcha e quedas.</p><p>A dopamina inibe a via indireta e estimula a via direta, resultando em uma tendenciosidade efetiva que permite o movimento voluntário. As vias excitatórias e as vias inibitórias, na via direta ela emite sinais do hipotálamo para o GPi, o tálamo e o córtex, enquanto a via indireta emite sinais do putâmen para o GPe, o STN, o GPi, o tálamo e o córtex. GPi, segmento interno do globo pálido. GPe, segmento externo do globo pálido. SNC, parte compacta da substância negra. SNr, parte reticulada da substância negra. A degeneração dos neurônios dopaminérgicos na substância negra resulta em estimulação deficiente da via direta (que permite o movimento) e inibição insuficiente da via indireta (que inibe o movimento).</p><p>A levodopa foi um dos primeiros fármacos a ser utilizado no tratamento da doença de Parkinson, sendo utilizada há 30 anos e até hoje o tratamento mais efetivo para a doença. A levodopa administrada por via oral é rapidamente convertida em dopamina pela AADC no trato gastrintestinal. Esse processo metabólico diminui a quantidade de levodopa capaz de alcançar a barreira hematoencefálica para o seu transporte no sistema nervoso central (SNC) e também aumenta os efeitos adversos periféricos que resultam da geração de dopamina na circulação periférica (predominantemente náusea, devido à ligação dessa dopamina aos receptores de dopamina na área postrema). Quando a levodopa é administrada isoladamente, apenas 1 a 3% da dose administrada alcançam o SNC em sua forma inalterada. Para reforçar os níveis de levodopa disponíveis para o cérebro e reduzir os efeitos adversos do metabolismo periférico da levodopa, ela é quase sempre administrada em combinação com carbidopa.</p><p>A carbidopa impede efetivamente a conversão da levodopa em DA na periferia. O aspecto importante é que, como a carbidopa não é capaz de atravessar a barreira hematoencefálica (BHE), ela não interfere na conversão da levodopa em DA no SNC. A carbidopa aumenta a fração da levodopa administrada por via oral disponível no SNC de 1-3% (na ausência de carbidopa) para 10% (com carbidopa), permitindo uma redução significativa na dose de levodopa e uma diminuição na incidência de efeitos adversos periféricos.</p><p>Outra estratégia para aumentar a neurotransmissão dopaminérgica é utilizar diretamente como alvo o receptor de DA póssináptico através do uso de agonistas dos receptores de DA. Os derivados do esporão do centeio, como a bromocriptina (agonista D2) e a pergolida (D1 e D2), e os agonistas nãoesporão do centeio, como o pramipexole (D3>D2) e o ropinirol (D3>D2), foram todos utilizados com sucesso como adjuvantes no tratamento com levodopa. Os agonistas dos receptores DA, como classe, possuem várias vantagens. Como se trata de moléculas não-peptídicas, esses fármacos não competem com a levodopa ou outros aminoácidos neutros pelo seu transporte através da BHE. Além disso, como não necessitam de conversão pela enzima AADC, permanecem efetivos numa fase avançada da evolução da doença de Parkinson. Todos os agonistas do receptor de dopamina de uso atual apresentam meias-vidas mais longas que a da levodopa, permitindo o uso menos freqüente de doses e propiciando uma resposta mais uniforme às medicações.</p><p>Um outro meio para seu tratamento, envolve a inibição da degradação da DA. Os inibidores tanto da MAO-B (a isoforma da MAO que predomina no estriado) quanto da COMT têm sido utilizados como adjuvantes da levodopa na prática clínica. A selegilina é um inibidor da MAO que, em doses baixas, é seletiva para a MAO-B. Não interfere no metabolismo periférico das monoaminas pela MAO-A e evita os efeitos tóxicos da tiramina de origem dietética e de outras aminas simpaticomiméticas associadas ao bloqueio não-seletivo da MAO. Uma desvantagem da selegilina é o fato de que esse fármaco forma um metabólito potencialmente tóxico, a anfetamina, que pode causar insônia e confusão, particularmente no indivíduo idoso. A rasagilina, um inibidor mais recente da MAO-B que não forma metabólitos tóxicos, foi recentemente aprovada nos Estados Unidos. Tanto a rasagilina quanto a selegilina melhoram a função motora na doença de Parkinson quando utilizadas isoladamente, e ambas podem aumentar a eficiência do tratamento com levodopa. A tolcapona e a entacapona inibem a COMT e, portanto, inibem a degradação da DA. A tolcapona é um agente altamente lipossolúvel que pode atravessar a BHE, enquanto a entacapona distribui-se apenas na periferia. Ambos os fármacos diminuem o metabolismo periférico da levodopa e, portanto, a tornam mais disponível para o SNC.</p><p>Já no tratamento não-dopaminérgico a amantadina, o triexifenidil e a benztropina, fármacos que não afetam diretamente as vias dopaminérgicas, mas que, entretanto, são efetivos no tratamento da doença de Parkinson. A amantadina foi desenvolvida e comercializada principalmente como agente antiviral para reduzir o tempo e a gravidade das infecções pelo vírus influenza A. Todavia, nos pacientes com doença de Parkinson, a amantadina é usada no tratamento das discinesias induzidas pela levodopa que surgem tardiamente na evolução da doença. Acredita-se que o mecanismo pelo qual a amantadina diminui a discinesia envolve o bloqueio dos receptores NMDA excitatórios. Em geral, a amantadina é administrada na dose de 100 mg 2 vezes/dia e é bem tolerada. Tontura, letargia, efeitos anticolinérgicos e distúrbios do sono, além de náuseas e vômitos, têm sido observados ocasionalmente, mas ainda que ocorram, eles são brandos e reversíveis.</p><p>O triexifenidil e a benztropina são antagonistas dos receptores muscarínicos e reduzem o tônus colinérgico no SNC. Diminuem mais o tremor do que a bradicinesia e, portanto, são mais efetivos no tratamento de pacientes em que o tremor constitui a principal manifestação clínica da doença de Parkinson. Acredita-se que esses agentes anticolinérgicos atuam ao modificar as ações dos neurônios colinérgicos estriatais, que regulam as interações dos neurônios das vias direta e indireta.</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>BERRIOS, G. E. Introdução à “Paralisia agitante”, de James Parkinson (1817). Rev. latinoam. psicopatol. fundam. São Paulo, v. 19, n. 1, p. 114-121, Mar. 2016. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-47142016000100114&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 15 nov. 2019.</p><p>BRUNTON, L. L.; CHABNER, B. A.; KNOLLMANN, B. C. As bases farmacológicas da terapêutica Goodman & Gilman. 12. ed. [s.l.] AMGH, 2012.</p><p>GOLAN, D. E. et al. Princípios de farmacologia: a base fisiopatológica da farmacoterapia. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014.</p><p>KATZUNG, B. G. Farmacologia básica e clínica. – 12ª Ed. – Porto Alegre: AMGH, 2014.</p><p>FORMIGONI, M. L. O. S. Neurobiologia: mecanismos de reforço e recompensa e os efeitos biológicos e os efeitos comuns às drogas de abuso. Aberta: portal de formação a distancia sujeitos, contextos e drogas, 2017.</p>