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DIARREIA AGUDA E DISENTERIA DEFINIÇÃO: - Diarreia é a eliminação de fezes malformadas ou líquidas (ou seja, de consistência diminuída) com frequência aumentada (3 ou mais evacuações em 24h); - Nos adultos, corresponderia à eliminação de mais de 200g de fezes por dia - OU mudança no padrão habitual de evacuações (identificar em lactentes); - Quando a DIARREIA é acompanhada de SANGUE E MUCO, recebe o nome de DISENTERIA ou DIARREIA INVASIVA MECANISMOS FISIOPATOLÓGICOS: (1) DIARREIA SECRETÓRIA: - Ocorre devido à secreção excessiva de fluidos (eletrólitos e água) pela mucosa intestinal, secundários a distúrbio do transporte hidroeletrolítico. - CLÍNICA: fezes aquosas, volumosas | Ausência de dor | Persiste com o jejum | Osmolalidade fecal preservada| Desidratação grave e precoce - Trata-se do mecanismo responsável pelas diarreias agudas infecciosas causadas por enterotoxinas. - No intestino, o AMPc, a GMPc e o cálcio, em condições normais, regulam a saída de água da célula. Alguns MO causam aumento desses mediadores e, consequentemente, há saída ativa de água e eletrólitos para a luz intestinal; - Os principais agentes são a E. coli enterotoxigênica (diarreia do viajante) e o Vibrio cholerae - O uso de alguns fármacos também causa diarreia por esse mecanismo, mas é crônica; - “Diarreia dos ácidos biliares”, na qual os ácidos biliares mal absorvidos no intestino delgado estimulariam a secreção no intestino grosso, gerando diarreia; - Pode ser decorrente de inflamação ileal, ou ressecção do íleo terminal, por exemplo - Algumas substâncias são sabidamente promotoras de aumento da secreção intestinal, como o peptídeo intestinal vasoativo (VIP), histamina, calcitonina, prostaglandinas, serotonina... - Alguns tumores que cursam com aumento da produção dessas substâncias podem cursar com clínica de diarreia. É o caso do carcinoma medular da tireoide (calcitonina e prostaglandinas), do carcinoide brônquico primário e de alguns tumores neuroendócrinos funcionantes, como o VIPoma (2) DIARREIA OSMÓTICA: - Ocorre pela presença de solutos osmoticamente ativos e pouco absorvíveis no lúmen intestinal. Tais solutos levam à retenção osmótica de água no lúmen, repercutindo em episódios diarreicos - Laxativos, como o hidróxido de magnésio, o sulfato de magnésio e o fosfato de sódio, e de substâncias, como o sorbitol, manitol, xilitol e lactulose; na Intolerância à lactose; - Diarreia infecciosa osmótica os MO infectam e destroem as vilosidades intestinais, local onde encontramos as dissacaridases, que são enzimas que digerem os açúcares. Eles, então, acumulam-se na luz intestinal, aumentando a pressão osmótica - O excesso de açúcar fermentado transforma-se em radicais ácidos, portanto as fezes são aquosas, ácidas e explosivas, podendo causar dermatite perineal. - Os principais agentes são os vírus e a E.coli enteropatogênica (3) DIARREIA ESTEATORREICA: - Ocorre pela má absorção de lipídios. Os ácidos graxos não absorvidos no lúmen intestinal apresentam efeito osmótico, principalmente após sofrerem hidroxilação bacteriana, gerando diarreia com fezes oleosas de odor fétido - INSUFICIÊNCIA EXÓCRINA PANCREÁTICA Quando mais de 90% da função secretora do pâncreas é perdida, o déficit de lipase leva a um prejuízo na lipólise. Com isso, os triglicérides não são adequadamente absorvidos, gerando uma diarreia com perda fecal de gordura - Efeito semelhante ocorre na fibrose cística e na pancreatite crônica (4) DIARREIA INFLAMATÓRIA: - Citocinas e mediadores inflamatórios promovem hipersecreção e hipermotilidade intestinal, além de poder haver deficit na absorção de lipídios, água e eletrólitos, a depender da porção intestinal afetada. - Também pode ter invasão da mucosa e doença sistêmica secundária - CLÍNICA: diarreia com sangue e muco | Febre. - Aumento dos leucócitos fecais, bem como níveis elevados de calprotectina e lactoferrina nas fezes. Comment by MARIA CLARA QUEIROGA DUARTE: É uma proteína ligada ao cálcio e ao zinco que fica no interior do neutrófilo. É importante na doença inflamatória intestinal, pois é um marcador de inflamação. Comment by MARIA CLARA QUEIROGA DUARTE: A lactoferrina é uma glicoproteína que se liga fortemente ao ferro, tendo papel fundamental na inibição do crescimento bacteriano ao captar o ferro pela mucosa - Os principais agentes da diarreia infecciosa inflamatória/ invasiva são: Shigella, Salmonella, E. coli enteroinvasiva, Campylobacter, E. coli enterohemorrágica, Entamoeba histolytica e Yersinia. ! Na presença de crise convulsiva Shigella (5) DIARREIA MOTORA: - Ocorre por uma alteração na motricidade do trânsito gastrointestinal que, ao se apresentar acelerado, leva a um prejuízo na sua capacidade absortiva. - Presente em pacientes com síndrome do intestino irritável na forma diarreica, hipertireoidismo e no consumo de fármacos procinéticos - Pacientes com diabetes podem apresentar neuropatias autonômicas periféricas e generalizadas, cursando com distúrbios da motilidade intestinal (6) DIARREIA FACTÍCIA: - O termo é utilizado para designar quadros diarreicos que são simulados ou provocados pelo próprio paciente. - Na síndrome de Munchausen, o indivíduo finge ou simula o distúrbio para obter ganhos secundários - CLÍNICA: mulheres, história de doença psiquiátrica, hipotensão e hipopotassemia. (7) DIARREIA IATROGÊNICA: - Ocorre após procedimentos cirúrgicos, como ressecção intestinal parcial, gastrectomia ou colecistectomia - A ausência da vesícula biliar faz com que uma maior quantidade de ácidos biliares atinja o cólon por superar a capacidade absortiva do íleo, levando à diarreia. DIARREIA AGUDA NÃO INFECCIOSA Medicamentosa: - Alguns medicamentos podem causar diarreia como efeito terapêutico (laxativos) ou como efeito colateral - Causam diarreia em 20% ou mais dos usuários: inibidores da alfaglicosidase (acarbose), biguanidas (metformina), colchicina... - Fármacos que causam diarreia em 10% ou mais dos usuários: antibióticos, quimioterápicos, orlistate, laxativos osmóticos, ISRS, digoxina, etc. - Drogas que causam diarreia esporadicamente: 5-aminossalicilatos, inibidores da acetilcolinesterase, anticolinérgicos, calcitonina, colestiramina, carbamazepina, estatinas, antiácidos à base de magnésio, anti-inflamatórios não esteroidais, octreotide, inibidores da bomba de prótons; Intoxicação exógena: - A ingestão inadvertida de inseticidas organofosforados, carbamatos, arsênico, toxinas pré-formadas em alguns peixes e cogumelos pode gerar um quadro de diarreia aguda, associada a outros sintomas sistêmicos - Atuam como inibidores da colinesterase, causando sintomas colinérgicos; Pseudodiarreia: - Os lactentes amamentados exclusivamente ao seio materno apresentam fezes amareladas a esverdeadas, semilíquidas e um reflexo chamado de gastrocólico, isso é, aumentam sua motilidade intestinal ao serem alimentados Alergia alimentar e APLV: - Ocorre diarreia por mecanismos imunomediados após exposição ao alérgeno alimentar Galactosemia: - É uma doença genética em que o organismo não consegue metabolizar o açúcar, provocando diarreia osmótica, vômito, icterícia e dificuldade de ganho ponderal DIARREIA AGUDA INFECCIOSA: - Viajantes: envolve cerca de 40% dos indivíduos que viajam para América Latina, África e Ásia. Causada principalmente pela Escherichia coli enterotoxigênica, costuma cursar com diarreia após 12 a 72 horas do consumo de água/alimento contaminado, e também o Norovírus (viajantes de cruzeiros) - Crianças que frequentam creches e seus familiares: Shigella, Cryptosporidium, Giardia - Indivíduos institucionalizados: Clostridium difficile - Hábitos alimentares específicos: consumidores de frutos do mar, principalmente crus, ou indivíduos que frequentam restaurantes, festas, piqueniques, banquetes - Imunodeficientes: destacam-se as infecções oportunistas por Mycobacterium, citomegalovírus, herpes simples, Cryptosporidium, Isospora belli, etc REPERCUSSÕES CLÍNICAS: SEMIOLOGIA: Anamnese: - A avaliação inicial deve focar em parâmetros que possam indicar gravidade e sintomas de desidratação,que devem prontamente ser abordados - A observação dos pais sobre a diminuição da ingesta de líquidos, a diminuição da produção urinária, a diarreia e a êmese durante o adoecimento da criança é sensível para a identificação de desidratação clinicamente significativa - A provável causa deve ser investigada para a determinação da terapêutica. - Avaliar o início do quadro, a frequência das evacuações e a quantidade de fezes; o caráter das fezes (biliar, sanguinolento ou mucoide); - A presença associada de vômitos ou de febre; a história médica prévia, o uso de medicamentos e o estado atual de saúde da pessoa, como a presença de imunossupressão e comorbidades; - A presença de dicas epidemiológicas, como viagens recentes e epidemias atuais devem ser levadas em consideração; - A anamnese também nos ajuda a inferir se estamos diante de uma diarreia alta ou baixa Diarreias originárias do intestino delgado (diarreia alta ou não inflamatória) são aquosas, volumosas, associadas à cólica, distensão abdominal, flatulência e raramente febris. Diarreias originárias do intestino grosso (diarreia baixa ou inflamatória) apresentam múltiplos episódios evacuatórios associados a um pequeno volume fecal, cólicas dolorosas, febre e presença de sangue e muco nas fezes. Exame físico: - O aspecto mais importante a ser avaliado na diarreia aguda é o nível de hidratação dos indivíduos - Deve-se, ainda, aferir a temperatura corporal, com o intuito de investigar a presença de febre associada, e mensurar o peso, sobretudo na avaliação de crianças - Além disso, deve-se avaliar pulso, frequência cardíaca, frequência respiratória e pressão arterial. - No exame abdominal, deve-se focar em alterações dos ruídos hidroaéreos, presença de distensão, presença de massa ou de dor à palpação, bem como defesa e sinal de descompressão súbita. Exames complementares: - Na maioria das vezes, não é necessária a realização de exames complementares, já que normalmente é um quadro autolimitado - Além disso, a identificação de germes patógenos, bactérias, vírus ou parasitas na amostra fecal de uma criança com diarreia não indica, em todos os casos, que isso seja a causa da doença - A coprocultura deve ser solicitada apenas em casos graves, inflamatórios e com presença de sangue, e em casos de diarreia persistente ou em vigência de um surto - O exame parasitológico de fezes, por outro lado, é raramente recomendado, sendo restrito a situações de persistência dos sintomas por mais de 2 semanas. - Exames laboratoriais podem ser úteis na avaliação da desidratação grave, para apoiar o médico na suplementação de eletrólitos (especialmente potássio e bicarbonato de sódio) - Pesquisa de elementos anormais nas fezes (EAF) → esse exame avalia cor e aspecto das fezes, pH fecal, presença de substâncias redutoras (açúcares), pesquisa de leucócitos, hemácias e de glóbulos de gordura. Nas disenterias bacterianas, a pesquisa de leucócitos e hemácias costuma resultar positiva. - Lactoferrina e leucócitos fecais → exame útil na avaliação de diarreias sanguinolentas, apresenta-se como positivo na presença de diarreias inflamatórias (infecciosas ou não). - Cultura de fezes (vírus e bactérias) → a coprocultura é exame que permite a identificação de vários patógenos sabidamente causadores de diarreia aguda, como Salmonella, Campylobacter, Shigella, etc. Alguns patógenos específicos necessitam de métodos e recursos específicos para sua adequada identificação. Assim, o ideal é que o médico aponte quais os principais patógenos de suspeição. - Exame parasitológico das fezes → exame útil na identificação de diarreia causada por parasitas, como protozoários e helmintos. O ideal é que sejam colhidas três amostras de fezes em dias diferentes. TRATAMENTO Antibioticoterapia: - Quando temos um paciente com diarreia aguda, primeiro conduzimos a desidratação, para depois pensarmos se há necessidade de medicamentos - O uso indiscriminado de antibióticos pode alterar a flora intestinal, induzir resistência bacteriana e apresentar efeitos colaterais indesejáveis, motivo pelo qual sua indicação exige cautela e conhecimento. Alguns autores ainda contraindicam a antibioticoterapia mesmo na infecção bacteriana comprovada, pois ressaltam que a maioria dos casos é autolimitado - MS: Se apresentar sangue nas fezes e comprometimento do estado geral, conforme o quadro de avaliação do estado de hidratação do paciente e/ou febre alta persistente, dor abdominal, tenesmo ou comprometimento sistêmico a) CRIANÇAS COM ATÉ 30 kg (até 10 anos): (a partir de 3 meses e sem imunodeficiência: Azitromicina: 10 mg/kg/dia, via oral, no primeiro dia e 5 mg/kg/dia por mais 4 dias; Ceftriaxona: 50 mg/kg intramuscular 1 vez ao dia, por 3 a 5 dias, como alternativa NOTA: Crianças menores de 3 meses ou criança com imunodeficiência: • Ceftriaxona: 50 a 100 mg/kg endovenosa 1 vez ao dia. Se não estiver hospitalizada, administrar 1ª dose intramuscular e referenciar ao hospital. b) CRIANÇAS COM MAIS DE 30kg (com mais de 10 anos), ADOLESCENTES e ADULTOS: Ciprofloxacino: 1 comprimido de 500 mg de 12/12h, via oral, por 3 dias; Ceftriaxona: 50 a 100 mg/kg intramuscular 1 vez ao dia, por 3 a 5 dias, como alternativa. Observação: crianças com quadro de desnutrição devem ter o primeiro atendimento em qualquer estabelecimento de saúde, devendo-se iniciar hidratação e antibioticoterapia de forma imediata, até que chegue ao hospital. Dieta: - A dieta deverá ser mantida nos indivíduos com diarreia aguda, bem como o aleitamento materno nos lactentes - Alimentos gordurosos costumam ser mais dificilmente absorvidos no contexto da diarreia aguda, devendo ser evitados. Antidiarreicos: - O MS contraindica; - Na presença de diarreia inflamatória/disenteria podem precipitar quadros de MEGACÓLON TÓXICO, PERFURAÇÃO INTESTINAL e SÍNDROME HEMOLÍTICO-URÊMICA. - Exemplos: loperamida (Imosec), salicilato de bismuto (Pepto-bismol), racecadotril (Tiorfan)... Probióticos: - Podem ser utilizados no contexto da diarreia aguda com a função de manter ou recolonizar o intestino com flora não patogênica, porém não são de uso obrigatório - Não são indicados pela OMS nem pelo MS. Mas, alguns autores e examinadores de prova consideram-no como tratamento, então podemos dizer que eles “não são indicados, mas também não são contraindicados”. - Mecanismo: - Supressão do crescimento ou ligação/invasão epitelial por bactérias patogênicas - Melhoria da função da barreira intestinal. - Modulação do sistema imunológico: induzem citocinas protetoras (como o IL-10 e TGF-beta), e suprimem citocinas pró-inflamatórias, como o TNF. - Modulação da percepção da dor: Algumas cepas de Lactobacillus parecem induzir a expressão de receptores microopióides e canabinóides nas células epiteliais intestinais e mediar funções analgésicas no intestino - O uso de probióticos em crianças com suposta doença diarreica infecciosa aguda não traz nenhum benefício. O uso de probióticos em adultos com gastroenterite infecciosa aguda não está comprovado. Antieméticos: - Apenas deve ser usado se o paciente apresentar vômitos persistentes, para garantir que consiga ingerir a solução de SRO e ser reidratado - Não são recomendados, pois podem causar sonolência e sedação e, com isso, dificultar a avaliação do estado geral do paciente, além de atrapalhar a terapia de reidratação oral. A única exceção é a ondansetrona, que não tem a sonolência como efeito colateral. Zinco: - O zinco tem importante papel na estrutura das enzimas, atua no crescimento celular e no sistema imunológico. - Seu uso pode reduzir a duração do quadro diarreico, assim como prevenir a ocorrência de novos episódios por até 3 meses, e é indicado na diarreia infecciosa em crianças de até 5 anos. - A dosagem é de 10mg/dia para os menores de 6 meses e 20mg/dia para os maiores, e deve ser mantido por 10 a 14 dias. REPOSIÇÃO HIDROELETROLÍTICA: Plano A: Plano B: - O volume indicado na gastrólise é de 20-30 ml/kg/hora Plano C: - A fase de reposição é feita apenas caso ele continue apresentando perdas pordiarreias ou vômitos. - Na fase de manutenção utiliza o soro hipotônico e na de reposição o soro isotônico image3.png image4.png image5.png image6.png image7.png image8.png image9.png image10.png image11.png image12.png image13.png image14.png image15.png image16.png image17.png image18.png image19.png image20.png image21.png image22.png image23.png image24.png image25.png image26.png image1.png image2.png