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CAPÍTULO 9 Linguagem e Pensamento Linguagem e Comunicação Níveis de Linguagem Unidades e Processos de Linguagem Fronteiras da Pesquisa Psicológica: Localização da Linguagem no Cérebro Efeitos do Contexto na Compreensão e na Produção O Desenvolvimento da Linguagem O Que É Adquirido? Processos de Aprendizagem Fatores Inatos Conceitos e Categorização: Os Blocos de Construção do Pensamento Funções e Conceitos Protótipos Hierarquias de Conceitos Diferentes Processos de Categorização Aquisição de Conceitos Bases Neurais de Conceitos e Categorização Raciocínio Raciocínio Dedutivo Raciocínio Indutivo Pensamento Imagético A Base Neural da Imaginação Operações Imagéticas Criatividade Visual Pensamento em Ação: Resolução de Problemas Estratégias de Resolução de Problemas Representação do Problema Peritos versus Principiantes Simulação de Computador Vozes Contemporâneas na Psicologia: A Linguagem Dirige o Pensamento ou o Pensamento Dirige a Linguagem? A s maiores realizações de nossaespécie se devem à nossa capaci- dade de considerar idéias complexas, comunicá-las e agir em conformidade com elas. Pensar inclui uma ampla gama de atividades mentais. Pensamos quan- do tentamos resolver um problema que nos foi apresentado em aula; pensamos quando devaneamos enquanto espera- mos que a aula inicie. Pensamos quando decidimos que mercadorias comprar, quando planejamos as férias, quando escrevemos uma carta ou quando nos preocupamos com um relacionamento perturbado. Começamos este capítulo com uma dis- cussão sobre linguagem, meio pelo qual comunicamos as idéias. Depois conside- ramos o desenvolvimento ou aquisição da linguagem. As seções restantes do capítulo discutem tópicos importantes no pensamento proposicional. Inicial- mente enfocamos os conceitos, que são os blocos de construção do pensamen- to, e discutimos seu uso na classificação de objetos; esse é o estudo dos Capítulo 9 Rita L. Atkinson, Richard C. Atkinson, Edward E. Smith, Daryl J. Bem e Susan Nolen-Hoeksema conceitos e categorização. Depois consideramos co- mo os pensamentos são organizados para se chegar a uma conclusão; esse é o estudo do raciocínio. A se- guir voltamo-nos ao modo imagético do pensamen- to, e na seção final discutimos o pensamento em ação - o estudo da resolução de problemas - e consi- deramos os usos tanto do pensamento proposicional quanto do pensamento imagético. Linguagem e Comunicação A linguagem é nosso principal meio de comunicar o pensamento. Além disso, ela é universal: toda socie- dade humana tem uma linguagem, e todo ser huma- no de inteligência normal adquire seu idioma nativo e o utiliza sem esforço. A naturalidade da linguagem às vezes nos inclina a pensar que o uso da linguagem não requer explicação especial. Nada poderia estar tão distante da verdade. Algumas pessoas são capa- zes de ler, outras não; algumas podem fazer cálculos, outras não; algumas sabem jogar xadrez, outras não. Mas quase todas as pessoas são capazes de dominar e usar um sistema lingüistico incrivelmente comple- xo. A razão para isso está entre os enigmas funda- mentais da psicologia humana. Níveis de Linguagem O uso da linguagem tem dois aspectos: produção e compreensão. Ao produzir linguagem, partimos de um pensamento, de alguma forma o traduzimos em uma oração, e terminamos com sons que expressam a oração. Na compreensão da linguagem, começa- mos ouvindo sons, atrelamos significados aos sons na forma de palavras, combinamos as palavras para criar uma oração, e depois de alguma forma extraí- mos significado dela. (Para uma discussão das re- giões cerebrais envolvidas na produção e compreen- são, veja o quadro Fronteiras da Pesquisa Psicológi- ca na página 330.) Assim, o uso da linguagem pare- ce envolver deslocamento através de diversos níveis, como mostra a Figura 9. l. No nível mais alto encon- tram-se as unidades de oração, incluindo orações e locuções. O nível seguinte é o de palavras e partes de palavras que transmitem significado (por exemplo, o prefixo "in" ou o sufixo "or"). O nível mais baixo contém os sons da fala. Níveis adjacentes estão inti- mamente relacionados: as locuções de uma oração são compostas de palavras e prefixos e sufixos, que por sua vez são construídos a partir dos sons da fala. NIDADES DE ORAÇ PALAVRAS, PREFIXOS E SUFIXOS SONS DA FALA FIGURA 9.1 Níveis de Linguagem No nível superior estão as uni- dades de oração, incluindo locuções e orações. O nível seguinte é o de palavras e partes de palavras que transmitem significado. O nível mais baixo contém sons da fala. A linguagem, portanto, é um sistema de múltiplos níveis para relacionar as idéias à fala por meio de unidades de oração e palavra (Chomsky, 1965). Existem diferenças notáveis no número de uni- dades em cada nível. Todas os idiomas têm apenas um número limitado de sons da fala; a língua inglesa tem cerca de 40 sons. Mas as regras para combinar estes sons permitem a produção e compreensão de milhares de palavras (um vocabulário de 40 mil pala- vras não é incomum para um adulto). De modo se- melhante, as regras de combinação tornam possível produzir e compreender milhões de orações (se não um número infinito delas). Assim, duas das proprie- dades básicas da linguagem são que ela se estrutura em múltiplos níveis e que ela é produtiva: as regras nos permitem combinar unidades de um nível para formar um número muito maior de unidades no nível seguinte. Todo idioma humano tem estas duas pro- priedades. Unidades e Processos de Linguagem Consideremos agora as unidades e os processos en- volvidos em cada nível de linguagem. Ao examinar- mos o material pertinente, geralmente tomamos a perspectiva de uma pessoa que compreende a lingua- gem, um ouvinte, ainda que ocasionalmente mude- mos para a perspectiva de um produtor de lingua- gem, ou falante. Sons da Fala Se você prestasse atenção apenas pa- ra os sons que alguém faz quando fala com você, o que você ouviria? Você não perceberia a fala da pes- soa como um fluxo contínuo de som, e sim como uma seqüência de fonemas, ou categorias distintas Introdução à Psicologia de Hilgard 329 de fala. Por exemplo, o som que corresponde à pri- meira letra de "bom" é um exemplo de um fonema simbolizado como /b/. (Note que embora os fonemas possam corresponder a letras, eles são sons da fala, não letras.) Em inglês, dividimos todos os sons da fa- la em cerca de 40 fonemas. Temos boa capacidade para discriminar diferen- tes sons que correspondem a diferentes fonemas em nosso idioma, mas temos pouca capacidade para dis- criminar sons diferentes que correspondem ao mes- mo fonema. Considere, por exemplo, o som da pri- meira letra em pin e o som da segunda letra em spin (Liberman, Cooper, Shankweiler e Studdert-Ken- nedy, 1967); eles são o mesmo fonema, /p/, e eles soam iguais para nós, ainda que tenham característi- cas físicas diferentes. O /p/ empin é acompanhado de um sopro de ar, mas o /p/ em spin não (experi- mente manter a mão perto da boca enquanto diz as duas palavras). Assim, nossas categorias fonêmicas atuam como filtros no sentido de converterem um fluxo contínuo de fala em uma seqüência de fonemas familiares. Todo idioma tem um conjunto diferente de fone- mas, sendo este um dos motivos pelos quais muitas vezes temos dificuldades para pronunciar palavras estrangeiras. Um idioma diferente pode usar fone- mas que não aparecem em nosso. Podemos levar cer- to tempo para sequer ouvir os novos fonemas, quan- to mais produzi-los. Por exemplo, em Hindi, os dois diferentes sons /p/ recém-descritos correspondem a dois fonemas diferentes. Um idioma diferente pode não fazer distinção entre dois sons que nossa língua trata como dois fonemas. Por exemplo, em japonês, os sons ingleses que correspondem a "r" e "l" (/r/ e /!/) são percebidos como o mesmo fonema - daí a freqüente confusão entre palavrascomo rice (arroz) e lice (piolhos). Quando os fonemas são combinados da forma correta, nós os percebemos como palavras. Cada idioma tem suas próprias regras quanto a que fone- mas podem vir depois de outros. Em inglês, por exemplo, /b/ não pode seguir /p/ em início de palavra (experimente pronunciar "pbet"). A influência destas regras se revela quando escutamos. Percebemos com maior precisão uma seqüência de fonemas cuja or- dem se conforma às regras de nosso idioma do que uma seqüência cuja ordem viola estas regras. A in- fluência de tais regras é ainda mais notável quando tomamos a perspectiva de um falante. Por exemplo, não temos dificuldade para pronunciar os plurais de palavras absurdas que nunca ouvimos antes. Consi- dere "" zuk" e "zug". Conforme uma regra simples, o plural de "zuk" é formado adicionando-se o fone- ma /s/, como em hiss. Em inglês, contudo, /s/ não po- de seguir "g" em final de palavra, e, portanto, para formar o plural de "zug" precisamos usar outra re- gra, a qual acrescenta o fonema /z/, como em fuzz. Podemos não ter consciência destas diferenças na formação de plurais, mas não temos dificuldade em produzi-los. É como se "conhecêssemos" as regras para combinação de fonemas, ainda que não tenha- mos percepção consciente delas: respeitamos regras que não sabemos verbalizar. Unidades de Palavra O que normalmente percebe- mos quando ouvimos a fala não são fonemas e sim palavras. Diferente dos fonemas, as palavras são unidades da fala que transmitem significado. Entre- tanto, elas não são as únicas unidades lingüísticas de pequeno porte que transmitem significado. Sufixos como "mente", ou prefixos como "in", também transmitem significado; eles podem ser acrescenta- dos a palavras para formar outras mais complexas com diferentes significados, como, por exemplo, quando "in" e "mente" são acrescentados a "útil" pa- ra formar "inutilmente". O termo morfema é usado para referir-se a qualquer pequena unidade lingüísti- ca que contenha significado. A maioria dos morfemas são mesmo palavras. A maioria das palavras denotam algum conteúdo espe- cífico, tais como "casa" ou "correr". Mas algumas palavras servem primordialmente para formar as ora- ções gramaticais; estas palavras gramaticais, ou mor- femas gramaticais, incluem o que comumente cha- mamos de artigos e preposições, tais como "um", "o", "em", "de" e "sobre". Alguns prefixos e sufixos também desempenham primordialmente um papel gramatical. Estes morfemas gramaticais incluem, por exemplo, os sufixos "endo" e "ei". Morfemas gramaticais e palavras de conteúdo podem ser processados de maneira diferente. Uma das evidências para isso é que existem tipos de danos cerebrais em que o uso de morfemas gramaticais é mais prejudicado do que o uso de palavras de con- texto (Zurif, 1990). Além disso, como veremos de- pois, os morfemas gramaticais não são adquiridos da mesma maneira que as palavras de contexto. O aspecto mais importante de uma palavra é, evidentemente, seu significado. Uma palavra pode ser vista como o nome de um conceito; conseqüente- Capítulo 9 Rita L. Atkinson, Richard C. Atkinson, Edward E. Smith, Daryl J. Bem e Susan Nolen-Hoeksema FRONTEIRAS DA PESQUISA PSICOLÓGICA Localização da Linguagem no Cérebro Vimos no Capítulo 2 que existem duas regiões do hemisfério esquerdo do cór- tex que são críticas para a linguagem: a área de Broca, que se localiza nos lobos frontais, e a área de Wernicke, que fica na região temporal. Danos a alguma des- tas áreas ocasionam tipos específicos de afasia. A perturbação de linguagem de um paciente com afasia de Broca é ilustrada na entrevista a seguir, na qual "E" designa o entrevistador e "P" o paciente: E: Você estava na Guarda Costeira? P: Não, quer dizer, sim, sim... navio... massachu...chusetts... Guarda Cos- teira... anos. [Levanta as mãos duas vezes com os dedos indicando "19"] E: Ah, você esteve na Guarda Costeira por 19 anos. P: É... puxa... é isso, isso mesmo. E: Por que você está no hospital? P: [Aponta para o braço paralisado] Braço não bom. [Aponta para a bo- ca] Fala... não digo... falo, entende. E: O que aconteceu que lhe fez perder a fala? P: Cabeça, cair, Meu Deus, eu não bem, derr, derr... Ah meu Deus... derrame. E: Poderia me dizer o que você tem fei- to no hospital? Claro. Eu ir, ã... fisio, nove hofas, fo- no... duas vezes., ler... es... esfreve, ã, esrev. ã, escrever... praticar... me-lho- rando. (Gardner. 1975, p. 61) A fala não tem fluência (interrompi- da e hesitante). Até as frases simples são repletas de pausas e hesitações. Isso con- trasta com a fala fluente de um paciente com afasia de Wernicke: Puxa, eu estou suando, estou terrivel- mente nervoso, sabe, de vez em quando eles me pegam. Não posso falar do tarripoi, um mês atrás, muito pouco, me saí muito bem, eu me im- ponho muito, mas, por outro lado, você me entende, tenho que me arru- mar, examinar, trebin e todo esse tipo de coisa. (Gardner, 1975, p. 68) Além da fluência, existem outras ní- tidas diferenças entre as afasias de Broca e de Wernicke. A fala de um afásico de Broca é composta principalmente de pa- lavras de conteúdo. Ela contêm poucos morfemas gramaticais e sentenças com- plexas e, em geral, tem uma qualidade te- legráfica que lembra o estágio de duas pa- lavras da aquisição da linguagem. Em contraste, a linguagem de um afásico de Wernicke preserva a sintaxe, mas é visi- velmente destituída de conteúdo. Existem nítidos problemas para encontrar a pala- vra certa, e ocasionalmente palavras são inventadas para a ocasião (como no uso de tarripoi e trebin). Estas observações sugerem que a afasia de Broca envolve um distúrbio no estágio sintático, ao pas- so que a afasia de Wernicke envolve uma perturbação em nível de palavras e con- ceitos. Estas caracterizações das duas afa- sias são apoiadas por descobertas da pes- quisa. Em um estudo que testava deficiên- cias de sintaxe, os participantes tinham que ouvir uma frase em cada ensaio e in- dicar que a haviam compreendido sele- cionando uma figura (de um conjunto) que a frase descrevia. Algumas frases po- diam ser compreendidas sem usar muito conhecimento sintático. Por exemplo, quando se diz "A bicicleta que o menino está segurando está quebrada", podemos entender que é a bicicleta que está que- brada e não o menino tão-somente a partir de nosso conhecimento das idéias envol- vidas. A compreensão de outras frases re- quer considerável análise sintática. Em "O leão que o tigre está perseguindo é gordo", precisamos da sintaxe (ordem das palavras) para determinar que é o leão que é gordo e não o tigre. Nas frases que não exigiam muita análise sintática, os afásicos de Broca saíram-se quase tão bem quanto os participantes normais, ob- tendo resultados próximos de 90% de acerto. Mas com as frases que exigiam considerável análise sintática, os afásicos de Broca caíram para o nível da adivinha- ção (por exemplo, no caso da frase sobre o leão e o tigre, eles tinham a mesma pro- babilidade de selecionar a figura de um ti- mente, seu significado é o conceito que ela nomeia. Algumas palavras são ambíguas porque nomeiam mais de um conceito. A palavra club, por exemplo, refere-se tanto a uma organização social quanto a um objeto usado para bater. Às vezes podemos estar cientes da ambigüidade de uma palavra, como ao ou- vir a frase He was interested in the club. Mas, na maioria dos casos, o contexto da frase toma o signi- ficado da palavra suficientemente claro e não senti- mos conscientemente qualquer ambigüidade - por exemplo, He wanted tojoin the club. Contudo, mes- mo nestes casos, existem evidências de que incons- cientemente consideramos ambos os significados da palavra ambígua por um breve instante. Em um ex- perimento, apresentou-se ao participante uma frase como He wanted tojoin the club*, seguida imediata- mente por umapalavra de teste que o participante ti- nha que ler em voz alta o mais rápido possível. Os participantes liam a palavra mais rapidamente se ela estivesse relacionada com algum dos significados de club (por exemplo, "grupo" ou "taco") do que se não *N. de T. "Ele queria juntar-se ao grupo". Em inglês, a palavra club possui dois significados básicos: "grupo" e "porrete, taco". Introdução à Psicologia de Hilgard gre gordo quanto a figura de um leão gor- do). Em contraste, o desempenho de afá- sicos de Wernicke não dependia das exi- gências sintáticas da frase. Assim, a afasia de Broca, mas não a de Wernicke, parece ser em parte um distúrbio de sintaxe (Ca- ramazza e Zurif, 1976). Porém, o distúr- bio não é total, pois os afásicos de Broca são capazes de lidar com certos tipos de análise sintática (Grodzinski, 1984). Outros experimentos testaram um déficit conceituai na afasia de Wernicke. Em um estudo, três palavras eram apre- sentadas de uma só vez aos participantes e estes tinham que selecionar as duas que fossem mais parecidas em termos de sig- nificado. As palavras incluíam termos re- lacionados com animais, como "cão" e "crocodilo", bem como termos humanos, tais como "mãe" e "cavaleiro". Os parti- cipantes normais usavam a distinção en- tre humanos e animais como principal critério de seleção; diante de "cão", "cro- codilo" e "cavaleiro", por exemplo, eles selecionavam as primeiras duas. Os pa- cientes de Wernicke, entretanto, ignora- vam esta distinção básica. Embora os afásicos de Broca mostrassem algumas diferenças dos normais, suas seleções ao menos respeitavam a distinção humano- animal. Uma deficiência conceituai é, portanto, mais pronunciada nos afásicos de Wernicke do que nos afásicos de Bro- ca (Zurif et ai., 1974). Além das afasias de Broca e Wer- nicke, existem inúmeros outros tipos de afasias (Benson, 1985). Uma delas é chamada de afasia de condução. Nesta condição, o afásico parece relativamente normal em testes tanto de capacidade sintática quanto de capacidade concei- tuai, mas tem sérios problemas quando solicitado a repetir uma frase falada. Uma explicação neurológica deste curio- so distúrbio é que, embora as estruturas cerebrais que mediam aspectos básicos da compreensão e produção estejam in- tactas, as conexões neurais entre estas estruturas estão danificadas. Conseqüen- temente, o paciente é capaz de com- preender o que é dito porque a área de Wernicke está intacta, e pode produzir fala fluente porque a área de Broca está intacta, mas não consegue transmitir o que foi compreendido para o centro da fala porque os elos de ligação entre as áreas estão avariados (Geschwind, 1972). Esta pesquisa pressupõe que cada ti- po de afasia é causado por dano a uma área específica do cérebro. Essa idéia po- de ser demasiado simples; na realidade, a região particular que media uma determi- nada função lingüística pode variar de uma pessoa para outra. A melhor evidên- cia para estas diferenças individuais vem de achados de neurocirurgiões que se pre- param para operar pacientes com epilep- sia incurável. O neurocirurgião precisa re- mover parte do tecido cerebral, mas pri- meiro precisa certificar-se de que este te- cido não está mediando uma função críti- ca como a linguagem. Assim, antes da ci- rurgia e enquanto o paciente está desper- to, o médico provoca pequenas descargas elétricas na área em questão e observa seus efeitos na capacidade do paciente de nomear as coisas. Se a estimulação elétri- ca perturba a nomeação do paciente, o neurocirurgião sabe que deve evitar este local durante a operação. Estes locais são de grande interesse para os estudiosos da linguagem. Em um mesmo paciente, estes locais de lingua- gem parecem ser altamente localizados. Um local de linguagem pode estar a me- nos de um centímetro em todas as dire- ções de locais onde estimulações elétricas não perturbam a linguagem. Mas - e este é o ponto crucial - pontos cerebrais dife- rentes precisam ser estimulados para per- turbar a nomeação em diferentes pacien- tes. Por exemplo, a nomeação em um pa- ciente pode ser perturbada por estimula- ção elétrica em pontos na parte frontal do cérebro, mas não por estimulação na par- te posterior do cérebro, ao passo que ou- tro paciente poderia mostrar um padrão diferente (Ojemann, 1983). Se diferentes áreas do cérebro mediam a linguagem em diferentes pessoas, presumivelmente as áreas associadas com afasias também irão variar de uma pessoa para outra. tivesse nenhuma relação com qualquer um dos signi- ficados (por exemplo, "maçã"). Isso sugere que am- bos os significado de club foram ativados durante a compreensão da frase, e que qualquer um dos signi- ficados poderia "preparar" palavras relacionadas (Swinney, 1979; Tanenhaus, Leiman e Seidenberg, 1979). Unidades de Oração Como ouvintes, geralmente não temos dificuldade em combinar palavras em uni- dades de oração, o que inclui orações, bem como lo- cuções. Uma propriedade importante destas unida- des é que elas podem corresponder a partes de um pensamento, ou proposição. Tais correspondências permitem ao ouvinte "extrair" proposições das ora- ções. Para compreender estas correspondências, pri- meiro você precisa considerar que qualquer proposi- ção pode ser dividida em um sujeito e um predicado (uma descrição). Na proposição "Audrey tem cabelo cacheado", "Audrey" é o sujeito e "tem cabelo ca- cheado" é o predicado. Na proposição "O alfaiate es- tá dormindo", "o alfaiate" é o sujeito e "está dormin- do" é o predicado. E em "Os professores trabalham arduamente", "os professores" é o sujeito e "traba- lham arduamente" é o predicado. Resulta que qual- Capítulo 9 Rita L Atkinson, Richard C. Atkinson, Edward E. Smith, Daryl J. Bem e Susan Nolen-Hoeksema quer oração pode ser dividida em locuções de tal for- ma que cada locução corresponda ao sujeito ou pre- dicado de uma proposição ou à proposição inteira. Por exemplo, intuitivamente podemos dividir a ora- ção simples "Irene vende seguros" em duas locu- ções, "Irene" e "vende seguros". A primeira locução, chamada de locução nominal porque organiza-se em torno de um nome, especifica o sujeito de uma pro- posição subjacente. A segunda locução, uma locução verbal, fornece o predicado da proposição. Para um exemplo mais complexo, considere a oração "Um estudioso sério lê livros". Esta oração pode ser divi- dida em duas locuções, a locução nominal '"estudio- so sério" e a locução verbal "lê livros". A locução nominal expressa uma proposição completa, "estu- diosos são sérios"; a locução verbal expressa (o pre- dicado) parte de outra proposição, "estudiosos lêem livros" (ver Figura 9.2). Mais uma vez, unidades de oração correspondem estreitamente a unidades de proposição, o que oferece um vínculo entre lingua- gem e pensamento. Assim, quando ouvem uma oração, as pessoas parecem primeiro dividi-la em locuções nominais, locuções verbais, etc., e depois extrair proposições destas locuções. Existem muitas evidências de que dividimos as orações em locuções e tratamos as lo- cuções como unidades, sendo que algumas das evi- dências provêm de experimentos de memória. Em um estudo, os participantes ouviram orações como "A menina pobre roubou um casaco quente". Ime- diatamente depois que cada frase foi apresentada, os participantes receberam uma palavra de teste da ora- ção e pedia-se a eles que dissessem a palavra que vi- nha depois dela. As pessoas respondiam com mais rapidez quando as palavras de teste e de resposta per- tenciam à mesma locução ("menina" e "pobre") do que quando vinham de locuções diferentes ("meni- na" e "roubou"). Assim, cada locução atua como uma unidade na memória. Quando a palavra de teste e a resposta são da mesma locução, apenas uma uni- dade precisa ser recuperada (Wilkes e Kennedy, 1969). Dividir uma oração em locuções nominais e ver- bais, e depois subdividirestas locuções em unidades menores como nomes, adjetivos e verbos, é chamado de análise sintática (a sintaxe trata das relações en- tre palavras em locuções e orações). Durante a com- preensão de uma oração, geralmente realizamos esta análise sem esforço e de maneira inconsciente. Mas às vezes nossa análise sintática não funciona e nos tornamos cônscios do processo. Considere a oração The horse racedpast the barnfeli* Muitas pessoas têm dificuldade em compreender esta frase. Por quê? Porque na primeira leitura, pressupomos que The horse é a locução nominal e raced past the barn é a locução verbal, o que não deixa lugar para a palavra fell. Para compreender corretamente a frase, temos que dividi-la de maneira diferente, para que toda a locução The horse racedpast the barn seja a locução nominal e/e// seja a locução verbal (ou seja, a frase ORAÇÃO os sérios lêem livros FIGURA 9.2 LOCUÇÕES (LOCUÇÃO NOMINAL) lêem livros (LOCUÇÃO VERBAL) PROPOSIÇÕES studiosos são sério (SUJEITO) (PREDICADO) lêem livros (PREDICADO) Locuções e Proposições O primeiro passo para extrair as proposições de uma oração complexa é decompor a oração em locuções. Esta decomposição se baseia em regras como "qualquer oração pode ser dividida em uma lo- cução nominal e em uma locução verbal". *N. de T. "O cavalo levado correndo além do estábulo caiu". Mantivemos aqui o texto original porque a tradução eliminaria a dificuldade apontada pelo autor, uma vez que esta decorre do fato de, em inglês, a forma verbal raced poder indicar tanto o pretérito quanto o particípio do verbo to race (correr). Isso não ocorre em português, onde o pretérito e o particípio nunca são idênticos (cor- reu, corrido). Somado a isso, o verbo to race também tem empre- go causativo e pode significar "fazer correr". Introdução à Psicologia de Hilgard H 333 é uma versão abreviada de The horse who was raced past the barnfell (O cavalo que foi levado correndo além do estábulo caiu) (Garrett, 1990). Efeitos do Contexto na Compreensão e na Produção A Figura 9.3 apresenta uma versão aperfeiçoada de nossa descrição da linguagem em níveis. Ela sugere que produzir uma oração é o inverso de compreender uma oração. Para compreender uma oração, ouvimos fone- mas, utilizamo-los para construir os morfemas e lo- cuções da oração, e finalmente extraímos a proposi- ção da unidade de oração. Trabalhamos de baixo pa- ra cima. Para produzir uma oração, tomamos o senti- do oposto: começamos com um pensamento propo- sicional, traduzimo-lo nas locuções e morfemas da oração, e finalmente traduzimos estes morfemas em fonemas. Embora essa análise descreva parte do que ocor- re na compreensão e na produção de orações, ela é demasiado simplificada porque não considera o con- texto no qual ocorre o processamento da linguagem. Muitas vezes o contexto torna previsível o que está prestes a ser dito. Depois de entender apenas algu- mas palavras, tiramos conclusões sobre o que acha- mos que significa a oração inteira (as proposições por trás dela), e depois utilizamos nossas suposições sobre as proposições como auxílio para compreender SI <t 3 § UNIDADES DE ORAÇÃO (locuções, orações) MORFEMAS (palavras, prefixos e sufixos) m § g FONEMAS oc (sons da fala) O3) FIGURA 9.3 Níveis de Compreensão e Produção de Orações Ao produzir uma oração, traduzimos um pensamento pro- posicional nas locuções e morfemas de uma oração e traduzimos estes morfemas em fonemas. Ao com- preender uma oração, tomamos o sentido oposto - usamos os fonemas para construir os morfemas e lo- cuções de uma oração e destas unidades extraímos as proposições subjacentes. o resto da oração. Nestes casos, a compreensão ocor- re do nível mais alto para baixo bem como do nível mais baixo para cima (Adams e Collins, 1979). Na verdade, existem casos em que a compreen- são da linguagem é quase impossível sem algum con- texto. Para exemplificar, leia o seguinte parágrafo: O procedimento é na verdade muito simples. Pri- meiro organizam-se as coisas em grupos separa- dos. É claro que uma pilha pode ser suficiente, de- pendendo do quanto há para fazer. Se você tem que se deslocar por falta de equipamento, esse é o pró- ximo passo; se não, você está pronto para começar. É importante não exagerar. Ou seja, é melhor fazer poucas coisas de uma vez do que fazer coisas de- mais. A curto prazo isso pode não parecer impor- tante, mas as complicações surgem com facilidade. Um erro pode custar caro. A princípio a tarefa irá parecer complicada, mas em pouco tempo ela irá tornar-se apenas mais uma faceta da vida. (Segun- do Bransford e Johnson, 1973) Ao ler o parágrafo, você sem dúvida terá dificul- dade para entender exatamente do que se trata. Mas dado o contexto de "lavar roupa", podemos usar nos- so conhecimento sobre lavagem de roupas para inter- pretar todas as partes enigmáticas do texto. O "pro- cedimento" mencionado na primeira oração é o de "lavar roupas"; as "coisas" mencionadas na segunda oração são "roupas"; os "diferentes grupos" são "grupos de roupas de diferentes cores"; e assim por diante. Ao reler o parágrafo, você deve entendê-lo perfeitamente. Mas talvez a parte mais evidente do contexto se- ja a outra pessoa (ou pessoas) com as quais estamos nos comunicando. Ao compreender uma oração, não basta compreender seus fonemas, morfemas e locu- ções; precisamos compreender também a intenção do falante ao expressar aquela oração particular. Por exemplo, se durante o jantar alguém lhe diz, "Você poderia me passar as batatas?", normalmente você supõe que a intenção do falante ao dizer esta frase não era descobrir se você é fisicamente capaz de er- guer as batatas, e sim induzi-lo a realmente passar- lhe as batatas. Mas se o braço dele estivesse em uma tipóia, diante da mesma pergunta você poderia supor que a intenção do falante era descobrir sua capacida- de física. Em ambos os casos, a oração (e proposi- ção) é a mesma; o que muda é a intenção do falante ao verbalizar a frase (Grice, 1975). Existem muitas evidências de que as pessoas determinam a intenção do falante como parte do processo de compreensão (Clark, 1984). Capítulo 9 Rita L. Atkinson, Richard C. Atkinson, Edward E. Smith, Datyl J. Bem e Susan Nolen-Hoeksema A produção de linguagem depende do contexto. Você provavelmente usaria linguagem diferente ao dar instru- ções a um grupo de turistas e ao dizer a um vizinho onde fica um determinado restaurante ou loja. Existem efeitos semelhantes na produção da lin- guagem. Se alguém lhe pergunta, "Onde fica o Em- pire State Building?", você irá responder de modo diferente conforme o contexto específico e as supo- sições que fizer sobre a pessoa que fez a pergunta. Se a pergunta fosse feita em Detroit, por exemplo, a res- posta poderia ser "Em Nova York"; se ela fosse feita no Brooklyn, você poderia dizer "Perto de Midtown Manhattan"; e se a pergunta fosse feita em Manhat- tan, você poderia dizer "Na Rua 34". Ao falar, assim como ao compreender, precisamos determinar como o que foi dito se encaixa no contexto. O Desenvolvimento da Linguagem Nossa discussão sobre linguagem deveria indicar a imensidão da tarefa confrontada pelas crianças. Elas precisam dominar todos os níveis de linguagem - não apenas os sons corretos da fala. mas também co- mo estes sons se combinam em milhares de palavras e como estas palavras podem ser combinadas em orações para expressar idéias. É incrível que pratica- mente todas as crianças de todas as culturas realizem tanto em apenas quatro a cinco anos. Primeiramente discutiremos o que é adquirido em cada nível de lin- guagem e depois consideraremos como isso é adqui- rido - especificamente, os papéis desempenhados pela aprendizagem e por fatores inatos. O Que É Adquirido? O desenvolvimento ocorre em todos os três níveis de linguagem. Ele começa no nível dos fonemas, avan-ça para o nível das palavras e outros morfemas, e de- pois continua para o nível das unidades de oração, ou sintaxe. No texto a seguir, adotamos uma perspectiva cronológica, traçando o desenvolvimento da criança tanto na compreensão quanto na produção da lingua- gem. Fonemas e Combinações de Fonemas Vimos que ouvintes adultos têm boa capacidade para discrimi- nar diferentes sons que correspondem a diferentes fonemas em seu idioma, mas pouca capacidade para discriminar sons diferentes que correspondem ao mesmo fonema em seu idioma. Notavelmente, as crianças vêm ao mundo com capacidade para dife- Introdução à Psicologia de Hilgard renciar diferentes sons que correspondem a diferen- tes fonemas em qualquer língua. O que muda duran- te o primeiro ano de vida é que os bebês aprendem que fonemas interessam para seu próprio idioma e perdem sua capacidade de diferenciar sons que cor- respondem ao mesmo fonema em seu idioma. (Es- sencialmente, eles perdem a capacidade de fazer dis- tinções que lhes serão inúteis para compreender e produzir seu idioma.) Esses fatos notáveis foram de- terminados através de experimentos em que se apre- sentaram aos bebês pares de sons em seqüência en- quanto sugavam chupeta. Como os bebês sugam mais em resposta a um novo estímulo do que em res- posta a um estímulo conhecido, a taxa de sucção das chupetas pode ser usada para saber se eles percebem dois sons sucessivos como iguais ou diferentes. Be- bês com seis meses de idade sugam com mais rapi- dez quando os sons sucessivos correspondem a dife- rentes fonemas em qualquer idioma, ao passo que bebês de um ano de idade sugam com mais rapidez somente quando os sons sucessivos correspondem a diferentes fonemas em seu próprio idioma. Assim, um bebê japonês de seis meses de idade é capaz de distinguir /!/ de /r/, mas perde esta capacidade ao fi- nal do primeiro ano de vida (Eimas, 1985). Embora no primeiro ano de vida as crianças aprendam quais fonemas são relevantes para seu idioma, elas levam vários anos para aprender como os fonemas podem ser combinados para formar pala- vras. Quando as crianças começam a falar, ocasio- nalmente produzem palavras impossíveis como "dlumber" para lumber (madeira). Elas ainda não sa- bem que, em inglês, um /!/ não pode seguir um /d/ em início de palavra. Mas aos quatro anos as crian- ças já aprenderam a maior parte do que precisam sa- ber sobre combinações de fonemas. Palavras e Conceitos Com cerca de um ano de idade, as crianças começam a falar. Crianças de um ano já têm conceitos para muitas coisas (incluindo pessoas da família, animais de estimação, comida, brinquedos e partes do corpo), e quando começam a falar, elas estão associando estes conceitos a pala- vras usadas pelos adultos. O vocabulário inicial é aproximadamente o mesmo para todas as crianças. Crianças de um a dois anos de idade falam princi- palmente sobre pessoas ("papai", mamãe", "nenê"), animais ("cão", "gato", "pato"), veículos ("carro", caminhão", "barco"), brinquedos ("bola", "livro"), comida ("suco", "leite", "bolacha"), partes do corpo ("olho", "nariz", "boca"), e objetos domésticos ("chapéu", "meia", "colher"). Embora estas palavras nomeiem alguns dos con- ceitos da criança pequena, elas absolutamente não nomeiam todos eles. Conseqüentemente, as crianças pequenas muitas vezes têm uma lacuna entre as idéias que desejam comunicar e as palavras que têm à disposição. Para preencher esta lacuna, as crianças de um a dois anos e meio generalizam suas pala- vras; ou seja, elas aplicam palavras a idéias vizi- nhas. Por exemplo, uma criança de dois anos usa a palavra doggie (cãozinho) para gatos c vacas além de cães. (A criança conhece o significado da palavra: se lhe apresentarmos fotografias de diversos animais e lhe pedirmos para pegar a do cãozinho, a criança faz a escolha correta.) Esse tipo de generalização come- ça a desaparecer aproximadamente aos dois anos e meio, presumivelmente porque o vocabulário da criança começa a aumentar apreciavelmente, deste modo preenchendo muitas das lacunas (Clark, 1983; Rescorla, 1980). A partir de então, o desenvolvimento do vocabu- lário da criança praticamente explode. Com um ano e meio, uma criança pode ter um vocabulário de 25 palavras; aos seis anos, seu vocabulário está em tor- no de 15 mil palavras. Para realizar este incrível cres- cimento, as crianças precisam aprender novas pala- vras a uma taxa de quase 10 por dia (Miller e Gildea, 1987; Templin, 1957). As crianças parecem estar ajustadas ao aprendizado de novas palavras. Quando ouvem uma palavra que não conhecem, elas podem supor que ela se associa a uma de suas idéias ainda Crianças entre 18 e 30 meses de idade aprendem a combinar palavras em locuções e orações. Capítulo 9 Rita L. Atkinson, Richard C. Atkinson, Edward E. Smith, Daryl J. Bem e Susan Nolen-Hoeksema não-rotuladas, e utilizam o contexto em que a pala- vra foi falada para encontrar tal idéia (Clark, 1983; Markman, 1987). De Orações Primitivas a Orações Complexas En- tre as idades de um ano e meio e dois anos e meio, a aquisição de unidades de locução e oração, ou sinta- xe, inicia-se. As crianças começam a combinar pala- vras isoladas em expressões de duas palavras, como "Lá vaca" (na qual a proposição subjacente é "Lá es- tá a vaca"), "Bicicleta Jimmy" ("Aquela é a bicicleta do Jimmy"), ou "Toalha cama" (A Toalha está sobre a cama"). Existe uma qualidade telegráfica nesta fa- la de duas palavras. A criança deixa de fora as pala- vras gramaticais (tais como "um", "o" e "está"), bem como outros morfemas gramaticais (tais como os su- fixos "ando, endo, indo", eu, eram, etc.) e introduz apenas as palavras que possuem o conteúdo mais im- portante. Apesar de sua brevidade, estas verbaliza- ções expressam a maior parte das intenções básicas dos falantes, tais como localizar objetos e descrever eventos e ações. As crianças progridem rapidamente de verbali- zações de duas palavras para orações mais comple- xas que expressam proposições com maior precisão. Assim, "Papai chapéu" pode transformar-se em "Pa- pai vestir chapéu" e finalmente "Papai está vestindo o chapéu". Estas expansões da locução verbal pare- cem ser as primeiras construções complexas que ocorrem na linguagem das crianças. O passo seguin- te é o uso de conjunções como "e" e "então" para formar orações complexas ("Você brinca com a bo- neca e eu brinco com os blocos") e o uso de morfe- mas gramaticais, tais como as terminações "eu", "iu" e "eram" do passado. A seqüência do desenvolvi- mento da linguagem é notavelmente semelhante pa- ra todas as crianças. Processos de Aprendizagem Como as crianças adquirem a linguagem? A aprendi- zagem evidentemente deve desempenhar um papel; é por isso que crianças criadas em lares onde se fala inglês aprendem inglês e crianças que cresceram em lares onde se fala francês aprendem francês. Fatores inatos também devem ter um papel; é por isso que todas as crianças de um lar aprendem a linguagem, mas os animais de estimação não (Gleitman, 1986). Nesta seção discutimos a aprendizagem; fatores ina- tos são considerados na seção seguinte. Em ambas as discussões enfatizamos as unidades de oração e sin- taxe, pois é neste nível de linguagem que as impor- tantes questões sobre aquisição de linguagem são ilustradas mais claramente. Imitação e Condicionamento Uma possibilidade é que as crianças aprendem a linguagem imitando os adultos. Embora a imitação desempenhe algum papel na aprendizagem de palavras (um dos pais aponta pa- ra o telefone, diz "telefone" e a criança tenta repetir a palavra), ela não pode ser o principal meio pelo qual as crianças aprendem a produzir e compreender sen- tenças. Crianças pequenas constantemente verbalizam orações que nunca ouviram um adulto dizer, tais como "Todo leite acabou". Mesmo quando crianças no está- gio de duas palavras no desenvolvimento da lingua- gemtentam imitar sentenças maiores (por exemplo, "O Sr. Miller irá tentar"), elas produzem suas costu- meiras frases telegráficas ("Miller tentar"). Além dis- so, os erros que as crianças cometem (por exemplo, "Eu consego") sugerem que elas estão tentando apli- car regras, não apenas tentando copiar o que ouviram os adultos dizerem (Ervin-Tripp, 1964). Uma segunda possibilidade é que as crianças ad- quirem a linguagem através de condicionamento. Os adultos podem recompensar as crianças quando estas produzem uma sentença gramatical e repreendê-las quando cometem erros. Para que isso funcione, os pais teriam que responder a todos os detalhes na fala das crianças. Contudo, Brown, Cazden e Bellugi (1969) constataram que os pais não prestam atenção em como a criança diz alguma coisa contanto que o que foi dito seja compreensível. Além disso, tentati- vas de corrigir uma criança (e, portanto, aplicar con- dicionamento) muitas vezes são fúteis. Considere um exemplo: Criança: Ninguém não gostam de mim. Mãe: Não, diga "Ninguém gosta de mim". Criança: Ninguém não gostam de mim. Mãe: Não, ouça com atenção; diga "ninguém gosta de mim". Criança: Ah! Ninguém não GOSTA de mim. (McNeill, 1966, p. 49 - adaptado) Verificação de Hipóteses O problema da imitação e do condicionamento é que eles focalizam verbali- zações específicas. Contudo, as crianças muitas ve- zes aprendem algo geral, tal como uma regra; elas parecem formar uma hipóteses sobre uma regra de linguagem, testando-a, e retendo-a se ela funcionar. Introdução à Psicologia de Hilgard 337 Considere o morfema "ed". Como regra geral em inglês, "ed" é acrescentado ao tempo presente dos verbos para formar o pretérito (como em cook- cooked). Muitos verbos comuns, entretanto, são irre- gulares e não seguem esta regra (go-went, break-bro- ke). Muitos destes verbos irregulares expressam con- ceitos que as crianças usam desde o início. Assim, desde cedo, as crianças usam o pretérito de alguns verbos irregulares corretamente (presumivelmente porque os aprenderam por imitação). Depois elas aprendem o pretérito para alguns verbos regulares e descobrem a hipótese "adicione 'ed' ao presente pa- ra formar o pretérito". Esta hipótese as leva a acres- centar a terminação "ed" a muitos verbos, inclusive verbos irregulares. Elas dizem coisas como Annie goed home e Jackie breaked the cup, as quais nunca ouviram antes. Com o tempo elas aprendem que al- guns verbos são irregulares e param de fazer genera- lizações excessivas com o uso do "ed". Como as crianças produzem estas hipóteses? Existem alguns princípios de operação que todas as crianças usam como guia para a formação de hipóte- ses. Um é prestar atenção à terminação das palavras. Outro é procurar prefixos e sufixos que indicam uma mudança de significado. Uma criança munida destes dois princípios tem chance de chegar à hipótese de que "ed" ao final dos verbos indica o pretérito, já que o "ed" é uma terminação de palavra associada a uma mudança de significado. Um terceiro princípio de operação é evitar exceções, o que explica porque as crianças inicialmente generalizam sua hipótese de "ed"-equivale-ao-pretérito a verbos irregulares. Al- guns destes princípios aparecem na Tabela 9. l, e eles parecem se aplicar a todos os 40 idiomas estudados por Slobin (1985; 1971). Em anos recentes, questionou-se a idéia de que a aprendizagem de um idioma envolve o aprendizado de regras. Alguns pesquisadores argumentam que o simples fato de que um padrão regular é generaliza- do em demasia não garante que estes erros sejam causados por seguir a regra. Marcus (1996), por exemplo, acredita que a gramática das crianças se es- trutura de maneira semelhante a dos adultos. Mas co- mo as crianças tiveram menos contato com as formas corretas, suas lembranças de formas irregulares co- mo broke são mais fracas. Sempre que não conse- guem recordar-se de uma dessas formas, elas acres- centam "ed", produzindo uma generalização excessi- va. Outros pesquisadores argumentaram que o que parece ser um caso de aprendizado de uma única re- gra pode na verdade ser um caso de aprendizado de TABELA 9.1 Princípios de Operação Usados por Crianças Pe- quenas Crianças de muitos países parecem seguir estes princípios ao aprenderem a falar e compreender a fala. (Segundo Slobin, 1971) 1. Procurar mudanças sistemáticas na forma das pala- vras. 2. Procurar por indicadores gramaticais que mostrem claramente mudanças de significado. 3. Evitar exceções. 4. Prestar atenção à terminação das palavras. 5. Prestar atenção à ordem das palavras, prefixos e su- fixos. 6. Evitar a interrupção ou a reorganização dos elemen- tos constituintes (ou seja, unidades de oração). inúmeras associações. Considere novamente uma criança aprendendo o pretérito em inglês. Ao invés de aprender uma regra sobre o acréscimo de "cd" ao tempo presente de um verbo, talvez as crianças este- jam aprendendo associações entre a terminação "ed" do pretérito e diversas propriedades fonéticas dos verbos que podem ir com "ed". As propriedades fo- néticas de um verbo incluem propriedades de sons que constituem o verbo, tais como se ele contém um som de "alk" no final. Assim, uma criança pode in- conscientemente aprender que verbos que contêm o som "alk" no final - tais como talk, walk e stalk - tem probabilidade de levar "ed" como terminação para o pretérito. Na verdade, demonstrou-se que isso explica alguns aspectos da aprendizagem de termi- nações verbais, inclusive a descoberta de que em al- gum ponto do desenvolvimento as crianças acrescen- tam a terminação "ed" até mesmo a verbos irregula- res (Rumelhart e McClelland, 1987). Entretanto, outros aspectos do aprendizado de terminações verbais não podem ser explicados em termos de associações entre os sons. Por exemplo, a palavra break e a palavra brake (com o significado de frear um carro) têm exatamente o mesmo som, mas o pretérito daquela é broke, ao passo que desta é braked. Portanto, a criança deve aprender algo além das conexões sonoras. Esse conhecimento adicional parece mais bem expresso em termos de regras (por exemplo, "se um verbo origina-se de um substanti- vos - como no caso de brake - sempre acrescente 'ed' para formar o pretérito"). A aprendizagem da linguagem, portanto, parece envolver regras, bem como associações (Pinker, 1991; Pinker e Prince, 1988).
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