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Resenha do livro: Modernidade Líquida Autora: Ana Fátima de Brito* Referência bibliográfica: BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. 258p. Resumo: Este trabalho é uma resenha do clássico livro de ZYGMUNT BAUMAN, filósofo polonês, cuja obra é Modernidade Líquida. Através desta resenha é possível analisar e refletir sobre as mudanças que a sociedade moderna atravessa desde o individualismo até as relações de trabalho, família e comunidade, onde o tempo e o espaço deixam de serem concretos e absolutos para serem líquidos e relativos. Palavras-chaves: Modernidade, Individualidade, Trabalho, Comunidade, Emancipação. 1. Contextualização Zygmunt Bauman é um sociólogo polonês nascido em 1925, que iniciou carreira na Universidade de Varsóvia. Publicou mais de quarenta livros, entre os quais Modernidade Líquida, a obra escolhida para este resumo crítico. Modernidade Líquida foi publicada próximo ao ano 2000, na propalada virada do século, sendo efetivamente lançado em 2001. Naquela época o mundo estava em pânico, pois havia diversas previsões de panes tecnológicos em programas e computadores espalhados pelo mundo, o famoso “bug do milênio”, ou seja, as máquinas e aplicativos computacionais estavam escritos e preparados para executar até 1999, o que exigia muitas adaptações para que não houvesse um caos tecnológico nos diversos setores e segmento da vida moderna. Antes disso, durante a década de 1990, haviam ocorrido crises econômicas creditadas à globalização crescente, além de guerras como a do Golfo e nos Bálcãs. A Internet disseminava um conceito de universo social, criando tribos sociais que iam desde o consumismo desenfreado até a militância de causas ambientalistas. O título da obra decorre da modernidade da sociedade que avança em vários sentidos, porém, questionável em suas atitudes e o seu contexto enquanto sociedade. A liquidez, a qual Bauman propõe vem do fato que os líquidos não têm uma forma, ou seja, são fluídos que se moldam conforme o recipiente nos quais estão contidos, diferentemente dos sólidos que são rígidos e precisam sofrer uma tensão de forças para moldar-se a novas formas. Os fluídos movem-se facilmente, quer dizer: simplesmente “fluem”, “escorrem entre os dedos”, “transbordam”, “vazam”, “preenchem vazios com leveza e fluidez”. Muitas vezes não são facilmente contidos, como por exemplo, em uma hidrelétrica ou num túnel de metrô, lugar que se pode observar as goteiras, as rachaduras ou uma pequena gota numa fenda mínima. Os líquidos penetram nos lugares, nas pessoas, contornam o todo, vão e vem ao sabor das ondas do mar. A obra dedica-se a análise dessa liquidez que permeia cinco tópicos básicos: a emancipação, a individualidade, o tempo e espaço, o trabalho e a comunidade. 2. Tempo e Espaço No primeiro momento do livro é analisada a comunidade, que nos remete a um passado longínquo, ou melhor, a um resquício de utopia sobre um bem viver em harmonia entre os vizinhos e os demais que nos circundam, seguindo as melhores regras de convívio. No que tange a cidade, é um ajuntamento de pessoas estranhas umas as outras, que não tiveram nenhuma afinidade prévia e provavelmente nunca terão. Neste ponto, a obra relata que novamente há uma oportunidade de consumo imediato, sem compromisso com o outro individuo, é como uma espécie de máscara pública que usamos para viver em uma cidade, o que seria a essência da civilidade, que permite o engajamento e a participação pública sem a exposição do verdadeiro “eu”. A cidade como um espaço onde as pessoas podem compartilhar, sem serem pressionadas ou induzidas a retirar a tal máscara. A ideia que Bauman transpassa mais uma vez, é que, quando o consumidor ou comprador vai às compras, é como uma viagem no espaço e, secundariamente, viagem no tempo. Os espaços seriam lugares que se atribuem significados, sejam eles de consumo, de vivência, ou outro lugar no qual as pessoas lhe atribuam algum valor. Já os espaços vazios são justamente o contrário, onde não há um significado atribuído aos mesmos. É colocada no texto a passagem “é uma patologia do espaço público que resulta numa patologia da política: o esvaziamento e a decadência da arte do diálogo e da negociação, e a substituição do engajamento e mútuo comprometimento pelas técnicas do desvio e evasão”. Nota-se aqui a antiga recomendação dos pais e avôs para os netinhos: não fale com estranhos, mantenha distância de quem você não conhece, ele podem fazer mal e sequestrá- lo. Talvez uma analise psicológica mais profunda explicaria a eterna fuga do debate e da negociação entre as pessoas. Uma definição simplista do “espaço” seria o que se pode percorrer em certo tempo e que o “tempo” seria o que se precisa para percorrê-lo. Há muita discussão sobre a definição exata do espaço e tempo, haja vista, inúmeros debates entre físicos, matemáticos e ciências “duras” ou mesmo a filosofia, contribuindo com suas reflexões. A modernidade é delineada em um tempo e este tempo tem uma história associada. O tempo e espaço deveriam ser emancipados de seus grilhões estanques e sólidos, neste mundo fluido, o espaço fica maior com máquinas mais velozes, com invenções e desenvolvimento de tecnologias, e a cada vez cabe mais coisas dentro do tempo, com eventos simultâneos, rápidos, conjugados e assim ampliando também o espaço. Na modernidade pesada, a riqueza e o poder dependem do tamanho e qualidade do hardware que são lentos e complexos no movimento, em antítese a modernidade leve. Fluem com os sistemas simbolizados no software, com as pessoas dispersas desenvolvendo capital intelectual e interligando as tecnologias, pessoas, objetos, espaços e tempo. Porém, a rapidez do software no tempo desvaloriza a idéia de espaço, aquele espaço físico onde as pessoas se reuniam, trabalhavam e conviviam. Adicionalmente, poderia ser considerada a criação do espaço virtual que se desenvolveu no início do século XXI depois da publicação de Modernidade Líquida, como os “avatares”, a fazenda virtual do Facebook e assim por diante. A urgência de ir a algum lugar cede ao espaço virtual, no qual podemos ir a qualquer lugar no momento que assim desejar. O poder líquido está em quem pode se liquefazer, ou seja, quem é livre para tomar decisões, ocupa mais espaço e livre para movimentar-se quase de modo imperceptível. A administração no capitalismo leve consiste em manter a mão-de-obra afastada do espaço ou mesmo forçá-la a sair, onde a era do software não mais prende e permite a liberdade de movimento, volátil e inconstante, por sua dinâmica de desenvolvimento em qualquer espaço e tempo ao redor do mundo. A vida instantânea parece uma viagem infinita com múltiplas possibilidades a serem realizadas numa fração de tempo e na miniaturização dos componentes para caberem mais em menos. Costuma-se dizer que o dia deveria ter mais que 24 horas para fazer tudo que seria “necessário”. Atualmente as pessoas já ecoam que será preciso mais de uma vida para realizar e obter o que desejam. O amanhã é tão efêmero e irreal, que é utilizado inclusive para passar credibilidade e esperança para as pessoas, numa realização que talvez nunca se concretize. O homem foi sustentado por dois pilares, entre o passado e o futuro construindo uma ponte entre a durabilidade e transitoriedade, mas viver numa modernidade líquida implica em assumir responsabilidades e viver o momento, o instantâneo em seu tempo e espaço únicos. 3. Trabalho O capítulo sobre trabalho começa a ideia que para dominar o futuro é preciso ter os pés bem plantados no presente, porque o indivíduo que tem o poder sobre o presente pode expandir-se no futuro e até mesmo declinar do passado. Vale lembrar que, os grandes impérios da antiguidade como o romano, por exemplo, declinou décadas mais tardee não se perpetuou no poder, apesar da hegemonia gloriosa do passado que um dia foi o presente. A questão proposta pelo autor é a do progresso que se sustenta na autoconfiança em si mesmo e no desenvolvimento. O estágio da modernidade líquida no qual o progresso está inserido não é mais considerada uma medida temporária ou transitória que conduz a realização duradoura do bem-estar e viver, mas sim um desafio e uma necessidade perpétua e, quiçá, infindável de permanecer vivo e bem. Como o tempo é escasso e instantâneo, o progresso precisa ser consumido e usufruído com rapidez, que o momento exige, antes mesmo que o outro progresso se faça perceber. Numa vida guiada pelo preceito da flexibilidade, as estratégias e planos de vida só podem ser de curto prazo, tal preposição colocada por Bauman merece um contra-ponto, se o que há são planos de curto prazo, então qual seria a razão de dedicar-se anos a fio aos estudos, por exemplo, sem um objetivo maior que é ser doutor em medicina neurológica, ou mesmo as empresas fazerem planos estratégicos considerados de longo prazo, que estão em torno de cinco a dez anos, se não houvesse tempos além do curto prazo. A simplificação pura do tempo instantâneo e fugaz, talvez não devesse simplesmente expandir em quaisquer direções. A relação do trabalho onde o individuo tem se movimentado do estado sólido, com planejamentos de longo prazo, como trabalhar por anos a fio numa mesma empresa, até sua aposentadoria, cede lugar ao movimento curto, no qual o trabalhador articula e planeja algo em torno de dois movimentos futuros e deixa o sistema fluir. O termo “remendar” proposto pelo autor talvez seja mais apropriado nessa nova relação de trabalho, na qual o plano em longo prazo é substituído pelo curto prazo e é necessário fazer ajustes na engrenagem com a máquina em movimento. A ascensão do trabalho ocorreu quando o individuo descobriu que o trabalho era uma fonte de riqueza, assim a razão tinha que buscar utilizar e explorar essa fonte de modo mais eficiente. No capitalismo pesado, a relação entre o trabalho e a empresa, ou melhor, o capital que deveria ser atado, de tal forma que caminhasse junto e o sistema, não propiciasse a emancipação do individuo. Ele ficaria atrelado e subjugado aos desejos e ordens de outrem e o tempo seria considerado de longo prazo. No capitalismo leve há a nova mentalidade que prega o curto prazo e os interesses do individuo não atrelados necessariamente do capital. A flexibilidade de ir e vir, o espaço virtual, a mobilidade de transitar por outras esferas apregoa que a vida no trabalho está sujeita a incertezas, o qual gera uma força individualizadora. Há uma fragilidade que permeia as relações no trabalho, um desengajamento unilateral. Entretanto, poderia ser acrescentado o aspecto bilateral, onde as partes envolvidas perseguem seus próprios objetivos e interesse independente, ou seja, o individuo e a empresa são entes independentes. Os antigos funcionários cedem lugar aos colaboradores que tem menor laço com a empresa, na medida em que a relação de comprometimento no longo prazo se exígua. Os interesses das empresas e dos indivíduos não ficam claros para nenhuma das partes e assim para evitar uma frustração futura tendem a desconfiar de qualquer lealdade em relação ao local de trabalho ou projetos futuros. A procrastinação é o ato de adiar uma ação, neste sentido ela tem uma tendência a romper qualquer limite de tempo e a estender-se indefinidamente. A satisfação por sua vez fica relegada ao adiamento como uma provação simples e pura, uma problemática que sinaliza certo desarranjo social e/ou inadequação pessoal. No fundo o trabalho na modernidade leve, condensa as incertezas quanto ao futuro e ao planejamento a longo prazo, a insegurança estabelecida nas relações e a falta de garantias entre as partes. No mundo do desemprego estrutural ninguém se sente suficientemente seguro ou amparado, ou seja, a flexibilidade é o termo que rege os novos tempos. Assim a satisfação instantânea é perseguida, ao contrário do adiamento da mesma, uma oportunidade não aproveitada é uma oportunidade perdida. Não obstante, a satisfação instantânea é a única maneira de sufocar o sentimento de insegurança, recolocada aqui, não a única, mas sim uma das formas para dominar o sentimento de insegurança, haja vista, que existem outros subterfúgios a serem aplicados no campo da psicologia com esse intuito. *Mestranda em Administração de Empresas na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. Formação acadêmica: formada em Ciências Contábeis (UFMG), com pós-graduações em Auditoria (UFMG) e Administração industrial (USP), trabalha como auditora em uma instituição financeira. BRITO, Ana Fátima de; Resenha do livro: Modernidade Líquida. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 90, jul 2011. Disponível em: <http://www.ambito- juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9917&revista_caderno=23>. Acesso em set 2015.
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