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Questões de Direito Penal (Crimes contra Vida)

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1. DELIMITAÇÃO DA TEMÁTICA
              
A Parte Especial do CP inicia com a regulação dos crimes contra a pessoa - Título I, que se subdivide nos seguintes capítulos: I – dos crimes contra a vida; II – das lesões corporais; III – da periclitação da vida e da saúde; IV – da rixa; V – dos crimes contra a honra; VI – dos crimes contra a liberdade individual. O último capítulo se subdivide nas seguintes seções: I – dos crimes contra a liberdade pessoal; II – dos crimes contra a inviolabilidade do domicílio; III – dos crimes contra a inviolabilidade de correspondência; IV – dos crimes contra a inviolabilidade dos segredos.
                       
Consoante já frisado, o CP procura agrupar os tipos penais de acordo com o bem jurídico protegido. Isso se percebe nitidamente em suas subdivisões. Os tipos não estão organizados, portanto, de forma aleatória, mas sim em uma ordem sistêmica. E, ainda, a opção do legislador de iniciar a Parte Especial do CP com a defesa da pessoa revela a importância e prioridade que deve ter a proteção do ser humano, em seu aspecto físico e moral.
                       
A proteção da vida pela norma penal inaugura a Parte Especial.
                        
Os crimes desse gênero são os seguintes: a) homicídio; b) induzimento, instigação ou auxílio a suicídio; c) infanticídio; e d) aborto.
                       
A vida protegida no capítulo I em epígrafe é tanto na sua forma intra-uterina (considerando que o nascituro é protegido pela norma penal, visto a previsão legal do crime de aborto) quanto extra-uterina (existente a partir do parto).  
2. HOMICÍDIO
                        
Está previsto no art. 121 do CP. Pode ser: a) doloso simples (caput); b) doloso privilegiado (§ 1º); c) doloso qualificado (§ 2º); ou d) culposo (§ 3º).
                        “Homicídio é a morte de um homem provocada por outro homem. É a eliminação da vida de uma pessoa praticada por outra” (CAPEZ, 2006, v. 2, p. 3).                    
Fala-se aqui, por evidente, da vida extra-uterina, ou melhor, da vida existente a partir do início do parto, mesmo que ainda abrigada no útero materno.
2.1. Homicídio simples
                       
Descreve o artigo 121, caput, do CP o seguinte comportamento proibido:
     
                        Art. 121. Matar alguém:
                        Pena – reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.
                     
Vale lembrar que a forma simples é o ponto de partida para compreensão das formas privilegiadas, qualificadas e culposas de um determinado crime.
                      
Queremos dizer que a interpretação dos tipos derivados depende da análise do tipo básico ao qual são vinculados. Isso ocorre de maneira cristalina no caso do homicídio. Não tem como, por exemplo, estudar o crime de homicídio qualificado (art. 121, § 2º, do CP) sem antes conhecer os elementos do homicídio simples, visto que aquele é uma derivação deste; ou seja, o homicídio qualificado possui os mesmos elementos do homicídio simples, diferenciando-se apenas pela presença de circunstância qualificadora.
2.2. Objeto jurídico (objetividade jurídica – bem jurídico protegido)
                        O objeto jurídico protegido no crime de homicídio é a vida. Melhor especificando, a vida existente a partir do início do parto. Isto porque se o crime for voltado a tirar a vida do nascituro, antes do início do parto, tratar-se-á de crime de aborto.
                        Nesse particular, necessário investigar o momento em que se inicia a vida protegida pelo tipo em evidência (art. 121 do CP).
                        A doutrina se inclina à percepção de que a vida protegida pelo tipo penal do homicídio começa com o início do parto (CUNHA, 2008, v.3, p. 17)[1]. Abandona-se por esta posição a defesa de que a vida protegida no delito de homicídio (ou infanticídio) somente surge com a respiração[2] do recém-nascido.
                       Quanto ao fim da vida, tal fenômeno ocorre com a morte encefálica, que consiste no “Estado irreversível de cessação de todo o encéfalo e funções neurais, resultante de edema e maciça destruição dos tecidos encefálicos, apesar da atividade cardiopulmonar poder ser mantida por avançados sistemas de suporte vital e mecanismos de ventilação” [3].
                        Em derradeiro, cabe consignar que o direito pátrio não distingue o neonato viável do inviável (aquele que nasce com patologia que inevitavelmente lhe levará à morte, às vezes pouco tempo depois do nascimento), de modo que ceifar a vida de qualquer um deles acarreta a ocorrência do crime de homicídio ou de infanticídio, conforme o caso.
2.3. Objeto material
                        No homicídio, o objeto material é a pessoa em face da qual é praticada a conduta. Vale lembrar nesse particular que as ações tendentes a eliminar a vida de quem não mais a tem (e por tal razão não é mais pessoa, mas sim cadáver) caracterizam hipótese de crime impossível (art. 17 do CP) por absoluta impropriedade do objeto material.
2.4. Sujeito ativo
                        Pode praticar o delito em evidência qualquer ser humano, o que lhe dá característica de crime comum.
2.5. Sujeito passivo
                        Em seu aspecto material, é qualquer pessoa com vida[4].
                        Importante lembrar que em algumas circunstâncias a conduta típica, ilícita e culpável que logra êxito em tirar a vida de determinada(s) pessoa(s) não leva à caracterização do crime de homicídio, mas sim de outro delito. É o caso dos crimes: a) de infanticídio (art. 123 do CP[5]); b) contra a vida do Presidente da República, do presidente do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do STF em circunstâncias que configurem o delito previsto no artigo 29 da Lei nº 7.170/83 (Lei de Segurança Nacional); e c) de genocídio (Lei nº 2.889/56)[6].
2.6. Elementos objetivos (tipo objetivo)
                        O art. 121, caput, traz unicamente elementos objetivos descritivos. Se resume nas elementares matar e alguém; ou seja, a conduta típica é simplesmente “matar alguém”.
                        Matar significa tirar a vida. Alguém diz respeito a um ser humano. Unindo as duas palavras, temos que a conduta proscrita pelo tipo em evidência é tirar a vida de um ser humano. Isso pode se dar através de meios diretos ou indiretos, físicos ou morais[7], desde que idôneos à produção do resultado morte (PRADO, 2008, v.2, p. 79), e através de ação ou omissão.
2.7. Elemento subjetivo (tipo subjetivo)
                        Ensina Mirabete (2008, v.II, p.31) que: “O dolo do homicídio é a vontade consciente de eliminar uma vida humana, ou seja, de matar (animus necandi ou occidendi), não se exigindo nenhum fim especial”. A figura típica, portanto, não exige elemento subjetivo do tipo específico, mas somente o dolo genérico. 
                        Registre-se, outrossim, que é perfeitamente possível o homicídio por dolo eventual.
2.8. Consumação e tentativa
                        O homicídio se consuma com a morte da vítima (resultado naturalístico), sendo por tal razão um crime material.
                        A prova da materialidade delitiva se faz pelo exame de corpo de delito, direto (necropsia) ou indireto (com suporte em prova testemunhal – art. 167 do CPP), sendo este último admissível somente quando impossível a realização do exame direto.
                        A tentativa se dá quando o crime não se consuma por razões alheias à vontade do agente (art.14, II, do CP), regra esta que é perfeitamente compatível com o homicídio, visto ser este um crime material. Nesse particular relembra Capez (2006, v.2, pp. 18-19) que o crime possui quatro etapas (iter criminis): a) cogitação; b) preparação; c) execução; e d) consumação; concluindo ao final que: “Para nós, só há início de execução quando o sujeito começa a praticar o núcleo do tipo, ou seja, quando começa a ‘matar’, a ‘subtrair’, ‘a constranger’etc. Assim, se o agente recebe um tapa no rosto e, prometendo matar o seu agressor, vai até a sua residência, pega a sua arma de fogo, retorna ao local da briga e é preso em flagrante momentos antes de efetuar o primeiro disparo, não há como falar em tentativa de homicídio, pois o agente ainda não havia começado a ‘matar’. O início de execução, portanto, ocorre com a prática do primeiro ato idôneo, isto é, apto a produzir a consumação, e inequívoco à produção do resultado”.
                        Pondera Rogério Sanches Cunha (2008, v.3, p. 18) que: “Admite-se a forma tentada, inclusive, no crime cometido com dolo eventual, já que equiparado, por lei, ao dolo direto (art, 18, I, do CP)”. Em sentido contrário a posição de Mirabete (2008, v.II, p. 31), defendendo que é inadmissível a tentativa de homicídio quando se age com dolo eventual, podendo nesses casos, não sobrevindo a morte, o agente responder por lesão corporal grave (art. 129, §2º, II, do CP). Aparentemente, a primeira posição tem prevalecido na jurisprudência.
2.9. Classificação doutrinária
                        “Trata-se de crime comum (aquele que não demanda sujeito ativo qualificado ou especial); material (delito que exige resultado naturalístico, consistente na morte da vítima); de forma livre (podendo ser cometido por qualquer meio eleito pelo agente); comissivo (‘matar’ implica em ação) e, excepcionalmente, comissivo por omissão (omissivo impróprio, ou seja, é a aplicação do art. 13, §2º, do Código Penal); instantâneo (cujo resultado ‘morte’ se dá de maneira instantânea, não se prolongando no tempo); de dano (consuma-se apenas com efetiva lesão a um bem jurídico tutelado); unissubjetivo (que pode ser praticado por um só agente); progressivo (trata-se de um tipo penal que contém, implicitamente, outro, no caso a lesão corporal); plurissubsistente (via de regra, vários atos integram a conduta de matar); admite tentativa.” (NUCCI, 2006, p. 521).
2.10. Homicídio privilegiado
                        Está previsto no art. 121, §1º: “Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço”. 
                        Na realidade, tecnicamente, a previsão legal em epígrafe é de uma causa de diminuição de pena (a ser considerada na terceira fase da dosimetria da pena) e não, exatamente, de um crime privilegiado (GRECO, 2007, v. II, p. 155); considerando que o tipo penal que prevê um delito autenticamente privilegiado[8] traz um preceito secundário independente daquele cominado à forma simples do crime, e não simplesmente uma previsão de redução de pena. A doutrina e a jurisprudência, contudo, consagraram, por tradição, a denominação de homicídio privilegiado para a conduta prevista no art. 121, §1º.
                        As hipóteses que geram o privilégio in casu abordado são:
a) motivo de relevante valor social ou moral para cometimento do crime: o relevante valor social diz respeito aos interesses da coletividade (ex: matar um traidor da pátria); enquanto que o relevante valor moral corresponde a interesses individuais do agente (ex: pai que mata o estuprador da sua filha);
b) domínio de violenta emoção[9], logo após a injusta provocação da vítima: para ocorrência dessa hipótese deve o agente estar tomado (e não apenas influenciado) por poderosa emoção e sua ação se dar imediatamente depois de ter sido provocado injustamente pela vítima.  Vale lembrar que na hipótese do agente reagir a injusta (antijurídica) agressão, a hipótese será de exclusão da ilicitude por legítima defesa, e não de crime privilegiado, daí ser importante distinguir injusta provocação de injusta agressão, o que normalmente não é tarefa fácil, considerando haver bens jurídicos imateriais (como a honra, por exemplo) que podem ser objeto de agressão sem um dano (ou ameaça de dano) físico. Assim, nessa diferenciação deve também ser levada em consideração a proporcionalidade da reação e não somente se houve agressão ou provocação, considerando haver situações que, segundo pensamos, uma agressão poderá ser, ao mesmo tempo, considerada provocação (como é o caso da injúria). Cita a doutrina (MIRABETE, 2008, v.II, p. 35) que há homicídio privilegiado por injusta provocação da vítima no caso do marido que surpreende a esposa em adultério, vindo a matá-la dominado por exaltação emocional.
                        Em derradeiro, ressalte-se que as hipóteses acima descritas não são cumulativas; ou seja, para ser reconhecido o privilégio basta a ocorrência de uma delas.
                        Vale lembrar, ainda, que o CP fala que o juiz “pode” reduzir a pena uma vez detectada uma dessas hipóteses, porém esse “pode” não indica uma faculdade, mas sim um dever, pois a redução trata-se de direito subjetivo do agente.
                        As circunstâncias minorantes previstas no art. 121, §1º, são incomunicáveis[10] entre os concorrentes na hipótese de concurso de pessoas (CUNHA, 2008, v. 3, p. 20).
                        Doutrina e jurisprudência têm reconhecido que a eutanásia é um caso de homicídio privilegiado por relevante valor moral[11]. 
2.11. Homicídio qualificado
                        Encontra previsão no art. 121, § 2º, do CP, in verbis:
Homicídio qualificado
§2º. Se o homicídio é cometido:
I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;
II – por motivo fútil;
III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;
V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
                        Não é demais lembrar que a qualificadora é um tipo derivado da figura simples de determinado delito. Traz, portanto, um preceito secundário (pena) próprio, que independe daquele constante no tipo simples do qual deriva. No caso em questão, o homicídio simples impõe uma pena de seis a vinte anos de reclusão, enquanto que o homicídio qualificado eleva esse quantum para doze a trinta anos.
                        As circunstâncias caracterizadoras do homicídio qualificado trazem ínsita uma necessidade de reprovação bem maior do que na sua forma simples.
                        “Tentado ou consumado, o homicídio doloso qualificado é crime hediondo, nos termos do art. 1º, I, com a redação determinada pela lei nº 8.930/94” (CAPEZ, 2006, v. 2, p. 44). Lembrando-se que a Lei nº 8.072/90 regula os crimes hediondos, sendo esta a norma referida pelo autor, que foi alterada pela Lei nº 8.930/94.
                        É provável que o estudante que inicia o estudo da Parte Especial do Código Penal tenha dificuldades em identificar se um determinado homicídio doloso encontra simetria com a forma qualificada, privilegiada ou simples. Para dirimir dúvida nesse sentido o melhor critério é o da exclusão, ou seja, averigua-se se há a presença de circunstância qualificadora ou que induza privilégio. Se houver, faz-se o enquadramento pertinente; lembrando-se também que a doutrina aventa a possibilidade da existência de crimes que se enquadram, ao mesmo tempo, como homicídio qualificado e privilegiado. Caso não haja privilégio nem qualificadora, o fato deve ser apenado na forma simples. 
                        A seguir trataremos uma a uma as hipóteses de qualificação.
2.11.1. Mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe
                        Inicialmente, pondere-se que (GRECO, 2007, v.II, p. 164):
Torpe é o motivo abjeto que causa repugnância, nojo, sensação de repulsa pelo fato praticado pelo agente. (...)
A paga é o valor ou qualquer outra vantagem, tenha ou não natureza patrimonial[12],recebida antecipadamente, para que o agente leve a efeito a empreitada criminosa. Já na promessa de recompensa, como a própria expressão está a demonstrar, o agente não recebe antecipadamente, mas sim existe uma promessa de pagamento futuro.  (grifos nossos)
                        Antevê o legislador no dispositivo em destaque, em sua primeira parte, a hipótese do “crime de encomenda”, onde alguém contrata um “matador de aluguel” para tirar a vida de outrem. É irrelevante, nessa situação, se a recompensa é recebida antecipadamente, depois, ou se é apenas prometida, em ambos os casos está presente a qualificadora. Contudo, segundo posição majoritária da doutrina, somente o executor do crime necessariamente responderá pela figura majorada ora ilustrada, devendo-se analisar em separado o motivo do mandante[13]; ou seja, a motivação sob foco trata-se de circunstância incomunicável.
                       Cabe, ademais, observar que o art. 121, §2º, I, traz a expressão “ou outro motivo torpe”, permitindo interpretação analógica. Que dizer: explicita o dispositivo que o homicídio mediante paga ou promessa de recompensa traduz um motivo torpe que qualifica o delito, porém deixa em aberto para que sejam considerados outros motivos (que sejam igualmente torpes) como variáveis qualificadoras, entre os quais admite Mirabete (2008, v.II, p. 37) possam ser incluídos os seguintes: 
Como melhores exemplos são citados os homicídios praticados por cupidez (para receber uma herança, por rivalidade profissional etc.) ou para satisfazer desejos sexuais. Reconheceu-se haver motivo torpe nos seguintes casos: (...) do acusado que eliminou a vítima com quem praticava atos de pederastia, por desejar esta interrompê-los; dos que, despeitados pela fama de valente da vítima, numa demonstração de vaidade criminal, resolveram matá-la para tentar mostrar maior valentia que ela (RJTJESP 26/401); do jovem que matou a namorada ao ter conhecimento de que a mesma já não era virgem; (...).
2.11.2. Motivo fútil
                        É o motivo insignificante, evidentemente desproporcional ao resultado produzido. “Ex: o autor suprime a vida da vítima porque esta, dona de um bar, não lhe vendeu fiado” (NUCCI, 2006, p. 532). Ressaltando o autor citado (idem, p. 533) que ciúme não configura futilidade.
                        Discute-se, em outro prisma, se a ausência de motivo acarreta o reconhecimento de homicídio qualificado por motivo fútil. Parece-nos que a posição mais acertada é aquela que admite tal equiparação, reconhecendo que a ausência de motivo leva a incidência da qualificadora de motivo fútil[14].
2.11.3. Com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum
                        Ab initio é indispensável frisar que a qualificadora em estudo trata de estabelecer uma maior apenação quando o homicídio for praticado por meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum. A referência ao veneno, fogo, explosivo, asfixia e tortura oferece apenas exemplos do gênero de meios que o dispositivo pretende reprimir. O legislador, nesse particular, mais uma vez permitiu a chamada interpretação analógica, autorizando que o intérprete, diante de uma situação concreta, em que não haja o emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia nem tortura, mas que perceba a presença de outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum, identifique a presença de circunstância qualificadora. Tem-se em mira, portanto, não somente repelir a utilização dos meios em espécie citados expressamente, mas também qualquer outro condizente com os gêneros especificados, daí a imprescindível necessidade de delimitar os conceitos destes.
                        Meios insidiosos: “(...) aqueles constituídos de fraude, clandestinos, desconhecidos da vítima, que não sabe estar sendo atacada. O que qualifica o homicídio não é propriamente o meio escolhido ou usado para a prática do crime, e sim o modo insidioso com que o agente o executa, empregando, para isso, recurso que dificulte ou torne impossível a defesa (RJTJERGS 160/149). Cita Maggiore alguns exemplos: uma armadilha; a sabotagem de um motor de automóvel ou de aeroplano; o carregar um objeto de uma corrente elétrica de alta tensão, fazendo-o tocar na vítima; o fazer experimentar uma arma de fogo cuja explosão, por um desconserto do maquinismo, volve contra quem a usa” (MIRABETE, 2008, v.II, p. 40).
                        Meios cruéis: são aqueles que causam excessivo e desnecessário sofrimento (físico ou moral) à vítima, levando-a por tal meio à morte. Exs.: esquartejamento, pisoteamento e privação de alimento e água. Importante salientar que o uso desses meios pelo assassino após ter matado a vítima, não conduz, por evidente, à caracterização da qualificadora.
                        Meios que possam resultar perigo comum: são aqueles que, além de afetar a vítima, expõem outras pessoas a risco. Importante lembrar que o CP tipifica especificamente crimes de perigo comum (arts. 250-259), prevendo também como forma qualificada destes o fato de produzirem o efeito morte. Nesse ponto, preciosas as lições de Capez (2006, v.2, pp. 54-55):
Se, no caso concreto, o agente, além de matar a vítima, expõe um número indeterminado de pessoas a perigo comum, configurando algum crime de perigo comum (explosão, incêndio, desabamento, epidemia, os desastres de meios de transporte coletivo), entende-se que poderá o agente responder em concurso formal pelos crimes de perigo comum e de homicídio qualificado. É importante fazer a distinção entre o homicídio qualificado, cujo meio para a sua prática é um crime de perigo comum, e o delito de crime de perigo comum qualificado pelo evento morte (CP, art. 258). A diferença reside no elemento subjetivo. Com efeito, no homicídio qualificado o agente quer ou assume o risco do resultado danoso, qual seja, a morte da vítima, de modo que o meio empregado para alcançar esse resultado é um crime de perigo comum. No entanto, se o dolo não era homicida, mas o de praticar o crime de perigo, e houve morte decorrente, haverá “qualificação” do delito perigoso (pelo resultado morte preterdolosa).
                        Visitados os gêneros, vamos às espécies relacionadas exemplificativamente no art. 121, §2º, III.
                        Do magistério de Luiz Regis Prado (2008, v.2, p. 74) colhe-se:
Veneno é qualquer substância – mineral, animal ou vegetal - que, inoculada, ingerida ou introduzida no organismo, provoque lesão ou perigo de lesão à saúde ou à vida. O conceito de veneno deve ser determinado de modo objetivo, e não em razão das características pessoais da vítima (v.g., criança, dibético etc.).
                        Pondera o renomado autor, ainda, que para configurar a qualificadora de emprego de veneno (meio insidioso), este tem que se dar de forma dissimulada, ou seja, sem o conhecimento da vítima. Se, por exemplo, o sujeito passivo for forçado a tomar o veneno, sabendo da natureza da substância, a qualificadora não se aperfeiçoa.
                        O fogo pode revelar-se um meio cruel e, também, um meio que pode desencadear perigo comum. Trata-se de tirar a vida da vítima, fazendo-a padecer em chamas.
                        Explosivo, quando o meio utilizado consiste em substância ou artefato que provoca explosão, mediante detonação. É o caso do uso de dinamite, de granada[15] etc.
                        A asfixia consiste em suprimir a possibilidade de a vítima respirar, vindo por isso a provocar-lhe a morte, podendo ser mecânica (estrangulamento, enforcamento, afogamento etc.) ou tóxica (provocada pela exposição da vítima a determinados gases, por exemplo).
                        Tortura é uma espécie de meio cruel, onde o criminoso submete a vítima a suplícios como meio de tirar-lhe a vida (ex: morte por mutilação). Deve-se observar, outrossim, que a Lei nº 9.455/97 prevê atortura como crime específico, trazendo, inclusive, como forma qualificada o fato da tortura ter levado a vítima à morte. Daí Rogério Greco (2007, v.II, p. 171) esclarecer:
Qual a diferença, portanto, entre a tortura prevista como qualificadora do delito de homicídio e a tortura com resultado morte prevista pela Lei nº 9.455/97? A diferença reside no fato de que a tortura, no art. 121, é tão-somente um meio para o cometimento do homicídio. É um meio cruel de que se utiliza o agente, com o fim de causar a morte da vítima. Já na Lei nº 9.455/97, a tortura é um fim em si mesmo. Se vier a ocorrer o resultado morte, este somente poderá qualificar a tortura a título de culpa. Isso significa que a tortura qualificada pelo resultado morte é um delito eminentemente preterdoloso. O agente não pode, dessa forma, para que se aplique a lei de tortura, pretender a morte do agente, pois, caso contrário, responderá pelo crime de homicídio tipificado pelo Código Penal.
Concluindo o raciocínio, no art. 121, a tortura é um meio cruel, utilizado pelo agente na prática do homicídio; na Lei nº 9.455/97, ela é um fim em si mesmo e, caso ocorra a morte da vítima, terá o condão de qualificar o delito, que possui o status de crime preterdoloso.
                         É também perfeitamente possível a ocorrência de homicídio em concurso material com o crime de tortura[16], vitimando o mesmo sujeito passivo. Nessa hipótese, contudo, a tortura não pode ser considerada como qualificadora do homicídio, pois para isto ocorrer ela teria que ser utilizada como um meio para morte e não como um fim em si próprio (crime autônomo). 
2.11.4. Homicídio à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido
                        Mais uma vez o legislador verte uma seqüência casuística seguida de uma fórmula genérica, permitindo a interpretação analógica; ou seja, exemplifica recursos que dificultam ou tornam impossível a defesa da vítima, e no final abre a possibilidade de inclusão pelo intérprete de outros modos de execução semelhantes. Reforce-se também que a finalidade do dispositivo em evidência é exarcebar a pena quando os modos de execução do crime forem especialmente graves, de modo que, nesse particular, não são considerados para o fim de agravação da sanção características pessoais da vítima ou outra variável qualquer que não esteja relacionada à maneira de execução do crime. 
                        Sintetiza Cunha (2008, v.3, pp. 22-23) que:
Traição é ataque desleal, repentino e inesperado (ex.: atirar na vítima pelas costas ou durante o sono)[17].
A emboscada pressupõe ocultamento do agente, que ataca a vítima com surpresa. Denota essa circunstância maior covardia e perversidade por parte do delinqüente.
Já a dissimulação significa fingimento, ocultando (disfarçando) o agente a sua intenção hostil, apanhando a vítima desatenta e indefesa[18].
                        Em fecho, registre-se que na fórmula genérica (outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido) cabem modos de execução, por exemplo, que induzam a surpresa da vítima em relação ao ataque[19], e, por óbvio, que não se enquadrem nos modos especificamente mencionados no dispositivo em análise, considerando que neles vai também estar presente a surpresa, porém com características bem detalhadas (ou seja, condizente com a noção de traição, emboscada ou dissimulação).
2.11.5. para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime
                        Trata-se de qualificação pela conexão (ligação) com outro crime[20]. O homicídio, nesse caso, aparece em um plano secundário, pois somente é levado a efeito em razão de outro delito. O outro crime mencionado pode ser pertinente ao próprio sujeito ativo do homicídio ou a terceiro[21].
                        Assenta Mirabete (2008, v.II, p. 42) que: 
Essas circunstâncias, que configurariam a rigor motivo torpe, originam casos de conexão teleológica ou consequencial. A conexão teleológica ocorre quando o homicídio é perpetrado como meio para executar outro crime (homicídio para poder provocar um incêndio). A conexão consequencial ocorre quando é praticado para ocultar a prática de outro delito (homicídio contra o perito que vai apurar apropriação indébita do agente), ou para assegurar a impunidade dele (homicídio da testemunha que pode identificar o agente como autor de um roubo), ou para fugir à prisão em flagrante (RT 434/358), ou para garantir a vantagem do produto, preço ou proveito de crime (homicídio contra o co-autor de roubo ou furto para apossar-se da res furtiva).
                         Ressalte-se que a conexão ocasional (ou seja, quando a relação do outro crime com o homicídio é meramente ocasional, não havendo um liame entre eles, apesar de cometidos em um mesmo contexto fático) não acarreta a qualificação desenhada no art. 121, §2º, V, do CP.  
                         Em suma, a qualificadora em deslinde caracteriza-se quando o homicídio é utilizado para:
                        a) assegurar a execução de outro crime: aqui o objetivo primordial do agente é propiciar a execução de outro crime qualquer e apenas pratica o homicídio como meio para atingir seu intento. Ex: sujeito quer estuprar uma mulher que se encontra acompanhada do marido. Entendendo o criminoso que o homem dificultará a execução do estupro, mata-o para poder violentar a mulher (seu objetivo inicial). Ressaltando Capez (2006, v.2, p. 59) que não é necessário que o agente atinja o fim visado para se aperfeiçoar a circunstância qualificadora delineada. No exemplo citado (inspirado no mesmo autor), pode ser que o agente não consiga consumar o crime de estupro contra a mulher, porém mesmo assim deve ser reconhecida a qualificadora no homicídio contra o marido;
                         b) assegurar a ocultação de outro crime: nesse particular o agente quer esconder um crime por ele ou por outrem cometido[22]. Ex: um funcionário público, que acompanhado de outra pessoa furta bens da repartição em que trabalha, resolve matar o comparsa para evitar que o mesmo comente com alguém o ocorrido, pois entende ser esta a única forma de ser descoberta a subtração;
                        c) assegurar a impunidade em relação a outro crime: aqui o agente busca, com o homicídio, evitar que seja punido um outro crime cuja existência já é conhecida, mas ainda desconhecida a sua autoria, ao contrário do que ocorre na hipótese anterior (matar para ocultar um outro crime indica que ainda não se sabe que este outro delito ocorreu, buscando o agente com o homicídio garantir a permanência dessa situação)[23]. Exemplo da hipótese da busca da impunidade: matar policiais para escapar da prisão em flagrante por um crime de trânsito;
                        d) assegurar vantagem de outro crime: aqui o agente antevê um risco da vantagem (econômica ou não) de outro crime, e para assegurar o proveito vem a cometer um homicídio. Ex: dois ladrões praticam um roubo; depois isso, um deles, desconfiando que o outro vai fugir com todo o produto do delito, resolve matá-lo para garantir seu proveito na empreitada criminosa.
                        Por fim, importante notar que a ligação entre o homicídio e outro crime, pressuposto da qualificadora sob foco, em algumas vezes pode levar à formação de um único delito complexo. É o caso, por exemplo, do sujeito que mata um vigilante para garantir o ilícito apossamento da coisa subtraída de outras vítimas. Nessa hipótese responderá por latrocínio (art. 157, §3º - parte final, do CP) e não por roubo em concurso com homicídio qualificado. Nessa esteira se expressa Capez com precisão:
Importa notar que tanto na conexão teleológica quanto na conexão consequencial, o homicídio qualificado e o “outro crime” praticado não formam um delito complexo como no caso do latrocínio. Na realidade, constituem delitos autônomos, mas há uma ligação(conexão teleológica ou consequencial) que os une, sendo aplicável no caso a regra do concurso material. Assim, responderá o agente pelos crimes de homicídio qualificado (pela conexão teleológica ou consequencial) em concurso material com o “outro crime”.   
2.11.6. Comunicabilidade das circunstâncias qualificadoras entre os agentes
                        A comunicabilidade a que nos referimos diz respeito, por óbvio, às situações em que haja concurso de agentes para a prática do homicídio qualificado.
                        Havendo o concurso em evidência, ou seja, quando duas ou mais pessoas concorrem para o homicídio, surgirá o questionamento se a circunstância qualificadora identificada se aplica a todas elas. A solução para essa dúvida está no estudo da comunicabilidade das circunstâncias, genericamente prevista no art. 30 do CP.
                        Nesse ponto, após transcrever o art. 30 do CP (“Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”), Capez (2006, v.2, pp. 62-63) pontua:
Disso resulta que as circunstâncias qualificadoras, que são dados acessórios agregados ao crime para agravar a pena, quando tiverem caráter subjetivo (motivos determinantes do crime, p. ex., motivo fútil, homicídio praticado mediante paga ou promessa de recompensa) não se comunicam jamais ao partícipe. No entanto, se tiverem caráter objetivo, por exemplo, homicídio cometido mediante emboscada, haverá a comunicação se for do conhecimento do partícipe a presença da circunstância material, ou seja, se com relação a ela tiver agido com dolo ou culpa. Se desconhecida a presença da mesma, não poderá responder pela figura qualificada do homicídio.
2.11.7. Outras peculiaridades
                        A premeditação não é circunstância qualificadora do homicídio.
                        Havendo a pluralidade de circunstâncias qualificadoras, apenas uma será utilizada para qualificar o delito e as demais devem ser utilizadas na dosimetria da pena (havendo divergência quanto em que fase deverá se dar essa utilização)[24].
                        É possível a forma “qualificada-privilegiada” de homicídio em certos casos[25]. Contudo, a doutrina majoritária considera que o homicídio sob tal classificação não deve ser considerado crime hediondo[26].
2.12. Homicídio doloso – causa especial de aumento de pena (art. 121, §4º, parte final)
                        Dispõe o dispositivo em epígrafe que: “(...) Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) ou maior de 60 (sessenta) anos”. 
                        Trata-se de causa de aumento de pena a ser considerada, por evidente, na terceira fase da dosimetria da pena. Não é uma qualificadora.
                        A norma traz uma severidade adicional quando o homicídio doloso, seja ele simples, privilegiado ou qualificado tem como vítima criança ou idoso nas condições que especifica.   
2.13. Homicídio culposo
                        O CP incrimina a modalidade culposa de homicídio com os seguintes termos:
Homicídio culposo
§3º. Se o homicídio é culposo:
Pena – detenção, de 1(um) a 3(três) anos.
                        Delimita Rogério Sanches Cunha (2008, v.3, p. 24) que:
Ocorre o homicídio culposo quando o agente, com manifesta imprudência, negligência ou imperícia, deixa de empregar a atenção ou diligência de que era capaz, provocando, com sua conduta, o resultado lesivo (morte), previsto (culpa consciente) ou previsível (culpa inconsciente), porém jamais aceito ou querido.
                        A culpa “é o elemento normativo da conduta. A culpa é assim chamada porque sua verificação necessita de um prévio juízo de valor, sem o qual não se sabe se ela está ou não presente” (CAPEZ, 2003, v. 1, p. 191).
                        Importante observar que quando o indivíduo incorre em uma conduta culposa ele não almeja com sua conduta um objetivo ilícito, mas age com imprudência, negligência ou imperícia, vindo a ferir um bem juridicamente protegido.
                        Note-se que existem alguns elementos exigíveis para configuração do delito culposo, quais sejam (GRECO, 2007, v.I, p. 197):
                       a) conduta humana voluntária, comissiva ou omissiva;
                       b) inobservância de um dever objetivo de cuidado (negligência, imprudência ou imperícia);
                        c) o resultado lesivo não querido, tampouco assumido, pelo agente;
                        d) nexo de causalidade entre a conduta do agente que deixa de observar o seu dever de cuidado e o resultado lesivo dela advindo;
  e) previsibilidade;
                        f) tipicidade.
                        Quando se fala em delito culposo deve-se ter em mira, primordialmente, o disposto no art. 18 do CP:
Art. 18. Diz-se o crime:
(...)
Crime culposo
II – culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.
Parágrafo único. Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.
                        Os contornos delineados no CP, conforme se viu, impõem que o crime somente será punido em sua forma culposa se houver previsão legal nesse sentido (no caso do crime de homicídio já se observou que há – art. 121, §3º). E somente existirá conduta proscrita se o agente tiver incorrido em imprudência, negligência ou imperícia.
                        Imprudência: corresponde a uma conduta positiva, onde o sujeito age sem a cautela necessária, vindo a provocar um resultado lesivo;
                        Negligência: corresponde a um deixar de fazer, ou seja, o sujeito se abstém de fazer aquilo que a diligência normal impõe;
                        Imperícia: corresponde a uma inaptidão, momentânea ou não, de um profissional para a atividade ou ofício que deveria dominar.
                        Apesar da sintética delimitação supra, cabe alertar que a diferenciação entre imprudência, negligência e imperícia, em muitos casos é de extrema dificuldade, considerando os pontos comuns existentes entre tais institutos[27].
                        O preceito incriminador do crime culposo configura-se um tipo penal aberto[28], considerando que não descreve com exatidão a conduta proscrita, ao contrário do que ocorre com o tipo doloso (tipo fechado). Daí Capez afirmar (2006, v.2, p. 66) que: “A culpa não está descrita nem especificada, mas apenas prevista genericamente no tipo, isso porque é impossível prever todos os modos em que a culpa pode apresentar-se na produção do resultado morte”.
                        Traçados os parâmetros, em grande parte gerais, sobre o homicídio culposo, cabe ainda assentar os seguintes pontos:
a)      não há a compensação de culpa do sujeito passivo com a culpa do sujeito ativo para fins de isenção de pena. Havendo culpa recíproca, contudo, a culpa da vítima poderá ser utilizada positivamente na valoração das circunstâncias judiciais (art. 59 do CP) no momento da fixação da pena do autor do crime;
b)      “com o advento da Lei 9.503/97, o homicídio culposo decorrente da direção de veículo automotor passou a subsumir-se ao disposto no art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro (princípio da especialidade), punido com detenção de 2 a 4 anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir” (CUNHA, 2008, v.3, p. 24).
2.13.1. Causas especiais de aumento de pena do homicídio culposo
                         Estabelece o art. 121, §4º - primeira parte, do CP:
§4º. No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüênciasdo seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. (...)
                        Observa-se, portanto, que a legislação impõe um aumento fixo na quantidade da pena (de um terço - a ser aplicado na terceira fase da dosimetria) àquele que cometeu homicídio culposo nas circunstâncias especificadas:
                        a) se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício: é pressuposto dessa causa de aumento, segundo orientação predominante, que o agente seja um profissional tecnicamente capacitado para o exercício da profissão, arte ou ofício no desempenho da qual veio a provocar o dano que lhe é imputado a título de culpa. Cabe destacar, seguindo os passos de Andreucci (2008, p. 166) que: “A inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício não se confunde com a imperícia. Na inobservância da regra técnica, o agente conhece a regra técnica que não observou. Já na imperícia, existe a inabilidade ou insuficiência profissional. Exemplo de inobservância da regra técnica seria o médico não providenciar a esterilização dos instrumentos que vai utilizar na cirurgia”.  Essa distinção encontra ressonância na maioria da doutrina, com espelho nas lições de Nélson Hungria. Nucci (2006, pp.538-539), contudo, afirma (com toda razão) que tal causa de aumento acaba caindo na inaplicabilidade, considerando que na maioria das situações em que poderia ser aplicada, na realidade ela já seria uma circunstância caracterizadora da culpa, não podendo ser utilizada, portanto, novamente como circunstância majorante, sob pena de se incorrer em bis in idem;
                        b) se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima: nessa hipótese há uma espécie de omissão de socorro por parte do agente responsável pelo crime culposo, que podia ajudar a vítima sem risco pessoal no intuito de tentar evitar o resultado morte[29]. Nesse caso, ele não responderá pelo crime autônomo de omissão de socorro (art. 135 do CP), mas sim terá a pena do homicídio culposo agravada. “Se a vítima é socorrida imediatamente por terceiros, não incide o aumento, bem como no caso de morte instantânea[30], circunstâncias estas que tornam inviável a assistência” (CUNHA, 2008, v.3, p. 25). Igualmente não incide a majorante se o agente também se machuca, e se retira do local dos fatos visando buscar socorro para si próprio. Por fim, repise-se que o Código Penal não regula homicídio culposo quando este decorre de acidente de trânsito, e nessa linha, também não se aplica a majorante em questão (prevista no CP) em tal caso, pois o CTB, em regulação específica, prevê expressamente a seguinte causa de aumento: “Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Parágrafo único. No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço à metade, se o agente: I – não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação; II – praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada; III – deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente; IV – no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros; V – estiver sob a influência de álcool ou substância tóxica ou entorpecente de efeitos análogos”[31];
                        c) se o agente não procura diminuir as conseqüências do seu ato: esta hipótese já é englobada pela anterior; sendo, portanto, redundante, segundo a maioria da doutrina (CAPEZ, 2006, v.2, p. 74). Há autores, contudo, que vislumbram exemplos em que a ocorrência em deslinde não se encaixa nos termos da omissão de socorro. Nesse passo Greco (2007, v.II, p. 182) exemplifica: “a exemplo daquele que, sabendo que a vítima não possui condições financeiras para arcar com o custo do tratamento e medicamentos, não a auxilia materialmente nesse sentido, deixando-a à própria sorte, ou também naquele caso em que o agente, ameaçado de ser linchado pela população revoltada com o seu comportamento, não busca socorro nas autoridades”;
                        d) se o agente foge para evitar sua prisão em flagrante: a doutrina contemporânea questiona a constitucionalidade dessa majorante[32], considerando que a mesma pressupõe a obrigação do indivíduo se entregar à polícia, em contraponto ao reconhecimento por nossa ordem jurídica que nenhum indivíduo tem a obrigação de se autoincriminar. Apesar disso, ainda se admite a sua aplicação, estando em vias de consolidação apenas os seguintes entendimentos[33]: i) em caso de linchamento iminente não se exige que o indivíduo aguarde a polícia para lhe prender, sendo admissível sua fuga; ii) se o indivíduo prestou socorro à vítima, torna-se incabível a prisão em flagrante do infrator, segundo aplicação analógica do art. 301 do CTB.
2.13.2. Perdão judicial no homicídio culposo
                        Conceitua Rogério Sanches Cunha (2008, v.3, p. 26): “Perdão judicial é o instituto pelo qual o juiz, não obstante a prática de um fato típico e antijurídico por um sujeito comprovadamente culpado, deixa de lhe aplicar, nas hipóteses taxativamente previstas em lei, o preceito sancionador cabível, levando em consideração determinadas circunstâncias que concorrem para o evento. Em casos tais, o Estado perde o interesse de punir”. 
                        Nesse andar, prevê o artigo 121, §5º, do CP:
§5º. Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as conseqüências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.
                        Relembre-se que o perdão judicial acarreta a extinção da punibilidade do agente (art. 107, IX, do CP). A sentença que o reconhece é meramente declaratória de extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório (Súmula 18 do STJ). O crime objeto do perdão, portanto, não deve ser considerado para efeitos de reincidência do autor (art.120 do CP).
                       O instituto em desate somente é admissível nos casos previstos em lei.
                        É isto que ocorre com o art. 121, §5º, conforme se vê ao norte (permite expressamente o perdão judicial). Assim, mesmo diante da existência do crime e identificação de sua autoria, o juiz se vê conduzido a extinguir a punibilidade do agente se reconhecer a presença dos fatores condicionantes legislados.
                        O texto do dispositivo em exame (§5º) diz que o juiz poderá conceder o perdão (ou seja, deixa de aplicar a pena). Nesse ponto discute a doutrina se esse “poderá” é ou não uma faculdade do magistrado; sendo posição dominante que há, na realidade, um direito público subjetivo do réu de não lhe ser aplicada a sanção, se presentes no seu caso concreto as condicionantes abstratamente posicionadas no dispositivo permissivo. Quer dizer: se houverem provas que, no caso do homicídio culposo, as conseqüências do crime atingiram o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se tornou desnecessária, o juiz deverá, obrigatoriamente, conceder o perdão judicial[34].
                        As conseqüências que podem ensejar a concessão do perdão judicial, como se viu, devem atingir o agente de forma extremamente grave. Daí Capez (2006, v.2, pp. 76-77) ensinar que:
As conseqüências a que se refere o §5º podem ser: a) físicas – o agente também acaba sendo lesionado de forma grave (p.ex., teve as suas pernas amputadas, ficou tetraplégico, cego, teve o seu rosto desfigurado); b) morais – dizem respeito à morte ou lesão de familiares do agente (p.ex., o pai, a mãe, os filhos, a esposa, o irmão), incluindo-se aqui a morte ou lesão da concubina do agente, ou então as pessoas de qualquer forma ligadas ao agente por afinidade (p.ex., noiva do agente, amigos íntimos). Observe-se que cada caso exige uma análise concreta, não havendopresunção de que as conseqüências da infração atingiram o agente de forma grave ante a tão-só constatação da relação de parentesco ou afinidade entre ele e a vítima.
2.14. Ação penal
                        A ação penal pertinente ao crime de homicídio (seja ele doloso ou culposo) é pública incondicionada.
                        Em se tratando de homicídio doloso, é competente o tribunal do júri para apreciar e julgar o caso (art. 5º, XXXVIII).
3. INDUZIMENTO, INSTIGAÇÃO OU AUXÍLIO A SUICÍDIO
                        Está previsto no art. 122 do CP, conforme segue:
Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio
Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.
Parágrafo único. A pena é duplicada:
Aumento de pena
I – se o crime é praticado por motivo egoístico;
II – se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.
                        Note-se que o legislador, com o tipo em deslinde, resolveu repelir a conduta daquele que se conduz no sentido de contribuir (moral ou fisicamente) para que outrem se suicide.
                        Racionalmente analisando, sabe-se que não há como punir o suicida, considerando que o mesmo já tirou sua própria vida. Aliás, mesmo que apenas tente o suicídio, não há lesividade que justifique a punição do agente, considerando que em tais condições direciona sua conduta contra sua própria vida. Diferente é o caso daquele que contribui para o suicídio, seja por instigar, induzir ou auxiliar o suicida, o qual na maioria das vezes está abalado psicologicamente. Contra este emerge como legítima a repressão estatal. É nisso que se pauta o art. 122 do CP.
                        Não se pode dizer, entretanto, que o suicida tem o direito de eliminar sua própria vida, considerando ser esta um bem indisponível. Disso resulta que quem atenta contra sua existência pratica um ato antijurídico, podendo ser compelido a cessar a auto-agressão. Tanto isso é verdade que o art. 146, §3º, II, do CP, legitima a coação, quando esta se dá visando evitar que uma pessoa se suicide.  
3.1. Objeto jurídico
                        Protege-se com o tipo em estudo a vida humana.
3.2. Objeto material
                        É a pessoa que se suicida ou tenta suicidar-se.
3.3. Sujeito ativo
                        Qualquer pessoa. Trata-se de crime comum.
3.4. Sujeito passivo
                        Qualquer pessoa com capacidade de resistência e discernimento. Isto por que: “Quando o suicida é inimputável ou menor sem compreensão, não ocorrerá o delito em estudo, diante da capacidade de resistência nula da vítima, mas um homicídio típico. Aquele que convence uma criança de três anos ou um doente mental a matar-se pratica o crime mais grave porque a vítima, no caso, é mero instrumento do agente” (MIRABETE, 2008, v.II, p. 51).
                        A capacidade que nos referimos não diz respeito, exatamente, à noção de capacidade civil. Isto porque, mesmo o menor de dezoito anos pode ser considerado como sujeito passivo do crime insculpido no art. 122 do CP, se já tiver discernimento suficiente.
                        Nesse andar Greco (2007, v.II, p. 202) assevera com precisão:
Tem-se discutido a respeito dessa capacidade de discernimento. Os inimputáveis por doença mental, de forma geral, não a possuem. (...) No que diz respeito aos menores, tem-se raciocinado com o limite de 14 anos, fazendo-se um paralelo com a presunção de violência prevista pela alínea a do art. 224 do Código Penal. Merece ser frisado, contudo, que tal presunção é de natureza relativa, cedendo diante de caso concreto, pois pode acontecer a hipótese de que o agente induza um menor de 13 anos de idade a se matar, tendo este último pleno conhecimento da gravidade do ato que estava por praticar.
Pode ocorrer, ainda, que a vítima se encontre numa situação em virtude da qual não tenha condições de resistir ao comportamento praticado pelo agente, como acontece nas hipóteses de hipnose. A vítima hipnotizada não possui controle sobre seus atos, não tendo, portanto, capacidade de autodeterminação, razão pela qual se induzida a atirar, por exemplo, contra a própria cabeça, o agente deverá responder pelo delito de homicídio.
                        A vítima tem que ser determinada (uma ou mais pessoas); de modo que, o crime em epígrafe não se aperfeiçoa se o sujeito ativo age em desfavor de pessoas indeterminadas. Isto pode se dar, p. ex., através de obras literárias que incentivem o suicídio. 
3.5. Tipo objetivo
                        O tipo em evidência criminaliza as seguintes condutas:
                        a) induzir alguém a suicidar-se: induzir implica no fato do agente fazer nascer na mente da vítima a idéia de suicidar-se. Ex: alguém amargurado, mas sem a determinação de suicidar-se, procura um amigo para aconselhá-lo, e este, ao invés de consolá-lo, lhe aconselha eficazmente a tirar sua própria vida;
                        b) instigar alguém a suicidar-se: “instigar é fomentar uma idéia já existente. Trata-se, pois, do agente que estimula a idéia suicida que alguém anda manifestando” (NUCCI, 2006, p. 545). Ex: alguém, já com vontade de suicidar-se, encontra-se com outra pessoa que lhe incentiva a agir nesse sentido.
                        c) prestar auxílio para alguém suicidar-se: quando o agente não se limita em agir dentro do aspecto moral (através do induzimento e instigação), mas sim dá apoio material ao suicida. Ex: sujeito que, conscientemente, fornece uma corda para o suicida enfocar-se. Esse auxílio pode ser antes ou durante a prática do suicídio, porém deve se limitar a um aspecto secundário; ou seja, não pode o agente participar diretamente do suicídio, como, por exemplo, empurrando o suicida, a seu pedido, de um penhasco. Em casos desse gênero, responderá por homicídio. Em regra, o auxílio implica em uma conduta comissiva, havendo, contudo, penalistas que defendem ser ele também possível através da omissão. Nesse sentido: “Entendemos, como a maior parte da doutrina, ser admissível a prestação de auxílio por omissão, desde que o agente se encontre na posição de garante, quando, no caso concreto, devia e podia agir para evitar o resultado, razão pela qual poderá responder, de acordo com a norma de extensão prevista no §2º do art. 13 do Código Penal, pelo delito tipificado no art. 122 do mencionado diploma repressivo, se com a sua omissão dolosa contribuiu para a ocorrência do resultado morte da vítima” (CAPEZ, 2006, v.2, p. 89)[35]. 
                           Alerta Mirabete (2008, v.II, p. 54) que: “Necessária é a prova de que realmente houve uma relação de causalidade entre a conduta do agente e o suicídio, o que não ocorre, por exemplo, quando a instigação em nada acresceu da vontade do suicida, ou quando alguém, por exemplo, fornece um revólver e a vítima se elimina por enforcamento”.
3.6. Tipo subjetivo
                        Resume-se ao dolo (direto ou eventual), não havendo elemento subjetivo do tipo específico exigível para consumação do delito. Não há punição para a modalidade culposa.
3.7. Consumação e tentativa
                        O crime em apreciação somente se consuma com a morte da vítima ou quando esta sofre, em decorrência do fato, lesão corporal de natureza grave[36]. É, portanto, um crime material. As penas são diferentes, conforme ocorra um ou outro resultado, segundo apregoa o preceito secundário do art. 122: “(...) Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave”. Quanto a este texto, esclarece Greco (2007, v.II, p. 209): “Quando a lei penal fala emtentativa de suicídio, obviamente, pela ilação que se faz do artigo, está se referindo à vítima que tentou contra a própria vida e sobreviveu, e não o comportamento praticado pelo agente”.  Disso resulta que o legislador, quando fala em tentativa, não está se referindo à tentativa do cometimento do crime previsto no artigo em evidência, mas sim dizendo que se o suicida não consegue concluir seu intento, mas provoca em si lesão corporal grave, a pena (aplicável a quem induziu, instigou ou auxiliou) é aquela que especifica. Não havendo, pelo menos, lesão corporal grave, o fato é atípico, sendo inadmissível a punição da tentativa (CAPEZ, 2006, v.2, pp. 92-93).
3.8. Forma majorada
                        O art. 122, parágrafo único, assim disciplina:
Parágrafo único. A pena é duplicada:
Aumento de pena
I – se o crime é praticado por motivo egoístico;
II – se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.
                        Estamos diante de causas especiais de aumento de pena (majorantes especiais), tecnicamente falando. Devem, portanto, ser consideradas somente na terceira fase da dosimetria da pena.
                       Segundo se depreende da leitura do dispositivo supra transcrito, o aumento deve ser de 100% (cento por cento), ou seja, a pena encontrada na segunda fase da dosimetria deve ser dobrada, se presente alguma das majorantes previstas, as quais detalhamos a seguir:
                        a) crime praticado por motivo egoístico – nesse caso o agente busca satisfazer interesse pessoal (material ou moral)[37] com o delito, ou simplesmente almeja vantagem com o mesmo. Exs.: indivíduo que instiga pessoa a se matar visando receber herança; pessoa que auxilia outra a se suicidar porque tem inveja dela;
                        b) crime praticado contra vítima menor – quanto a esta majorante, explica Greco (2007, v.II, p. 210): “Quando a lei penal fala em vítima menor, está se referindo, portanto, àquela menor de 18 anos, data em que se inicia a maturidade penal, e maior de 14 (quatorze) anos. Caso a vítima não tenha, ainda, completado 14 (quatorze) anos, haverá uma presunção no sentido da sua incapacidade de discernimento, o que conduzirá ao reconhecimento do homicídio, afastando-se, portanto, o delito do art. 122 do Código Penal”. A presunção, segundo alerta o próprio autor citado, no tocante à vítima menor de 14 anos, é relativa, visto que no caso concreto poder-se-á identificar capacidade de discernimento suficiente que afastará a incidência do homicídio e atrairá a forma majorada do art. 122. De outro modo, em sendo a vítima maior de 14 e menor de 18 anos, também, segundo parte da doutrina (que entendemos equivocada[38]) não se pode dizer que nessas circunstâncias sempre será aplicável o aumento de pena, pois se a mesma for dotada de maturidade suficiente isto acarretará o não reconhecimento da majorante[39], mais uma vez revelando-se a presunção como relativa, ficando na dependência do caso concreto;
                        c) crime praticado contra vítima com capacidade de resistência diminuída por qualquer causa – aqui se tem casos de vítima maior de idade que, por outras razões, tem sua capacidade de resistência mental reduzida por qualquer causa. Ex: vítima embriagada, demente, angustiada etc.
3.9. Classificação doutrinária
                        O art. 122 do CP tipifica um crime: comum (pode ser cometido por qualquer pessoa), simples (não resulta da fusão de dois ou mais tipos penais, mas sim apresenta tipo penal único), material (exige resultado naturalístico para consumação), doloso (não existe a forma culposa), instantâneo (a consumação não se protrai no tempo), comissivo (praticado, em regra, via ação, mas admite como exceção a forma omissiva no seu aspecto impróprio), de dano (pressupõe efetiva lesão ao bem jurídico protegido), unissubjetivo (é possível que apenas uma pessoa seja seu sujeito ativo), de forma livre (pode ser cometido por qualquer meio que atinja o resultado) e plurissubsistente (normalmente praticado através de mais de um ato). 
3.10. Outras peculiaridades
                        Quanto ao crime em desate, resta-nos ainda registrar alguns aspectos peculiares.
                        Nesse intento, ressalte-se a interessante hipótese do suicídio conjunto (“pacto de morte”), seguindo as lições de Luis Regis Prado (2008, v.2, p. 86):
Importa, nesse passo, fazer alusão ao suicídio conjunto. Noutro dizer, à particular situação na qual duas pessoas combinam se matar (suicídio a dois ou pacto de morte). Caso ambas colaborem para o evento morte (v.g., abrindo a torneira de gás, vedando as aberturas de portas e janelas) e sobrevivam, caracterizado estará o homicídio tentado; se apenas uma delas sobrevive, responderá por homicídio consumado. Se avençam, por exemplo, um deles atirar no outro e, em seguida, matar-se, e assim o fazem, se sobrevive aquele que atirou, responderá pelo delito de homicídio consumado; todavia, se sobrevive o outro, incorre nas penas do delito de instigação ao suicídio.
                        Em outro vértice, mas igualmente preciosas, são as lições de Rogério Greco (2007, v.II, pp. 214-215), sobre a situação dos membros da seita denominada “Testemunhas de Jeová”, na ocasião em que se recusam a receber transfusão de sangue, a pretexto de que isto viola as leis de Deus, o que poderá implicar, em algumas circunstâncias, numa espécie de tentativa de suicídio. Referido autor defende a posição, que consideramos corretíssima, de que, assim ocorrendo, e diante de uma necessidade premente deve o médico agir, amparado pelo art. 146, parágrafo 3º, inciso I, do CP, no sentido de fazer a transfusão necessária para restabelecer a saúde do paciente. Podendo, se não o fizer, responder penalmente (crime omissivo impróprio) pelo resultado danoso que advier à pessoa que está sob seus cuidados profissionais. Caso o paciente seja incapaz, e os responsáveis, a despeito da determinação médica, resolvam, por exemplo, retirá-lo do hospital, vindo ele a falecer por falta da necessária transfusão de sangue, devem os agentes responder por homicídio, considerando a posição de garantes. Tal entendimento não implica em desrespeito à liberdade de crença religiosa amparada pela Carta Magna (art. 5º, VI), visto que ninguém tem o direito de se matar ou mesmo de permitir, com sua omissão diante de uma possível e exigível ação para impedir o resultado, que outra pessoa morra, segundo apregoa de forma insofismável a lei penal e a própria CF quando garante o direito à vida (art. 5º, caput).
3.11. Ação penal
                    No crime de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio a ação penal é pública incondicionada. O Tribunal do Júri é competente para o processamento e julgamento da ação, considerando tratar-se de crime doloso contra a vida.
4. INFANTICÍDIO
                        Está assim previsto no CP: “Art. 123. Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: Pena – detenção, de 2 (dois) a 6 (seis) anos”.
                        Explica Nucci (2006, p. 547) que o infanticídio “(...) trata-se do homicídio cometido pela mãe contra seu filho, nascente ou recém-nascido, sob a influência do estado puerperal. É uma hipótese de homicídio privilegiado em que, por circunstâncias particulares e especiais, houve por bem o legislador conferir tratamento mais brando à autora do delito, diminuindo a faixa de fixação da pena (mínimo e máximo)”. 
                        Conforme se vê, o infanticídio nada mais é do que um homicídio que, dadas circunstâncias especializantes, o legislador resolveu tipificar e apenar de forma diferenciada. É a hipótese de um concurso aparente de normas penais (art. 121 em confronto com o art. 123 do CP), que se resolve pelo critério da especialidade, levando à aplicação do art. 123.
4.1. Objeto jurídico
                        É a vida humana; mais especificamentea vida do nascente (que está nascendo) ou do neonato (recém-nascido).
4.2. Objeto material
                        É a criança que sofre a agressão[40].
4.3. Sujeito ativo
                        Somente a mãe sob a influência de estado puerperal é que pode ser sujeito ativo. Trata-se de crime próprio. Há, todavia, a possibilidade de terceiro, que aja em concurso com a mãe, responder pelo delito em tela.
                        No tocante ao concurso de pessoas no crime de infanticídio, Capez (2006, v.2, pp. 106-108) antevê as seguintes possibilidades: 1ª) mãe que mata o próprio filho, contando com a participação de terceiro; 2ª) terceiro que mata o recém-nascido, contando com a participação da mãe; 3ª) mãe e terceiro que atuam em co-autoria matando a vítima; concluindo que em ambos os casos, tanto a mãe quanto o terceiro concorrente devem responder pelo crime em deslinde. Tal solução jurídica decorre do fato de que, segundo a teoria monista ou unitária, adotada como regra pelo CP, no concurso de pessoas os agentes devem responder pelo mesmo crime. Não é possível, pois, se afirmar que o terceiro deve responder por homicídio e a mãe por infanticídio em qualquer das hipóteses citadas.
                        Importante ressalvar, porém, que para haver comunicabilidade das circunstâncias elementares do art. 123 (fato este que leva à imputação única aos concorrentes – conforme art. 30 do CP[41]) é imprescindível que o terceiro aja tendo conhecimento das mesmas[42]; ou seja, tem que saber que está concorrendo com uma mãe que, sob a influência de estado puerperal, concorre para tirar a vida de seu próprio filho, durante ou logo após o parto. Se não tiver consciência dessas variáveis, deve responder por homicídio. Seria o exemplo do terceiro que ajuda uma mulher a matar uma criança sem saber que a vítima é filho dela. Nesse caso, as elementares do art. 123 não se comunicarão, vindo o terceiro a responder por homicídio, enquanto que a parturiente responderá pelo crime de infanticídio.  
4.4. Sujeito passivo
                        É o ser humano que está nascendo ou que acabou de nascer, segundo dicção do próprio art. 123. 
                                           
4.5. Tipo objetivo
                        Consoante já explicitado; ocorre o crime de infanticídio quando, durante o parto ou logo após, a parturiente (mãe) mata, sob influência do estado puerperal, o próprio filho.
                        A tipificação traz algumas elementares que podem gerar dificuldades de interpretação, conforme se destaca a seguir:
Durante o parto ou logo após 
                       O marco temporal inicial para cometimento do crime de infanticídio se identifica com o início do parto. Não há, contudo, concordância da doutrina no tocante ao momento exato em que se inicia o parto. Greco (2007, v. II, p. 222), após fundamentar sua posição, conclui que este momento é marcado pela dilatação do colo do útero[43], em se tratando de parto natural; ou com as incisões na camada abdominal, no caso de parto através de cirurgia cesariana. Há, contudo, autores que defendem que o início do parto se dá apenas com o rompimento da membrana amniótica[44]. A diferença em questão é relevante, pois antes do “início do parto” o crime cometido contra a criança ainda no ventre da mãe é tido como de aborto, enquanto que depois o crime passa a ser de homicídio ou de infanticídio, dependendo do caso concreto. 
                       Em seguimento, necessário definir o que o art. 123 em análise quer dizer com “logo após” o parto, pois tal expressão delimita o termo final em que poderá ser cometido o infanticídio. Não há, também, concordância na doutrina quanto ao exato momento em que se implementa este termo. Para Capez (2006, v. 2, pp. 102-102), a expressão logo após o parto deve alcançar o mesmo período que durar o estado puerperal exigível como elementar do crime de infanticídio. Greco (2007, v.II, pp. 222-223) não aceita posição nesse sentido, afirmando que nos casos em que o puerpério dure longo período, não é razoável entender que a mãe que tira a vida do seu filho muito depois do parto seja beneficiada com a incidência do tipo de infanticídio, que afasta a imputação do homicídio (crime mais grave). Referido autor prefere defender que em casos do gênero deverá ser utilizado o princípio da razoabilidade, procurando evitar lapso temporal muito grande entre o parto e o crime, considerando que o legislador utilizou no tipo a expressão “logo após” o parto e não apenas “após o parto”. Quanto ao ponto abordado, Mirabete (2008, v.II, pp. 60-61) leciona que: 
Não fixa a lei o limite de prazo após o parto em que ocorre o infanticídio e não homicídio. Almeida Jr., que se referia a um prazo preciso, de até sete dias, passou a admitir que se deve deixar a interpretação ao julgador. Bento de Faria refere-se ao prazo de oito dias, em que ocorre a queda do cordão umbilical. Flamínio Fávero também se inclina para a orientação de deixar ao julgador a apreciação. Costa e Silva afirma que ‘logo após’ que dizer ‘enquanto perdura o estado emocional’. Damásio estende o prazo até enquanto perdurar a influência do estado puerperal. Na jurisprudência, tem-se entendido que, se apresentando de relativo valor probante a conclusão para a verificação do estado puerperal e assumindo relevo as demais circunstâncias que fazem gerar a forte presunção do delictum exceptum (RT 506/362, RJTJESP 14/391), o prazo se estende durante o estado transitório de desnormalização psíquica (RT 442/409).
Influência do estado puerperal
                        Indispensável, no infanticídio, que a conduta da mãe seja influenciada por transtornos típicos do estado puerperal. De início, deve-se entender no que consiste o estado em questão. Nesse particular, Nucci (2006, p. 548) leciona que: “Estado puerperal: é o estado que envolve a parturiente durante a expulsão da criança do ventre materno. Há profundas alterações psíquicas e físicas, que chegam a transtornar a mãe, deixando-a sem plenas condições de entender o que está fazendo. É uma hipótese de semi-imputabilidade que foi tratada pelo legislador com a criação de um tipo especial. O puerpério é o período que se estende do início do parto até a volta da mulher às condições pré-gravidez. Como toda mãe passa pelo estado puerperal – algumas com graves perturbações e outras com menos -, é desnecessária a perícia”. Note-se que o simples fato da mãe está em estado puerperal não é suficiente para caracterizar o infanticídio, devendo (além de atender às outras elementares, por óbvio) agir sob influência do mesmo quando se conduz no sentido de tirar a vida do seu filho. Por essa razão que Greco (2007, v.II, pp. 219-220) faz a seguinte diferenciação:
Podemos, a título de ilustração, identificar três níveis de estado puerperal, a saber: mínimo, médio, máximo.
Se a parturiente, embora em estado puerperal, considerado de grau mínimo, não atua, por essa razão, influenciada por ele, e vem a causar a morte de seu filho, durante ou logo após o parto, deverá responder pelo delito de homicídio.
Em sentido diametralmente oposto, se a parturiente, completamente perturbada psicologicamente, dada a intensidade do seu estado puerperal, considerado aqui como de nível máximo, provocar a morte de seu filho durante o parto ou logo após, deverá ser tratada como inimputável, afastando-se, outrossim, a sua culpabilidade e, consequentemente, a própria infração penal.
(...)
Numa situação intermediária encontra-se a gestante que atua influenciada pelo estado puerperal e, assim, vem a dar causa à morte de seu filho durante o parto ou logo após, sendo o seu estado puerperal considerado de grau médio. Este, para nós, é o que fora adotado pelo Código Penal e que caracteriza, efetivamente, o delito de infanticídio.
                            Nota-se pelas lições transcritas supra, que a interferência em grau máximo das manifestações inerentes ao estado puerperal, sempre consideradas sob oaspecto biopsíquico, podem levar à inimputabilidade da parturiente, conduzindo à exclusão da culpabilidade (ex vi art. 26 do CP); afastando, portanto, qualquer imputação penal.
                            Tal orientação também encontra ressonância nas lições de Luiz Regis Prado (2008, v. 2, p. 98), que, adicionalmente, antevê a possibilidade do reconhecimento de semi-imputabilidade da parturiente quando a manifestação do estado puerperal espelhar as circunstâncias previstas no art. 26, parágrafo único, do CP. Eis as palavras do insigne autor: 
Questão importante consiste em saber se o estado puerperal, enquanto elemento indispensável à caracterização do infanticídio, se harmoniza com o disposto no artigo 26 do Código Penal. Apesar de algumas opiniões dissonantes, é bem possível o reconhecimento da influência do estado puerperal e também da inimputabilidade (art. 26, caput, CP) ou da semi-imputabilidade da parturiente (art. 26, parágrafo único, CP), conforme o caso. 
4.6. Tipo subjetivo
                            O infanticídio demanda conduta dolosa, não havendo previsão da forma culposa para a espécie. O dolo pode ser direto ou eventual.
                            Acaso a mãe provoque, por culpa, a morte do filho nascente ou neonato, deve responder por homicídio culposo, mesmo que se encontre sob a influência do estado puerperal; que não provoca, como se viu, necessariamente, a inimputabilidade da parturiente[45].
4.7. Consumação e tentativa
                            O delito em deslinde é um crime material, ou seja, exige resultado naturalístico para sua consumação (no caso: a morte do nascente ou neonato). Para tanto, é imprescindível a prova de que a vítima estava viva antes da ação da mãe. É perfeitamente possível a tentativa de infanticídio quando a parturiente, por razões alheias à sua vontade, mesmo após realizar atos executórios, não consegue consumar o delito.
4.8. Classificação doutrinária
                            É um crime próprio (somente pode ser praticado pela própria mãe da vítima, sob a influência do estado puerperal; sendo, contudo, segundo já se demonstrou, admissível o concurso de outras pessoas); doloso; comissivo (admitindo, contudo, a forma omissiva imprópria dada a condição de garante da mãe – art. 13, parágrafo 2º, do CP); de dano (exige lesão ao bem jurídico protegido para sua consumação); instantâneo (sua consumação não se protrai no tempo); material (exige resultado naturalístico para sua consumação); unissubjetivo (pode ser cometido por uma só pessoa); plurissubsistente (vários atos integram a conduta); de forma livre (pode ser cometido de qualquer forma idônea a produzir o resultado); e não transeunte (deixa vestígios).
4.9. Ação penal
                           A ação penal é de iniciativa pública incondicionada. Trata-se de crime sujeito à competência do Tribunal do Júri, visto que doloso contra a vida.
5. ABORTO
                        Mirabete (2008, v.II, p. 62) ensina que: “Aborto é a interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção. É a morte do ovo (até três semanas de gestação), embrião (de três semanas a três meses) ou feto (após três meses), não implicando necessariamente sua expulsão. O produto da concepção pode ser dissolvido, reabsorvido pelo organismo da mulher ou até mumificado, ou pode a gestante morrer antes de sua expulsão. Não deixará de haver, no caso, o aborto”.
                        Acrescente-se nas lições acima transcritas que o tipo penal do aborto somente protege a vida intra-uterina, ou seja, apenas há a proteção após a fixação do concepto no útero materno. Antes disso, a agressão ao produto da concepção constitui-se fato atípico.
                        Fala a doutrina das seguintes espécies de aborto:
a) aborto natural - ocorrido de forma espontânea. O próprio organismo da mãe rejeita o ser em desenvolvimento intra-uterino, determinando assim a sua eliminação (não há crime); 
b) aborto acidental – provocado por fatalidades (quedas, choques etc.), nele também não há crime; 
c) aborto criminoso – pressupõe conduta dolosa humana que determina a supressão do nascituro. Como o próprio nome indica, constitui-se crime; 
d) aborto permitido ou legal – quando a lei admite o aborto voluntariamente provocado (não há crime). Subdivide-se em: d.1) aborto terapêutico ou necessário (previsto no art. 128, I, do CP) – visa salvar a vida da gestante, sendo permitido quando a gravidez acarreta sérios riscos de vida à mulher; d.2) aborto sentimental, humanitário ou ético (previsto no art. 128, II, do CP) – admissível quando a mulher foi vítima de estupro que causou a gestação; 
e) aborto eugênico, eugenésico ou piedoso – provocado com vistas a evitar que nasça uma criança com graves defeitos genéticos. A legislação brasileira não permite expressamente essa prática. Há, contudo, grandes discussões permeando o tipo de aborto em epígrafe, principalmente quando se trata da eliminação voluntária do feto com anencefalia[46], existindo remansosa doutrina que defende a legalidade do mesmo (vide item específico adiante) a despeito do vácuo legislativo quanto a matéria; 
f) aborto miserável ou econômico-social – provocado tendo em vista o pressuposto de que não haverá condições econômicas e sociais para a criança viver com dignidade, evitando-se assim o seu nascimento. É também criminalizado em nosso país;
g) aborto “honoris causa” – provocado para resguardar a honra da mulher que engravidou. Pratica-se o aborto como forma de esconder a gravidez. Constitui-se crime;
h) aborto estético – provocado com vistas a preservar a beleza do corpo da mulher. Interrompe-se a gravidez por se entender que ela provocará alterações no corpo da gestante que reduzirão sua beleza. Seriam os casos de bailarinas, modelos etc., que interrompem a gravidez para evitar que ela altere a estética corporal. Também se constitui crime.
                    A tipificação do crime de aborto, em nosso CP, distingue as seguintes subespécies de aborto criminoso:
a) auto-aborto ou aborto provocado com o consentimento da gestante (art. 124);
b) aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante (art. 125);
c) aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante (art. 126).
Não se constitui crime o aborto provocado culposamente.
5.1. Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento (art. 124 do CP)
                        Prevê o CP a seguinte conduta típica: “Art. 124. Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena – detenção, de 1(um) a 3(três) anos.”
                        Note-se que no tipo em evidência a conduta incriminada é a da gestante que “provoca” aborto em si mesma, ou “consente” que terceiro o faça. Na segunda hipótese, o terceiro responderá pelas penas do art. 126 do CP, pois a conduta típica descrita no artigo 124 não abarca a conduta deste, apenas da gestante (que, no caso, apenas consente).
5.1.1. Objeto jurídico
                        Em se tratando de auto-aborto (quando a própria gestante provoca o aborto, eliminando o filho que carrega no ventre), o único bem jurídico protegido é a vida intra-uterina, ou seja, a vida humana ainda em desenvolvimento. Quando o aborto é provocado por terceiro, além da vida intra-uterina (vida em desenvolvimento, do ser que se encontra no útero materno), tutela-se a vida e a incolumidade física e psíquica da própria gestante[47]. O artigo 124, contudo, não alcança a proteção dos bens jurídicos pertinentes à gestante, considerando que se volta somente para reprimir a conduta desta (sob o aspecto da conduta principal), impossibilitando que a mesma seja, em igual tempo, sujeito ativo e passivo do crime.
                        Quanto ao objeto jurídico do delito em estudo, cabe uma digressão no sentido de investigar uma resposta para a seguinte pergunta: a partir de quando tem início a vida em desenvolvimento protegida pelo

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