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Capítulo 5 Governabilidade, Governança e Accountability No contexto da reforma do aparelho do Estado, iniciada em 1995, constatou-se que o “problema” do Brasil estava na governança e não na governabilidade – a questão não era falta de apoio político ou popular, mas falta de capacidade técnica-operacional. O texto do Pdrae (1995) menciona que o Governo brasileiro não carece de “governabilidade”, ou seja, de poder para governar, dada sua legitimidade democrática e o apoio com que conta na sociedade civil. Enfrenta, entretanto, um problema de governança, na medida em que sua capacidade de implementar as políticas públicas é limitada pela rigidez e inefi ciência da máquina administrativa. Nesse aspecto, a reforma gerencial pretendia devolver ao Estado a capacidade de governar. O Pdrae (1995) entendia que reformar o aparelho do Estado signifi cava garantir a esse aparelho maior governança, ou seja, maior capacidade de governar, maior condição de implementar as leis e políticas públicas. Signifi cava tornar muito mais efi cientes as atividades exclusivas de Estado, através da transformação das autarquias em agências autônomas, e tornar também muito mais efi cientes os serviços sociais competitivos, ao transformá-los em organizações públicas não estatais de um tipo especial: as organizações sociais. Ainda no contexto da reforma administrativa de 1995, a questão-chave foi conceder mais liberdade e fl exibilidade de atuação ao gestor público para perseguir os objetivos previamente defi nidos – exigindo-se, em contrapartida, maior comprometimento na gerência da coisa pública – aliado a uma maior cobrança/responsabilização quanto aos resultados obtidos; falava-se de um novo termo denominado accountability. Segundo Bresser-Pereira (2002), a reforma gerencial propôs como formas de accountability, a contratualização de resultados (contratos de gestão), a competição controlada (entre órgãos e entidades públicas) e o controle social. Book_Adm Pública.indb 139 31/3/2010 16:37:52 Administração Pública — Augustinho Paludo140 Sé rie P ro va s e Co nc ur so s ELSEVIER Os conceitos de governabilidade e governança são indissociáveis e complementares, ou, no dizer de Vinicius Araujo (2002), “mantêm entre si uma relação muito forte”... “e o seu vínculo instável, dinâmico e indissolúvel”. A separação dos termos serve apenas para fi ns didáticos e analíticos. 5.1. Governabilidade A governabilidade refere-se ao poder político em si, que deve ser legítimo e contar com o apoio da população e de seus representantes. No dizer de Bresser- Pereira (1998), signifi ca capacidade política de governar, “governabilidade é uma capacidade política de governar derivada da relação de legitimidade do Estado e do seu governo com a sociedade”. Nesse mesmo sentido, o Caderno Mare no 01 esclarece que um governo tem governabilidade “na medida em que seus dirigentes contem com os necessários apoios políticos para governar”, e que a capacidade política de governar ou governabilidade decorre do relacionamento “do Estado e do seu governo com a sociedade”. Para Vinicius Araújo (2002), a governabilidade “refere-se às próprias condições substantivas/materiais de exercício do poder e legitimidade do Estado e do seu governo, derivadas de sua postura diante da sociedade civil e do mercado”. Portanto, legitimidade está relacionada com governabilidade, visto que se os governos não forem legitimados não haverá condições necessárias para governar. Mas governabilidade signifi ca também que o governo deve tomar decisões amparadas num processo que inclua a participação dos diversos setores da sociedade, dos poderes constituídos, das instituições públicas e privadas e segmentos representativos da sociedade, para garantir que as escolhas efetivamente atendam aos anseios da sociedade, e contem com seu apoio na implementação dos programas/projetos e na fi scalização dos serviços públicos. Os governos legítimos, segundo Lamartine Braga et al. (2008), têm Constituição e leis duradouras em espírito e ações; tratam os cidadãos imparcialmente, respeitam os indivíduos e a comunidade; tomam decisões transparentes; usam poder coercivo; protegem os interesses coletivos de ganhos privados; usam políticas atuais que satisfazem as necessidades dos cidadãos envolvidos; cuidam dos interesses coletivos; constroem e mantêm a confi ança nas instituições públicas. A fonte ou origem da governabilidade são os cidadãos e a cidadania organizada, os partidos políticos, as associações e demais agrupamentos representativos da sociedade. Vinicius Araujo (2002) descreve essa fonte de legitimidade como “o Book_Adm Pública.indb 140 31/3/2010 16:37:52 Capítulo 5 — Governabilidade, Governança e AccountabilityCAMPUS 141 Série Provas e Concursos apoio obtido pelo Estado às suas políticas” e como a capacidade dos governos de “articular alianças e coalizões/pactos entre os diferentes grupos sociopolíticos para viabilizar o projeto de Estado e sociedade a ser implementado”. Fica claro, portanto, que o desafi o da governabilidade consiste em conciliar os muitos interesses desses atores (na maioria divergentes) e reuni-los num objetivo comum a ser perseguido por todos (ou vários objetivos comuns). Assim, a capacidade de articular-se em alianças políticas e pactos sociais, constitui-se em fator crítico para a viabilização dos objetivos do Estado. Essa tentativa de articulação que a governabilidade procura é uma forma de intermediação de interesses; entre eles inclui-se o clientelismo e o corporativismo. Nos dois casos o que se procura é conciliar interesses, reduzir atritos e aumentar a governabilidade. Atenção → O clientelismo e o corporativismo são meios utilizados pelos governos para obtenção de apoio, com vistas a aumentar sua legitimidade e fortalecer a governabilidade. Segundo o dicionário Aurélio (2003), clientelismo é um tipo de relação política em que uma pessoa (o patrão) dá proteção à outra (o cliente) em troca de apoio, estabelecendo-se um laço de submissão pessoal que não depende de relações de parentesco e não tem conotação jurídica. Para José Murilo Carvalho (1997) é “um tipo de relação entre atores políticos que envolve concessão de benefícios públicos, na forma de empregos, benefícios fi scais, isenções, em troca de apoio político, sobretudo na forma de voto”. O clientelismo consiste numa ação entre desiguais (assimétrica) em que um é o patrão e os demais são clientes. Foi muito utilizado pelo coronelismo e em determinados períodos era a única forma das pessoas terem acesso a bens e serviços – haja vista que o Estado não os fornecia. Mas não só o coronelismo se valia desta prática, como também políticos e governos. Segundo Surama Pinto (1997), “neste tipo de relação políticos e/ou o Governo trocam com setores pobres da população votos por empregos e serviços sem a mediação de terceiros”. Essa prática vai enfraquecendo na medida em que o Estado disponibiliza serviços sociais de caráter universal a toda a população. Atenção → Não confunda clientelismo, que pressupõe duas pessoas, em que se trocam benefícios por apoio político, com fi siologismo, que se caracteriza pela ação de grupos, que buscam vantagens pessoais em detrimento do interesse público. Book_Adm Pública.indb 141 31/3/2010 16:37:53 Administração Pública — Augustinho Paludo142 Sé rie P ro va s e Co nc ur so s ELSEVIER Diferentemente do clientelismo, o corporativismo é uma prática de organização social com base em entidades representativas de interesses das categorias profi ssionais. É uma ação sindical, política, em que prevalece a defesa dos interesses ou privilégios de um setor organizado da sociedade (Dicionário Aurélio, 2003). Essas entidades contam com o apoio do Estado e detêm o monopólio da representação (um sindicatopara cada categoria). Segundo Philippe Schmitter (1979), no corporativismo, a representação de interesses é ordenada com um número limitado de categorias únicas, obrigatórias, não competitivas, organizadas hierarquicamente e diferenciadas funcionalmente, reconhecidas ou autorizadas (se não criadas) pelo Estado, que lhes concede deliberadamente o monopólio da representação no interior de suas respectivas categorias em troca do controle, seleção de lideranças e subsídios. O corporativismo é utilizado para remoção ou neutralização de confl itos: econômicos, relacionados à concorrência de mercado; sociais, relacionados à luta de classes; e políticos, relacionados aos confl itos partidários. O corporativismo é típico de governos autoritários (como o fascismo). No Brasil, foi fortemente utilizado no Governo Vargas e caracterizou-se pela exclusão da grande maioria dos trabalhadores. A doutrina menciona dois tipos de corporativismo: O corporativismo estatal – no qual o Estado era quem escolhia os interlocutores e lhes concedia a representação monopolista de interesses (somente para quem aceitasse as regras impostas pelo Estado). O número dessas entidades era limitado e, regra geral, eram criadas pelo próprio Estado: assim o Estado acabava por controlar a classe trabalhadora por intermédio dessas entidades. Para Nelson Oliveira (2001), eram “instrumentos de controle da força de trabalho... criação de um sindicalismo ofi cial, sem nenhuma possibilidade de liberdade e vigiado por uma aparelhada e violenta repressão”. Esse era o modelo utilizado por Vargas. O neocorporativismo (ou corporativismo societal) – nesse caso a representação ocorre entre a sociedade civil e o Estado. Existe um grande número de associações/ entidades representativas que passam a decidir com o Estado a questão das políticas públicas. Regra geral, elas também detêm o monopólio da representação; no entanto, o Estado não cria essas entidades, mas concede-lhes o reconhecimento institucional e lhes delega algumas funções (públicas ou semipúblicas – Claus Offe,1989). No neocorporativismo são as entidades privadas que conquistam o direito de participar do processo decisório. Book_Adm Pública.indb 142 31/3/2010 16:37:53 Capítulo 5 — Governabilidade, Governança e AccountabilityCAMPUS 143 Série Provas e Concursos O neocorporativismo originou-se na Europa — no período pós-Segunda Guerra — como fruto do capitalismo e da democracia, e como forma de solução de confl itos interclasses, num momento de fraca representatividade dos partidos políticos. Para Phillip Schmitter (1989), “o neocorporatismo representa um arranjo institucional ligando interesses organizados associativamente com as estruturas decisionais do Estado”. Foi uma forma encontrada para integrar a classe trabalhadora organizada ao Estado e ao capitalismo — construindo pactos/acordos tripartites — com vistas a acelerar o crescimento econômico. Para Wilma Keller (1995), o neocorporativismo expressa “uma articulação entre Estado, sindicatos e empresariado, em que a força e a autonomia dos sindicatos constitui uma condição para a consolidação de sistemas tripartites de formulação de políticas”. Um exemplo atual são as câmaras setoriais, das quais participam trabalhadores, empresários e representantes do Estado. Maria Labra (1999) considera o neocorporativismo como uma forma “ideal de formulação de políticas, traduz ações concertadas, cooperativas, que envolvem tanto escolhas entre cursos alternativos, quanto a representação e intermediação de interesses”. Marino Regini (1986) destaca que “num sistema neocorporativo, a organização representativa dos interesses particulares é livre para aceitar ou não suas relações com o Estado, contribuindo, portanto, para defi ni-las, enquanto no corporativismo clássico é o próprio Estado que impõe e defi ne estas relações”. Atenção → São diferenças marcantes entre o corporativismo e o neocorporativismo: no primeiro caso, o Estado cria as entidades e impõe às regras do jogo; e no segundo, o Estado não cria, e as associações e entidades representativas são livres para aceitarem (ou não) a representação de interesses. A teoria do italiano Norberto Bobbio (1991) descreve a governabilidade e a não governabilidade como fenômenos incompletos, “processos em curso”. A não governabilidade é uma espécie de crise que engloba a governabilidade e a governança ao mesmo tempo. Relaciona-se, de um lado, com a crise econômica do mercado, que resulta numa crise fi scal do Estado, e, de outro, com a crise do não atendimento ao excesso das demandas advindas da sociedade. Bobbio denomina a não governabilidade como “a soma de uma crise de input (entradas, insumos) e de uma crise de output (saídas, produtos)”. Na crise de saídas a governança Book_Adm Pública.indb 143 31/3/2010 16:37:53 Administração Pública — Augustinho Paludo144 Sé rie P ro va s e Co nc ur so s ELSEVIER administrativa não consegue atender às demandas, o que acaba por gerar a crise de entradas, no que se refere ao apoio político e da sociedade ao governo, que diminui/enfraquece a autoridade política e afeta a legitimidade. Atenção → Não governabilidade é diferente de ingovernabilidade: ingover- nabilidade ocorre quando falta ao Governo o apoio necessário, a legitimidade (falta de apoio político dos parlamentares e falta de apoio popular); não governabilidade é a soma de duas crises simultâneas: a crise de governabilidade aliada a uma crise de governança. A governabilidade tem na governança seu meio de atuação. Assim, uma boa governança auxilia no processo de legitimação dos governos e aumenta sua governabilidade. 5.2. Governança Na iniciativa privada a governança corporativa representa o modo como as organizações são administradas e controladas, e como interagem com as partes interessadas. Inclui políticas, estratégia e cultura, e orienta-se pelos princípios da transparência, equidade, responsabilidade por resultados, cumprimento das normas e accountability. Governança pública, no entanto, é compreendida como a capacidade de governar, capacidade de decidir e implementar políticas públicas que atendam às necessidades da população. Segundo Bresser-Pereira (1998), “governança é a capacidade fi nanceira e administrativa, em sentido amplo, de um governo implementar políticas”. Governança relaciona-se com a competência técnica, que abrange as capacidades gerencial, fi nanceira e técnica propriamente dita, e tem nos agentes públicos, em sentido amplo, e nos servidores públicos, em sentido estrito, a sua fonte de origem. “Existe governança em um Estado quando seu governo tem as condições fi nanceiras e administrativas para transformar em realidade as decisões que toma.” O Caderno Mare no 01 menciona que a governança será alcançada quando o Estado se tornar mais forte, embora menor: mais forte fi nanceiramente, superando a crise fi scal que o abalou nos anos 1980; mais forte estruturalmente, com uma clara delimitação de sua área de atuação e uma precisa distinção entre seu núcleo Book_Adm Pública.indb 144 31/3/2010 16:37:53 Capítulo 5 — Governabilidade, Governança e AccountabilityCAMPUS 145 Série Provas e Concursos estratégico, em que as decisões são tomadas, e suas unidades descentralizadas; mais forte estrategicamente, dotado de elites políticas capazes de tomar as decisões políticas e econômicas necessárias; e administrativamente forte, contando com uma alta burocracia tecnicamente capaz e motivada. A governança envolve o modo/forma pelo qual o Governo se organiza para prestar serviços à sociedade; o modo/forma de gestão dos recursos públicos; o modo/forma como divulga suas informações; o modo/forma como se relaciona com a sociedade civil; e o modo/forma como constrói os arranjos/acordos institucionais necessários à implementaçãodas políticas públicas. A governança é instrumental, é o braço operacional da governabilidade, “pode ser entendida como a outra face de um mesmo processo, ou seja, como os aspectos adjetivos/instrumentais da governabilidade” (Vinícius Araujo, 2002). Por ser um instrumento da governabilidade para a realização dos fi ns do Estado, a governança pressupõe condições mínimas de governabilidade, ou seja, em situações de crise grave ou de ruptura institucional, que afetem a governabilidade, a governança restará comprometida, haja vista o seu caráter instrumental. “Sem governabilidade é impossível governança” (Caderno Maré no 01). Atenção 1 → Uma boa governança fortalece a legitimidade do Governo e umenta sua governabilidade. Atenção 2 → Mesmo sendo instrumental, para a Esaf o conceito de governança possui um caráter mais amplo que o conceito de governabilidade. A governança federal apresentou significativa evolução mediante investimentos em capacitação e treinamento dos servidores públicos, mediante a incorporação de técnicas utilizadas pelo setor privado, e mediante a utilização intensiva de sistemas informatizados como ferramenta de gestão estratégica, tática e operacional. Um novo termo surgiu nesse contexto: é a nova governança pública – que inclui a participação do mercado e da sociedade civil nas decisões –, o que difi culta ainda mais a distinção dos termos governança versus governabilidade. A nova governança seria uma espécie de “ponte” entre os interesses do mercado e da sociedade civil e a governabilidade. “A governança, de fato, ultrapassa os aspectos operacionais das políticas, incluindo mecanismos de agregação de interesses, de decisões políticas, de redes informacionais e de defi nições estratégicas” (Jardim, apud Wagner Araujo e Book_Adm Pública.indb 145 31/3/2010 16:37:53 Administração Pública — Augustinho Paludo146 Sé rie P ro va s e Co nc ur so s ELSEVIER Marco Gomes, 2006). Palavras como alianças, acordos, parcerias e cooperação (entre governo, mercado e sociedade) surgem fortes nesse novo conceito. Atenção → Alianças, acordos, parcerias e cooperação também fazem parte da governabilidade. Diferencie-os desta maneira: se forem utilizados para legitimar os governos, para obtenção de apoio político, se referem à governabilidade; se forem utilizados num sentido mais operacional, de decisões e ações relacionadas a melhores formas de prestar/controlar os serviços públicos, então referem-se à governança. A nova governança contempla a possibilidade de múltiplas participações e parcerias intra e interorganizacionais na tomada de decisão e na implementação/ controle das políticas públicas, gerando corresponsabilidade. Essa nova governança possui um conceito mais amplo. Segundo Eduardo Grin (2008), o que as novas formas de governança participativa buscam é a construção de uma esfera pública não estatal e uma prática política que fortaleça a auto-organização da sociedade civil. A legitimidade se desloca do poder constituído e autorreferenciado para os canais institucionalizados de participação popular. É esse processo de “cogestão” que combina democracia direta e democracia representativa e faz a sociedade civil chancelar a legitimação do Estado e seu papel de ente regulador da relação dos diversos atores sociais e políticos. Outro termo recente é a governança eletrônica, que abrange o termo Governo Eletrônico, sendo este um dos meios para efetivação dessa governança. A governança eletrônica (e-governance) engloba políticas, estratégias e recursos necessários à efetivação do Governo Eletrônico, para sua utilização político-social. Através de meios eletrônicos promove a interação entre governantes e governados (Riley, 2003). As novas tecnologias vêm sendo utilizadas como instrumentos para o incremento da governança pública. Fazem parte dessa governança: a divulgação de informações públicas, a facilitação de acesso aos serviços públicos, o suporte à elaboração de políticas públicas e a abertura de canal para a participação do cidadão no processo de decisório – mediante a utilização da tecnologia de informação e comunicação, especialmente a internet. Atenção → Governança eletrônica refere-se à capacidade dos governos utilizarem as tecnologias de informação e comunicação para – com a participação Book_Adm Pública.indb 146 31/3/2010 16:37:53 Capítulo 5 — Governabilidade, Governança e AccountabilityCAMPUS 147 Série Provas e Concursos dos cidadãos – defi nir e implementar políticas públicas com mais efi ciência e efetividade. Pode ser vista como uma evolução do Governo Eletrônico, focando maior participação dos cidadãos no meio público. Vários autores compartilham o pensamento de governança eletrônica: visualizam o Governo Eletrônico como um “potencializador de boas práticas de governança e catalisador de uma mudança profunda nas estruturas de governo”, e também como um instrumento capaz de proporcionar “mais efi ciência, transparência e desenvolvimento, além do provimento democrático de informações para decisão” (Marco Ruediger, 2002). A governança eletrônica utiliza a forma de “redes”, que permitem mais participação dos cidadãos no meio público, assim como na luta pela solução e atendimento de demandas locais. Na visão de Pedro Jacobi (2000), “as redes horizontalizam a articulação de demandas e se servem das modernas tecnologias de informação para disseminar seus posicionamentos, denúncias e propostas, como referencial cada vez mais legítimo da presença de uma emergente sociedade civil global”. As novas tecnologias proporcionaram um ambiente propício para a governança em rede, num momento em que fl orece o associativismo civil em escala nacional e local, com o crescimento acelerado das ONGs, tanto em número quanto em tamanho, que se articulam e ganham legitimidade e liberdade de atuação, em parceria ou com o fomento do Estado, num ambiente democrático. 5.3. Accountability Embora de origem remota, o termo accountability “veio para fi car” a partir da terceira onda de democratização dos anos 1980-1990. Um dos objetivos dos regimes democráticos é aumentar a responsabilização (accountability) dos governantes. Os políticos devem estar permanentemente prestando contas aos cidadãos. Quanto mais clara for a responsabilidade do político perante os cidadãos, e a cobrança destes em relação ao governante, mais democrático será o regime (Caderno Mare no 01). A utilização de recursos públicos e a prestação de contas sempre foram objeto de debate e preocupação, haja vista os constantes e contínuos desvios e má aplicação desses recursos, aliados à falta de penalização das autoridades responsáveis pela sua destinação. Como solução, busca-se não só fortalecer os Book_Adm Pública.indb 147 31/3/2010 16:37:53 Administração Pública — Augustinho Paludo148 Sé rie P ro va s e Co nc ur so s ELSEVIER controles, mas também despertar a consciência da correta utilização dos recursos e da necessidade de prestação de contas transparentes. O controle social também exerce importante papel nesse contexto. A noção de accountability encontra-se relacionada com o uso do poder e dos recursos públicos, em que o titular da coisa pública é o cidadão, e não os políticos eleitos. Nas experiências de accountability quase sempre “estão presentes três dimensões: informação, justifi cação e punição”. Essas dimensões podem ser vistas como diferentes modos para se evitar e corrigir abusos cometidos por governos, políticos e gestores públicos, “obrigando que seu exercício seja transparente; obrigando que os atos praticados sejam justifi cados; e sujeitando o poder à ameaça de sofrer sanções” (Schleder, apud Ana Mota, 2006). O conceito de accountability pressupõe duas partes: uma que delega a responsabilidade e a outra que é responsável porgerir os recursos. Concomitantemente, cria-se a obrigação de prestação de contas por parte de quem administra os recursos, que deverá demonstrar por meio dos resultados obtidos o bom uso desses recursos. Accountability pode ser entendido como a “capacidade do sistema político de prestar contas de suas promessas aos cidadãos”. Em auditoria, accountability é “a obrigação de responder por uma responsabilidade outorgada”. Isso inclui o lado que delega responsabilidade e o lado que presta contas pelos recursos utilizados. Ana Mota (2006) entende que accountability “consiste na relação obrigacional que determina que quem recebeu um múnus de alguém deve prestar esclarecimentos de seus atos, motivando-os, e, se apurada alguma irregularidade, estará sujeito à sanção”. Refere-se à contrapartida do poder de tomar decisões e de utilizar recursos públicos, refere-se à prestação de contas. Mas não reside somente no fato da prestação de contas, mas no fato de responsabilizar-se pela correta utilização dos recursos, para que atendam às necessidades públicas e ao mesmo tempo respeitem as normas legais aplicáveis. Há um lado de responsabilização pessoal nesse conceito, por isso, quanto mais pulverizada a decisão e a aplicação dos recursos, mais difícil será o accountability (Herman Bakvis; Luc Juillet, 2004). Atenção → Accountability inclui a obrigação de prestar contas, mais a responsabilização pelos atos e resultados decorrentes da utilização dos recursos. Book_Adm Pública.indb 148 31/3/2010 16:37:53 Capítulo 5 — Governabilidade, Governança e AccountabilityCAMPUS 149 Série Provas e Concursos Outro termo utilizado nesse contexto é a “responsividade”, em que os governantes responsivos obedecem aos desejos ou às determinações dos cidadãos (o que os levaria a adotar políticas para atender a esses desejos). Os governos são responsivos “quando promovem os interesses dos cidadãos, adotando políticas escolhidas pelos cidadãos” (Araújo; Gomes, 2006). A responsividade não é um termo autônomo, ela vincula-se ao termo accountability, como um de seus elementos, assim como a responsabilidade. Segundo Lamartine Braga et al. (2008), o governo responsivo: “executa fi elmente as políticas do dia a dia; satisfaz as necessidades dos grupos de clientes; comunica-se e toma conselhos; usa políticas atuais que satisfazem as necessidades dos cidadãos envolvidos”. Num ambiente democrático há um forte aspecto político no accountability. Para Adam Przeworski (1996), há accountability nos governos quando “os cidadãos têm possibilidade de discernir aqueles que agem em seu benefício”, e assim são capazes de lhes conceder aprovação e/ou lhes impor sanções, de forma que “os governantes que atuam em prol do benefício dos cidadãos sejam reeleitos, e os que não o fazem sejam derrotados”. Na literatura há menção a três tipos de accountability: o horizontal e o vertical estabelecidos por Guillermo O’donnel, e o societal. O accountability horizontal ocorre através da mútua fi scalização e controle existente entre os poderes (os freios e contrapesos), ou entre os órgãos, por meio dos Tribunais de Contas ou Controladorias Gerais e agências fi scalizadoras – pressupõe uma ação entre iguais ou autônomos. Esse accountability refere-se à “transparência das ações da gestão pública em relação aos agentes que podem fi scalizá-las e puni- las” (Marcelo Amaral, 2007). O accountability horizontal pressupõe que existam órgãos próprios de Estado detentores de “poder e capacidade, legal e de fato, para realizar ações, tanto de monitoramento de rotina quanto de imposição de sanções criminais ou de impeachment, em relação a ações ou omissões ilegais exercidas por outros órgãos ou agentes do Estado” (O’donel, apud Ana Mota, 2006). Atenção → A ação entre iguais ocorre entre os poderes (freios e contrapesos) e a ação entre autônomos se dá mediante as agências e órgãos (dos poderes ou independentes). São mecanismos/instrumentos de exercício do accountability horizontal: o sistema de freios e contrapesos estabelecidos na Constituição; a atuação do Ministério Público; os Tribunais de Contas, as Controladorias Gerais e agências Book_Adm Pública.indb 149 31/3/2010 16:37:53 Administração Pública — Augustinho Paludo150 Sé rie P ro va s e Co nc ur so s ELSEVIER fi scalizadoras; as ouvidorias públicas; os partidos políticos. Há autores que também incluem a imprensa em geral. O accountability vertical ocorre quando os cidadãos controlam os políticos e governos por meio de plebiscito, referendo e voto, ou mediante o exercício do controle social – pressupõe uma ação entre desiguais. O accountability vertical refere-se à “transparência das gestões em relação aos eleitores que podem assim fi scalizá-las e puni-las, principalmente através do voto em eleições livres e justas” (Marcelo Amaral, 2007). Na teoria da relação agente-principal, os cidadãos são o “principal” e os governos e políticos são o “agente”. O accountability vertical tem caráter político e pode ser considerado um mecanismo de soberania popular, incidindo sobre os atos dos políticos e demais agentes públicos. Os principais mecanismos/instrumentos são o voto e a ação popular. Para O’donel apud Ana Mota (2006) accountability vertical são “os mecanismos institucionais que possibilitam ao cidadão e à sociedade civil exigir a prestação de contas pelos agentes públicos, sendo as eleições livres e justas o principal”. Atenção → Os principais mecanismos de accountability vertical são o voto e a ação popular. O terceiro tipo é o accountability social (ou societal), que não está ligado ao cidadão e ao voto, mas às diversas entidades sociais como associações, sindicatos, ONGs, mídia etc., que investigam e denunciam abusos cometidos, e cobram responsabilização. Segundo Smulovitz e Peruzzotti (2000) o accountability social é um mecanismo de controle não eleitoral, que utiliza ferramentas institucionais e não institucionais, e envolve múltiplas associações, movimentos ou mídia, com vistas a expor erros e falhas do governo, incluir novas questões na agenda pública ou infl uenciar as decisões políticas. É uma espécie de controle social realizado pela sociedade civil, que procura alcançar também os burocratas gestores, e não somente políticos ou governos. Características dessas entidades são a grande diferença (assimetria) de recursos, e a ausência de mandato legal para o exercício de accountability. O accountability societal é incapaz de aplicar sanções contra os agentes públicos em casos de transgressões, pois não possui competência/poder legal para isso; e pressupõe a existência de liberdade de expressão para denunciar os Book_Adm Pública.indb 150 31/3/2010 16:37:53 Capítulo 5 — Governabilidade, Governança e AccountabilityCAMPUS 151 Série Provas e Concursos erros/falhas dos governos e gestores públicos. Segundo Luis Miguel (2005), suas advertências e denúncias ganham efetividade apenas quando sensibilizam alguma instituição de controle: o Ministério Público, o Tribunal de Contas, ou o eleitorado. Atenção → O accountability societal é capaz de alcançar também os gestores públicos. Accountability no Brasil O processo de construção do accountability é lento, e depende em grande parte de cobrança pela população. “Queremos dizer que o accountability é um processo em construção na sociedade brasileira, e não dá para esperar da noite para o dia uma mudança radical nos processos e na cultura política” (José Pinho, 2008). Falta mais consciência e organização por parte da sociedade e dos cidadãos. Segundo Ana Campos (1990), “somente a partir da organização de cidadãos vigilantes e conscientes de seus direitos haverá condição para o accountability. Não haverá tal condição enquanto o povo se defi nir como tutelado e o Estado como tutor”. Os autoresconsideram que no Brasil existe “uma situação de fraca accountability”. O resultado vem de uma baixa pressão por transparência e prestação de contas pela sociedade, aliada ao “insulamento” dos governos em relação à sociedade civil. Atenção → No Brasil existe uma situação de fraca accountability. Embora a “situação geral” no Brasil seja de fraca accountability, cabe destacar os investimentos maciços em tecnocologia da informação realizados pelo Governo Federal, e a enorme quantidade de informações disponibilizadas nos portais públicos. Nesse ponto, creio que a situação geral é fortemente infl uenciada por Estados e Municípios e que na esfera Federal a situação de accountability seja diferente e melhor, haja vista os esforços signifi cativos despendidos pelo atual Governo Lula nesse sentido. No entanto, quanto à responsabilização pelos recursos utilizados estamos realmente gatinhando, visto que, em regra, os maus gestores não são punidos quando utilizam incorretamente os recursos públicos. Book_Adm Pública.indb 151 31/3/2010 16:37:53